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sexta-feira, 29 de junho de 2018

Cortina de fumaça: Globo agora ataca os advogados de Lula (Joaquim de Carvalho)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 29/jun/2018...

Cortina de fumaça: Globo agora ataca os advogados de Lula

 
Os advogados de Lula, durante julgamento no STF
Pelo que se vê das decisões dos magistrados que estão à frente da Lava Jato, não é exagero dizer que a condenação de Lula já estava decidida antes mesmo que o procurador Deltan Dallagnol apresentasse em power point a primeira denúncia contra o ex-presidente.
Mas quem lê a edição desta semana da revista Época, do grupo Globo, pode chegar a outra conclusão: a culpa pela condenação de Lula é de sua defesa, que estaria dividida.
Segundo reportagem de sete paginas — uma enormidade para uma revista que encolheu nos últimos meses e se tornou encarte do jornal O Globo —, Cristiano Zanin Martins, à frente dos processos de Lula desde o primeiro dia, estaria se desentendendo com Sepúlveda Pertence, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal.
O texto cita um fato público para chegar a uma conclusão equivocada: houve mesmo divergência entre os advogados, mas não pelas razões apresentadas.
O fato público: o G1, do mesmo grupo que edita O Globo, publicou na semana passada texto com o título que destacava um suposto pedido dos advogados de prisão domiciliar para Lula.
Esse pedido nunca existiu formalmente e, por isso, Cristiano Zanin Martins divulgou nota para informar que a defesa de Lula reiterava o pedido de liberdade plena ao ex-presidente.
Alguns dias depois, Lula recebeu o pastor Ariovaldo Ramos na prisão e disse a ele que, de fato, não queria prisão domiciliar nem outra forma de cumprimento de pena.
A ele, só interessava a liberdade plena.
Quem tem certeza da própria inocência e uma biografia a defender não negocia meia prisão ou meia liberdade. Luta pelo reconhecimento público de que não é criminoso.
Ramos, ao deixar a Superintendência da PF em Curitiba, fez essa declaração, provavelmente a pedido do próprio Lula.
Foi um claro endosso à nota de Zanin, mas também é enganoso imaginar que Lula tenha querido apenas prestigiar o advogado.
Quem acompanha os desdobramentos dos processos judiciais a que Lula está sendo submetido sabe que o ex-presidente sempre rejeitou qualquer outra hipótese que não seja a absolvição.
A nota de Zanin, portanto, não saiu da cabeça dele, nem foi uma afronta a Sepúlveda Pertence, que ele reconhece como um dos mais respeitados juristas e cuja contratação apoiou.
Foi uma manifestação de lealdade a Lula, seu cliente.
Por sua vez, Sepúlveda Pertence agiu como ex-presidente do STF ao supostamente concordar com a prisão domiciliar a Lula.
Com cultura de magistrado, ele entendeu que, transformando o regime fechado de cumprimento (antecipado) da pena pela prisão domiciliar, estaria beneficiando o cliente.
Na verdade, se estivesse defendendo qualquer outro pessoa, seria um golaço de advogado, pois,  de fato, quem não gostaria de cumprir pena em casa em vez de permanecer trancado em uma sala de 15 metros quadrados?
Todos, menos Lula. Melhor: Lula não concorda com o cumprimento de pena em lugar nenhum. Se o trancam ou se o mandam para casa, o fazem por conta própria, não com anuência ou pedido dele. Soberba? Jamais. Então por quê?
Porque Lula não é mais apenas uma pessoa física, ele é um ser histórico na plenitude da expressão.
Ou, como Lula disse em seu último discurso, ele é uma ideia. E ideias não podem ser encarceradas.
Por isso, não faz sentido que ele peça prisão domiciliar, que poderia parecer reconhecimento de culpa.
Se o STF quer conceder a domiciliar, que o faça, mas não pode ser este o pedido da defesa.
A defesa de Lula é de alta complexidade, porque não envolve apenas questões jurídicas. Seus advogados trabalham com a lei em uma mão e a biografia de Lula na outra.
É uma situação que lembra muito uma passagem da peça O Santo Inquérito, de Dias Gomes.
A certa altura, Branca diz ao noivo, que estava preso e sendo torturado, que dissesse tudo que seus algozes queriam. Só assim eles deixariam de torturá-lo.
Augusto, o noivo, responde com uma frase lapidar:
“Há um mínimo de dignidade que não se pode negociar. Nem mesmo em troca do sol. Nem mesmo em troca da liberdade.”
Este é o ponto.
No cenário da vida real, a prisão domiciliar de Lula é muito mais uma solução para a Justiça do que para o ex-presidente.
Lula é muito maior do que o cárcere e seus carcereiros. A cada dia, fica mais evidente que é alvo de perseguição.
Basta ver que, depois que foi preso, a rejeição a uma candidatura dele a presidente caiu e sua liderança se manteve.
Ao mesmo tempo, a imagem do Poder Judiciário está cada vez mais negativa e, nesse ponto, é preciso reconhecer que, ao contrário do que informou Época, a estratégia de defesa técnica e firme do escritório de Cristiano Zanin Martins foi correta.
Ao lado de Zanin, tem papel destacado na defesa de Lula Valeska Teixeira, que também é advogada experiente e esposa dele.
Os dois não são criminalistas de formação e talvez esteja aí uma vantagem da defesa, combinada com a experiência e prestígio de José Roberto Batochio, ex-presidente da OAB, ele sim figura de peso no direito penal brasileiro.
No que diz respeito apenas à experiência de Zanin e Valeska, a atuação deles em casos empresariais complexos, nos quais situações que podem ser entendidas como criminais esbarram em questões civis e meramente tributárias, permite a Lula uma abordagem mais abrangente das acusações.
Em vez de discutir apenas questões penais, seus advogados vão ao âmago das denúncias, discutem o mérito das acusações.
Por exemplo, essa experiência mais abrangente permitiu incluir no processo criminal documentos que desmontavam a acusação de que Lula recebeu o triplex do Guarujá como propina.
O escritório vasculhou cartórios até encontrar documentos que mostravam que a OAS havia dado os imóveis em garantia de operações bancárias e no processo de recuperação judicial.
Moro desprezou a prova, mas até o trabalhador mais simples sabe que o ex-presidente teria que ser burro se aceitasse como propina um apartamento penhorado.
Qualquer estagiário sabe que, no direito penal, o ônus da prova cabe a quem acusa.
Mas, com Zanin e Valeska, o ex-presidente fez o caminho inverso dos processos criminais: apresentou provas de inocência.
Não era esse o objetivo, mas, tornando públicos a inconsistência e as incoerências das acusações, os dois contribuíram muito para inverter as curvas de popularidade de Lula e de Moro.
Quando começou a Lava Jato, Moro tinha 90% de aprovação. Hoje, segundo a última pesquisa Ipsos, apenas 37% dos brasileiros aprovam a atuação do juiz.
Nenhum criminalista toparia ir à ONU para denunciar o Estado brasileiro pela prática de lawfare, isto é, o uso do aparato legal para derrotar um cidadão, visto como inimigo.
ONU aceitou a denúncia, e é difícil que não seja convencida de que a parcialidade escancarada de setores do Judiciário brasileiro — cujo símbolo maior é Moro — não seja vista como uma estratégia de guerra para destruir uma liderança política.
O time que defende Lula há mais tempo — como Batochio, Zanin e Valeska — tem consciência de que a defesa do ex-presidente não se limita ao ambiente dos tribunais — não por vontade deles, mas pela aliança notória que existe entre policiais, procuradores e juízes com a velha imprensa.
Enquanto uns seguram, outros batem.
Sepúlveda entrou no processo quando a condenação pelo TRF-4 já estava consumada. É o advogado perfeito para a batalha que se trava no Supremo.
Fez o que qualquer jurista da sua envergadura faria: procurou convencer os ministros da inocência de Lula.
É claro que quer a sua liberdade, mas, não a conseguindo, concordou com uma medida possível. O STF é um tribunal político, e não só a corte suprema do Brasil.
Por isso, é natural que tenha se melindrado com a nota do escritório de Zanin.
Mas Lula, demonstrando que, mesmo preso, não perdeu a conhecida habilidade política, percebeu e por fez Sepúlveda saber que gostaria que o visitasse.
Deve agradecer pela defesa que faz no Supremo, seu empenho pela liberdade dele, e lembrar que os dois são muito maiores que aqueles que querem lhe conceder meia liberdade ou meia prisão.
No fundo, ambos sabem que “há um mínimo de dignidade que não se pode negociar”.
.x.x.x.
PS: Quanto à reportagem de Época, sem fonte com nome e sobrenome, apenas com aspas de “um petista”, fica nítido que a velha imprensa persiste na estratégia da cortina de fumaça. Centra o foco na defesa de Lula quando, na verdade, deveria abordar a escandalosa manobra de Fachin para manter Lula preso e, também, para o antecipar o veredito sobre sua inelegibilidade. O escândalo está aí, mas Época gasta sete páginas para falar de um mal estar entre advogados.

quinta-feira, 28 de junho de 2018

Petição online por retratação da TV Cultura com Manuela já ultrapassou 30 mil assinaturas

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 28/jun/2018...


Petição online por retratação da TV Cultura com Manuela já ultrapassou 30 mil assinaturas. Na última segunda-feira (25) no programa de entrevistas Roda Viva da TV Cultura, a candidata à presidência da República pelo PCdoB, Manuela D’Ávila...

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quarta-feira, 27 de junho de 2018

Fachin e a metamorfose... (Carlos Fernandes)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 27/jun/2018...

Fachin e a metamorfose: de jurista respeitado a um verme no STF. Por Carlos Fernandes

 
Virou lugar comum criticar Lula e Dilma pelas escolhas que fizeram para ministros do Supremo Tribunal Federal.
De um espectro a outro do campo político, o crepúsculo pelo qual passa atualmente a suprema corte brasileira deve-se exclusivamente a essas indicações.
Segundo alguns, por isso mesmo, seria o próprio PT o culpado pelo golpe de Estado sofrido em 2016 uma vez que todo o processo foi realizado com a escandalosa e imoral chancela do STF.
No que pese o fato do PT ter indicado 7 dos 11 juízes que ora formam o plenário do apogeu da justiça no Brasil, a tese, entre outras coisas, descamba para aquela velha e açodada teoria de culpar a vítima pelo crime ao qual foi submetido.
Além de moralmente reprovável, essa vertente de pensamento desconsidera fatores particulares (a meu ver ainda obscuros da condição humana) que, para o caso em questão, foram e são determinantes para essa tragédia que se transformou a última barreira da democracia: a justiça.
Tomemos como exemplo o caso mais atual, emblemático e desmoralizante da decadência humana, moral e ética que se abateu sobre o que outrora era tido como um jurista de sólidas bases progressistas e hoje não passa, nas palavras mesmas de um antigo amigo, de um verme: Luiz Edson Fachin.
O eminente ministro que há não muito tempo atrás advogava em prol de movimentos sociais e defendia os interesses do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), hoje é exatamente o mesmo que “manobra” (um termo obsceno no bom direito) para que uma injustiça se perpetue.
O que Fachin tem feito no STF destoa abruptamente com tudo o que representou enquanto advogado, jurista e professor da UFPR.
Tanto que à época de sua indicação pela então presidenta Dilma, o Estadão publicou mais uma de suas matérias insinuando que a sua aprovação pelo Senado estaria ameaçada em função de suas ligações com a CUT e com o MST.
Naquele momento ninguém, nem o mais otimista dos fascistas reacionários, imaginaria no que Fachin viria a se transformar.
Se assim podemos chamar, a “metamorfose” pela qual passou um homem que já soma seis décadas de existência, justamente no ápice de sua carreira, é a demonstração final e devastadora de que a pior forma de envelhecer é caducar o seu caráter.
O escritor José de Alencar dizia que é na idade da ambição que se prova a têmpera dos homens.
Penso que o magistral Franz Kafka idealizou a transformação de Gregor Sansa num inseto como uma analogia ao seu destino asqueroso.
Talvez esteja nesses dois fatores – a idade da ambição proposta por Alencar e a previsão de um destino asqueroso vislumbrado por Kafka – a origem para essa triste e acabada alegoria que hoje determina Fachin:
A de ser um mísero verme no STF.

domingo, 24 de junho de 2018

Que tal exigir evidências científicas nas decisões do seu tribunal? (Lenio Luiz Streck)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 24/jun/2018...

Que tal exigir evidências científicas nas decisões do seu tribunal?

7 de junho de 2018, 8h00

Caricatura Lenio Luiz Streck (nova) [Spacca]
Não, não se assuste com o primeiro parágrafo. Isto porque, na área jurídica, epistemologia pode ser visto como um palavrão, mas é o ramo da filosofia que cuida da seguinte questão: O que podemos conhecer/compreender? A obviedade é apenas aparente; não temos uma epistemologia adequada sobre uma série de questões, das mais fundamentais. No campo de conhecimento chamado “Direito”, não há uma exigência de consistência lógica no discurso jurídico. Deveria haver. Mas não há.

Li na Folha de S.Paulo coluna assinada por Reinaldo José Lopes, intitulada Vote com Ciência. Bem, não é sobre as eleições que quero discutir. Todos sabem, não sou cientista político; sou jurista, e, portanto, falo sobre Direito. Pois é. Em tempos de ceticismos e pragmatismos, quem fala sobre Direito é quase um subversivo.
O ponto é que a coluna de Reinaldo José Lopes traz, na chamada, uma pergunta que me inspirou a fazer a coluna de hoje. Ele pergunta: “que tal exigir evidências científicas antes de aceitar os planos mirabolantes do seu candidato?”
Pois eu pergunto: que tal exigir evidências científicas antes de aceitar as decisões, “mirabolantes ou não”, do seu tribunal?
Já é de há muito que, no Brasil, convivemos com decisões das mais estranhas, incoerentes e afastadas dos mínimos limites interpretativos, sem que exijamos delas qualquer evidência científica. Por aqui, ao que parece, não temos uma epistemologia no sentido de discutir as condições de possibilidade de fazer um conhecimento rigoroso. No fundo, é buscar a prova da prova ou a fundamentação do fundamentar.
Senão, vejamos. Convido o leitor a refletir sobre algumas questões.
Quantos tribunais — STF incluso — proferem decisões que não passam por aquilo que passei a chamar, no meu Dicionário de Hermenêutica, de CHS (Condição Hermenêutica de Sentido)?
Explico — e utilizo, para tanto, o velho neopositivismo lógico — para mostrar que não inventei isso e nem a sua condição semântica de sentido (que me serviu de base para a CHS). De uma forma simples, é assim: por ela, um enunciado só é verdadeiro se passar pelo filtro da sintaxe e da semântica. Se eu digo “chove lá fora”, esse enunciado pode ser testado. Sintaticamente, correto. E semanticamente? Fácil. Basta olhar para fora. Se estiver chovendo, ótimo. Se o sol estiver brilhando, basta colocar um “não” no enunciado. Enunciado verdadeiro. Como se diz na minha terra, “batata”, uma forma agudense de dizer “bingo”.
Feita a explicação, pergunto novamente: Quantas decisões jurídicas (não) passam pela condição hermenêutica de sentido? Coloque a palavra “não” na frente dos enunciados e constate. No meu Dicionário, no verbete sobre Resposta Adequada à Constituição, uso o exemplo da decisão em que uma juíza do Rio de Janeiro nega ao detento o direito de não cortar o cabelo, enquanto que, para as mulheres, era dado esse direito. Argumento: as mulheres são mais higiênicas que os homens. Batata de novo: se eu colocar um “não”, que diferença faz? Não há qualquer possibilidade empírica de verificar a veracidade do enunciado. Do mesmo modo, quando uma decisão nega habeas corpus com base no clamor social, coloque um “não”. Que diferença faz? Como aferir o clamor? Existiria uma “clamorômetro”? E assim por diante. É batata. Não falha.
Sigamos. Agora para além do critério da CHS, lançando mão de outros critérios epistêmicos. Quantos tribunais do país descontextualizam autores e suas obras? Por exemplo: se uma decisão é proferida sustentando que o clamor social deve ser levado em conta e, para isso, é citado um autor como Konrad Hesse, a decisão não possui qualquer evidência científica, pela simples razão de que Hesse pensa o contrário disso. E assim por diante. Se a fundamentação não tem evidência, a conclusão pode estar falseada pelo raciocínio incorreto.
Retomo aqui a belíssima pesquisa de Fausto de Morais, sob minha orientação (que virou livro pela Editora Juspodivm). Em 189 decisões que fazem menção à “proporcionalidade”, em nenhuma delas Alexy foi usado de acordo com o seu criador. Em parcela delas, a tese alexiana, aplicada stricto sensu, poderia levar à conclusão contrária.
Isso não fica só em Alexy. E Dworkin, sendo utilizado para sustentar a colegialidade? Falei sobre isso com Peluso Meyer aqui. E quando se aplica Kelsen como se este fosse um positivista exegético? Ou quando se escreve, em uma decisão, que em Kelsen, o juiz deve aplicar a letra (fria — sic) da lei? Zero de evidência científica nisso. E assim por diante. É batata.
Há uma decisão importante no STF sustentada em Malatesta, quem teria dito que só o extraordinário se prova; o ordinário se presume. Lendo Malatesta, vê-se que há, nisso, zero de evidência científica. Malatesta diz o contrário. Como se contesta um enunciado sem evidência científica? Demonstrando. Indo à fonte. Basta ler a Lógica das Provas, páginas 63, 143 e 144. Logo, o voto baseado em evidência falsa não pode ser aceito como fundamento para tirar a liberdade de uma pessoa. Simples assim.
Faço outra pergunta incômoda: dos argumentos utilizados em decisões judiciais (sentenças, acórdãos), quantas (e quais) são, de fato, baseadas em argumentos jurídicos, cientificamente demonstráveis? “Decido x, e não y.” Por quê? “Porque é bom que x.” “Porque, nos Estados Unidos, é x.” “Porque xé mais eficiente.” Ou “no meu sentir”. A pergunta que cabe é: o que o Direito “diz” sobre isso? Ninguém vai ao judiciário para saber a opinião pessoal do julgador. Por exemplo: o desembargador diz que, embora ele reconheça que não pode decidir monocraticamente o tema, decide, porque ele pensa assim. A parte faz agravo interno e... leva multa. Se não faz agravo e vai ao STJ, este não conhece porquê... não foi exaurida a instância. Evidências? Científicas? Onde? Se o Direito fosse Medicina, ainda não haveria penicilina. E médicos não lavariam as mãos antes de operar. Se é que operariam.
A (COJ) Crença na Onipotência do Julgador — que hoje substitui a onipotência do legislador do longínquo século XIX — além de ser antidemocrática, produz estragos pela total falta de evidências científicas, como se pode ver em uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região em embargos de declaração. Eis a ementa que resume “fielmente” a decisão: “Embargos Declaratórios não se destinam à nova decisão ou exercícios interpretativos”. Aliás, lendo a decisão, não se entende do que se trata. E o que dizer de inúmeros julgados que dizem o contrário do que disse o TRT-4? Não se leva mais de 30 segundos no Google para encontrar evidências que apontam para o contrário do que decidiu o TRT-4. A propósito: o que seriam “exercícios interpretativos”?
Em Santa Catarina, desembargador, contra a lei, concede pensão a ex-esposa porque ela cuidou do marido doente. Como ele finaliza o voto? Assim: “É como penso. É como voto.” É preciso dizer mais alguma coisa? O que os leitores pensam? E os contribuintes?
Por que estou dizendo tudo isso? Ora, porque isso não pode ser assim. Há evidências científicas sobre o que o julgador fez constar na decisão? O que é evidência? Simples: Os autores disseram mesmo o que foi dito que disseram? Estão no contexto? E as teorias aludidas: são de quem? De onde? Têm aplicação no Brasil? O “precedente” do direito dos EUA é vencedor, mesmo, nos EUA? E, em sendo, que importância ele tem para o caso concreto?
Por que não perguntamos isso? Por que não exigimos as evidências científicas antes de aceitar as decisões dos nossos tribunais? É por nossa passividade e pelo ensino jurídico capenga[1] que se aceita que as decisões façam afirmações sem qualquer evidência científica. E existem muitas maneiras de desnudar essa falta de cientificidade. Lamentavelmente, a comunidade jurídica se contenta com meras narrativas, na maior parte de segunda mão, impedindo-se, com isso, que se possa cobrar rigor discursivo.
Ninguém é filho de chocadeira. Não há grau zero. Perdoem a dureza e a sinceridade também: a culpa é nossa.

[1] A sala de aula dos cursos jurídicos é o criatório de equívocos, que, depois, resultam em agentes públicos que proferem decisões sem evidências científicas. Se as paredes tivessem ouvidos e se os alunos contassem o que ouvem (quando não estão mexendo nos celulares), daria para fazer uma CPI epistêmica. Uma das pautas da CPIE poderia ser: o que é isto, o positivismo jurídico (há boas evidências científicas sobre o que é o positivismo, como se pode ver em obras e textos de autores como André Coelho, Bruno Torrano, Thomas Bustamante, Rafael Tomás de Oliveira, Georges Abboud, dentre outros, e no meu Dicionário de Hermenêutica, já referido). De que modo os voluntarismos (neoconstitucionalismos, etc) se dizem — sem evidências científicas — pós-positivistas? Outra pauta para a CPIE: a epidemia provocada pelo vírus do pamprincipialismo (ver verbete sobre o tema, no Dicionário op.cit). E uma CPMIPB (Comissão Parlamentar Mista Epistêmica sobre a Ponderação à Brasileira — além da obra de Fausto, op.cit, recomendo Rafael Dalla Barba, no seu Nas Fronteiras da Argumentação) abriria a caixa de pandora do ensino e da aplicação do Direito no Brasil. Batata! Ou bingo!
 é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.

Revista Consultor Jurídico, 7 de junho de 2018, 8h00

sábado, 23 de junho de 2018

Contra a chicana jurisdicional (Eugênio José Guilherme de Aragão)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 23/jun/2018...

Contra a chicana jurisdicional

 
Lula já está preso há mais de 60 dias
POR EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME DE ARAGÃO, ex-ministro da Justiça
O Brasil foi ontem surpreendido com uma repentina guinada processual no calvário imposto ao Presidente Lula por conta da quimera do Guarujá. Estava, o tribunal regional federal da 4.ª Região, há mais de cinquenta dias, a atrasar o juízo de admissibilidade sobre os recursos especial e extraordinário, interpostos ao STJ e ao STF, respectivamente, do julgamento fulminante da apelação em janeiro passado. Só com muita grita, o presidente daquela corte resolveu, depois de mais de quarenta dias com a papelada dormitando em seu disco virtual, abri-la ao ministério público para seu óbvio parecer, pela recusa do seguimento dos recursos, é claro. E, agora, já pautado pedido cautelar na 2.ª Turma do STF, para antecipar o longevo juízo de admissibilidade, a vice-presidente do Trf resolve acordar de seu longo sono de bela-adormecida e, ainda bocejante, proferir sumário despacho de não admissão do recurso extraordinário. O recurso especial, é verdade, foi admitido, pois, no STJ, ao qual se destina, a mesma cautelar de antecipação do juízo de admissibilidade havia sido já barrada monocraticamente pelo relator.
Mas aí que está a esperteza, o ardil desleal. Diferentemente do que ocorreu no STJ, no STF, o relator, ainda que tenha negado a liminar para conferir efeito suspensivo ao recurso extraordinário, submeteu o pedido à Turma. O pedido cautelar estava para ser julgado na próxima terça feira, dia 26 de junho. Não há como deixar de constatar que o repentino despertar do tribunal convenientemente dorminhoco do sul se deveu unicamente ao intento de frustrar o julgamento da cautelar. É evidente que, para bloquear o caminho do pedido, que se prendia ao prospectivo julgamento do recurso extraordinário, esse recurso não foi admitido. Mais uma vez, a defesa do Presidente Lula é obrigada a segurar na brocha, com a escada fechada em última hora pela matreira jurisdição.
Impressionam essas andanças do Trf. Em janeiro, às carreiras, em pleno recesso das cortes superiores que pudessem exercer alguma ação disciplinadora, o tribunal resolve pautar a apelação da sentença condenatória, proferida sem qualquer prova robusta, no já famigerado caso do Tríplex do Guarujá. Passa o processo à frente de algumas dezenas de outros, sugerindo que o interesse público demandaria fosse o feito julgado sem delonga. Acertados os votos dos julgadores na turma – tão ajustados que, no dizer do jornalista Luís Nassif, pareceriam jogral dos três sobrinhos do Pato Donald – agravou-se a pena do Presidente Lula. Houve embargos. Houve pedidos às cortes superiores para impedir a quase certa prisão. Houve ouvidos moucos. Ninguém queria ou ousava impedir essa prisão, calcada numa agressão evidente à Constituição, que determina a presunção de inocência até o esgotamento de todos os recursos. E, como era prevista, a prisão se deu a toque de caixa, tão logo rejeitados os embargos e antes mesmo de sua publicação. No melhor estilo bá-buf!
Depois… ah, depois! Depois veio o longo inverno. O Presidente Lula, preso já há mais de sessenta dias, indicado candidato à Presidência da República por seu partido e na “pole position” em todas as pesquisas eleitorais, é impedido de se articular, dar entrevistas, participar de debates com seus concorrentes, submetido à desvantagem compulsória por juízes caprichosos. Atrás do palco, ouvem-se vozes jurisdicionais a ameaçarem-no com inusitado indeferimento liminar do registro de sua candidatura se ousar querer concorrer. E ninguém tem pressa agora. Não querem adentrar o mérito da condenação engendrada antes das eleições. Sabem-no inocente, sabem que a quimera do Guarujá não se sustenta à luz do quadro probatório, sabem que foi julgado por um juiz tagarela, parcialíssimo, mas mantêm-no preso para não participar das eleições.
O Trf esticou a corda ao máximo. Segurou o juízo de admissibilidade pelo tempo que pôde e só soltou a rapadura quando se abriu a perspectiva de o STF tomar a si a competência. Aí, novamente, como menino travesso, o tribunal a quo aumentou o ritmo para não levar bronca do professor.
Enquanto isso, o dito professor tem se portado com espantosa leniência. A presidente do STF não se fez de rogada e declarou, em convescote empresarial, que não se podia dar ao Presidente Lula tratamento diferenciado. Logo, não haveria qualquer consideração urgente de seu caso. Ora, ora! Tratamento diferenciado é o que sempre lhe deram, com a imprensa no pescoço. O interlúdio da pressa oportunista e do vagar maroto para impedir qualquer atuação eficiente da defesa, as declarações públicas de juízes e procuradores sobre seu caso, os pré-julgamentos lançados na mídia por alguns que ainda poderão dizer sobre sua situação jurídica, tudo isso denota, sim, um tratamento completamente fora do padrão. Mais ainda: a própria presidente do STF esmerou-se à vista de todos em não pautar ações declaratórias de constitucionalidade que pudessem restabelecer o primado do princípio da presunção de inocência. E o fez claramente para que o Presidente Lula não pudesse se beneficiar de eventual reposicionamento jurisprudencial.
Quando anunciaram que a 2.ª Turma do STF poderia vir a reexaminar a prisão do Presidente Lula ao julgar o pedido cautelar de antecipação do efeito suspensivo do recurso extraordinário interposto, a maioria de brasileiras e brasileiros com discernimento, leigos ou não, reagiram com muito cuidado, com medo de demonstrar esperança, pois, num quadro em que o judiciário se porta de forma tão tortuosa, a decepção era quase certa. E foi: em pouco mais de quarenta minutos depois de vir a público o despacho da vice-presidente do Trf, negando admissão ao recurso extraordinário, solta-se despacho do relator do pedido cautelar, julgando-o prejudicado e frustrando seu conhecimento pela 2.ª Turma do STF, já pautado para terça feira próxima. Como conseguem ser tão previsíveis nas suas manigâncias!
timing do despacho que extingue o pedido cautelar sugere que o jogo foi combinado. Afastaram dos ministros do STF um amargo cálice. Na undécima hora, preservaram-nos de terem que decidir se soltariam o Presidente Lula ou não. Ninguém disfarça. E, no entanto, a extinção do pedido cautelar não é um corolário necessário da decisão que deixou de admitir o recurso extraordinário. O próprio STF tem decidido que, proferido o juízo de admissibilidade, positivo ou negativo, instaura-se a instância ad quem. Diante da evidente manobra do Trf, deveria o STF reagir e manter a pauta, pois magistrados finórios não merecem ser homenageados com a retração da instância que lhes pode colocar freios. E, para manter a pauta, bastava se socorrer do princípio da fungibilidade dos meios recursais, prevalente em nosso processo penal, e receber o pedido cautelar já como agravo de instrumento, para forçar a subida do recurso extraordinário. Poderia dar prazo de até vinte e quatro horas para a defesa se manifestar e garantir o julgamento na terça feira. É o mínimo que se esperaria de um Tribunal Supremo a quem incumbe zelar pelo respeito aos direitos fundamentais, notadamente o do devido processo legal, o do julgamento justo e o da duração razoável do processo, pois, do contrário, ao se frustrar a pauta, qualquer nova decisão sobre a admissibilidade ficará para agosto, depois do recesso judicial. Até lá, prolongar-se-á o calvário do Presidente Lula, preso em afronta à Constituição.
Ainda é tempo. Pode e deve a defesa pedir reconsideração para manter a pauta, mas a pergunta que não quer calar é: o STF se dobrará à chicana ou colocará ordem no processo para devolver a respeitabilidade à tão abalada justiça brasileira? As próximas horas o dirão.

quinta-feira, 21 de junho de 2018

terça-feira, 19 de junho de 2018

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Procuração irrevogavel e irretratavel. A procuração em causa própria (in rem suam) não se extingue e nem se revoga em decorrência da morte do outorgante. Precedentes. STJ. J. 09/05/2017.

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 18/jun/2018...


Ementa:


RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. DESCONSTITUIÇÃO DE SENTENÇA PROFERIDA NOS AUTOS DE ARROLAMENTO. PARTILHA DE BENS.
PROCURAÇÃO EM CAUSA PRÓPRIA. VALIDADE. MORTE DO OUTORGANTE. AUSÊNCIA DE EXTINÇÃO OU REVOGAÇÃO (CC/2002, ART. 685). DOAÇÃO.
CARACTERIZAÇÃO. DILAÇÃO PROBATÓRIA. NECESSIDADE DE REMESSA DAS PARTES PARA AS VIAS ORDINÁRIAS. RECURSO DESPROVIDO.
1. A procuração em causa própria (in rem suam) não se extingue e nem se revoga em decorrência da morte do outorgante. Precedentes.
2. In casu, o v. aresto recorrido, ao rescindir a sentença homologatória da partilha e suspender o processo de arrolamento, remetendo as partes às vias ordinárias para que ali se analisasse a validade da doação do imóvel, não decidiu acerca da higidez desta, ante a ausência de elementos suficientes para aferir a disponibilidade do patrimônio do falecido e eventual prejuízo à legítima.
3. Recurso especial desprovido.
(REsp 1128140/SC, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 09/05/2017, DJe 29/05/2017).


               
Acórdão integral:


Clique:

  1. AgInt no AgInt no AREsp 864208 (2016/0057757-4 - 20/06/2017) (inteiro teor)




domingo, 17 de junho de 2018

Procuração irrevogavel e irretratavel. Procuração para dar escritura de venda de imóvel em caráter irrevogável. Validade mesmo ocorrendo morte do mandante. STF. J. 14/08/1950.

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 17/jun/2018...


Ementa:



PROCURAÇÃO PARA DAR ESCRITURA DE VENDA IMÓVEL; SUA VALIDADE, EM CARÁTER IRREVOGAVEL, MESMO OCORRENDO A MORTE DO MANDANTE; APLICAÇÃO DO ART. 1.317 ALINEA II, DO CÓDIGO CIVIL, NÃO VULNERAÇÃO DE LEI OU DISSIDIO JURISPRUDENCIAL, DESCABIMENTO DO EXTRAORDINÁRIO.
(STF. RE 17498, Relator(a):  Min. MACEDO LUDOLF - CONVOCADO, Primeira Turma, julgado em 14/08/1950, DJ 14-09-1950 PP-08503 EMENT VOL-00011-01 PP-00500). 


Procuração irrevogável e irretratável. E com dispensa prestação de contas. Caracteriza procuração em causa própria. Não pode ser revogada. Revogação feita pelo Outorgante é nula. TJRS. J. 22/02/2018.

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 17/jun/2018...
Ementa: 
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ESCRITURA PÚBLICA DE REVOGAÇÃO DE PROCURAÇÃO PÚBLICA. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SÓCIO CO-DEMANDADO.
A transferência de poderes de alienação de bem em prol do próprio mandatário, em caráter irrevogável,
 

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Número: 70076418326 Inteiro Teor: doc html


Procuração irrevogável e irretratável. E com dispensa prestação de contas. Caracteriza procuração em causa própria. Não pode ser revogada. Revogação feita pelo Outorgante é nula. Danos materiais e danos morais cabíveis. TJRS. J. 23/03/2017.

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 17/jun/2018...


Ementa: 

REINTEGRAÇÃO DE POSSE CUMULADA COM PLEITO INDENIZATÓRIO RELATIVA A VEÍCULO ADQUIRIDO PELA PARTE AUTORA DE MANDATÁRIO DA PARTE RÉ. ALEGAÇÃO DE REVOGAÇÃO DA PROCURAÇÃO ANTES DA NEGOCIAÇÃO FIRMADA PELA PARTE AUTORA. PROCURAÇÃO EM CAUSA PRÓPRIA. 
A transferência de poderes de alienação de bem móvel em prol do próprio mandatário, em caráter irrevogável, irretratável e sem prestação de contas caracteriza a outorga de mandato in rem suam. Por força do art. 685 do Código Civil, o mandato em causa própria não é passível de revogação. Por conseguinte, não surte qualquer efeito a revogação realizada pela parte ré, não atingindo o negócio jurídico firmado pela parte autora, que possui o automóvel em voga com justo título. Reintegração procedente. Danos materiais não demonstrados. Ônus probatório da parte autora. Improcedência. Os incômodos enfrentados pela parte autora, decorrentes da atitude abusiva da parte ré, ultrapassam a esfera dos meros dissabores cotidianos, revelando a ocorrência de danos morais. 
APELO PROVIDO EM PARTE. UNÂNIME. 
(Apelação Cível Nº 70072657851, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em 23/03/2017).


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Número: 70072657851 Inteiro Teor: doc html


sábado, 16 de junho de 2018

terça-feira, 12 de junho de 2018

Divórcio. Partilha. Liquidação de Sentença. Arbitramento de aluguel de bem comum ocupado por um dos cônjuges. Perícia. Avaliação do todo: Imóvel mobiliado. Características específicas. Ap mobiliado. TJSC. j. 05/06/2018.

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 12/jun/2018... Atualização 30/jun/2018...

Ementa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. FIXAÇÃO DO ALUGUEL DE BEM EM MANCOMUNHÃO OCUPADO POR UM DOS EX-CÔNJUGES. INTERLOCUTÓRIO QUE DETERMINOU APURAÇÃO COM BASE NO VALOR DE MERCADO DE APARTAMENTO NÃO MOBILIADO.   
INSURGÊNCIA DO EXEQUENTE/LIQUIDANTE. PEDIDO DE FIXAÇÃO CONFORME AS CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL. SUBSISTÊNCIA. OCUPAÇÃO DE BEM COMUM GUARNECIDO DE MOBÍLIA. NECESSIDADE DE APURAÇÃO DO PREÇO DA LOCAÇÃO DO BEM EFETIVAMENTE OCUPADO PELA DEMANDADA. 
DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 
(TJSC. Agravo de Instrumento n. 4003015-70.2017.8.24.0000, da Capital, rel. Des. Denise Volpato, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 05-06-2018).


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Processo: 4003015-70.2017.8.24.0000 (Acórdão)
Relator: Denise Volpato

sábado, 9 de junho de 2018

A delegada do caso do suicídio do reitor e os “trêfegos militantes” da Lava Jato na mira do STF (Miguel Enriquez. Do DCM)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 09/jun/2018...

 

A delegada Erika Marena
POR MIGUEL ENRIQUEZ
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A segunda semana de junho não foi lá muito auspiciosa para a delegada Erika Mialik Marena, atualmente lotada na chefia da Superintendência da Polícia Federal em Sergipe. 
A musa da Lava Jato, celebrada em filme e série na televisão – é dela a sugestão do nome da operação –  sofreu um sério revés na terça feira, 5, no Supremo Tribunal Federal (STF).
Em uma decisão histórica, que reafirma a liberdade de imprensa e beneficia os sites de notícias independentes, a 1ª Turma do STF cassou  a censura imposta ao blog do jornalista Marcelo Auler, pelo juiz Nei Roberto de Barros Guimarães, do 8º Juizado Especial Cível do Paraná, em março passado.
A decisão determinava a retirada de conteúdo crítico à Lava Jato em ação movida pela delegada, que também pedia indenização pecuniária.
Auler havia publicado reportagens sobre o vazamento de informações sigilosas, atribuindo a responsabilidade à delegada Marena à época em era uma das figuras de destaque da força-tarefa da operação em Curitiba, e ao Ministério Público Federal.
Marena alegava que as matérias assinadas por Auler eram ofensivas à sua “boa fama”.   
Na decisão por três votos (ministros Rosa Weber, Luiz Fux e Luis Roberto Barroso) a dois ( Marco Aurelio Mello e Alexandre de Moraes), a 1ª Turma  condenou a prática disseminada no Judiciário, de uns tempos para cá, de ordenar a retirada cautelar de matérias postadas nos sites de notícias, antes mesmo de ouvir a parte acusada, o que caracterizaria censura prévia.


Segundo a ministra Rosa Weber, houve “incongruência na decisão do juízo de origem, de caráter liminar, que determinou a exclusão das matérias antes mesmo de ser julgado, no mérito, se houve ou não ofensa“.
Se não bastasse a decisão contrária à tentativa de cerceamento da liberdade de imprensa patrocinada por Marena na Justiça, a “boa fama” da delegada, esteve mais uma vez sob escrutínio e, com ela, a própria Lava Jato, na quinta feira, 7, também no STF.
Dessa vez com a participação de todos os ministros, a sessão plenária, transmitida pela TV Justiça, foi convocada para a discussão do princípio da presunção de inocência e da legalidade das chamadas conduções coercitivas, utilizadas para levar investigados a interrogatório policial ou judicial, uma das especialidades de Marena e seus chapas da operação baseada no Paraná.
Coube ao ministro Gilmar Mendes, relator de duas ações propostas pelo PT e pela Ordem dos Advogados do Brasil,   reduzir a pó o mecanismo das conduções coercitivas, consideradas por ele como “um novo capítulo da espetacularização da investigação”. 
Para Gilmar, esse tipo de condução é inconstitucional por se tratar de coação arbitrária do investigado. “Resta evidente que o investigado ou réu é conduzido para demonstrar sua submissão à força”, afirmou.
“Não há uma finalidade instrutória clara, na medida em que o arguido não é obrigado a declarar ou se fazer presente no interrogatório”.
Ao tratar de presunção de inocência, o ministro, um dos mais severos críticos dos métodos e práticas da Lava Jato no poder Judiciário, apontou como um dos símbolos dos abusos cometidos pelo Ministério Público, em parceria com a Polícia Federal, um caso em que Marena esteve diretamente envolvida.
Trata-se da operação Ouvidos Moucos, que apurava desvio de recursos Universidade Federal de Santa Catarina, deflagrada em setembro do ano passado.
“Triste exemplo da violação da presunção de inocência em nosso país, foi a investigação deflagrada contra o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo”, lembrou Gilmar Mendes. 
“Esse caso é um marco que exige de nós uma reflexão profunda sobre a imensa responsabilidade de quem investiga e de quem decreta a prisão.”
Ele chamou a atenção para o absurdo da operação, que contou com a participação de uma centena de policiais federais, convocados de diferentes pontos do país, para apurar falcatruas  anunciadas como da ordem de R$ 80 milhões e que acabaram se revelando girar em torno de R$ 300 mil, num programa de educação a distância na universidade catarinense.
“Não tenho a menor dúvida de que se tratou de uma prática ilegal de parte do Ministério Público e da delegada”, afirmou Gilmar, que mencionou nominalmente Marena, referindo-se à prisão de Cancellier e de mais cinco professores da UFSC.
Como se sabe, Cancellier, acusado de tentar obstruir a investigação dos mal feitos no programa de educação à distância, ocorridos anos antes de sua eleição para a reitoria da universidade, não resistiu às humilhações de parte das autoridades e à execração da opinião pública, suicidando-se num shopping center de Florianópolis.
Sete meses  depois, em abril, a Polícia Federal divulgou um relatório das investigações sem que uma única prova consistente contra o reitor fosse apresentada, ao longo das suas 817 páginas.
Na sessão do STF, Gilmar atacou a espetacularização desse tipo de operações. “É uma prática ilegal por parte do Ministério Público e dos delegados emitir juízos que às vezes não resistem ao dia seguinte e que às vezes se encerram sem um pedido de desculpas”, afirmou o ministro.
“A informação pública deve ser neutra, prestada pelo poder Judiciário e não por trêfegos militantes, que vão à televisão fazer afirmações como essa, em que um desvio de R$ 300 mil se transforma num desvio e R$ 80 milhões.”
Não custa lembrar que Marena mal trocou algumas palavras com o reitor, preocupada que estava com uma entrevista coletiva à imprensa, onde anunciou o fajuto desvio milionário de recursos, ao lado de outros “trêfegos militantes” do lavajatismo barriga verde.
Submetida à sindicância interna por seus próprios colegas da superintendência da PF em Santa Catarina, a delegada Marena foi, como era previsível, sumariamente isentada de qualquer responsabilidade pelos exageros da operação e pela morte do reitor Cancellier, decisão confirmada mais tarde pelo Ministério da Justiça.
Mais do que isso: apesar da celeuma provocada por sua atuação no dramático episódio, a delegada foi contemplada com a direção da PF em Sergipe.
É aí que mora o perigo. Como se pode constatar, a Operação Ouvidos Moucos, que culminou com o suicídio de um inocente, foi uma primeira manifestação de peso da influência dos métodos da Lava Jato em outras regiões.
O risco aí, a menos que o STF se decida por impor restrições e freios aos abusos de poder e da banalização das ilegalidades das forças tarefas do MP, PF e Judiciário, ora em discussão (a sessão de quinta feira foi interrompida e adiada para a próxima quarta feira,13) é que as práticas da República de Curitiba se consolidem e se tornem padrão em todo o país, uma espécie de franquia punitiva, que estabelece suas próprias regras, acima da lei e de qualquer controle.
Exemplos não faltam,  como mostra a Operação Equilibrista, na Universidade Federal de Minas Gerais, deflagrada em dezembro de 2017.
Tendo como pretexto um suposto desvio de R$ 4 milhões na construção de um Memorial da Anistia em seu campus, o reitor Jaime Arturo Ramirez e a vice-reitora Sandra Regina Goulart Almeida foram alvos de condução coercitiva dos homens encapuzados da PF.