13/mar/2014...
13/03/2014. Autor:
CARDOSO, Alberto Mendes. Terrorismo e segurança em um estado social democrático de direito. Revista Centro de Estudos Judiciários, Conselho de Justiça Federal, Brasília, n. 18, p. 47-53, jul./set. 2002.
O Terrorismo e a Inalienabilidade dos Direitos Fundamentais: Reflexos na Legislação Brasileira em Elaboração
13/03/2014. Autor:
MASI, Carlo Velho
RESUMO:
Em face da globalização, o terrorismo configura hoje um dos fenômenos
de maior preocupação mundial em matéria de segurança pública. O presente
artigo visa examinar os principais delineamentos dessa espécie de
criminalidade, buscando seus contornos conceituais e origens recentes, a
fim de examinar sua repercussão na atualidade. Ademais, busca entender
quais os expedientes que vêm sendo utilizados para o seu enfrentamento e
em que medida suas implementações afrontam conquistas constitucionais
históricas fundamentais do Estado Democrático de Direito. Por fim, a
pesquisa orienta-se a analisar quais as repercussões do tema no direito
brasileiro e que reflexos elas acarretam para a elaboração de novas
legislações penais, especialmente um novo Código Penal.
V - Situação no Brasil
No Brasil, o repúdio ao terrorismo é um dos princípios que regem as relações internacionais do país de acordo com a Constituição da República (art. 4º, VIII). Além disso, a Carta Fundamental da nação considera o terrorismo crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, respondendo por ele os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-lo, se omitirem (art. 5º, XLIII). Em seu art. 5º, XLIV, a Constituição considera "crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático".
PALAVRAS-CHAVE: Terrorismo. Globalização. Direitos Fundamentais. Novo Código Penal.
I - Introdução
O
terrorismo é hoje a principal espécie de criminalidade organizada
responsável, em nível mundial, pela sensação de insegurança coletiva.
Como ameaça mais visível à estabilidade do Estado e da sociedade, é um
crime que ganha dimensão supranacional por meio da europeização e
internacionalização da prevenção e repressão criminal dos atos
criminosos desterritorializados.
Da mesma forma,
apresenta peculiaridades próprias que dificultam sobremaneira o seu
combate por parte das autoridades, o que leva à necessidade de
reestruturação do próprio sistema legal dos países, pressionados por
tratados e convenções internacionais.
Constitui-se, pois, em um tema de alta relevância na agenda de segurança de qualquer Estado na era da globalização.
II - Definições, Origem e Situação Presente
Em
uma linguagem simplificada, terrorismo pode ser definido como a prática
do terror como ação política, procurando alcançar, pelo uso da
violência, objetivos que poderiam ou não ser estabelecidos em função do
exercício legal da vontade política.
Suas
propriedades mais destacadas são: a indeterminação do número de vítimas;
a generalização da violência contra pessoas e coisas; a liquidação,
desativação ou retração da vontade de combater o inimigo predeterminado;
a paralisação da vontade de reação da população; e o sentimento de
insegurança transmitido principalmente pelos meios de comunicação (1).
Suas origens até podem ser remotas, mas não convém que façamos um retrospecto tão longo (2),
pois interessa-nos o seu desenvolvimento nos séculos XX e início do
XXI, já que, em nenhum outro momento histórico, sua presença foi tão
constante e ameaçadora.
"Embora repugne à
inteligência a violência, cumpre observar que, assumindo formas
variadas, ela sempre esteve presente entre as pessoas e os povos.
Abra-se qualquer página da História e os atos violentos sucedem-se com
implacável regularidade. Do Abel da Bíblia ao Martin Luther King dos
direitos civis, do belicoso César ao pacifista Gandhi, do Coliseu romano
aos navios negreiros, a violência, que ignora a lei e os direitos à
vida, tem alcançado todos os períodos históricos e todos os territórios.
Nenhuma outra época, todavia, conseguiu atingir paroxismo equivalente
ao dos séculos XX e XXI, nos quais apenas um ato de violência consegue
eliminar centenas de milhares de vidas em segundos." (3)
Como realidade cambiante, o terrorismo enfrentou diversas configurações na modernidade (4).
No século XIX, o termo se ligava àquelas ações revolucionárias que
questionavam crescentemente a subordinação popular a governantes que
acreditavam ocupar posição preeminente em virtude de direito divino, ou a
dependência de povos inteiros a dinastias estrangeiras, ou, ainda, as
más condições de trabalho da classe operária.
Nas
décadas de 1920 e 1930, passou a designar a atitude de certos Estados
totalitários, fascistas ou comunistas, em relação aos seus opositores
individuais ou a camadas da população consideradas perigosas para a
estabilidade do Estado.
Após a 2ª Guerra Mundial,
em razão do surgimento dos movimentos anticoloniais, foi assimilado às
chamadas "lutas de libertação nacional" que, nas três décadas seguintes
ao fim do conflito, ocuparam a cena internacional.
No
período entre a década de 1970 e o desaparecimento da União Soviética,
foi também empregado para designar iniciativas mais amplas e menos
claras, componentes de uma suposta conspiração global do Pacto de
Varsóvia contra o Ocidente.
Contemporaneamente, fala-se em um terrorismo pós-moderno, cujas principais formas são o narcoterrorismo (5), os chamados fenômenos de área cinzenta (6) e o ciberterrorismo (7),
cuja marca distintiva é a posse das chamadas armas de destruição em
massa (químicas, biológicas ou nucleares), o que acrescenta um elevado
grau de periculosidade às ações desses grupos e causa ainda mais
incerteza à cena internacional (8).
III - Características Elementares
O
terrorismo pode ser praticado por indivíduos ou grupos isolados ou até
mesmo por determinados Estados contra sua própria população ou a
população de outros Estados (v.g., ataques do Estado Palestino contra
Israel).
Essa forma de violência chama atenção pela
premeditação e por seu objetivo de criar uma atmosfera de medo e de
terror intensos. Há de se considerar, mais além, que os atos terroristas
se dirigem a uma plateia mais ampla do que a atingida diretamente por
eles.
Segundo Cottee e Hayward, o engajamento no
terrorismo é provocado por três desejos elementares: o desejo por
excitação, o desejo por um sentido existencial e o desejo por glória.
Inegavelmente,
o terrorismo é uma atividade política e um fenômeno coletivo,
primordialmente praticado por indivíduos agindo no contexto de um grupo.
Segundo os criminólogos ingleses, está tomando o status de clichê a
afirmação de que, ao contrário do que reporta a mídia, o terrorista é
uma pessoa perfeitamente normal, e não um louco ou um psicopata.
O
que atrai o indivíduo ao terrorismo é muito mais uma questão cultural e
pessoal. O que o atrai é o sentimento de cessação da consciência, nos
momentos de sobrevivência, de intensidade animal e violência, quando não
há múltiplos níveis de pensamento e cogitação e o presente é absoluto. O
que importa é viver aquele momento.
A violência é
uma das experiências mais intensas e, para alguns, mais prazerosas que o
ser humano pode experimentar. Não se sente mais o peso do corpo, os
sentidos ficam extremamente aguçados, tudo é percebido em câmera lenta e
com detalhes impressionantes. A euforia e a adrenalina atingem o grau
máximo. É como experimentar um entorpecente. É a realidade daquele
instante que os move, que os faz sentirem-se mais vivos do que nunca (9).
Os
atentados de 11 de setembro de 2001 são, talvez, seus mais emblemáticos
exemplos, uma vez que tiveram uma preparação razoavelmente longa e
atingiram os centros militar e econômico de uma superpotência,
transmitindo a mensagem de que seus autores intelectuais eram capazes de
mobilizar meios materiais e humanos para perpetrar atos de violência em
qualquer lugar, valendo-se da surpresa.
Suas
vítimas nem sempre são civis inocentes escolhidos aleatoriamente ou
alvos simbólicos, mas podem ser até mesmo forças de segurança (v.g.,
ataques do IRA contra o exército do Reino Unido). Na realidade, o foco
principal do terrorismo é o Estado como um todo, seja ele democrático ou
não. Dessa característica surge o sentimento de injustiça, sintetizado
na constatação de que foram golpeados segmentos da população ou
instituições que nada têm a ver com o processo em que o terrorismo se
desenvolve.
Inúmeros atentados terroristas adquirem
índole separatista, revolucionária anarquista ou religiosa e são
pensados, decididos e executados de forma pontual com alvos específicos:
militares, polícias, políticos, dissidentes, clérigos e turistas de um
determinado Estado. Porém, apenas mais recentemente eles se voltaram,
também, para a ideia de vítima indeterminada e invisível e, por isso,
adquiriram um potencial de gerar "terror germinador de uma insegurança
pública cognitiva esquizofrênica e paneónica" (10).
O
terrorismo não precisa atingir uma escala global para ser assim
considerado, bem pode constituir-se de uma ação localizada (v.g.,
rebelião Sendero Luminoso contra o governo peruano). A propósito, a
maior preocupação estatal nessa seara, hoje, não é com o terrorismo
internacional, mas, sobretudo, com aquele que não ultrapassa as
fronteiras nacionais (11).
Seus objetivos
geralmente serão a desestabilização e o enfraquecimento das autoridades
de um Estado constituído, porém, a intenção pode ser mobilizar o apoio
público contra um aparato de Estado opressivo ou corrupto (v.g.,
Revolução Cubana). O importante é causar um sentimento de afronta
generalizado, que tenha como consequência a ira. A raiva e o ódio que os
atentados buscam provocar na opinião pública podem ser considerados
desencadeadores de uma repressão estatal desproporcionada, que pode
eventualmente redundar em benefício dos próprios criminosos,
transformados em vítimas dos excessos da reação.
As
atividades terroristas tomam formas diversas quanto ao tipo de arma
utilizada para infundir o pânico e a insegurança, sejam bombas, aviões
sequestrados, vírus letais e, por que não, o próprio capital (12).
A violência usa instrumentos diversos de coerção, mas todos têm, na
base, o mesmo desprezo aos meios legítimos de promover a mudança ou a
manutenção da conjuntura sociopolítica (13).
O
propósito do paradigma terrorista pode ser o apoio a um projeto
ideológico - no caso dos governos terroristas, normalmente invoca-se a
segurança nacional como mantra ideológico -, embora isso nem sempre
ocorra (v.g., os rebeldes de Serra Leoa queriam simplesmente "poder").
As ações terroristas são utilizadas para influenciar, de alguma maneira,
o comportamento político, seja para forçar opositores a concederem, no
todo ou em parte, o que seus autores querem (v.g., a libertação de
companheiros presos), seja para provocar reação desproporcionada, que
servirá como catalizador de um conflito mais intenso (v.g., os atentados
de 11 de setembro que causaram a invasão do Afeganistão), seja para
alavancar uma causa política ou religiosa (v.g., as ações do ETA,
visando à independência do país Basco, na Espanha); ou, ainda, para
solapar governos ou instituições designados como inimigos pelos
terroristas (v.g., toda a ação do Sendero Luminoso, nas décadas de 1980 e
de 1990, destinava-se a desmoralizar e derrubar o governo peruano e
substituí-lo por outro de recorte marxista) (14).
Na
América, há uma tendência a descrever como terrorismo os atos mais
brutais do crime organizado, especialmente o dos traficantes de drogas,
cujo propósito é, principalmente, proteger seus próprios interesses
econômicos (15).
A par do fenômeno da
criminalidade organizada transnacional, o terrorismo é um fenômeno veloz
na ação e no resultado e exige um elevado financiamento emergente da
criminalidade de massa e da criminalidade altamente organizada e
especializada.
Em grande medida, o terrorismo tem
muito em comum com graves violações dos direitos humanos, porém, via de
regra, não obedece a qualquer regra de direito internacional concernente
ao conflito armado, já que seus praticantes consideram que nenhuma
atrocidade será chocante demais em face de seu propósito. Entretanto, há
grupos que anuem como o direito humanitário internacional a respeito do
levantamento de armas, o que não impede que sejam considerados
terroristas (16).
"Aqueles que têm estudado o
fenômeno do terrorismo - ou talvez eu devesse usar o plural
'fenômenos', desde que o conceito seja empregado para ocultar tantos
tipos de comportamento aparentemente diferentes - reconhecerão
imediatamente que todas essas incertezas sobre os elementos possíveis de
terrorismo são, no fundo, as dificuldades que têm tradicionalmente
buscado qualquer tentativa para encontrar uma definição de terrorismo
aceita universalmente." (17)
IV - Forma de Combate
Um
dos grandes problemas em relação ao terrorismo é a forma de combatê-lo.
Haverá quem entenda que, para enfrentar o terrorismo, é preciso tratar o
terrorista como inimigo do Estado ou como não pessoa, de modo que não
tenha ele as mesmas garantias que um cidadão (pessoa) possui. Não faltam
tratados internacionais que hoje estruturam os direitos humanos de modo
a permitir restrições em que for necessário à manutenção de certos
valores, como a segurança nacional e a ordem pública (18). Nesses
casos, a legislação internacional dos direitos humanos reconhece a
supremacia dos valores públicos sobre a autonomia individual (19).
Tudo
isso vem acompanhado da criação de um direito penal ultramilitar, da
invenção de um sistema penitenciário sumaríssimo sediado em Guantánamo e
da recuperação, inclusive legislativa, da autorização para matar à
margem de um processo (20).
Outros,
entretanto, entendem que não é possível combater o terror com mais
terror. Que, embora o terrorismo deva ser combatido com vigor máximo,
isso não pode ocorrer a qualquer custo. Nessa segunda linha, é preciso
vencer a ameaça pelos meios legítimos, único modo de salvaguardar as
liberdades que se têm como ideais. É nesse escopo que determinados
tratados adotam o "princípio da inalienabilidade" de determinados
direitos fundamentais do indivíduo (21). Trata-se de direitos não
derrogáveis que um Estado poderia ser tentado a ignorar no
enfrentamento de sérias ameaças, como o terrorismo (22). Mesmo as
suspensões de direitos humanos estarão sempre sujeitas a prévia
comunicação aos órgãos responsáveis e à supervisão judicial. Além disso,
a posição do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos é de que
"remédios judiciais", tais como habeas corpus e mandado de segurança, em
nenhuma hipótese podem ser suspensos.
Há países
que aceitam a tortura e há países que repudiam veementemente sua
prática, inclusive negando a deportação de suspeitos, caso não haja o
compromisso de que os deportados sejam tratados com dignidade. Não é
incomum, ainda, que países adotem medidas de controle que visam
claramente a parcelas da população ou a determinadas nacionalidades.
V - Situação no Brasil
No Brasil, o repúdio ao terrorismo é um dos princípios que regem as relações internacionais do país de acordo com a Constituição da República (art. 4º, VIII). Além disso, a Carta Fundamental da nação considera o terrorismo crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, respondendo por ele os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-lo, se omitirem (art. 5º, XLIII). Em seu art. 5º, XLIV, a Constituição considera "crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático".
Em nível infraconstitucional, o
terrorismo integra o rol de crimes hediondos da Lei nº 8.072/90 e sua
prática caracteriza o delito do art. 20 da Lei nº 7.170/83 (Lei de
Segurança Nacional), cuja pena é de reclusão de 3 a 10 anos.
Entrementes,
não há em nenhuma lei a tipificação isolada do crime de terrorismo,
tampouco uma definição jurídica precisa, embora o Brasil seja firmatário
de diversos tratados internacionais em prol de seu combate, dos quais
destaca-se a Convenção Interamericana Contra o Terrorismo (23).
Em
função do "mandado constitucional e supralegal de criminalização" do
terrorismo, a Comissão de Juristas encarregada pelo Senado Federal da
elaboração do anteprojeto de novo Código Penal Brasileiro (24)
fez incluir no Título VIII ("Crimes contra a Paz Pública") um capítulo
exclusivamente destinado ao crime de terrorismo (art. 239 (25)), no qual se tipifica também as condutas de "Financiamento do terrorismo" (art. 240 (26)) e "Favorecimento pessoal no terrorismo" (art. 241 (27)).
"(...)
não pode nosso país imaginar-se, para sempre, 'deitado em berço
esplêndido', protegido ad eternum de condutas de intolerância política e
humanitária, capazes de valer-se de indizível violência para o
prevalecimento de seu ideário. A constante inserção do país no quadro
econômico, social e militar internacional não permite esse grau de
ingenuidade. Urge, portanto, trazer uma definição de terrorismo
compatível com o regime de liberdades constitucionais, destinada a
protegê-las." (28)
É digno de nota que as
ações dos "movimentos sociais" (v.g., Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra) foram incluídas no anteprojeto como causa de exclusão da
ilicitude, "desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados
à sua finalidade" (art. 239, § 7º). Ademais, as penas dos crimes
relacionados com o terrorismo poderão ser aumentadas até a metade "se as
condutas forem praticadas durante ou por ocasião de grandes eventos
esportivos, culturais, educacionais, religiosos, de lazer ou políticos,
nacionais ou internacionais" (art. 242).
VI - Considerações de Ordem Histórica e Constitucional
Pois
bem, por óbvio, a atribuição da autoria dos atos terroristas a um
determinado segmento da população, etnia, nacionalidade ou religião em
nada contribui para o aperfeiçoamento do Estado Social e Democrático de
Direito.
A história é pródiga em demonstrar que
ambientes desprovidos do reconhecimento das garantias individuais têm
sido campo fértil para o terror do Estado, com sequelas que se estendem
por gerações. A essa altura do desenvolvimento sociopolítico dos povos,
só há uma maneira legítima de dar segurança aos governos e aos
indivíduos: o caminho da lei. A democracia e a estabilidade econômica
são duas das principais "armas" para combater o terrorismo (29).
Qualquer
possibilidade diferente desta significaria utilizar a mesma violência
que se quer eliminar, um contrassenso a ser evitado. Somente o primado
da ordem legal, constitucional, pode fornecer meios legítimos para a
defesa da integridade dos indivíduos e dos Estados (30).
Assim,
se os efeitos negativos do terrorismo nos revelam que a ideia de
segurança é um bem escasso, a liberdade não pode ser sacrificada a
qualquer custo sob pena de não vivermos como cidadãos, mas como escravos
da nossa cognitividade securitária (31).
Naturalmente,
há de se dotar o Estado de instrumentos normativos para sua defesa,
sem, no entanto, causar dano às garantias individuais. Cabe à sociedade
definir em que medida pode a lei, na defesa da segurança estatal,
suspender o direito dos cidadãos, sem que isso se torne uma ameaça à
defesa do próprio cidadão (32).
O sucesso do
combate ao terrorismo inscreve-se, assim, na arregimentação da
sociedade e sua participação consciente e ativa em sua própria defesa e
na do Estado Social e Democrático de Direito (33).
Entendemos,
dessa forma, que o terrorismo é um tema que merece aprofundamento no
cenário jurídico nacional, pois, embora o Brasil não esteja direta ou
oficialmente na linha de tiro de organizações terroristas
internacionais, o fenômeno deve ser explorado também nos níveis internos
e regionais (Mercosul), a fim de delimitar-se a efetiva necessidade da
tipificação dessa conduta ou verificar se não se tratam de influências
supranacionais que aqui se afiguram despropositadas.
De
toda sorte, o tema levanta a controversa questão da flexibilização de
determinadas garantias fundamentais para fins de conferir maior eficácia
à persecução penal da criminalidade organizada, o que deve sempre ser
visto com reservas, sob a ótica da Constituição vigente e a égide do
Estado de Direito.
Referências
CARDOSO, Alberto Mendes. Terrorismo e segurança em um estado social democrático de direito. Revista Centro de Estudos Judiciários, Conselho de Justiça Federal, Brasília, n. 18, p. 47-53, jul./set. 2002.
COTTEE,
Simon; HAYWARD, Keith. Terrorist (e)motives: the existential
attractions of terrorism. Studies in Conflict & Terrorism, London,
Routledge, v. 34, n. 12, p. 963-986, 2011.
DOTTI,
René Ariel. Terrorismo e devido processo legal. Revista Centro de
Estudos Judiciários, Conselho de Justiça Federal, Brasília, n. 18, p.
27-30, jul./set. 2002.
NAVES, Nilson. Terrorismo e
violência: segurança do estado - direitos e liberdades individuais.
Revista Centro de Estudos Judiciários, Conselho de Justiça Federal,
Brasília, n. 18, p. 6-9, jul./set. 2002.
RODLEY,
Nigel Simon. Terrorismo: segurança do estado - direitos e liberdades
individuais. Tradução Erlanda S. Chaves. Revista Centro de Estudos
Judiciários, Conselho de Justiça Federal, Brasília, n. 18, p. 16-22,
jul./set. 2002.
SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). A globalização e as ciências sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
SENADO
FEDERAL. Relatório final da comissão de juristas para a elaboração de
anteprojeto de Código Penal. Disponível em:
.
Acesso em: 14 abr. 2013.
VALENTE, Manuel Monteiro
Guedes. Cooperação judiciária em matéria penal no âmbito do terrorismo.
Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, PUCRS, v. 5, n. 1, p.
73-92, jan./jun. 2013.
ZAPATERO, Luis Arroyo.
Presentación. In: ______; NEUMANN, Ulfrid; MARTÍN, Adán Nieto (Coord.).
Crítica y justificación del derecho penal en el cambio de siglo: el
análisis crítico de la Escuela de Frankfurt. Cuenca: Universidad de
Castilla-La Mancha, 2003. p. 17-21.
Notas
(1)DOTTI,
René Ariel. Terrorismo e devido processo legal. Revista Centro de
Estudos Judiciários, Conselho de Justiça Federal, Brasília, n. 18, p.
27-30, jul./set. 2002, p. 28.
(2)Pode-se
afirmar que todas as civilizações, de uma forma ou de outra, sofreram
com os efeitos do terrorismo. Em sua versão moderna, esse flagelo se
liga à Revolução Francesa para designar a política dos Jacobinos,
parcela mais radical da burguesia, que almejava expulsar da cena
política seus adversários, os Realistas e os Girondinos. A palavra
"terror" une-se, desde então, à noção de "virtude". Estando a sociedade,
por via da evolução das artes e das técnicas, bem como do excesso de
luxo e riqueza, imersa na corrupção, cabe resgatá-la, inclusive à força,
se necessário. Se o povo não sente propensão para seguir as lições da
virtude, é preciso educá-lo. Para os Jacobinos, essa pedagogia é o
terror. Na síntese de Robespierre, "o terrorismo não é senão justiça,
imediata, severa e inflexível; é, pois, uma emanação da virtude".
(3)NAVES,
Nilson. Terrorismo e violência: segurança do estado - direitos e
liberdades individuais. Revista Centro de Estudos Judiciários, Conselho
de Justiça Federal, Brasília, n. 18, p. 6-9, jul./set. 2002, p. 7
(4)CARDOSO,
Alberto Mendes. Terrorismo e segurança em um estado social democrático
de direito. Revista Centro de Estudos Judiciários, Conselho de Justiça
Federal, Brasília, n. 18, p. 47-53, jul./set. 2002, p. 49.
(5)Tome-se
como exemplos as alianças entre o Sendero Luminoso ou as Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia e os barões da cocaína, e entre os Talibãs
afegãos e os traficantes de heroína da Ásia Central. Tais movimentos
protegeriam as atividades dos narcotraficantes que, em troca,
proporcionar-lhes-iam os meios financeiros para se expandirem.
(6)Conflitos
não enquadrados nas normas tradicionalmente aceitas de guerra entre as
forças armadas de dois ou mais Estados, mas que, ao contrário, abrangem
forças irregulares de um ou mais dos envolvidos.
(7)Ataques
de hackers e crackers, ou piratas informáticos, a sites e portais das
mais diversas corporações estatais ou não. Por sua novidade, esses
grupos escapam com facilidade aos estritos controles estatais.
(8)CARDOSO,
Alberto Mendes. Terrorismo e segurança em um estado social democrático
de direito. Revista Centro de Estudos Judiciários, Conselho de Justiça
Federal, Brasília, n. 18, p. 47-53, jul./set. 2002, p. 49.
(9)COTTEE,
Simon; HAYWARD, Keith. Terrorist (e)motives: the existential
attractions of terrorism. Studies in Conflict & Terrorism, London,
Routledge, v. 34, n. 12, p. 963-986, 2011.
(10)VALENTE,
Manuel Monteiro Guedes. Cooperação judiciária em matéria penal no
âmbito do terrorismo. Sistema Penal & Violência, Porto Alegre,
PUCRS, v. 5, n. 1, p. 73-92, jan./jun. 2013, p. 85.
(11)Recordemos
que tudo o que é global possui uma referência local. Há sempre um dado
localizado naquilo que se globalizou e, por sua vez, aquilo que se
globalizou quando tomado em comparação determina o caráter local do que
está em torno (SANTOS, Boaventura de Sousa [Org.]. A globalização e as
ciências sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005).
(12)Há
notícia, por exemplo, de que bancos estrangeiros aconselharam
investidores a não negociar papéis brasileiros com base na perspectiva
da primeira eleição do presidente Luis Inácio Lula da Silva.
(13)NAVES,
Nilson. Terrorismo e violência: segurança do estado - direitos e
liberdades individuais. Revista Centro de Estudos Judiciários, Conselho
de Justiça Federal, Brasília, n. 18, p. 6-9, jul./set. 2002, p. 8.
(14)CARDOSO,
Alberto Mendes. Terrorismo e segurança em um estado social democrático
de direito. Revista Centro de Estudos Judiciários, Conselho de Justiça
Federal, Brasília, n. 18, p. 47-53, jul./set. 2002, p. 49.
(15)RODLEY,
Nigel Simon. Terrorismo: segurança do estado - direitos e liberdades
individuais. Tradução Erlanda S. Chaves. Revista Centro de Estudos
Judiciários, Conselho de Justiça Federal, Brasília, n. 18, p. 16-22,
jul./set. 2002, p. 17.
(16)RODLEY, Nigel
Simon. Terrorismo: segurança do estado - direitos e liberdades
individuais. Tradução Erlanda S. Chaves. Revista Centro de Estudos
Judiciários, Conselho de Justiça Federal, Brasília, n. 18, p. 16-22,
jul./set. 2002, p. 18.
(17)RODLEY, Nigel
Simon. Terrorismo: segurança do estado - direitos e liberdades
individuais. Tradução Erlanda S. Chaves. Revista Centro de Estudos
Judiciários, Conselho de Justiça Federal, Brasília, n. 18, p. 16-22,
jul./set. 2002, p. 18.
(18)O art. 27 da
Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de São José da
Costa Rica) admite a suspensão de algumas das garantias nela previstas
"em caso de guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace
a independência ou segurança do Estado-parte". Já o Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos, em seu art. 4º, permite a suspensão
de certas obrigações dele decorrentes em "situações excepcionais [que]
ameacem a existência da nação".
(19)RODLEY,
Nigel Simon. Terrorismo: segurança do estado - direitos e liberdades
individuais. Tradução Erlanda S. Chaves. Revista Centro de Estudos
Judiciários, Conselho de Justiça Federal, Brasília, n. 18, p. 16-22,
jul./set. 2002, p. 19.
(20)ZAPATERO, Luis
Arroyo. Presentación. In: ______; NEUMANN, Ulfrid; MARTÍN, Adán Nieto
(Coord.). Crítica y justificación del derecho penal en el cambio de
siglo: el análisis crítico de la Escuela de Frankfurt. Cuenca:
Universidad de Castilla-La Mancha, 2003. p. 17-21, p. 21.
(21)No
que diz respeito ao direito à vida, deve-se distinguir entre privação
da vida e violação do direito à vida. Um Estado pode utilizar de força
letal sem violar o direito à vida. Exemplificativamente, pode-se esperar
legitimamente que um policial mate um criminoso que ameace matar
alguém, caso este seja o único modo de impedir tal morte. Permite-se,
então, o uso de força letal sempre que ela for a única resposta possível
a uma ameaça iminente às vidas de outros, mas se medidas menos extremas
puderem atingir o mesmo objetivo, estas deverão ser utilizadas, do
contrário, tem-se um desrespeito ao direito à vida.
(22)RODLEY,
Nigel Simon. Terrorismo: segurança do estado - direitos e liberdades
individuais. Tradução Erlanda S. Chaves. Revista Centro de Estudos
Judiciários, Conselho de Justiça Federal, Brasília, n. 18, p. 16-22,
jul./set. 2002, p. 20
(23)Aprovada pelo
Decreto Legislativo nº 890, de 1º de setembro de 2005, e Promulgada pelo
Decreto Presidencial nº 5.639, de 26 de dezembro de 2005.
(24)SENADO
FEDERAL. Relatório final da comissão de juristas para a elaboração de
anteprojeto de Código Penal. Disponível em:
.
Acesso em: 14 abr. 2013, p. 108 e ss.
(25)"Art. 239. Causar terror na população mediante as condutas descritas nos parágrafos deste artigo, quando:
I
- tiverem por fim forçar autoridades públicas, nacionais ou
estrangeiras, ou pessoas que ajam em nome delas, a fazer o que a lei não
exige ou deixar de fazer o que a lei não proíbe;
II
- tiverem por fim obter recursos para a manutenção de organizações
políticas ou grupos armados, civis ou militares, que atuem contra a
ordem constitucional e o Estado Democrático; ou
III
- forem motivadas por preconceito de raça, cor, etnia, religião,
nacionalidade, sexo, identidade ou orientação sexual, ou por razões
políticas, ideológicas, filosóficas ou religiosas.
§ 1º - Sequestrar ou manter alguém em cárcere privado;
§
2º - Usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer
consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos ou
outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa;
§ 3º - Incendiar, depredar, saquear, explodir ou invadir qualquer bem público ou privado;
§ 4º - Interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática e bancos de dados; ou
§
5º - Sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com grave ameaça ou
violência a pessoas, do controle, total ou parcial, ainda que de modo
temporário, de meios de comunicação ou de transporte, de portos,
aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de
saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde
funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou
transmissão de energia e instalações militares:
Pena
- prisão, de oito a quinze anos, além das sanções correspondentes à
ameaça, violência, dano, lesão corporal ou morte, tentadas ou
consumadas.
Forma qualificada
§ 6º - Se a conduta é praticada pela utilização de arma de destruição em massa ou outro meio capaz de causar grandes danos:
Pena
- prisão, de doze a vinte anos, além das penas correspondentes à
ameaça, violência, dano, lesão corporal ou morte, tentadas ou
consumadas.
Exclusão de crime
§
7º - Não constitui crime de terrorismo a conduta individual ou coletiva
de pessoas movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios, desde
que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua
finalidade."
(26)"Art. 240. Oferecer ou
receber, obter, guardar, manter em depósito, investir ou de qualquer
modo contribuir para a obtenção de ativos, bens e recursos financeiros
com a finalidade de financiar, custear ou promover a prática de
terrorismo, ainda que os atos relativos a este não venham a ocorrer:
Pena - prisão, de oito a quinze anos."
(27)"Art.
241. Dar abrigo ou guarida a pessoa de quem se saiba ou se tenha fortes
motivos para saber, que tenha praticado ou esteja por praticar crime de
terrorismo:
Pena - prisão, de quatro a dez anos.
Escusa Absolutória
Parágrafo
único - Não haverá pena se o agente for ascendente ou descendente em
primeiro grau, cônjuge, companheiro estável ou irmão da pessoa abrigada
ou recebida. Esta escusa não alcança os partícipes que não ostentem
idêntica condição."
(28)SENADO FEDERAL.
Relatório final da comissão de juristas para a elaboração de anteprojeto
de Código Penal. Disponível em:
.
Acesso em 14 abr. 2013. p. 351.
(29)CARDOSO,
Alberto Mendes. Terrorismo e segurança em um estado social democrático
de direito. Revista Centro de Estudos Judiciários, Conselho de Justiça
Federal, Brasília, n. 18, p. 47-53, jul./set. 2002, p. 52.
(30)NAVES,
Nilson. Terrorismo e violência: segurança do estado - direitos e
liberdades individuais. Revista Centro de Estudos Judiciários, Conselho
de Justiça Federal, Brasília, n. 18, p. 6-9, jul./set. 2002, p. 8.
(31)VALENTE,
Manuel Monteiro Guedes. Cooperação judiciária em matéria penal no
âmbito do terrorismo. Sistema Penal & Violência, Porto Alegre,
PUCRS, v. 5, n. 1, p. 73-92, jan./jun. 2013, p. 83.
(32)NAVES,
Nilson. Terrorismo e violência: segurança do estado - direitos e
liberdades individuais. Revista Centro de Estudos Judiciários, Conselho
de Justiça Federal, Brasília, n. 18, p. 6-9, jul./set. 2002, p. 8.
(33)CARDOSO,
Alberto Mendes. Terrorismo e segurança em um estado social democrático
de direito. Revista Centro de Estudos Judiciários, Conselho de Justiça
Federal, Brasília, n. 18, p. 47-53, jul./set. 2002, p. 53.
Disponível em: (http://www.editoramagister.com/doutrina_25347039_O_TERRORISMO_E_A_INALIENABILIDADE_DOS_DIREITOS_FUNDAMENTAIS_REFLEXOS_NA_LEGISLACAO_BRASILEIRA_EM_ELABORACAO.aspx). Acesso em: 13/mar/2014.