N° Edição: 2265 | 12.Abr.13 - 20:40 | Atualizado em 13.Abr.13 - 09:55
Os espertos
delatores de Hitler
Como cinco
agentes duplos, trapaceiros e excêntricos, infiltraram-se no serviço de
inteligência alemão e armaram uma emboscada para as tropas nazistas na Segunda
Guerra Mundial
Rodrigo Cardoso
Em junho de 1944, os Aliados deram o primeiro e mais importante passo para reconquistar a Europa Ocidental tomada por Hitler. Relembre, em vídeo, como foram os desembarques na Normandia:
Em junho de 1944, os Aliados deram o primeiro e mais importante passo para reconquistar a Europa Ocidental tomada por Hitler. Relembre, em vídeo, como foram os desembarques na Normandia:
Soa inacreditável, apesar
de absolutamente verdadeiro, o fato de uma unidade militar incomum ter iniciado
o processo que pôs fim à Segunda Guerra Mundial. Brutus era um piloto de caça
polonês de 1,67 m. Bronx, uma peruana que amava indiscriminadamente homens e
mulheres e era viciada em jogos de azar. Treasure, francesa, tinha paixão pelo
seu cão e se tornou uma mulher histérica ao se ver longe dele. O sérvio
Tricycle era um dom-juan com queda por festas e álcool. E, finalmente, o
espanhol Garbo fora um avicultor diplomado em uma das maiores escolas de
criadores de galinha da Espanha. Codinomes, respectivamente, de Roman
Czerniawski, Elvira de la Fuente Chaudoir, Lily Sergeyev, Dusan Popov e Juan
Pujol García. Esses agentes e suas personalidades pitorescas formaram o núcleo
do sistema Double Cross do serviço de segurança britânico especializado na
conversão de espiões nazistas em agentes duplos das Forças Aliadas. Sem
disparar um tiro, de mentira em mentira contada aos alemães, eles foram uma das
principais armas a derrubar os soldados de Hitler na batalha que deu início à
queda do nazismo.
No episódio conhecido como
Dia D, ocorrido em 6 de junho de 1944, tropas aliadas invadiram a Normandia, no
norte da França, enquanto a maior concentração do Exército do Führer aguardava
um ataque que jamais viria a acontecer em Calais, a leste. Foram esses cinco
espiões que tornaram o embuste crível. Essa estratégia está contada pela
primeira vez no livro “Jogo Duplo – A Verdadeira História dos Espiões do Dia
D”, do escritor inglês Ben Macintyre, também colunista e editor do jornal
inglês “The Times”. “A ideia de que tais indivíduos tiveram nas mãos o destino
de uma operação militar tão importante é perturbadora”, disse o autor ao jornal
português “Correio da Manhã”. Foi lançado pela editora D. Quixote, em Portugal,
país no qual moraram muitos delatores na época da Segunda Guerra. “É
extraordinário que esse jogo de apostas que pôs a vida de milhares de cidadãos
em risco tenha dependido do caráter de pessoas tão peculiares e excêntricas.
Ninguém confiaria nelas para alguma coisa nem em tempos de paz”, diz o autor.
Assim podia se pensar do
espanhol García, o agente Garbo. Antes de “arapongar” para os britânicos,
dirigiu um aviário. Detalhe: não gostava de galinhas. Também havia sido um
oficial de cavalaria – mas tinha medo de cavalos. Aos alemães dizia que
espionava os britânicos in loco, quando, na verdade, morava em Lisboa. Mesmo
assim, passava informações sobre a Marinha local e sobre fabricantes de munição
que possuía, valendo-se de livros de segunda mão e do acervo da biblioteca
pública da capital portuguesa. Garbo criou um exército de espiões fictícios
supostamente recrutados por ele a serviço de Hitler. Dizia ter 24 agentes, mas
apenas um, ele próprio, existia de verdade. Um desses personagens inventados
era o empresário suíço-alemão morador de Liverpool chamado William Gebers, que
precisou ser morto para que o espanhol não caísse em contradição. O MI5, o
serviço de segurança britânico, “plantou” o obituário Gebers no “Liverpool
Echo”, para que García pudesse recortá-lo e enviá-lo à Alemanha. Recebeu de
volta uma carta de pêsames.
Ao contrário de García,
Czerniawski, o agente Brutus, chegou a ter uma rede de espionagem de verdade
com meia centena de agentes na França até ser preso com o desmonte da célula
pelos alemães. Antes de ser levado ao fuzilamento, o polonês conseguiu um acordo
a fim de ser enviado à Inglaterra e espionar para os nazistas. Já em liberdade,
aproveitou o trânsito entre o inimigo para atuar a serviço dos britânicos.
Segundo Macintyre, os alemães não duvidavam de agentes como Garbo e Brutus
porque não queriam descobrir que estavam sendo enganados: “Hitler exigia
resultados concretos e, se em um sistema hierárquico tão rígido e ditatorial o
chefe diz que quer resultados rápidos e volumosos, os serviços secretos
reproduzem o que o líder quer ouvir sem se importarem se é verdade ou não.”
Essa brecha permitiu que
Dusan Popov, um mulherengo compulsivo, vivesse dias de marajá com o dinheiro
que recebia dos alemães. Dos aliados, esse sérvio não exigia salário, desde que
fosse abastecido de álcool, divertimento e mulheres. “As dívidas de Popov,
grandes e pequenas, não o largavam”, escreve o autor. “Devia mais de US$ 10 mil
ao FBI, alguns milhares ao MI5 em Nova York, algumas centenas à companhia
telefônica de Long Island. Não pagou ninguém e limitou-se a enviar as contas ao
próprio MI5, juntamente com a fatura do seu alfaiate, referente a 18 camisas de
seda e 12 lenços com monograma.” Macintyre teve acesso a tais detalhes após o
serviço de segurança britânico ter tornado público seus arquivos da guerra. A
correspondência da peruana Elvira Chaudoir mostra que os relatórios produzidos
por ela eram avaliados como “muito importantes” pelos alemães. Foi, no entanto,
com Lily, a agente Treasure, que as Forças Aliadas correram mais risco. Tudo
porque a emigração inglesa não permitiu que ela embarcasse com o seu cachorro,
Babs – exigiu que ficasse isolado seis meses até que fosse declarado livre de
doenças. Os arquivos da guerra revelaram que a supervisora da espiã sugeriu que
a Marinha britânica transportasse o animal ilegalmente até ela. E isso às
vésperas de um combate decisivo.
Apesar das
idiossincrasias, esses agentes duplos vinham demonstrando uma capacidade ímpar
de influenciar a estratégia alemã. Cinco dias antes do Dia D, o Führer declarou
ao seu confidente, o general japonês Hiroshi Oshima, que tinha “indicadores
óbvios” dos agentes para acreditar que os aliados fariam uma manobra de
diversão na Normandia e promoveriam uma invasão mais poderosa em Calais. Hitler
“depositava uma confiança quase mítica em Garbo”, segundo um relatório do MI5.
Mesmo depois do fim da Segunda Guerra, militares alemães preferiam acreditar
numa mudança de planos dos aliados feita na última hora a admitir que tinham
sido ludibriados. Eis a prova, enviada ao espanhol Garbo pelos seus superiores
alemães, dois meses após a invasão aliada: “O Führer lhe concedeu a Cruz de
Ferro pelos seus serviços extraordinários.” Soa inacreditável, mas, novamente,
é verdade.
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