Acessos

sábado, 31 de janeiro de 2015

Papa estimula Igreja Católica a rever situação dos fiéis divorciados (Cf. Michael Paulson)

31/jan/2015...

Papa estimula Igreja Católica a rever situação dos fiéis divorciados



Mark Garren não comunga quando vai à igreja. Às vezes, caminha até o padre e cruza os braços sobre o peito, tocando os ombros, num sinal de que está pedindo uma bênção. Mais frequentemente Garren, 64, permanece sentado, ciente de que se divorciou há alguns anos, enquanto os outros fiéis se dirigem ao altar.

Pamela Crawford, 46, da Virgínia, não passa por isso. Duas vezes divorciada, ela se sente julgada por sua Igreja, mas, quando vai à missa, acompanha o resto dos paroquianos. "Se Deus tem algum problema no fato de eu comungar, vamos resolver isso", disse ela.

Havendo milhões de católicos divorciados, muitos dos quais ressentidos com o seu status perante a Igreja, o Vaticano iniciou uma reavaliação notável do tratamento que dispensa a fiéis que tiveram casamentos desfeitos.

O papa Francisco começou um debate nos altos escalões eclesiásticos sobre se e como a Igreja deveria alterar sua posição em relação aos divorciados, mas sem invalidar o caráter permanente e indissolúvel do casamento.

As linhas de combate são claras: algumas autoridades eclesiásticas, com destaque para a conferência episcopal alemã, querem que a Igreja relaxe suas regras, permitindo que os católicos divorciados retornem de forma plena à vida religiosa -especificamente ao receber a comunhão-, mesmo que tenham se casado novamente.

Os tradicionalistas reagem, argumentando que a indissolubilidade do matrimônio é ordenada por Deus e, portanto, inegociável. Em outubro passado, bispos de todo o mundo discutiram o divórcio, entre outros temas, num sínodo relativo a questões familiares.

No próximo mês de outubro, um grupo maior de bispos se reunirá para um segundo sínodo no Vaticano, ocasião em que decidirão se recomendam ou não mudanças nas regras. Qualquer decisão sobre isso caberá ao papa.

Estima-se que, entre todos os católicos americanos que já se casaram, 28% se divorciaram, ou cerca de 11 milhões de pessoas.

Para muitos católicos divorciados, a atitude da Igreja levanta uma questão existencial, segundo Helen Alvaré, professora de direito da Universidade George Mason: "Qual é o meu lugar na Igreja; sinto uma boa acolhida?".

Alvaré, ex-porta-voz da conferência episcopal dos EUA, disse que a indissolubilidade do matrimônio é um fundamento católico essencial, "a chave da cosmologia católica apostólica romana -a nossa compreensão do mundo, de Deus, a nossa relação com Ele e nossa relação uns com os outros".

Mas, acrescentou ela, o questionamento sobre o lugar de fiéis divorciados se enquadra num contexto maior de incerteza para aqueles que não vivem totalmente de acordo com os ideais da Igreja.

"Há muitos católicos divorciados, e será que não deixamos essas ovelhas vagarem sem ir até elas? Jesus quer que tomemos conta de todas as ovelhas."

A Igreja oferece uma solução para alguns: solicitar uma anulação, a declaração de que o casamento nunca foi realmente válido.

Os párocos determinam isso com base nas leis eclesiásticas que permitem anulações por motivos como doença mental ou "defeito grave de discrição do juízo acerca dos direitos e deveres essenciais do matrimônio".

Vários católicos divorciados elogiaram esse processo. A escritora Katherine Metres, 42, de Washington, conta que "os padres disseram: 'Queremos ajudá-los a dar um desfecho ao casamento'".

Mas o noivo dela tem dificuldades para anular o casamento anterior, e o novo casal está frustrado.

Muitos descreveram o processo como caro e intrusivo. O papa Francisco tratou recentemente dessas preocupações, quando disse a juízes da Igreja: "Eu gostaria que todos os processos de casamento fossem gratuitos".

Em seguida, numa conferência sobre anulações, ele disse que os procedimentos "muitas vezes são vistos pelos cônjuges como longos e cansativos". As mulheres em particular manifestaram descontentamento por serem interrogadas em tribunais eclesiásticos.

"Você está lidando com um marido abusivo que é homem, e então precisa ir até um homem para obter a anulação, e um bando de homens se senta a uma mesa e decide se a sua decisão foi correta", disse Denise Stookesberry, 58, de Saint Louis (Missouri).

Andrea Webb, 47, de Palm Harbor (Flórida), deixou de frequentar a igreja após concluir que só conseguiria anular seu casamento se criticasse o ex-marido de forma inverídica. "Qualquer um poderia dizer: 'Se não gosta desse sabor de refrigerante, vá atrás de outro', mas eu não quero ser metodista nem luterana", disse ela.

Para muitos outros, a Igreja faz exigências demais para reaceitar os divorciados. "Eu fui casada - entrei nessa com as ideias certas, e dizer algo diferente seria uma mentira", disse Carol Trankle, 72, de Rapid City (Dakota do Sul).

Tradução de RODRIGO LEITE 

As aventuras do último tropeiro (René Ruschel)

31/jan/2015...


As aventuras do último tropeiro

Na trilha das mulas escreveu-se uma história de vida
por René Ruschel — publicado 29/01/2015 06:07, última modificação 29/01/2015 11:47

Aos 101 anos, Otávio Reis, para muitos “o último tropeiro vivo”, segue dono de uma memória ímpar. Recorda de fatos em detalhes. Nome de pessoas e locais por onde passou ou viveu há 90 anos surgem com facilidade na ponta da língua, confiantes, fazendo de sua saga pessoal uma fábula fluente. “Sempre fui magro e isso ajudou muito a cavalgar sobre o lombo de mulas e cavalos”, diz, os olhos acesos a mirar o tempo que se foi, a voz pausada a contar com precisão as histórias do menino nascido em 23 de janeiro de 1914, à beira do Rio Iguaçu, hoje Porto Amazonas, a 80 quilômetros de Curitiba.
Filho de agricultores, Reis passou a infância no campo entre 12 irmãos, embalado pelos apitos de trens e vapores que moviam a economia da região. Aos 10 anos vendia leite, queijo e laranja para os viajantes na estação e no cais do porto. Mas o espírito de aventura o fez sonhar com um mundo sem fronteiras. Nessa época, um de seus cunhados levou-o para aquela que seria sua maior experiência de vida. Ajudou-o a guiar 30 mulas entre as cidades de Ponta Grossa e Castro, no interior do Paraná. “Fiquei deslumbrado e descobri que era isso que eu queria fazer”, lembra com ar de nostalgia.
Não demorou a viver sua primeira grande aventura. Em 1928, aos 14 anos, incorporou-se a um grupo de tropeiros para percorrer aquela que era a rota mais importante do comércio de mulas do País: o trajeto Viamão, no Rio Grande do Sul, a Sorocaba, interior de São Paulo. “Eu era o madrinheiro”, recorda. Ou seja, ia à frente da tropa montado na “madrinha”, a fim de regular o passo dos animais. Foram três meses de viagem, levando 800 mulas.
Cavalgar por trilhas e picadas naqueles sertões era árdua missão, principalmente no inverno. “Como eu não tinha blusa de lã para me agasalhar, os companheiros fizeram uma abertura num cobertor ‘corta-febre’, enfiaram no meu pescoço e virou um poncho.”  À noite, acampavam em fazendas. E, para proteger o menino, os mais velhos o cercavam à beira de uma fogueira para que pudesse dormir. “Ainda hoje, quando recordo esse gesto dos meus amigos, fico emocionado. Eles queriam me cuidar, fazer com que não sofresse tanto com os rigores do inverno.”
digitalizar0001.jpg
'Foi difícil, mas não me arrependo de nada', diz Reis aos 101 anos
Entre elas, dormir em rede. “A onça só ataca pelas costas. Se a gente dormia na rede, o animal não sabia qual lado estava a cabeça do tropeiro e ia embora.” Cruzar os rios com a tropa era outro temor, pois a qualquer momento podia surgir uma sucuri. Na divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina, era preciso pagar pedágio aos índios. “A gente pagava 2 mil réis e o cacique soltava um longo assovio. Aquilo fazia um eco pela trilha que cortava a Serra Gaúcha e toda a tribo sabia que a gente ia passar. Se não pagasse, era problema na certa.”
Com a queda do comércio de mulas, o jeito foi mudar a sua rota. Primeiro, trabalhou na própria região fazendo “tropeadas domésticas”. Mas era muito pouco para quem queria aventura e liberdade. Na década de 1940, o norte do Paraná era o novo eldorado. Casado, foi morar em Jacarezinho, na região norte pioneira do Estado. Agora sua missão era levar boiadas de Mato Grosso ao Paraná e São Paulo. A vida errante fez com que morasse “na estrada”, em acampamentos, e só retornava para rever a família a cada dois meses, “ou às vezes até mais”.
Dos sete filhos, cinco nasceram no norte do Paraná. Desses partos, dois foi ele quem fez. Quando nascia a criança, ele a amparava e, com uma tesoura comum, cortava o cordão umbilical. “Enfaixei o nenê e entreguei à mãe para amamentar. Depois acendi uma vela e cauterizei o corte. Assim, os dois, mãe e filho, dormiram como anjos.”
Em 1984, aos 70 anos, retornou às origens para viver em uma chácara dentro da cidade. Viúvo, mora com um filho e tem uma fiel escudeira, Maria. “Não sei se faria tudo outra vez. Foi muito difícil chegar até aqui. Mas não me arrependo de nada. Vivi cada minuto bem vivido. Fiz amigos e tenho uma imensa saudade de todos. Sou muito feliz.” Ao final da conversa, o velho tropeiro olha fixamente e diz: “Posso fazer uma pergunta? Como você soube de mim? Por que se interessou? Minha história é tão simples!”
digitalizacao0001.tif
Do Rio Grande do Sul ao interior de São Paulo, enfrentando frio, onças e sucuris nas picadas, Otávio Reis guiou o caminho de tropas por anos a fio

Os Testamentos Vitais e as Diretrizes Antecipadas (Carolina da Cunha Pereira França Magalhães)

31/jan/2015...

Os Testamentos Vitais e as Diretrizes Antecipadas

04/04/2011 Autor: Carolina da Cunha Pereira França Magalhães

A idéia de dignidade humana está associada à proteção das circunstâncias indispensáveis para uma existência plena de sentido. Essa idéia traduz o estado do homem enquanto indivíduo, afastando-o da condição de objeto à disposição de interesses alheios, impondo limites às ações que não consideram a pessoa como um fim em si mesma.

A Constituição Federal de 1988 consagrou no art. 1º, III, a dignidade da pessoa humana, como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Em seguida, no art. 5º, III, preceitua que "ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante".

Segundo o Professor Oscar Vilhena Vieira, se olharmos a carta de direitos fundamentais, especialmente no art. 5º, encontraremos um razoável conjunto de direitos que circulam diretamente na órbita do direito à dignidade. Sustenta o professor que, em todas essas ocasiões, o constituinte está proibindo que a vida seja extinta ou que seja submetida a padrões inadmissíveis, da perspectiva do que se compreenda por vida digna.

É nesse contexto que surge o embate Vida X Dignidade Humana quando nos propomos a investigar a validade dos testamentos vitais e das diretrizes antecipadas perante o ordenamento jurídico brasileiro.

Os testamentos vitais, também conhecidos como living will, testamentos biológicos ou testament de vie, são documentos elaborados por uma determinada pessoa que, mediante diretrizes antecipadas, realizadas em situação de lucidez mental, declara a sua vontade, autorizando os profissionais médicos, no caso de doenças irreversíveis ou incuráveis, em que já não seja mais possível expressar a sua vontade, a não prolongarem o tratamento. Nesses casos, o paciente em fase terminal ou em estado vegetativo autoriza a suspensão de tratamentos que visam apenas a adiar a morte, em vez de manter a vida.

Em geral, estes testamentos aplicam-se nos casos de condições terminais, sob um estado permanente de inconsciência ou um dano cerebral irreversível que não possibilite a capacidade de a pessoa se recuperar e tomar decisões. Aqui entra a aplicação do testamento vital, estabelecendo limites para aplicação do tratamento, a fim de que sejam tomadas medidas necessárias para manter o conforto, a lucidez e aliviar a dor, inclusive com a suspensão do tratamento.

Trata-se de um tema bastante delicado, em que, de um lado, encontramos a proteção à vida e, de outro, o direito a uma morte digna, com a libertação da dor que implica uma vida sem vida.

É certo que a vida é o bem maior, traduzindo-se como bem indisponível, da qual derivam todos os demais direitos. Contudo, de que vale a vida sem dignidade? Cabe aqui a indagação sobre a relativização desse direito nos casos de pacientes terminais, com doenças incuráveis ou em estado vegetativo. Essas pessoas não gozam da vida em sua plenitude. Não se pode afirmar sequer a existência de vida digna, pois o indivíduo se encontra privado de sua liberdade e do exercício de muitos de seus direitos.

Embora existam os adeptos da eutanásia, não se está aqui defendendo esta prática. Os testamentos vitais são instrumentos de manifestação de vontade antecipada, com a indicação negativa ou positiva de tratamentos e assistência médica a serem ou não realizados em determinadas situações. Trata-se de uma escolha do paciente em se submeter ou não a um tratamento, que não lhe trará a cura, mas poderá adiar a sua morte.

Nessas situações, o processo de morte já está instalado. Assim, o paciente recebe a contribuição do médico no sentido de se abster de adotar qualquer procedimento que prolongue artificialmente a sua morte, deixando que ela ocorra naturalmente. Do ponto de vista médico, essa prática recebe o nome de ortotanásia e, como dito, não se trata de defender um procedimento que causa a morte do paciente, mas sim o reconhecimento de sua liberdade e autodeterminação.

O indivíduo acometido por uma doença grave e incurável, cujo tempo de vida contribui apenas para a sua degradação e sofrimento não pode ser ignorado. É ele quem padece da dor oriunda da sua enfermidade. Embora seja uma decisão difícil de ser aceita pela família, que deseja somente a presença do ente querido, fazendo de tudo para que ele aqui permaneça, em determinados casos, por melhor que sejam as intenções, esse desejo acaba por aprisionar o paciente, prolongando a sua dor.

A vontade declarada do paciente nada mais é do que o seu posicionamento diante desse embate. Nesse aspecto, a morte digna desejada pelo indivíduo nada mais seria do que deixar a natureza agir por si própria, no que a medicina não pode remediar.

Trata-se de realizar a vontade do indivíduo dentro dos limites impostos pela lei. Sendo assim, os testamentos vitais poderiam ser feitos e cumpridos apenas nos casos de doenças irreversíveis ou terminais, cujo tratamento destinado a prolongar a vida do enfermo provocaria, inevitavelmente, dor e sofrimento.

No caso de o paciente solicitar a eutanásia ativa, por exemplo, o médico estaria proibido de executá-la, pois é ilegal no Brasil. Porém, nos casos em que a doença levar inevitavelmente à morte, o direito de autodeterminação do paciente deve ser respeitado.

De fato, não é possível a previsão de todos os casos pela lei. Cada quadro clínico tem um desenvolvimento próprio. Porém, compete à família e ao corpo clínico responsável avaliar a situação, verificando se a vontade do paciente se enquadra dentro dos limites previstos pela lei.

Para isso não basta apenas o desejo de não sofrer, mas o desejo de não ver prolongada uma vida de dor, quando existe a certeza da irreversibilidade da doença.

Carolina da Cunha Pereira França Magalhães é Advogada

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

A ortotanásia e o direito penal brasileiro (João Paulo Orsini Martinelli)

30/jan/2015...

A ortotanásia e o direito penal brasileiro

João Paulo Orsini Martinelli

Mestre e Doutor em Direito Penal – USP, Coordenador-chefe do Departamento de Internet do IBCCrim


I. Introdução
Recente decisão judicial reabriu uma discussão que sempre provocou polêmica em todos os países, independentemente dos valores culturais predominantes: a possibilidade de interrupção de tratamento de pacientes em estado terminal – a ortotanásia. Com a edição da Resolução 1.805/2006, pelo Conselho Federal de Medicina, autorizando a ortotanásia, houve ação do Ministério Público Federal do Distrito Federal requerendo a suspensão da resolução, pois a conduta estaria em desacordo com o Código Penal. Houve concessão de medida liminar, suspendendo a Resolução, sob o argumento de que a ortotanásia não encontraria amparo na legislação. Por fim, em dezembro de 2010, nova decisão judicial derrubou a liminar suspensiva e a Resolução voltou a ser aplicada. Nesse período de suspensão, o CFM editou seu novo Código de Ética Médica com nova previsão de interrupção do tratamento e projeto de lei que regulamenta a ortotanásia ganhou velocidade no Congresso Nacional.
II. A ortotanásia e sua definição
No campo jurídico, a definição de ortotanásia tem imensa relevância na configuração do fato como criminoso ou não. Ao definir ortotanásia, deve ficar claro que o sujeito não possui dolo de atingir o bem jurídico vida e, ainda, evidenciar a existência de circunstâncias que excluam qualquer delito. De preferência, para não restarem dúvidas sobre a legitimidade da ortotanásia, mais eficiente é demonstrar a atipicidade da conduta.
Encontram-se na doutrina especializada diversos conceitos. Ortotanásia, ou eutanásia passiva, é a omissão de uma indicação terapêutica para determinado caso.[1] Também pode ser definida como a omissão de toda intervenção que possa prolongar a vida de forma artificial.[2]Complementam-se os conceitos afirmando que “é a atuação correta frente à morte. É a abordagem adequada diante de um paciente que está morrendo”.[3]
Em comum, pode-se extrair que a ortotanásia não pode configurar qualquer tipo penal. A finalidade do médico que interrompe tratamento ineficaz é reduzir o sofrimento do doente sem chances de cura. Diferente, pois, de alguém que age com fim exclusivo de eliminar a vida da vítima, desconsiderando qualquer benefício que a morte lhe possa trazer. Tanto é que, como ressalta BITENCOURT, em alguns diplomas estrangeiros a eliminação da vida recebe o nomen iuris de “assassinato”.[4] E este não é o caso da ortotanásia.
Não se pode olvidar da concepção de vida sempre conexa à de dignidade. A vida deve ser sempre digna, com todos os meios disponibilizados pela sociedade e pelo Estado. A sociedade, composta por todos os seus membros, deve respeitar os direitos individuais, utilizando-se a consagrada fórmula “o direito de um termina quando nasce o direito do outro”. A ninguém, salvo exceções, é dado o direito de interferir nas escolhas individuais, pois ninguém sabe o que é melhor a si mesmo do que o próprio indivíduo, conforme a clássica lição de STUART MILL. Apenas quem sofre por uma doença grave e incurável sabe o melhor desfecho para sua vida. Há quem queira insistir no tratamento, na esperança de uma cura pouco provável, mas há aqueles que desejam interromper o sofrimento intenso, e para isso, necessariamente, chega-se à morte. Não se pode privilegiar apenas a dimensão biológica da vida humana, ignorando-se a qualidade de vida do indivíduo.[5]
III. A Resolução CFM 1.805/2006 e o novo Código de Ética Médica
Diz o art. 1.º da Resolução 1.805/2006 que “é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal”. Após a suspensão da Resolução pela Justiça Federal, em 2009, houve a edição do novo Código de Ética Médica (Resolução CFM 1.931/2009), vigente desde abril de 2010, cujo texto, de forma mais velada, também tratou da ortotanásia. Segundo seu art. 41, parágrafo único, “nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal” (grifo nosso).
O novo Código de Ética Médica determina que, nos casos em que for interrompido o tratamento, deve o responsável médico utilizar os cuidados paliativos para evitar o sofrimento do doente terminal. Evidente está a ausência de dolo de atingir-se o bem jurídico vida, requisito fundamental do crime de homicídio. O elemento subjetivo de quem pratica a ortotanásia, dentro dos limites de permissão, resume-se a preservar a dignidade humana de quem está sofrendo inutilmente e deseja abreviar a própria vida.
Assim manifestou-se o Conselho Federal de Farmácia em informações preliminares no Processo 2007.34.00.014809-3, da 14.ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, no qual ocorreu a suspensão da Resolução 1.805/2006: “a ortotanásia não antecipa o momento da morte, mas permite tão-somente a morte em seu tempo natural e sem utilização de recursos extraordinários postos à disposição pelo atual estado da tecnologia, os quais apenas adiam a morte com sofrimento e angústia para o doente e sua família”. Nada melhor que interpretar a lei com o auxílio de profissionais da saúde, que possuem conhecimentos mais apurados sobre o assunto do que o operador do direito.
Vale lembrar que a suspensão ocorreu em sede de decisão liminar, sem julgamento do mérito. No entanto, houve a seguinte manifestação do magistrado: “parece caracterizar crime (a eutanásia) porque o tipo penal previsto no sobredito art. 121, sempre abrangeu e parece abranger ainda tanto a eutanásia como a ortotanásia, a despeito da opinião de alguns juristas consagrados em sentido contrário”. Seguiu-se, assim, corrente jurisprudencial segundo a qual a ortotanásia enquadra-se no art. 121, § 1.º, do Código Penal, com redução de pena decorrente de relevante valor moral ou social.
Em dezembro de 2010, o próprio Ministério Público Federal mudou seu entendimento e a liminar suspensiva foi derrubada. Reconheceu-se que a permissão para a interrupção do tratamento a pedido do doente em estado terminal não fere a Constituição Federal. A ação foi julgada improcedente, acatando o juiz os pareceres de profissionais da saúde e as alegações finais do MPF, dando à Resolução a “interpretação mais adequada do Direito em face do atual estado de arte da medicina”. Ou seja, prevaleceu na decisão o direito ao exercício da autonomia do paciente em estado de morte iminente.
IV. Propostas de alterações legislativas
Poucos dias após a decisão da Justiça Federal que tornou válida a Resolução 1.805/2006, a Câmara dos Deputados, por meio de sua Comissão de Seguridade Social e Família, aprovou parecer favorável ao Projeto de Lei 6.715/2009, do Senado Federal, que altera o Código Penal, inserindo o art. 136-A. Resumidamente, o PL tem por objetivo retirar expressamente a ilicitude da ortotanásia quando preenchidos os requisitos legais.
Diz o art. 2.º do PL que “todo paciente que se encontra em fase terminal de enfermidade tem direito a cuidados paliativos proporcionais e adequados, sem prejuízo de outros tratamentos que se mostrem necessários e oportunos”. E, ainda, seu art. 3º define paciente em estado terminal de enfermidade como “pessoa portadora de enfermidade avançada, progressiva e incurável, com prognóstico de morte iminente e inevitável, em razão de falência grave e irreversível de um ou vários órgãos, e que não apresenta qualquer perspectiva de recuperação do quadro clínico”. Importante a definição de paciente em estado terminal para dar ao médico a possibilidade de saber se o caso concreto enquadra-se na permissão legal e evitar, posteriormente, responsabilidade penal por seu comportamento.
Quanto à exclusão de ilicitude do fato, o PL insere o art. 136-A no Código Penal, que possui a seguinte redação:
Art. 136-A. Não constitui crime, no âmbito dos cuidados paliativos aplicados a paciente terminal, deixar de fazer uso de meios desproporcionais e extraordinários, em situação de morte iminente e inevitável, desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, do cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão.
§ 1º A situação de morte iminente e inevitável deve ser previamente atestada por 2 (dois) médicos.
§ 2º A exclusão de ilicitude prevista neste artigo não se aplica em caso de omissão de uso dos meios terapêuticos ordinários e proporcionais devidos a paciente terminal.
Em caso de aprovação do texto, deverão ser observados os seguintes requisitos para o fato não ser antijurídico: (a) o profissional de saúde não pode deixar de aplicar os cuidados paliativos; (b) os meios dispensados devem ser desproporcionais e extraordinários, ou seja, devem extrapolar a razoabilidade de um procedimento destinado a salvar a vida; (c) a situação de morte deve ser iminente e inevitável, quer dizer, não basta haver mera probabilidade; (d) deve haver consentimento do paciente (real) ou de familiar próximo (presumido). Além disso, é necessário atestado sobre a situação do paciente elaborado por dois médicos.
Algumas críticas são cabíveis ao PL na forma como se apresenta. A inclusão da excludente de antijuridicidade no art. 136-A parece equivocada. Tal artigo sucederá o art. 136, que tipifica a conduta de “maus-tratos”. Dá-se a impressão de que a exclusão de antijuridicidade recai apenas nas situações em que o médico expõe “a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de (...) tratamento (...), quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis” e os procedimentos de tratamento extrapolem o bem senso. Isto é, pela redação pode-se extrair que há maus-tratos na omissão do tratamento desproporcional e, mesmo que haja morte do paciente, o fato será justificado. Não se pode resumir a excludente a um crime de perigo qualificado pelo resultado.
Melhor seria se houvesse, também e principalmente, previsão expressa de exclusão da ilicitude no art. 121, que define o crime de homicídio. Deveria o legislador preocupar-se com a regulamentação da ortotanásia para impedir qualquer tipo de responsabilidade penal do médico pela suposta prática de crime contra a vida, mesmo que seja com pena reduzida. Por causa de uma cultura puramente legalista, que ainda exerce grande influência no direito penal e processual penal, deve haver clara disposição permitindo a ortotanásia em parágrafo a ser adicionado ao art. 121 para evitar, definitivamente, qualquer possibilidade de responsabilização penal quando preenchidos os requisitos legais.
Deveria, ainda, o legislador considerar a ortotanásia como excludente de tipicidade por ausência de dolo. Melhor que jogar para a segunda fase de verificação do delito (dentro do conceito tripartido), seria afirmar a ausência de elementos subjetivos capazes de preencher a tipicidade. Em vez de considerar a ortotanásia fato típico, porém, lícito, deveria o PL considerar o fato ATíPICO, eliminando qualquer responsabilidade penal desde o início. Como defendido desde o começo do trabalho, na prática da ortotanásia o que se pretende é eliminar o sofrimento do paciente terminal. Não há finalidade de atingir o bem jurídico vida de forma reprovável, como requer o art. 121 ao tipificar o homicídio. Ao contrário, o objetivo do médico é concretizar o direito do paciente ao exercício da autonomia, quando a morte for sua vontade real ou presumida.
Por fim, interpretando-se o caso concreto à luz da Constituição Federal, não haveria necessidade de previsão em lei ordinária da permissão à ortotanásia. Na lição de MÖLLER, “a dignidade da pessoa humana é considerada, juntamente com os valores da soberania, da cidadania, do pluralismo político e os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa, o fundamento do Estado democrático brasileiro. (...) O valor da dignidade humana deve ser considerado o princípio fundamental do Estado e da Constituição, abrangendo todos os demais princípios e direitos fundamentais, uma vez que remete às exigências e necessidades humanas consideradas básicas e mais relevantes”.[6] A falta de previsão no Código Penal, portanto, não pode ser obstáculo para a isenção de responsabilidade do médico.
V. Conclusão
Apesar da complexidade do tema e das polêmicas levantadas, a ortotanásia precisa ser discutida no plano jurídico com o auxílio das ciências médicas e de seus profissionais. Devem ser consideradas a opinião do médico e, principalmente, a vontade do paciente em estado terminal ou sua família. Quando houver o desejo de interromper o tratamento, a autonomia individual deve ser respeitada, uma vez que, em regra, ninguém sabe o que é melhor a si mesmo do que a própria pessoa.
A norma penal deve ser interpretada de acordo com a lesão ao bem jurídico tutelado, sem ignorar a presença dos elementos subjetivos do tipo. No caso da ortotanásia, repita-se, não há dolo de lesão ou perigo à vida, ao contrário, pretende-se preservar a dignidade humana de quem está em estado precário de saúde, sem perspectivas de cura e tomado pelo sofrimento.
Em tese, não haveria necessidade de qualquer alteração na legislação, pois os direitos à liberdade e à dignidade humana estão previstos na Constituição Federal e devem ser aplicados na interpretação do Código Penal. No entanto, a previsão expressa em lei da ortotanásia como fato atípico (ou lícito) colocaria fim nas discussões a respeito de sua permissão.

BIBLIOGRAFIA:
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, vol. 02. São Paulo: Saraiva. 2010.
FARIAS, Gisela. Muerte voluntaria. Buenos Aires: Astrea. 2007.
FREIRE DE SÁ, Maria de Fátima. Direito de morrer. Belo Horizonte: Del Rey. 2005.
GOLDIM, José Roberto. Eutanásia. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/bioetica/eutanasi.htm>, acesso em 09/10/2010.
MÖLLER, Leticia Ludwig. Direito à morte com dignidade e autonomia. Curitiba: Juruá. 2008.
[1] FREIRE DE SÁ, Maria de Fátima. Direito de morrer. Belo Horizonte: Del Rey. 2005. p. 39.
[2] FARIAS, Gisela. Muerte voluntaria. Buenos Aires: Astrea. 2007. p. 35.
[3] GOLDIM, José Roberto. Eutanásia. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/bioetica/eutanasi.htm>, acesso em 09/10/2010.
[4] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, vol. 02. São Paulo: Saraiva. 2010. pp. 44-45.
[5] FREIRE DE SÁ, op. cit. p. 32.
[6] MÖLLER, Leticia Ludwig. Direito à morte com dignidade e autonomia. Curitiba: Juruá. 2008. p. 143.
MARTINELLI, João Paulo Orsini. "A ortotanásia e o direito penal brasileiro". Disponível em: (http://www.ibccrim.org.br)

Ortotanásia para iniciantes (Cf. Wikipédia)

30/jan/2015...

Ortotanásia é o termo utilizado pelos médicos para definir a morte natural, sem interferência da ciência, permitindo ao paciente morte digna, sem sofrimento, deixando a evolução e percurso da doença. Portanto, evitam-se métodos extraordinários de suporte de vida, como medicamentos e aparelhos, em pacientes irrecuperáveis e que já foram submetidos a suporte avançado de vida1 . A persistência terapêutica em paciente irrecuperável pode estar associada adistanásia, considerada morte com sofrimento.

Disponível em: (http://pt.wikipedia.org/wiki/Ortotan%C3%A1sia). Acesso em: 30/jan/2015.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Alimentos. Ação contra irmã pensionista militar. Possibilidade em tese. No caso irmão possui filhos maiores e capacitados financeiramente. Improcedência. TJRS.

29/jan/2015...

Ementa: 

APELAÇÃO. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE ALIMENTOS. PEDIDO DE ALIMENTOS À IRMÃ, PENSIONISTA DO EXÉRCITO EM RAZÃO DO FALECIMENTO DOS PAIS. 
O pedido de alimentos deduzido pelo autor em face da irmã, encontra respaldo nos arts. 1.694 e 1.697 do Código Civil. 
É o mesmo


Acesso ao Acórdão: Inteiro Teor: doc html

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

União estável. Meação. Presunção de esforço comum. Somente aos bens adquiridos depois da Lei 9.278 (1996). STJ.

28/jan/2015...

Direito à meação em união estável só existe para bens adquiridos após a Lei 9.278

28/01/2015 - 08:00              

Em uniões estáveis iniciadas antes da Lei 9.278/96, mas dissolvidas já na sua vigência, a presunção do esforço comum – e, portanto, o direito à meação – limita-se aos bens adquiridos onerosamente após a entrada em vigor da lei.

Esse foi o entendimento majoritário da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que decidiu questão controvertida nas duas turmas que compõem o colegiado ao julgar recurso sobre partilha de bens em união estável iniciada em 1985 e dissolvida em 1997.

O recorrente se insurgiu contra acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que reconheceu o direito à meação do patrimônio reunido pelos companheiros nos moldes da Lei 9.278, incluídos todos os bens, inclusive os que foram adquiridos antes da edição da lei. O TJMG considerou a presunção legal do esforço comum.

Segundo o recorrente, a decisão do tribunal mineiro desrespeitou o direito adquirido e o ato jurídico perfeito por ter atingido os bens anteriores à lei, que seriam regidos por outra legislação.

A ministra Isabel Gallotti, cujo voto foi vencedor no colegiado, afirmou que se houve ofensa ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, isso não decorreu do texto da Lei 9.278, mas da interpretação do TJMG acerca dos conceitos legais de direito adquirido e de ato jurídico perfeito – presentes no artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) –, “ensejadora da aplicação de lei nova (Lei 9.278) à situação jurídica já constituída quando de sua edição”.

Sociedade de fato

A ministra explicou que até a entrada em vigor da Constituição de 1988, as relações patrimoniais entre pessoas não casadas eram regidas por “regras do direito civil estranhas ao direito de família”.

De acordo com Gallotti, o entendimento jurisprudencial sobre a matéria estava consolidado na Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal (STF). O dispositivo diz que, comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.

A ministra lembrou que a partilha do patrimônio se dava não como reconhecimento de direito proveniente da convivência familiar, mas de contrato informal de sociedade civil, cujos frutos eram resultado de contribuição direta dos conviventes por meio de trabalho ou dinheiro.

Segundo Gallotti, com a Constituição de 1988, os litígios envolvendo as relações entre os conviventes passaram a ser da competência das varas de família.

Evolução

Ao traçar um histórico evolutivo das leis, a ministra reconheceu que antes de ser publicada a Lei 9.278, não se cogitava presunção legal de esforço comum para efeito de partilha igualitária de patrimônio entre os conviventes.

A partilha de bens ao término da união estável dava-se “mediante a comprovação e na proporção respectiva do esforço de cada companheiro para a formação do patrimônio amealhado durante a convivência”, afirmou.

Segundo Gallotti, com a edição da lei, foi estabelecida a presunção legal relativa de comunhão dos bens adquiridos a título oneroso durante a união estável.

Aquisição anterior

Entretanto, essa presunção não existe “se a aquisição se der com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união”, acrescentou a ministra.

Ela explicou que, com a edição da Lei 9.278, “os bens a partir de então adquiridos por pessoas em união estável passaram a pertencer a ambos em meação, salvo se houvesse estipulação em sentido contrário ou se a aquisição patrimonial decorresse do produto de bens anteriores ao início da união”.

Segundo Gallotti, a partilha dos bens adquiridos antes da lei é disciplinada pelo ordenamento jurídico vigente quando se deu a aquisição, ou seja, com base na Súmula 380 do STF.

A ministra afirmou que a aquisição da propriedade acontece no momento em que se aperfeiçoam os requisitos legais para tanto, e por isso sua titularidade “não pode ser alterada por lei posterior, em prejuízo do direito adquirido e do ato jurídico perfeito”, conforme o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição e o artigo 6º da LICC.

Expropriação

Isabel Gallotti disse que a partilha de bens, seja em razão do término do relacionamento em vida, seja em decorrência de morte do companheiro ou cônjuge, “deve observar o regime de bens e o ordenamento jurídico vigente ao tempo da aquisição de cada bem a partilhar”.

De acordo com a ministra, a aplicação da lei vigente ao término do relacionamento a todo o período de união implicaria “expropriação do patrimônio adquirido segundo a disciplina da lei anterior, em manifesta ofensa ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, além de causar insegurança jurídica, podendo atingir até mesmo terceiros”.

Por isso, a Seção determinou que a presunção do esforço comum e do direito à meação limitam-se aos bens adquiridos onerosamente após a vigência da Lei 9.278.

Quanto ao período anterior, “a partilha deverá ser norteada pela súmula do STF, mas, sobretudo, pela jurisprudência deste tribunal, que admite também como esforço indireto todas as formas de colaboração dos companheiros, mas que não assegura direito à partilha de 50%, salvo se assim for decidido pelo juízo de acordo com a apreciação do esforço direto e indireto de cada companheiro”, afirmou Gallotti.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Grécia. No 1º dia de governo, Syriza prioriza revisão da dívida e anula leis e privatizações da troika (Opera Mundi)

28/jan/2015...

No 1º dia de governo, Syriza prioriza revisão da dívida e anula leis e privatizações da troika



Funcionários públicos demitidos serão recontratados e salário mínimo terá aumento; na política externa, Grécia criticou novas sanções da UE à Rússia

No primeiro dia de governo, o Syriza, partido de esquerda que venceu as eleições do último domingo na Grécia, começa a responder às expectativas e promessas feitas durante a campanha eleitoral. A prioridade anunciada nesta quarta-feira (28/01) pela nova gestão foi a suspensão dos processos de privatização dos setores de energia, aviação e portos, além do o cancelamento de leis impostas pela troika em troca do resgate financeiro ao país, como a demissão de funcionários públicos.
A marca do novo gabinete nomeado ontem pelo premiê Alexis Tsipras é a forte relação dos ministros com o desenvolvimento de políticas para fortalecer a economia e as finanças do país. Alguns setores criticaram, no entanto, o fato de um partido de esquerda não ter nomeado nenhuma mulher entre os dez ministros.
Agência Efe

Entre os 40 altos cargos, há 
seis vice-ministras e secretárias de Estado
Durante seu primeiro Conselho de Ministros, Tsipras reafirmou que uma das prioridades do novo governo de "salvação social" será "a renegociação da dívida grega com os sócios", até se alcançar uma solução para o "benefício de todos".
Ele disse ainda que a "Grécia está pronta para contribuir para uma solução para toda Europa" e que o governo do Syriza deverá "acabar com o clientelismo político e a corrupção", além de aplicar as "reformas que não puderam ser feitas durante 40 anos".
Fim das privatizações
O ministro de Reconstrução Produtiva, Meio Ambiente e Energia, Panayiotis Lafazanis, anunciou hoje que o governo cancelará, de forma progressiva, todas as leis aprovadas pelos membros da troika de credores (formada pela Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional). Em especial, será interrompido o processo de privatização de empresas estratégicas que estavam em andamento pela gestão anterior — a DEH (Empresa Pública de Energia), do qual o Estado grego ainda é o acionista majoritário, é delas. Agora, o sistema de fornecimento de energia elétrica "funcionará com critérios não lucrativos", apontou o ministro.
Conheça a história do Syriza, em fotos:
>
Da mesma forma, o porto do Pireu, o maior da Grécia, também terá o processo de privatização suspensa, como afirmou o vice-ministro, Thodoris Dritsas. O governo anterior pretendia vender 67% da Autoridade Portuária do Pireu ao Grupo Cosco (chinês).
As demais redes de infraestrutura, como aeroportos, também permanecerão nas mãos do governo, afirmou o ministro adjunto para a Infraestrutura, Christos Spirtzis. Estava prevista a privatização de 14 aeroportos regionais e a venda de milhares de hectares do antigo aeroporto de Atenas.
Fim da austeridade
O fim das medidas de austeridade, que também aparecia como uma das maiores promessas de campanha do Syriza, começa a sair do papel. Na Grécia, esta política fiscal rígida significou aumento dos impostos para a população e corte nas políticas sociais.
O ministro do Trabalho, Panos Skurletis, anunciou que o governo irá "restabelecer o salário mínimo e o décimo terceiro das pensões mais baixas".
Durante a campanha, o partido prometeu restaurar o salário mínimo para 751 euros brutos, que hoje está em 586 euros. "Além disso, restabeleceremos as negociações entre sindicatos e os patrões", disse Skurletis.
Quanto aos funcionários públicos que perderam o emprego “por decisões inconstitucionais”, tal como definiu a Suprema Corte grega, terão seus cargos de volta. É o que garantiu o ministro do Interior e de Reconstrução Administrativa da Grécia, Nikos Vutsis.
Vutsis afirmou que a exigência da troika de demitir funcionários para que fosse alcançado um superávit primário "foi injusta e gerou um clima de insegurança entre todos os trabalhadores". Eles protestam há meses em um acampamento improvisado em frente ao Ministério das Finanças.
"Não é possível continuar pagando, cinco anos depois da catástrofe que sofremos, com esta dívida insustentável. Tomaremos todas as medidas necessárias e fecharemos os acordos necessários para reduzir os pagamentos da dívida e conseguir um prazo (de devolução) mais longo que permita que o país fique de pé", disse.
Reação
Diante das medidas que estão sendo defendidas pelo Syriza na Grécia, o ministro alemão de Economia, Sigmar Gabriel, vice-chanceler social-democrata da gestão Angela Merkel, pediu que o novo governo seja “justo” com “as pessoas da Alemanha e da Europa que ajudaram a Grécia no passado”.
Agência Efe
Tsipras conseguiu maioria para se eleger premier após coligação com direitista Gregos Independentes

Durante entrevista coletiva à imprensa, ele ressaltou que seu país respeita a eleição democrática grega e que o objetivo alemão é de que a Grécia permaneça na zona do euro. E disse ainda que, se a Grécia não quer realizar as reformas necessárias, “não é justo que os trabalhadores de outras partes do mundo tenham que pagar. Não posso explicar isso aos alemães, não é possível”, afirmou.
Política externa
Na política externa, o Syriza também sinaliza um rumo diferente ao que vinha sendo adotado pelo governo de Antónis Samarás, da conservadora Nova Democracia.
Hoje, o governo grego criticou a declaração feita ontem pela União Europeia na qual, além de ameaçar a Rússia com novas sanções, culpa Moscou pelo aumento da violência no leste da Ucrânia e pela deterioração da segurança, além do agravamento da situação humanitária no país.
De acordo com o vice-ministro de Assuntos Exteriores grego, Nikos Juntis, a declaração dos "Chefes de Estado e de governo" foi redigida "sem seguir os procedimentos estabelecidos, sem informar a Grécia, nem obter o consentimento do premiê Alexis Tsipras".
Juntis também mostrou-se contrário ao " espírito das sanções, que têm consequências negativas tanto na agricultura, como na economia de nosso país, e de maneira geral".
A posição foi expressa, por telefone, à Alta Representante da UE para Assuntos Exteriores e Política de Segurança, Federica Mogherini nesta quarta.
Leia mais: 

Conheça principais propostas do Syriza, partido que passa a governar na Grécia
Análise de Breno Altman: Vitória da esquerda grega chacoalha Europa

Membros da troika parabenizam esquerda na Grécia, mas rejeitam renegociação da dívida

Para Partido Comunista da Grécia, vitória do Syriza reflete 'falsa esperança'

Reunidos em Auschwitz, sobreviventes e líderes mundiais alertam para perigo da propagação do ódio