18 NOVEMBRO, 2013
por
Alberto Dines
Não foi a “imprensa
burguesa” a responsável pela prisão de 11 réus condenados pelo escândalo do
mensalão no último fim de semana. Mesmo como desabafo indignado ou recurso
retórico a denúncia é equivocada. Repetida pelos encarcerados que faziam parte
da direção do PT na época em que o caso veio à tona, revela surpreendente
inabilidade e falta de inspiração. A explicação de Henrique Pizzolatto,
ex-dirigente do Banco do Brasil que escapou para a Itália, é mais lógica e
pertinente – alegou ser vítima de um erro judiciário, queria um julgamento
justo. Mandou-se.
A “imprensa burguesa” é
culpada de inúmeros pecados, aberrações e desatinos, mas o fato de ser burguesa
não é sua culpa: burguesa é a sociedade que a criou e sustenta. O país que lhe
fornece valores e mentalidades é espiritualmente burguês. Mais do que isso:
pequeno-burguês. Inclusive algumas de suas vanguardas.
O exemplo mais recente e
dramático dessa insopitável vocação para o reacionarismo foi a tentativa de um
grupo de astros da música popular de embargar a publicação de biografias
não-autorizadas. O caso é antológico, paradigma da amnésia burguesa que esquece
compromissos do passado em troca do sossego futuro.
Esse burguesismo
incrustado nos recônditos do nosso inconsciente resulta das contradições de uma
elite incapaz de perceber o seu papel. A submissão ao “rei” Roberto Carlos –
ícone de uma pequena burguesia clerical e medíocre – é uma brutal exibição das
confrarias e lealdades desprovidas de ideais, assentadas apenas em interesses.
Auto de fé
O próprio objetivo do
mensalão – garantir um esquema de sustentação parlamentar na base de compra
regular de votos – foi um desvio burguês, reacionário. O certo seria buscar
apoios a um projeto de governo, reformista ou revolucionário, cujo sucesso seria
a legítima moeda de troca. Pagar em espécie por alianças políticas é um
aviltamento do qual só participa quem não acredita no contrato social nem nos
deveres democráticos.
Ignorar a exemplaridade
do caso do mensalão – pela esfera onde ocorreu, por suas dimensões e dinâmica –
para concluí-lo levianamente seria uma opção permissiva, frívola, burguesa.
Esta condição dolorosa, trágica, não pode ser abortada, descartada ou contornada.
A catarse seria uma solução: se produzir gestos de grandeza, reforçar
consciências e criar a noção de reparação.
O que confere à nossa
imprensa um ar terrivelmente burguês, falacioso, algo cínico, é a sua
irresistível compulsão para comportar-se como um auto de fé. Ou patíbulo.
Deveria ser a arena – ou foro – de onde se descortinam, em toda a extensão, a
generosidade e miséria da condição humana.
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