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terça-feira, 30 de janeiro de 2018

“Trata-se de decisão bárbara. É política e não jurídica” (Pedro Serrano)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 30/jan/2018...

Serrano: “Trata-se de decisão bárbara. É política e não jurídica”

Para advogado e autor do livro “Autoritarismo e golpes na América Latina, única chance agora é o povo, já que aplicadores da Constituição não são leais
 28/01/2018 11h18 - atualizado em 30/01/2018 18h27
Paulo Pinto/Agência PT
Para Serrano, a Lava Jato é um processo "desconstituinte", em que a Constituição é esvaziada de sentido

“O sistema de justiça brasileiro não oferece condições para que o ex-presidente Lula seja tratado como cidadão, mas como um inimigo”. Essa é a avaliação do advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP,  Pedro Serrano, que, em entrevista ao Brasil de Fato, analisa o cenário político e jurídico do ex-presidente Lula após condenação em segunda instância nesta quarta (24) no TRF4, em Porto Alegre.
Para Serrano,  a situação é absolutamente atípica porque se trata de um julgamento político com medidas de exceção. “Não há norma de fato, mas uma suspensão de direitos, uma mal aplicação do direito para atender interesses políticos externos ao Judiciário”, afirma.
O advogado e professor destaca a importância da mobilização popular e elenca características de uma decisão que considera “inconstitucional em vários aspectos”. Confira a entrevista cedida a rádio Brasil de Fato no dia posterior a condenação do ex-presidente Lula.
Como o senhor analisa a decisão tomada pelo TRF4 na última quarta-feira (24) em manter a condenação do ex-presidente Lula?
Pedro Serrano: É uma decisão inconstitucional em vários aspectos. O juiz Sérgio Moro estipulou uma pena para o ex-presidente Lula por uma acusação sem provas e, com isso criou um tipo penal, uma lei soberana. No tribunal, Moro defende que Lula seja condenado por ter recebido o apartamento no Guarujá em troca de benefícios que teria dado por ser o líder de uma organização ligada a Petrobras, mas não foram apontadas provas disso nem sobre a dessa organização, ou seja, se trata de uma acusação etérea. Eles consideram que a propriedade foi usada para pagamentos de propina e citam reformas feitas no apartamento em que o ex-presidente nunca teve a posse.
Eu chamo isso de medida de exceção, ou seja, um julgamento onde há suspensão de direitos e o Estado funciona não como policiador, mas como um soberano que busca produzir um resultado político. Nesse caso, o objetivo é uma eventual prisão do ex-presidente para que ele não possa concorrer ao pleito presidencial e seja tratado como indigente e não como cidadão.
A situação é absolutamente atípica, nós temos um julgamento político semelhante ao que tem sido proferido em Brasília: uma norma é criada para cada caso, ou seja, não há norma de fato, mas uma suspensão de direitos, uma mal aplicação do Direito para atender interesses políticos externos ao Judiciário. Como a Justiça age em favor disso, as pessoas não enxergam o absurdo dessa decisão, mas as críticas sobre a falta de princípios e a histeria moralista vão surgir no futuro.
Então o senhor não enxerga saída dentro do rito processual da Justiça?
Pedro Serrano: Eu acredito que seja uma ilusão porque nós estamos perante a ação de uma soberania de exceção semelhante a uma ditadura com a aplicação de medidas não civilizadas dentro de uma democracia. Nós temos que denunciar o que está acontecendo e parar com essa ideia de ter esperanças em um sistema de justiça que nunca vai tratar o Lula como cidadão, mas sempre como inimigo.
E tudo isso é proveniente de uma ação política, não jurídica. Para quem conhece o direito e consegue ter uma certa isenção ideológica, ao ver esse processo constata que não tem fundamento nenhum em face a nossa Constituição e certos valores de civilização, se trata de uma decisão bárbara.
Para o futuro, nós temos ainda a possibilidade da prisão do Lula porque o objetivo principal é torna-lo inelegível. A eficácia da Constituição depende da lealdade de seus aplicadores e como eles não são leais, a única chance é o povo. É o chamado direito à resistência, que surgiu com o conceito de Constituição na Idade Moderna no século XV. Portanto, não há outro caminho além da mobilização popular.
Agora, processualmente, o Lula tem direito a recursos e deve utilizar disso, mas a minha impressão é o que o sistema de justiça brasileiro não oferece condições para que o ex-presidente seja tratado como cidadão nesses processos, mas como um inimigo e, como tal, ele é objeto de uma vontade soberana que decide sobre a liberdade ou não liberdade dele e em uma outra sociedade poderia até decidir sobre sua vida e morte.
O Lula está recorrendo a uma Comissão de Direitos Humanos da ONU e a minha esperança é que pelo menos dali saia uma decisão favorável a ele pelo sentido político, mas eu estou pessimista em relação a atuação do sistema de justiça para esse caso, pelo menos nesse momento.
E o senhor acredita que a presença do membro da ONU, conselheiro real da família britânica, Geoffrey Robertson, muda alguma coisa nesse cenário?
Pedro Serrano: O Geoffrey é um advogado lendário na área de Direitos Humanos. Ele era advogado do ex-presidente Lula na corte, mas ele não o representa por completo. Como advogado ele vai defender a presidência com toda a sua qualidade perante a corte, mas nós não sabemos o que ela vai decidir.
A Corte de Direitos Humanos tem um funcionamento muito político, como qualquer corte de direito internacional, mas eu tenho mais esperança lá do que no Brasil, porque vivemos um momento em que o sistema de justiça, combinado com a mídia comercial, tem se colocado como uma força de exceção com poder desconstituinte. Portanto, só há uma forma de realmente garantir o cumprimento da Constituição: é a sociedade, a população se mobilizar. Se não conseguirmos fazer isso, eu francamente não vejo solução de justiça ou de direito para esse caso.

Xadrez de como o TRF4 desmoralizou a Justiça brasileira (Luis Nassif. Do GGN)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 30/jan/2018...

Xadrez de como o TRF4 desmoralizou a Justiça brasileira, por Luis Nassif

Atualizado às 12:20
João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos Laus, os três desembargadores do TRF4 que julgaram Lula, provavelmente entrarão para a história do direito penal brasileiro.
A sentença proferida, as ginásticas processuais, expuseram de forma definitiva o poder de manipulação de juízes descomprometido com a seriedade da profissão. E, assim como receberam uma batata quente das mãos do colega Sérgio Mouro, entregarão aos tribunais superiores – que irão analisar sua sentença – um frankestein legal, capaz de consumar a desmoralização final dos operadores de direito brasileiros perante a comunidade jurídica internacional.

Partiu do ex-juiz federal, e atual governador do Maranhão Flávio Dino, as análises mais objetivas sobre a pantomima de Porto Alegre.
Diz ele que milhares de páginas de direito penal foram rasgadas.

Peça 1 – os crimes indeterminados

Na falta de provas, o juiz Sérgio Moro havia criado, para criminalizar Lula, a figura do ato de ofício indeterminado – isto é, algum ato que Lula tomou, não se sabe como, onde, mas que existiu, existiu, e não se fala mais nisso.
Seus colegas do TRF4 ampliaram a criatividade e criaram a figura do “crime de corrupção complexo”, do qual ninguém sabe a data, o local, as circunstâncias, mas que existiu, existiu.

Peça 2 – a lavagem de dinheiro

A Lava Jato conseguiu uma criatividade inédita na caracterização do crime de lavagem de dinheiro, diz Flávio Dino: a OAS lava dinheiro dela mesma. Ou seja, para disfarçar a propriedade do tríplex, mantêm-no em seu próprio nome. Moro criou; o TRF bancou.

Peça 3 – o crime de solicitar

Como não se conseguiu provar que houve qualquer espécie de recebimento, mudou-se o núcleo do crime de “receber” para “solicitar”. Para "receber" teria que haver provas da transferência do bem. Para "solicitar", bastou a palavra do delator Léo Pinheiro, cuja pena foi reduzida de 16 anos para 3 anos por conta da contribuição ao processo.

Peça 4 – a tal teoria do fato

De seus tempos de juiz, Flávio Dino se recorda de várias acusações contra magistrados, indicando que assessores negociavam sentenças em salas ao lado da sala do titular. Todos foram absolvidos sob o argumento de que não podiam adivinhar o que ocorria na sala ao lado com auxiliares corruptos.
 No entanto considerou-se que um presidente da República, de um país das dimensões do Brasil, tinha que saber o que ocorria com os contratos de uma das estatais.

Peça 5 – a competência da Lava Jato

Não havia suporte para a competência da Vara de Curitiba e do TRF4. Afinal, o apartamento em questão está em Guarujá e não havia correlação nítida com nenhum ato ligado à Petrobras.
Para garantir o controle de Sérgio Moro, os procuradores ligaram o tríplex a três contratos da OAS com a Petrobras.
Na sentença, Sérgio Moro diz explicitamente que não havia relação com os três contratos. Seus colegas do TRF4 colocam a Petrobras de volta no contrato, mostrando inconsistência generalizada das acusações.

Peça 6 – as sentenças ampliadas

Aqui se entra na parte mais bizarra da sentença, mostrando como um erro inicial, para ser mantido exige mais erros nas instâncias superiores.
Confira a malha em que se enredaram os quatro juízes – Sérgio Moro e os três desembargadores, mais os procuradores da Lava Jato.
Passo 1 -  enquadraram Lula no crime de corrupção passiva.
Depois, se deram conta do engano. Corrupção passiva só se aplica a funcionário público, ou a quem estiver exercendo cargo público. Todas as acusações – tríplex, reforma no sítio de Atibaia etc – foram em cima de fatos ocorridos depois que Lula deixou a presidência.
Para corrigir o cochilo, os procuradores puxaram as denúncias para antes de 2010. E Sérgio Moro convalidou.
Passo 2 – as prescrições
Ocorre que o artigo 109 do Código Penal diz o seguinte, a respeito de prescrições de penas:
Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:                (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).
I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;
II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;
III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;
IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;
V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;
Significa o seguinte: se a pena máxima é superior a oito anos e não excede a doze (como era a pena aplicada por Moro no item corrupção passiva há prescrição se o prazo entre o malfeito e a sentença final superar 16 anos.
Mas há uma cláusula que não foi considerada pela brilhantíssima equipe da Lava Jato. Para réus com mais de 70 anos, o prazo de prescrição cai pela metade, ou oito anos.
Como a Lava Jato imputou a Lula fatos ocorridos em 2009, com mais oito anos dá 2017. E a pena estaria prescrita.
Foi por isso que os três desembargadores fecharam questão em torno da pena de 12 anos e um mês, comprovando definitivamente a marmelada. Com a variedade de itens a serem consideradas na dosimetria (o cálculo da pena) a probabilidade dos três fecharem questão em torno do mesmo valor seria mínima.
Passo 3 – das penas máximas
O crime de corrupção passiva é de 2 a 12 anos. Como réu primário e de bons antecedentes, não se poderia dar acima da pena mínima. O Código Penal tem requisitos e STF (Superior Tribunal de Justiça) e o STF (Supremo Tribunal Federal) já disseram várias vezes que, para se afastar o réu primário da pena mínima, tem que apresentar fatos específicos.
No entanto, os três desembargadores se afastaram da mínima, quase chegando à máxima de 12 anos, para impedir a prescrição, sem apresentar nenhum fato específico.

Peça 7 – os tribunais superiores

Para Flávio Dino, na força bruta empregada pelos três desembargadores reside a fraqueza maior da decisão.
Diz Dino que na comunidade dos intérpretes das leis e constituições reina maioria avassaladora que considera que o julgamento foi “atípico”.
A única exceção são aqueles que acham que foi “atípico” porque os colegas precisavam preservar Sérgio Moro. A intenção, para estes, não seria condenar Lula, mas absolver Moro das excentricidades de sua sentença. Dino considera que trata-se de leitura equivocada: o alvo era Lula, mesmo.
Segundo Dino, o julgamento significou um retrocesso de 300 anos no direito, porque assumindo feição inquisitorial, remetendo aos tempos da Inquisição, nos quais definia-se primeiro a culpa, para depois encontrar o crime.
Independentemente da linha política em jogo, Dino considera que os tribunais superiores terão que dizer se garantem ou não dois direitos fundamentais:
1.     Permitir a prisão de Lula enquanto tramitam recursos contra a decisão do TRF4. É preciso sublinhar diariamente, diz Dino: prisão antecipada tem que ser justificada com razões concretas.
2.     Buscar a aplicação da Lei da Ficha Limpa. Ela não definiu de modo absoluto que qualquer julgamento colegiado induz à inelegibilidade. Quando o direito de concorrer for plausível, com demonstrações de parcialidade das instâncias inferiores, os tribunais superiores deverão conceder liminar, por haver dano irreparável se a pessoa não concorrer.
Sejam quais forem as consequências, Gebran, Paulsen e Laus entram para a história política e do direito brasileiro, como três magistrados que sacrificaram os princípios do direito, o respeito às leis e à sua profissão, em favor de objetivos menores.
A informação do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, de que não será possível abrir o sistema Drousy, da Odebrecht, é o ponto final na pantomima da Lava Jato.

domingo, 28 de janeiro de 2018

Condenação de Lula foi covardia (Luiz Fernando Verissimo)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 28/jan/2018...

Verissimo: condenação de Lula foi covardia

Postado em 28 de janeiro de 2018 às 6:06 am
O escritor Luis Fernando Verissimo afirma em artigo no Globo, que a condenação do ex-presidente Lula pelo TRF-4 foi “covardia”.
“O debate acabou sendo entre a palavra e o grito. A palavra cheia de si dos juízes contra o grito de protesto das ruas. Os juízes foram enfadonhos, mas meticulosos e didáticos, as ruas foram desorganizadas, desarticuladas e desafinadas. Milhares andando e gritando nas ruas em favor de Lula não tiveram a loquacidade de três juízes nas suas cadeiras macias. As palavras dos juízes abafaram os gritos da rua. Não era preciso nem levantar a voz. Foi covardia”, diz ele.
Segundo Verissimo, os desembargadores já tinham seus votos prontos e sincronizados. “O que o advogado do Lula estava fazendo lá? Se tivesse aproveitado para dar um cochilo, ninguém o recriminaria”, diz ele.

Original disponível em: (http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/verissimo-condenacao-de-lula-foi-covardia/?utm_source=social_mais&utm_medium=widget). Acesso em 28/jan/2018.

sábado, 27 de janeiro de 2018

Maurício Dieter fala sobre o julgamento de Lula e outros assuntos (Entrevista ao Voz Ativa)



Maurício Dieter, advogado e professor de Criminologia e Direito Penal da USP, ganha voz ativa para falar sobre o julgamento de Lula, o justiçamento nas redes sociais, espetacularização das prisões no Brasil e outros assuntos.

Há indicativo de "acerto prévio" no TRF4 contra Lula (Cf. Flávio Dino. Entrevista. Carta Capital)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 27/jan/2018...

Flávio Dino: penas iguais indicam "acerto prévio" no TRF4 contra Lula

por Miguel Martins — publicado 25/01/2018 14h40, última modificação 25/01/2018 22h38
Ex-juiz federal, o governador do Maranhão critica o julgamento e diz acreditar que os tribunais superiores não permitirão a prisão do petista

Fábio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil
Dino
Embora apoie Manuela D'Ávila, Dino defende que Lula mantenha sua candidatura

Três desembargadores, uma dosimetria da pena. O julgamento de Lula em segunda instância não apenas confirmou a condenação de Lula pelo juiz Sergio Moro pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas ampliou a pena do petista para 12 anos e 1 mês em regime fechado. Embora fosse esperada a confirmação da sentença do juiz responsável pela Lava Jato em Curitiba, impressionou a unanimidade dos desembargadores na hora de aplicar uma punição mais dura ao ex-presidente.
Como não houve divergência, Lula fica impedido de apresentar os chamados embargos infringentes, o que levaria o processo a se arrastar por mais tempo na segunda instância e daria fôlego para o ex-presidente disputar a eleição ou até mesmo protelar sua prisão. Os desembargadores poderiam obter o mesmo resultado caso confirmassem a pena imposta por Moro, de 9 anos e meio de prisão. O fato de eles terem cravado uma mesma punição ainda mais dura para o petista parece indicar que houve acerto prévio para garantir uma unanimidade com o objetivo de impedir o recurso de Lula.
A análise é do ex-juiz federal Flávio Dino, governador do Maranhão pelo PCdoB, ex-presidente da Associação Nacional dos Juízes Federais (Ajufe) e ex-secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Na entrevista a seguir,  Flávio Dino afirma não acreditar que os tribunais superiores permitirão uma eventual prisão de Lula e critica o corporativismo dos desembargadores durante o julgamento. “Os três julgadores estavam, aparentemente, mais preocupados em garantir a autoridade, a respeitabilidade e a honra da Justiça do que propriamente julgar o caso.”

CartaCapital: A unanimidade no julgamento de Lula e a coincidência entre as penas impostas pelos desembargadores o surpreendeu?
Flávio Dino: Foram realmente duas surpresas. Primeiro, sempre achei que jamais houve prova de crime algum. Mas, na pior da hipóteses, eu imaginava que eles iriam retirar a condenação por lavagem de dinheiro, porque é sui generis considerar que a própria OAS, detentora do imóvel, é laranja dela mesma. É algo que no Direito se chama leading case, é um caso único no direito mundial.

Qualquer pessoa com o mínimo de experiência forense sabe que em um julgamento dessa natureza só há unanimidade da dosimetria caso ela seja previamente combinada. Acho que houve acerto prévio, pois é atípico esse nível de concordância, a não ser que antes haja um ajuste. Claramente, houve um ajuste para evitar os embargos infringentes. O que torna ainda mais frágil a punição de quem julgou, da turma do tribunal.
CC: O senhor afirmou em sua rede social que o julgamento foi repleto de “defesas corporativas”. Por quê?
FD: O julgamento foi aberto com um discurso, com o relator dizendo que não haveria julgamento da vida pregressa de Lula. Quando se soma a postura, a atitude, a entonação, a impostação, vemos que na verdade havia um julgamento acima do próprio caso, que era o julgamento da honra da Justiça Federal. Os três julgadores estavam, aparentemente, mais preocupados em garantir a autoridade, a respeitabilidade e a honra da Justiça do que propriamente julgar o caso. O caso em si foi julgado muito precariamente, com base em inferências, em considerações diversas que cabem bem em um discurso político, mas não em um acórdão.

Eles invocaram, por exemplo, o julgamento do "mensalão". O que o "mensalão" tem a ver com isso? Falaram do José Dirceu, o que ele tem a ver com os fatos em discussão? Fizeram considerações sobre como se constrói maioria no Congresso Nacional. E por aí vai. Ao contrário do que foi dito no início, foi um julgamento abstrato, inquisitorial de um pecador, e não o julgamento de um acusado de acordo com o processo penal contemporâneo com base em determinado crime e suas provas. É um processo que começou mal, a condução na 1ª instância já foi muito ruim, desde aquela célebre condução coercitiva de Lula, e que, infelizmente, o tribunal resolveu dar continuidade a isso. Foi muito ruim, tanto na forma quanto no conteúdo. Acho uma peça jurídica muito frágil.
CC: O senhor acha que os tribunais superiores aceitarão esse acórdão?
FD: Acho que será revertido, mas não sei em que momento. Provavelmente, nos próximos anos eles vão considerar que neste caso não há prova de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro. O crime de lavagem apontado é esdrúxulo. É o único caso de ocultação e dissimulação em que a propriedade do bem continuou com o próprio detentor (OAS), que seria laranja dele mesmo. É um negócio surrealista.

Lula
Impasse sobre Lula manterá País fraturado, diz Dino (Foto: Ricardo Stuckert)
No caso da corrupção passiva, eles dizem que não precisa de ato de ofício. OK, mas é necessário que você demonstre que a suposta vantagem tem correlação com o exercício da função. No julgamento, o que definiu essa correlação são considerações meramente genéricas, do tipo: ele nomeou os diretores da Petrobras. É típico de quem não tem noção do que é governar uma estrutura complexa. Imagina se um governador do Estado ou um presidente vai ter ciência cotidiana e exata de todos os atos de gestão praticados em todos os órgãos de governo.
Isso é inexigível até de um juiz em sua vara. É impossível cobrar de um desembargador que ele conheça todos os atos de seu gabinete, do ponto de vista jurídico. Imagina se é possível cobrar isso de alguém que gerencia um país de mais de 200 milhões de habitantes. Não se pode presumir, é preciso provar.
Voltamos àquele ponto da má interpretação da Teoria do Domínio do Fato, que novamente surge nessa construção, segundo o qual ela é igual à chamada responsabilidade penal objetiva. Como se nomear desse a ele obrigação de saber de tudo.
CC: Os desembargadores buscaram negar que estivessem utilizando a Teoria do Domínio do Fato, Leandro Paulsen falou em "crimes específicos".
FD: Na verdade, eles julgaram com base em uma condenação prévia. Julgaram com base em um desígnio. Eles tinham de confirmar a sentença do Moro, porque se não confirmassem, a imagem da Justiça Federal ficaria maculada. Esse foi o fundamento. O resto foi mero exercício vazio de retórica. Você espreme esse julgamento e não encontra nada. Quem estava em julgamento não era nem a Justiça nem o juiz Moro. Era um réu, acusado de um determinado crime. Aquilo não fica bem. Foi um julgamento realmente surpreendente, bem pior do que eu imaginava.

CC: O senhor acredita que o juiz Moro decretará a prisão do Lula?
FD: A esta altura, diante da continuidade de disparates jurídicos, a prudência recomenda que se considera ser bem plausível que isso aconteça, que haja essa vontade. Não acredito que o STJ e o Supremo permitam isso. Mas que a vontade de prender está clara, sim, está clara. É um julgamento que cumpre aquilo que o próprio TRF4 criou. É bom lembrar que o tribunal, ao apreciar aquele vazamento de escutas telefônicas de advogados, criou uma categoria chamada "direito excepcional". O que a 8ª turma fez foi aplicar esse tal direito excepcional da Lava Jato. Só que isso se choca com a Constituição, esse é o problema.

CC: Como o campo progressista e o PCdoB devem enxergar as consequências eleitorais dessa decisão?
FD: Partidariamente, temos uma definição pela pré-candidatura de Manuela D'Ávila, e eu sou vinculado a essa orientação. Mas minha opinião de que Lula deve, sim, continuar sua candidatura. É uma exigência democrática. Estamos diante de uma aplicação casuística do direito, o conjunto da obra mostra isso. E isso leva à necessidade de uma atitude política coerente e proporcional à dimensão desse casuísmo. A atitude mais recomendável é ele manter mesmo a candidatura.

CC: O senhor acha que o impasse sobre a candidatura de Lula vai ser um tema central nas disputas estaduais? 
FD: É, sem dúvida, um elemento poderoso. Não só no Nordeste, mas todo o processo político do País entra em uma era de brutal incerteza. O candidato líder na pesquisas está na contingência de não poder disputar as eleições. Ninguém sabe se ele poderá concorrer até o final, pois a definição disto só ocorrerá no fim de agosto. Logo, o processo político vai ficar suspenso, haverá uma incerteza muito grande.

A sociedade vai ficar muito polarizada, teremos um País muito fraturado. Isso já ocorre desde 2013, quando começou esse processo de fratura, que se aprofundou com o julgamento de Lula. Há uma clivagem muito aguda. Somente eleições acima de qualquer suspeita podem colar o que está fraturado. A se confirmar o curso das coisas, teremos uma continuidade desse quadro. É muito ruim para um país viver esse nível de ruptura das regras do processo democrático.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

A tese fake e a má fé no voto de Gebran no julgamento de Lula (Fernando Hideo Lacerda. Do DCM)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 24/jan/2018...

A tese fake e a má fé no voto de Gebran no julgamento de Lula. Por Fernando Hideo

 

Gebran
POR FERNANDO HIDEO LACERDA, advogado criminalista e professor de Direito Processual Penal da Escola Paulista de Direito, mestre e doutorando em Direito Processual Penal pela PUC-SP.
O desembargador João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato na 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), foi além da sentença em seu voto.
Destaco dois pontos.

1. SOBRE A VANTAGEM
“Há prova acima da dúvida razoável de que o triplex estava destinado a Lula como vantagem, apesar de não transferido”.
Inacreditável.
O desembargador reconheceu que Lula nunca teve qualquer relação fática ou jurídica com o tal triplex. Não usou, gozou ou usufruiu do imóvel, tampouco figurou nos registros como seu dono.
A vantagem considerada pelo desembargador, em suas próprias palavras, não é uma vantagem. Que tipo de benefício Lula teria recebido? Nenhum.
Haveria apenas um bem DESTINADO como vantagem, embora nunca transferido de fato ou de direito ao réu.
Processo penal matrix ?
Surreal.
2. SOBRE A CONTRAPARTIDA
“Há prova acima do razoável de que o ex-presidente foi um dos articuladores, senão o principal, do esquema de corrupção”.
“Não se exige a demonstração de participação ativa de Luiz Inácio Lula em cada um dos contratos. O réu, em verdade, era o garantidor de um esquema maior que tinha por finalidade de modo sub-reptício o financiamento de partidos. Pelo que agia nos bastidores pela nomeação e manutenção de agentes em cargos-chave para organização criminosa.”
Inovação sem precedentes.
Inicialmente, o MPF disse que a contrapartida estaria relacionada a três contratos com a Petrobras.
Na sentença, o juiz de primeira instância disse que na verdade eram atos indeterminados que não tinham qualquer relação com a Petrobras.
Agora, o desembargador nos diz que Lula era o GARANTIDOR de um esquema executado por organização criminosa relacionado ao financiamento de partidos.
Que loucura.
Em nenhum momento do processo isso sequer foi mencionado, quanto mais possibilitado o direitos defesa em relação a tais acusações.
Não é apenas a falta de correlação entre acusação e condenação, mas a criação de novos fatos que sequer foram submetidos ao contraditório.
O crime de corrupção exige ao menos dois elementos típicos: vantagem + contrapartida.
Em primeiro lugar, é necessário haver pedido, recebimento ou aceitação da promessa de receber vantagem indevida. Vejam, não é necessário receber efetivamente a vantagem.
Basta que o funcionário público peça ou a aceite uma promessa.
Em todo caso, a acusação precisa especificar na denúncia (e comprovar durante o processo) qual foi a conduta: recebimento, pedido ou aceitação de promessa referente à vantagem indevida.
Em segundo lugar, é necessário haver uma contrapartida em jogo. É preciso que o particular ofereça ao funcionário público a vantagem em troca de um “favor”.
Vejam, não é necessário que essa contrapartida seja efetivamente praticada. Por isso, se diz na linguagem técnica que se trata de um crime formal (e não material). Basta que, no momento do “acordo”, as partes tenham consciência do objeto negociado: vantagem em troca de contrapartida.
Portanto, não é apenas caso de não haver provas. A verdade é que tanto a sentença quanto a fala do relator demonstram que não havia sequer crime a ser apurado.
Qual a conduta pela qual Lula foi condenado ?
Articular um esquema de corrupção com a finalidade de financiamento de partidos políticos, agindo “nos bastidores” mediante a indicação de cargos-chave na estrutura de uma organização criminosa.
Pois bem.
1. Essa não foi a acusação.
2. Nunca houve pedido do MPF relacionado a esses fatos, nem durante o processo nem no recurso de apelação.
3. Como essa conduta nunca foi tratada no curso do processo, Lula nunca pode se defender de tais imputações.
4. Não existe nenhuma prova sequer relacionada a esses fatos no processo.
5. Todas as indicações políticas são condutas oficiais do presidente da República, não há como classificá-las como ação “de bastidores”.
6. Em nenhum momento a acusação denunciou Lula por integrar e, muito menos, chefiar uma organização criminosa.
7. Não é possível condenar alguém por ser o “garantidor” de uma organização criminosa sem que sequer se tenha apontado quem são os membros e os crimes praticados por essa organização.
Enfim, até quando aguardaremos que a história se encarregue de revelar que a farsa contemporânea é a reedição da tragédia de sempre?

sábado, 20 de janeiro de 2018

Devido Processo Legal e Democracia (Gilson Dipp)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 20/jan/2018...

Lula não fica inelegível, mesmo condenado
Dipp: Justiça Eleitoral terá que pesar os valores democráticos envolvidos
publicado 20/01/2018
ServicosGerais.jpg
Conversa Afiada reproduz da Fel-lha esclarecedor artigo do Ministro Gilson Dipp, que, no STJ, tentou impedir uma patranha para beneficiar o ínclito banqueiro. Não conseguiu...:

Lula ficará inelegível se condenado em 2ª instância? NÃO


DEVIDO PROCESSO LEGAL E DEMOCRACIA

Uma eventual condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta quarta-feira (24) pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região não o tornará inelegível automaticamente.

A condenação a nove anos e meio de reclusão, multa e suspensão dos direitos políticos, determinada pelo juiz Sergio Moro, poderá ser anulada por vício processual, confirmada ou reformada, no todo ou em parte, inclusive com absolvição.

Nesse cenário, em que estão contrapostos a soberania popular e os efeitos de condenação judicial não definitiva, muitas questões despertam dúvidas sobre eventual inelegibilidade do ex-presidente. Uma condenação criminal pode repercutir na esfera eleitoral por dois caminhos distintos e separados no tempo.

De um lado, a suspensão dos direitos políticos, um dos possíveis efeitos da condenação criminal, consiste na retirada temporária dos direitos políticos, como filiação a partido político, exercício de cargo em entidade sindical, nomeação para certos cargos não eletivos, além do direito de votar e de ser votado.

Nesse caso, tem-se automaticamente a suspensão dos direitos políticos, o que afeta a condição de elegibilidade e impede a candidatura, conforme o artigo 14, § 3º, da Constituição Federal. Contudo, a suspensão dos direitos políticos só produz efeitos após o trânsito em julgado (sentença definitiva) da condenação penal, conforme o artigo 15, III, da Carta Magna.

Frise-se que a tão em voga execução provisória da pena consiste na possibilidade de prisão ou encarceramento do condenado antes do trânsito em julgado, mas não na suspensão dos direitos políticos antes da condenação definitiva, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal.

Outro caminho pelo qual a condenação penal pode repercutir no âmbito eleitoral decorre da aplicação da Lei da Ficha Limpa, que determina que é inelegível quem for condenado, mesmo em decisão provisória, por crimes contra a administração pública, como é a corrupção.

Porém, a restrição ao direito à elegibilidade não é presumida e deverá ser objeto de apreciação pela Justiça Eleitoral em processo judicial próprio —impugnação ao registro de candidatura— e no momento certo (período eleitoral). 

Até lá, a lei resguarda ao pretenso candidato o devido processo legal, com os recursos a ele inerentes. Na verdade, a própria Lei da Ficha Limpa acabou por criar esse cenário de incerteza político-eleitoral ao permitir a concomitância entre o processo de registro de candidatura e a pendência de recursos –prevendo, inclusive, a suspensão das condenações pelos tribunais superiores. 

A prática eleitoral revela inúmeros e frequentes casos em que candidatos conseguiram a suspensão de condenações antes ou mesmo durante o embate eleitoral, o que incentiva a apresentação de candidaturas daqueles afetados por condenações provisórias.

Longe de ser ideal, essa situação existe e não pode ser usada em benefício apenas de alguns e em prejuízo de outros.

Ainda que persista a condenação, caberá à Justiça Eleitoral, no processo próprio e no momento previsto na lei, sopesando os valores democráticos envolvidos, julgar a possibilidade ou não da candidatura. Portanto, afirmar com tanta antecedência a inelegibilidade por condenação provisória nem sequer submetida aos tribunais superiores é negar o princípio constitucional do devido processo legal e a própria existência da Justiça Eleitoral.

GILSON DIPP, sócio do escritório Carneiros e Dipp Advogados, foi ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), corregedor do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e presidente do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região).