Política| 03/01/2013 | Copyleft 


O "Lulismo" e os meios de comunicação
Apesar da inegável capacidade de Lula
de estabelecer com as camadas populares uma relação profunda de identificação,
o poder dos meios de comunicação na sociedade brasileira não foi minado. Lula é
percebido como alguém que ameaça, com sua estima popular e com suas
possibilidades presidenciais até 2014, o status quo midiático brasileiro.
Destruir o capital político do ex-presidente, que havia crescido com o triunfo
de seu candidato Fernando Haddad nas últimas eleições municipais, parece ser um
objetivo visível. O artigo é de Ariel Goldstein.
Ariel Goldstein - Página/12
Buenos Aires - Num artigo recente, o historiador inglês Perry Anderson estabeleceu as
diferenças entre a cobertura feita pela mídia internacional e a brasileira
sobre o governo Lula, assim:
“Aquele cujas
impressões a respeito de seu governo viessem da imprensa internacional teria um
choque ao encontrar o tratamento dado a Lula nos meios de comunicação
brasileiros. Praticamente desde o início, a The Economist e o Financial Times
ronronaram satisfeitos com as políticas pró-mercado e com a concepção
construtiva presidência de Lula (...). O leitor da Folha ou do Estadão, para
não falar da Revista Veja, estava vivendo num mundo diferente. Normalmente, em
suas colunas, o Brasil estava sendo governado por um grosso aspirante a
caudilho, sem a menor compreensão dos princípios econômicos ou respeito pelas
liberdades civis, uma ameaça permanente à democracia e à propriedade privada”.
Uma situação
similar se produziu durante a recente visita da comitiva brasileira a França.
Enquanto o ex-presidente estava junto da mandatária Dilma Rousseff, e o país
era lembrado na capa do semanário francêsChallenge como “Brasil, o país onde se precisa
estar”, as declarações do empresário condenado por corrupção Marcos Valério
sobre um suposto benefício de Lula do esquema do Mensalão inundavam as páginas
dos periódicos de maior tiragem nacional.
A insistência na
desqualificação da imagem de Lula por parte da imprensa obrigou Dilma Rousseff
a ensaiar uma defesa, na França: “Repudio todas as tentativas de destituir Lula
da imensa carga de respeito que o povo brasileiro tem por ele”, ao tempo em que
Hollande observava que “Lula tem na França uma grande imagem” e “é visto como
uma referência”.
A ênfase crítica
especial que a imprensa brasileira demonstrou com o ex-presidente obriga
necessariamente a uma reflexão: é verdade, como observa Anderson, que “o
relacionamento direto de Lula com as massas” interrompeu um ciclo, “minando o
papel dos meios de comunicação na formação do cenário político”?
Apesar da inegável
capacidade de Lula de estabelecer com as camadas populares uma relação profunda
de identificação, o poder dos meios de comunicação na sociedade brasileira não
foi minado. Lula é percebido como alguém que ameaça, com sua estima popular e
com suas possibilidades presidenciais até 2014, o status quo midiático
brasileiro. Destruir o capital político do ex-presidente, que havia crescido
com o triunfo de seu candidato Fernando Haddad nas últimas eleições municipais,
parece ser um objetivo visível.
A relação tensa
entre Lula e o PT com os meios de comunicação possui uma história que antecede
à sua chegada à presidência – o que produziu uma mutação na relação. Estas
tensões começaram a aumentar durante as eleições de 1989, 1994 e 1998, quando
os meios dominantes teceram múltiplas acusações para desacreditar o candidato
petista. Durante as eleições de 1989, sobressaiu a atuação da Rede Globo para
construir, como rival de Lula, Collor de Mello, um candidato da elite
brasileira e sem lastro partidário, editando o debate televisivo do segundo
turno notoriamente a favor deste.
Esta história de
operações contra a sua imagem explica a aversão em relação aos meios de
comunicação, que existe tanto em Lula como em outros líderes partidários, como
José Dirceu, seu chefe da casa civil entre 2003-2005.
Apesar disso, a
elaboração de uma legislação reguladora da comunicação parece estar distante,
no Brasil. Em que pese a insistência do que poderia ser chamado de “a velha
guarda dirigente do PT”, como Dirceu, Genoino e o atual presidente, Rui Falcão,
que que saíram intensamente prejudicados com a cobertura do julgamento do
mensalão, Dilma Rousseff proclamou em numerosas ocasiões: “Prefiro o barulho da
imprensa ao silêncio das ditaduras”, proporcionando uma resposta, tanto às
exigências de regulação como às acusações dos grandes meios de que assim se
tentaria cercear a “liberdade de expressão”.
O conflito se torna
estrutural, pois remete a questões que vão desde o papel do comunicador popular
que Lula exerce, o que o situa na lógica alternativa à unidirecionalidade dos
grandes meios, até a mudança de elites políticas produzida pelo PT, que
dificulta as mediações internas características das relações governo-imprensa,
previamente, assim como a agenda progressista do governo, que tende a entrar em
conflito com a cosmovisão dos meios conservadores.
É por isso que os
recorrentes picos de tensão que atravessam esta complexa relação parecem desde
o começo uma medição de forças entre atores que não permitem resoluções de
“soma zero”; entre a negociação e o conflito os contornos dessa transição se
vão definindo.
Tradução: Katarina Peixoto
(http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21464&boletim_id=1483&componente_id=25256).