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domingo, 19 de maio de 2013

Olívio prega a união das esquerdas no Rio Grande do Sul (Entrevista. Fernanda Bastos)


ENTREVISTA ESPECIAL Notícia da edição impressa de 13/05/2013
Olívio prega a união das esquerdas no Rio Grande do Sul
Fernanda Bastos
FREDY VIEIRA/JC
Olívio não vê com bons olhos a falta de um projeto comum entre partidos de esquerda
Olívio não vê com bons olhos a falta de um projeto comum entre partidos de esquerda

Presidente de honra do PT estadual, o ex-governador Olívio Dutra não vê com bons olhos a falta de um projeto comum entre os partidos de esquerda. Olívio avalia que o campo da esquerda vive uma crise de identidade, causada principalmente pela ânsia pela governabilidade nas diversas instâncias no País, que, para ele, leva ao estabelecimento de relações de troca de cargos nas esferas nacional, estadual e municipal. Apesar da crítica, estabelece quais legendas, para ele, ainda podem ser consideradas integrantes da linha à esquerda.

Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o petista ainda avalia a tentativa do PSB de lançar um candidato ao Palácio do Planalto, com o governador de Pernambuco, Eduardo Campos.  Mas evita pensar nas implicações deste cenário para a disputa no Rio Grande do Sul. Apesar das chances de que PT, PDT, PSB e PCdoB não partilhem o mesmo projeto na eleição do próximo ano, Olívio prega que estas siglas devem se unir em torno das necessidades dos gaúchos.

Lembrando do período em que comandou a prefeitura de Porto Alegre, o ex-governador também comenta as manifestações da população contra a tarifa de ônibus, e defende a realização de licitação para regular o serviço prestado.

Jornal do Comércio - Que análise faz da situação do PT em nível nacional, em que o PSB ameaça desembarcar do governo e lançar o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, à presidência?

Olívio Dutra
 - A proposta que faço da alternância por dentro do campo democrático tem que ser antecipada de uma discussão por dentro das forças deste campo sobre os seus próprios contornos, sobre um programa estratégico para o desenvolvimento do País, que comprometa a todos e estabeleça entre eles uma alternância. E não está estabelecida esta alternância porque não foi discutido nada. Está se tentando impor de fora para dentro em um momento que é o episódio eleitoral. No entanto, as colocações do governador de Pernambuco não podem ser simplesmente desconsideradas. Mas, no seu conteúdo, elas não contribuem efetivamente para que um projeto estratégico do campo democrático popular se aprofunde, se defina. Porque ele tem, inclusive procurado alianças não dentro da esquerda, mas nas franjas da direita. Não considero nenhum destes partidos adereços ao PT, submissos ao PT, dependentes do PT, eles têm sua história e têm a sua contribuição para a história do pensamento de esquerda, têm que ser respeitados. Fui prefeito, governador e, em todas as ocasiões, governei com estes partidos.

JC - Mas, em geral, o PT é acusado de não legitimar as candidaturas que esses partidos tentam lançar, como aconteceu com PCdoB e PT na recente disputa pelo comando da Capital.

Olívio
 - Claro que aí tem uma relação ainda não bem resolvida entre os partidos do campo popular, que é uma quando não estão no governo e outra quando estão no governo. Tem que fazer esta discussão, como é que um partido que é do socialismo democrático, ao assumir um governo - e não é só o PT - não é absorvido pela sociedade que ele tem que ajudar a mudar para melhor. Essa é a contradição que nós, socialistas, vivemos, e é a realidade, que não se muda com palavras ou em um mandato ou discurso. Se temos um partido que, em cima da hora, vira balcão de negócios ou agência de empregos, não estamos dando um bom exemplo. A esquerda socialista democrática do País, em que o PT é parte importante, porque é o maior partido, a esquerda tem um compromisso com o povo. De definir-se, de estabelecer seus contornos, num debate constante entre todas as forças deste campo, e se apresentar com uma identidade de esquerda, com proposta para o desenvolvimento sustentável e desconcentrado, com o protagonismo social do Brasil. Ainda se pergunta: quem é a esquerda?

JC - Há uma indefinição?

Olívio
 - O PT não pode se arvorar à esquerda. Ele faz parte, e internamente no PT não tem ainda uma definição maior sobre socialismo. Dentro do PT tem um Socialismo 21, tem um socialismo não sei das quantas, né? O socialismo é uma proposta generosa, de governo radicalmente democrático, no meu entendimento não existe democracia sem o socialismo. E vice-versa. E a democracia realmente se realiza no campo social. Então, a esquerda está devendo isso, não para si mesma, mas para o povo brasileiro. Não raro temos visto acontecer, nos episódios eleitorais, que a esquerda se fraciona com relativa facilidade, inclusive, uma parte da esquerda disputando com a outra quem é mais palatável para a direita.

JC - Quais partidos o senhor inclui nesse campo da esquerda?

Olívio 
- Bom, claro que o PT, os PCs, todos eles, o PSB, o PDT, e outros setores, inclusive franjas no PMDB, que não têm nada a ver com a cúpula do PMDB, ligada aos interesses econômicos. Tem um campo que não é só representado por estes partidos, mas também por outros setores, mas todos os partidos do campo democrático popular.

JC - Entraria o P-Sol?

Olívio
 - P-Sol, PCO, PSTU, todos estes pequenos grupos ou médios que têm um pensamento de esquerda que quer que o povo seja protagonista.

JC - E o Rede Sustentabilidade, da ex-senadora Marina Silva?

Olívio
 – Esse, eu tenho minhas dúvidas. Criar de cima para baixo não resolve nada. Isso é que tem feito o povo ser espectador, objeto da política. Ao invés de estimular o protagonismo das pessoas, isto é uma confusão. Não é educativo. Não importa quem encabece isso, até podem ser pessoas boas. Conheço Marina Silva há muito tempo, não estou dizendo que ela é o mal, mas este processo não inova nada, pelo contrário, repete formas de oportunismo eleitoral e de acomodação de interesses.

JC – Mas, pelo que vemos de casos de corrupção e pela movimentação eleitoral, a lógica de ocupação de cargos está cada vez mais forte.

Olívio -
 O PT, como um partido que não surge de cima para baixo, por razões de ir para o governo pelo voto, deve enfrentar esta contradição de ser um partido da transformação e não um partido da acomodação. Partido da acomodação é sempre justificado por conta da governabilidade, da necessidade de alianças; e é inegável, nenhum partido do campo da esquerda, nem do campo de direita, conservador ou neo-conservador, tem condições de sozinho governar o País. Tanto no campo adversário, para o projeto liberal, neo-liberal, de direita, de centro-direita, quanto aqui no campo popular democrático de esquerda, do socialismo democrático, nenhum partido, lá e cá, tem estas condições de empalmar o poder ‘solito’. O PT sempre defendeu a pluralidade partidária, mas a construção da unidade nesta diversidade não estamos caracterizando bem. Então, estamos já em um terceiro mandato, dois mandatos do presidente Lula e agora o mandato da presidente Dilma, isto é um feito. Mas como o projeto, que surgiu há 33 anos, está acontecendo, enquanto governo, não é mais a mesma coisa. No primeiro mandato do Lula, não foi eleita uma maioria no Congresso. O campo popular democrático não fez maioria e veja que, a diferença de uma bancada para outra, nestas eleições, não tem tido um crescimento mais razoável. Cresce um pouquinho, mas não o suficiente para haver uma nova correlação de forças nas instituições democráticas, para a lógica do Estado funcionar diferentemente. Então, Lula teve a necessidade... É aí que acontecem as coisas, até hoje estão acontecendo ingressos de forças que não foram eleitas com o projeto do Lula e nem da Dilma, mas que compõem maioria no Congresso.

JC – Em 2010, Tarso Genro era o único candidato que vinculava suas propostas ao projeto da presidente Dilma. Agora, em um cenário em que outros partidos -  PMDB, PDT e PSB - podem reivindicar sua ligação com este projeto, a reeleição de Tarso não pode ser prejudicada em 2014?

Olívio
 - Se não fosse o PT, não teríamos os dois mandatos do Lula e nem o mandato de Dilma. O PT evidentemente tem a ver com mudanças fundamentais na história deste país nestas três décadas. O PT não governou sozinho, nem no primeiro mandato de Lula, nem no segundo e nem agora no mandato de Dilma. Não está governando sozinho aqui no Estado, então, ele tem que saber compartilhar com outras forças, sim. Estas forças não vêm só pra ser um adereço, elas vêm também para se comprometer com a execução de um projeto. Então, o PT tem que saber também compartilhar isto. Mas não quer dizer perder a sua identidade. O pragmatismo, a tal de governabilidade, tem levado a descaminhos.

JC - Por exemplo.

Olívio
 - Nos nossos partidos, figuras que não são o partido, mas que exerceram funções importantes, que entraram nestes descaminhos, que a mosca azul picou, ou as ambições pessoais ou a vaidade, as novas relações que foram assumindo fizeram com que caíssem fácil na política mais tradicional. Isso não é coisa de um partido só, na esquerda, isso é muito comum nos partidos da direita, mas os partidos no nosso campo deveriam ter uma conduta totalmente antagônica a esta. No entanto, temos que estar sofrendo por conta de comportamentos que se igualam às condutas da política mais rastaquera e convencional. Então, toda e qualquer coligação do PT, e ele tem que tratar de compartilhar bem o seu governo, tem que ser definida, com conteúdo. Não é só colocar na mesa e “fica com este cargo”. Então, não estou prisioneiro desta conjuntura de “pode ser que o PSB saia, o PDT também”.

JC - O senhor acredita na manutenção das alianças com estes partidos no Estado?

Olívio 
- Evidente. Estamos tratando com pessoas que têm história, compromissos além dos seus interesses momentâneos ou além da questão eleitoral.

JC – Como analisa os movimentos em Porto Alegre contra o valor da tarifa de ônibus?

Olívio 
- O movimento é altamente positivo, que setores da sociedade, os estudantes, os trabalhadores, donas de casa, enfim, estejam atentos, porque isso tem um custo enorme na vida das pessoas. Não é só legítimo, é um direito inalienável dos setores populares, de se organizar, se mobilizar e pressionar os governos e as autoridades nos três níveis para que tenhamos um transporte coletivo de melhor qualidade e com um custo menor. O que temos é uma impostura das concessionárias, como os pedágios. Tem que fazer valer o interesse público, e não o interesse privado, particular, das pessoas e das empresas.

JC - É possível fazer relação com o contexto de 1989, quando assumiu a prefeitura?

Olívio 
- Lembro que esse também foi o centro da nossa luta em 1989. Não foi fácil, das 16 empresas concessionárias, intervimos em seis, se eu não me engano, até hoje se diz “estatizou”. Não, nós intervimos, não estatizamos nenhuma, intervimos porque elas fizeram até um locaute, que é a greve patronal, retiraram os ônibus de circulação. Agimos no interesse público para atender melhor ao interesse da população. Conseguimos avanços significativos. Qualificamos o serviço, a empresa pública, a Carris, passou a ser modelo não só das empresas públicas de transporte coletivo, mas de todas as empresas de transporte coletivo.

JC – Ainda não foi feita nova licitação.

Olívio 
- As empresas influem, tem suas contas de publicidade, os recursos, inclusive, que colocam em campanhas eleitorais. Isso tudo cria um poder. Tem que estar constantemente atento para que este poder não se sobreponha ao interesse coletivo. Esta luta não se resolve num lance só, naquela ocasião conseguimos colocar nos trilhos daquela conjuntura esses serviços para servir melhor a população. Mas ainda não conseguimos chegar ao núcleo da arrecadação dos recursos.

JC - Acha que a licitação, com novas regras, poderia resolver essa questão?

Olívio
 - Evidente que sim. Acho que sentar em cima da coisa e achar que uma licitação tem que ser ad eternum, não, ela pode e deve ser revisada. Encontramos, na ocasião, empresas que investiam em ônibus de turismo com o dinheiro da tarifa cobrada à população de Porto Alegre. Então, tem mistura de negócios.

JC - Seu ex-secretário dos Transportes Antônio Hohlfeldt (hoje PMDB) disse que havia muitas distorções.

Olívio
 – Sim. Com ele, começamos a fazer as mudanças. Depois, ele deixou de ser secretário, mas continuou o processo de o poder público não abdicar de ser o executor desta política. A permissão não dá o direito de os permissionários definirem como deve funcionar o sistema.

Perfil

Olívio de Oliveira Dutra tem 72 anos. Natural de Bossoroca, nas Missões, começou a militância ainda na adolescência, no movimento estudantil em São Luiz Gonzaga. Em 1961, prestou concurso ao Banrisul. Já em Porto Alegre, graduou-se em Letras pela Ufrgs. Nos anos 1970, comandou o Sindicato dos Bancários. Foi um dos fundadores do PT no Estado. Sua primeira vitória em eleições veio em 1986, eleito deputado federal constituinte. Com a vitória nas eleições à prefeitura de Porto Alegre, em 1988, iniciou, no ano seguinte, o ciclo de 16 anos de comando do PT na Capital.  Tornou-se uma figura-chave para a esquerda ao implantar propostas até hoje consideradas exemplo de democracia participativa, como o Orçamento Participativo. Disputou o Piratini em 1982 e 1994, mas só  se elegeu em 1998. Disputou novamente em 2006, sem sucesso. Em 2003 e 2005, no governo Lula, foi ministro das Cidades. Atualmente, complementa o curso de Letras com aulas de Latim e Literatura.

(http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=123813).