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terça-feira, 30 de setembro de 2014

Desconsideração da Personalidade Jurídica: Considerações sobre o "Incidente" à Luz do Novo CPC - PLS nº 166/2010 (Antônio Pereira-GAIO JÚNIOR)

30/set/2014...

Desconsideração da Personalidade Jurídica: Considerações sobre o "Incidente" à Luz do Novo CPC - PLS nº 166/2010


Autor:
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira
RESUMO: Trata o presente artigo da análise do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica regulado pelo PLS nº 166/2010, Projeto este que procura regular um novo Código de Processo Civil brasileiro. Tendo em vista a natureza material do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, necessária se faz uma análise percuciente acerca da própria pessoa jurídica, desde a sua natureza, capacidade e responsabilidade até a personificação da mesma, projetando as reais medidas para uma desconsideração de sua personalidade, pois é nesse plano que incidirá, inclusive e em medidas certas, os limites para a atuação processual do objeto em análise.
PALAVRAS-CHAVE: Personalidade Jurídica. Desconsideração. Satisfação dos Direitos. Processo Civil. Reforma Processual.
1 Considerações Iniciais
Sendo o Processo instrumento apto à realização concreta dos direitos, sobretudo daqueles ditos fundamentais (1), compreende-se que o mesmo leva consigo toda a carga tipicamente comandada pela sua exata noção de que, mais do que um meio estatal para a tentativa de realização prática do justo, é ele instrumento social e democrático eivado de direitos e garantias imperativas que devem ser respeitadas em sintonia com o Estado Democrático que se presencia em dado tempo e espaço.
Por outro lado, não se pode descuidar de que, por não se tratar de um fim em si mesmo (2), é virtude instrumental que impõe ao Processo sua conformidade com as necessidades do direito substancial, visto ser aquele o meio e, em sede de razão prática, se presta, sobretudo, na função realizadora do direito material objetivado (3).
Daí que, consubstanciado na ideia da efetividade e instrumentalidade, deve o Processo, como instrumento apto à satisfação dos direitos, objetivamente, propiciar a tutela efetiva do direito lesado, proporcionando - sempre que possível (4) - àquele que teve sua obrigação inadimplida, exatamente, aquilo que obteria se, voluntariamente, o devedor a adimplisse (5).
Tal conteúdo processual introdutório se faz necessário ao que desejamos analisar neste presente estudo (Desconsideração da Personalidade Jurídica), na medida em que se deve estar munido dos ideais que impulsionam o processo em sua dinâmica realizadora e dimensão social, a fim de concretizar exitosamente seu desiderato.
O ideário para um novo Código de Processo Civil, este representado pelo PLS nº 166/2010 (hoje na Câmara dos Deputados sob o nº 8.046/2010), teve por bem regular processualmente o instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica, disciplinando-o em forma de incidente processual e normatizando-o no Livro I, em seu Capítulo II do Título IV (Das Partes e dos seus Procuradores), mais precisamente nos arts. 77 a 79.
Verdadeiramente e por tradição, dito instituto tem sua raízes fincadas na seara do direito material, encontrando-se disciplinado em diversos textos legais, tais como do Código Civil (art. 50) e do Código de Defesa do Consumidor (art. 28), dentre outros, e mesmo indiretamente - porque nos remete "aos termos da lei" - na própria legislação processual civil, como se nota no art. 592, II.
Por isso, ao se prestar em analisar os exatos alcances processuais do instituto da desconsideração da personalidade jurídica regulados pelo PLS nº 166/2010, inegavelmente, não se pode prescindir de um debruçar percuciente sobre a pessoa jurídica, desde a sua natureza, capacidade e responsabilidade até a personificação da mesma, projetando as reais medidas para uma desconsideração de sua personalidade, pois é nesse plano que incidirá, inclusive e em medidas certas, os limites para a atuação processual do objeto em análise.
Em breves apontamentos, este será o nosso itinerário a seguir.
2 Pessoa Jurídica: Natureza e Capacidade
Em regra, conceitua-se pessoa jurídica como um conjunto de pessoas ou de bens, dotado de personalidade jurídica e reconhecido pelo ordenamento jurídico como, efetivamente, sujeito de direitos, com obrigações, deveres, ônus e direitos próprios, possuindo, ainda, características próprias e não menos fundamentais, tais como a capacidade de direito e de fato, existência de uma estrutura organizativa, objetivos comuns aos de seus membros, autonomia patrimonial e imperioso registro dos atos constitutivos em respectivas repartições competentes.
Notadamente, tais conteúdos, de ordem conceitual, não expressam unanimidade doutrinária, sobretudo no que se refere à sua existência e natureza, ora se questionando, afirmando ou negando sua utilidade em tempos hodiernos.
Dentre tais questionamentos, merece trazer à colação algumas das teorias significativas do ponto de vista de realce meritório acerca dos elementos conceituais em tela.
a) Teoria da Ficção: desenvolvida na Idade Média e mais adiante por Savigny, prevalecendo na França e na Alemanha nos idos do século XVIII, estrutura-se no pensamento de que a pessoa jurídica seria apenas uma criação do legislador, sendo incapaz de ter vontade própria e, ainda que carecendo de realidade, se faria imposta por determinadas circunstâncias, justificadas, dentre outras, pelas finalidades de ordem estritamente patrimonial.
Bem pontua Warde Júnior que dita teoria "conferia uma solução técnica para o problema gerado pela limitação da responsabilidade, i.e., provia o adquirente das entradas de capital" (6).
Ditos argumentos depositados à presente teoria são importantes em face da tradicional racionalidade de que a limitação da responsabilidade é decorrente da dotação de capacidade patrimonial atribuída às pessoas jurídicas (7).
b) Teoria Realista: tendo como importante defensor Gierke, justifica-se na ideia de que a pessoa jurídica possui vontade própria, pautando-se na razão da pluralidade de seus componentes (8), daí a noção de se tratar de uma "pessoa composta".
Vista, igualmente, como fenômeno associativo - um organismo social -, a pessoa jurídica expressaria uma realidade social preexistente ao próprio direito (9), não sendo, por isso, uma criação eminentemente jurídica, estando o direito apenas a reconhecer e regular essa realidade social, cuja vontade própria e personalidade jurídica são a ela inerentes.
c) Teoria Negativista: parte-se da negação existencial da pessoa jurídica, pois somente existiriam no direito seres humanos e, com isso, careceriam as denominadas pessoas jurídicas de qualquer personalidade.
Em tal contexto se coloca Planiol (10), para quem a nominada pessoa jurídica mascara determinado patrimônio que é coletivo, ou seja, de propriedade coletiva e que, muito embora seja administrado por alguns, é de propriedade comum daquela coletividade.
A bem da verdade, hoje não há como negar existência da pessoa jurídica regulada pelos ordenamentos, o que, notadamente, não contraria a existência da pessoa natural como realidades distintas e personalizadas.
d) Teoria Institucional: a despeito de pouco contribuir para com a discussão acerca da natureza/existência da pessoa jurídica, parte a dita teoria institucional do pensamento de que na realidade social existe uma série de realidades institucionais, constituindo-se em uma possível estrutura hierárquica.
Dita estrutura hierárquica, nesse caso, advém da própria noção dos indivíduos, pois quando a empresa se posta de tal modo na consciência daqueles que nela militam (tais os membros do grupo ou os seus beneficiários passivos), passam eles a atuar conscientemente com responsabilidade dos fins sociais e daí a "Instituição" passa a agregar personalidade moral.
Tal teoria fora edificada por Maurice Hauriou, recebendo avanços por parte de George Bonnard (11).
Conforme já pontuado em linhas alhures, da mesma forma que o ordenamento jurídico atribui à pessoa natural direitos, obrigações, deveres e ônus, o mesmo o faz com relação às denominadas pessoas jurídicas, certamente por se tratar de realidades distintas, são igualmente especificadas certas condições objetivas e subjetivas atinentes àquelas realidades.
No que toca ao atributo da capacidade, é este, inegavelmente, referencial lógico no plano da responsabilidade da pessoa.
Ao contrário da pessoa natural, cuja capacidade pode chegar à forma plena, a pessoa jurídica tem sua capacidade limitada à finalidade para a qual fora edificada, daí abrangendo, por conseguinte, os atos que direta ou indiretamente servem e servirão como propósito de sua existência e finalidade.
A pessoa jurídica tem seus poderes outorgados e delimitados nos atos constitutivos da mesma - v.g., contrato social, estatutos -, notadamente, delineados pelo ordenamento jurídico, pois não podem ditos atos constitutivos contrariar normas cogentes.
Uma vez registrada nos órgãos competentes para tal, mister pontuar que passa a dita persona a ser reconhecida pelo direito como capaz e responsável no universo jurídico, estendendo tais adjetivos por todos os campos do direito e em todas as atividades compatíveis com a mesma (12).
Por tudo, tendo a pessoa jurídica como uma realidade, seja em sua existência, bem como em suas responsabilidades, o direito pátrio, assim, teve por bem estabelecer dispositivos legais que expressam bem tais atributos, como se vê, em exemplo, os arts. 45,caput, e 50, ambos do Código Civil. In verbis:
"Art. 45 - Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo."
"Art. 50 - Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica."
3 Pessoa Jurídica: Personalidade e sua Desconsideração
Como bem se nota do item anterior, a análise de teorias justificadoras da natureza da pessoa jurídica é variável, seja quanto ao momento histórico ou mesmo quanto à ideologia que municia determinado ordenamento jurídico, de modo que o conhecimento do que seja pessoa jurídica para um específico Estado somente é possível a partir da análise de sua ordem jurídica, e, certamente, naquele determinado momento histórico (13).
Na mesma toada, Verrucoli (14) assume que o caráter de relatividade da personalidade da pessoa jurídica corresponde à própria casualidade de atribuições do privilégio de a mesma existir e agir de forma unitária como grupo, daí então como um reflexo da própria relatividade do reconhecimento (15). Ainda para o aludido autor, o reconhecimento da personalidade jurídica é, invariavelmente, uma criação do direito, decorrendo daí como a mesma é consentida, reconhecida e protegida (16).
Entre nós, bem sustenta Comparato (17) ao definir personalização como "uma técnica jurídica utilizada para se atingirem determinados objetivos práticos - autonomia patrimonial, limitação ou supressão de responsabilidades individuais -, não recobrindo toda a esfera de subjetividade em direito" (18).
Certamente, o ente, uma vez personificado, adquire existência jurídica, passando então a atuar validamente na vida e no universo jurídico, não sendo possível que a ordem jurídica que o personificou despreze dita realidade e muito menos os efeitos decorrentes de sua existência e atuação.
Fato é que, a partir do século XIX, crescente fora a preocupação da doutrina e da jurisprudência com a reiterada utilização da pessoa jurídica para objetivos diversos daqueles justificadores da sua existência legal, motivo pelo qual se passou à construção de instrumentos aptos a reprimir a consecução de práticas (19) não condizentes com os fins justificadores da pessoa jurídica, dentre eles, a "Desconsideração da Personalidade Jurídica" (Disregard Doctrine).
A teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica nasceu no âmbito da common law, mais precisamente na América do Norte, onde se desenvolveu, inicialmente, na jurisprudência, através do caso Bank of United States v. Deveaux, em 1809, quando o juiz Marshall, intencionado em preservar a jurisdição das Cortes federais sobre as corporations, conheceu da causa, tendo em vista a própria delimitação contida na Constituição Federal americana (art. 3º, Seção 2ª) quanto o conhecimento e as controvérsias entre cidadãos de diferentes Estados.
Nisso, e não cabendo discutir o mérito da decisão do caso supracitado, muito bem observa Wormser que em tal julgado "as Cortes levantaram o véu e consideraram as características dos sócios individuais" (20).
Pauta-se a teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica na ideia de estabelecer eventual desprezo em relação à autonomia patrimonial de uma determinada pessoa jurídica, com o fito de exigir a submissão de seus sócios para com seus próprios patrimônios pessoais a responder pelos atos abusivos e/ou fraudulentos praticados com a utilização indevida dos privilégios concedidos àquela pessoa jurídica.
Vale ressaltar que, em sede pátria, é possível a efetivação da presente desconsideração em casos de falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica, notadamente, comprovados por notória má administração da mesma.
Demonstra-se, portanto, que a aplicação da presente Disregard Doctrine possui incidência em casuísmos voltados ao desvirtuamento dos fins aos quais o ordenamento jurídico se propôs a conceder à pessoa jurídica.
Bem andou Coelho (21) ao expressar que:
"A teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica, é necessário deixar bem claro esse aspecto, não é uma teoria contra a separação subjetiva entre a sociedade empresária e seus sócios. Muito ao contrário, ela visa preservar o instituto, em seus contornos fundamentais, diante da possibilidade de o desvirtuamento vir a comprometê-lo."
Insta pontuar que a observância quanto às formalidades necessárias para a constituição de uma pessoa jurídica, como já assinalada em item anterior, é de ordem fundamental, no entanto, deveras não ser suficiente para que eventuais sócios tenham, indistintamente, a possibilidade inequívoca de limitação quanto às suas responsabilidades patrimoniais.
Em sede pátria, num olhar generalista para o ordenamento jurídico e jurisprudencial, duas teorias apontam em destaque no que se refere à Desconsideração da Personalidade Jurídica.
A primeira, conhecida como Teoria Maior (22), fulcra-se na ideia de que o magistrado tem autorização para estabelecer o afastamento temporário da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, isso como forma de espancar fraudes e abusos praticados por meio dela.
Nota-se, do preceito exposto no Código Civil de 2002, a esteira de dita teoria. In verbis:
"Art. 50 - Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica."
Já a segunda, intitulada Teoria Menor (23), centra-se na possibilidade de aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica em toda hipótese que se faz demonstrado necessário comprometimento do patrimônio do sócio por obrigação da empresa, i.e., parte-se da noção autorizadora de desconsideração todas as vezes em que a pessoa jurídica não tiver bens suficientes em seu patrimônio para a efetiva satisfação da obrigação, ou ainda em razão de seu estado de iliquidez.
Representa bem esta hipótese o art. 28, caput e § 5º, do Código de Defesa do Consumidor brasileiro (Lei nº 8.078/90), ao estipular que:
"Art. 28 - O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
(...)
§ 5º - Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores."
Diante da extensão acerca da aplicação da Disregard Doctrine, define Justen Filho (24):
"A escolha por uma desconsideração mais ou menos extensa, então, não é produzida por atenção específica à natureza do risco de sacrifício, mas à extensão do abuso. Quanto mais ampla for a utilização abusiva da pessoa jurídica, tanto mais extensa será a desconsideração."
Convém ainda apensar aqui o que comumente a doutrina denomina de "desconsideração inversa da personalidade jurídica" ou ainda, "desconsideração às avessas".
Trata-se da desconsideração da autonomia patrimonial da pessoa jurídica a fim de responsabilizá-la pelos atos ou mesmo dívidas praticadas por seus sócios.
Como bem nota Gonçalves (25), a desconsideração em tela caracteriza-se pelo afastamento do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica
"para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio, como, por exemplo, na hipótese de um dos cônjuges, ao adquirir bens de maior valor, registrá-los em nome da pessoa jurídica sob o seu controle, para livrá-los da partilha a ser realizada nos autos da separação judicial. Ao se desconsiderar a autonomia patrimonial, será possível responsabilizar a pessoa jurídica pelo devido ao ex-cônjuge do sócio."
Do dito, observa-se que a aplicação da desconsideração inversa se dá no campo do desvio de bens, fraude ou mesmo abuso de direito por parte do(s) sócio(s), prejudicando e induzindo a erro seu(s) credor(es). Portanto, parte-se da prática de transferência de bens para a pessoa jurídica sobre a qual detém absoluto controle, de modo que continue a usufruí-los, ainda que tais bens estejam, agora, fazendo parte do patrimônio daquela pessoa jurídica e, por isso, dificultando a garantia de liquidez do próprio devedor para com a dívida assumida e não adimplida (26).
4 Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica no Projeto de Novo Código de Processo Civil Brasileiro
Como cediço, a edificação para um novo Código de Processo Civil iniciou em 2009, quando o Presidente do Senado Federal instituiu uma Comissão de Juristas para a elaboração de anteprojeto visando estabelecer um novo Código Processual Civil, sendo o aludido anteprojeto entregue ao final do 1º semestre de 2010 àquela Casa Legislativa.
No âmbito do Senado Federal, referido anteprojeto tomou corpo em forma de PLS nº 166/2010 e ainda fora nomeada uma Comissão Especial pelo Relator do PLS, Senador Valter Pereira, com o intuito de não somente revisar o multicitado anteprojeto como também para analisar centenas de propostas de aperfeiçoamento enviadas ao Senado pelos próprios senadores, bem como pelos mais diversificados segmentos das searas acadêmicas, forense e política, tudo com o fito de se vislumbrar possíveis aperfeiçoamentos ao texto originário daquele anteprojeto.
Dito isso, com pontuais modificações, o Senado Federal acabou por aprovar, ao final do mês de dezembro de 2010, substitutivo ao PLS nº 166/2010, este que, em respeito ao art. 65, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988, fora enviado para a Câmara dos Deputados (27), recebendo nessa Casa Legislativa o número 8.046/2010, e é ainda onde se encontra no momento em que escrevemos o presente artigo (28).
No corpo do PLS nº 166/2010, tal como aprovado pelo Senado Federal, encontra-se disciplinado, no Livro I, em seu Capítulo II do Título IV (Das Partes e dos seus Procuradores), mais precisamente nos arts. 77 a 79, o intitulado "Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica".
Textualmente, aludido incidente se faz expresso nos seguintes termos:
"CAPÍTULO II
DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Art. 77 - Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado na forma da lei, o juiz pode, em qualquer processo ou procedimento, decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica ou aos bens de empresa do mesmo grupo econômico.
Parágrafo único - O incidente da desconsideração da personalidade jurídica:
I - pode ser suscitado nos casos de abuso de direito por parte do sócio;
II - é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e também na execução fundada em título executivo extrajudicial.
Art. 78 - Requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou o terceiro e a pessoa jurídica serão citados para, no prazo comum de quinze dias, se manifestar e requerer as provas cabíveis.
Art. 79 - Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória impugnável por agravo de instrumento."
Normatizado nesses termos, segue-se adiante breve análise, a nosso ver, de seus pontos principais.
4.1 Natureza de "Incidente"
Conforme já anunciado no título de seu Capítulo, a desconsideração da personalidade jurídica possui característica de um incidente processual, querendo daí depreender que prescinde de ação própria para provocar sua cognição. Nesse sentido, é que será nos próprios autos do processo, após provocação para tal, que o magistrado estabelecerá o contraditório e a ampla defesa para o pleno conhecimento e análise meritória do pedido de desconsideração da personalidade jurídica em questão.
É bem verdade que a configuração em natureza incidental para o conhecimento de dito instituto representa o prestígio da economia processual, e se bem levada a cabo, igualmente, pelo Princípio da Cooperação dos partícipes da demanda, surtirá efetivos efeitos na tão desejosa, mas ainda desprestigiada, celeridade processual, notabilizada por sua garantia formal no art. 5º, LXXVIII, da CF/88.
Ainda que pese constar do último artigo relativo ao tema (art. 79), insta ressaltar, aqui, porque se faz em sede interlocutória, portanto, incidental, é a referência ao instrumento recursal apto a enfrentar quaisquer das decisões proferidas acerca de tal incidente de desconsideração da personalidade jurídica. In verbis:
"Art. 79 - Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória impugnável por agravo de instrumento."
Nota-se que, havendo ou não necessidade de instrução probatória para o deslinde acerca do reconhecimento ou não do incidente, portanto, dependendo de cada caso em concreto, o decisum será atacável pela via recursal do agravo de instrumento.
Importante acrescer ao recurso em tela que, no âmbito do próprio PLS nº 166/2010, as possibilidades de impetração do agravo de instrumento foram reduzidas se comparadas ao modelo do atual CPC, inclusive nominadas em numerus clausus, como se nota do art. 969 do referido Projeto:
"Art. 969 - Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
I - tutelas de urgência ou da evidência;
II - o mérito da causa;
III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
IV - o incidente de resolução de desconsideração da personalidade jurídica;
V - a gratuidade de justiça;
VI - a exibição ou posse de documento ou coisa;
VII - exclusão de litisconsorte por ilegitimidade;
VIII - a limitação de litisconsórcio;
IX - a admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;
X - outros casos expressamente referidos em lei.
Parágrafo único - Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença, cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário." (Grifo nosso)
4.2 Cabimento
Os permissivos legais para o respectivo cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica são elencados tanto sob o ponto de vista material quanto formal, ou seja, leva-se em conta tanto o conteúdo de direito material, objeto do caso concreto imputado a outrem e qualificado como casuística relativa ao cabimento de possível desconsideração da personalidade jurídica, como a forma processual e procedimental adequada.
Quanto ao conteúdo de direito material, dispõe explicitamente o art. 77 que, em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado na forma da lei, o juiz poderá decidir que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica ou aos bens de empresa do mesmo grupo econômico.
Observa-se pelo dito que a regulação do abuso da personalidade jurídica advém do próprio conteúdo legal que o regula e, conforme já especificamente analisado no item 3 supra, são notórias as hipóteses decorrentes do próprio direito material, ex vi dos arts. 50 do Código Civil, 28 do CDC, dentre outros, inclusive levando-se em consideração as racionalidades pertinentes às já referidas Teorias Maior e Menor da Desconsideração (29) e, portanto, serão em tais searas a que o magistrado se debruçará para admitir ou não a incidência da Desconsideração da Personalidade Jurídica, evidentemente, demonstrada pela parte que a imputa como legitimamente necessária.
Chama a atenção, ainda, o inciso I do parágrafo único do art. 77, ao dispor que o incidente da desconsideração da personalidade jurídica "pode ser suscitado nos casos de abuso de direito por parte do sócio".
Trata-se, nesse ínterim, do que já fora por nós enfrentado no item 3, i.e., a denominada "desconsideração inversa" ou "às avessas", centrada na possibilidade de desconsiderar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica a fim de responsabilizá-la pelos atos ou mesmo dívidas praticadas por seus sócios, in casu do dispositivo em análise, pelo comprovado "abuso de direito por parte do sócio".
Já no que concerne ao permissivo formal, indica o art. 77 que poderá o juiz em qualquer "processo ou procedimento", depois de devidamente provocado, decidir que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica ou aos bens de empresa do mesmo grupo econômico.
Assim, o dispositivo atenta para a possibilidade de ocorrência do incidente em qualquer processo (seja o de conhecimento ou de execução, por exemplo) ou mesmo em diferentes procedimentos (o comum, os especiais de jurisdição contenciosa e os de jurisdição não contenciosa, além daqueles previstos em legislação extravagante).
Por outro lado, pela interpretação e alcance do que já fora reproduzido no caput do art. 77 e acima enfrentado (referimos aqui à expressão "qualquer processo ou procedimento"), parece-nos repetitiva nova referência a processos e procedimento, esta acostada no inciso II do parágrafo único, todos do próprio art. 77, no que diz:
"Parágrafo único - O incidente da desconsideração da personalidade jurídica:
(...)
II - é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e também na execução fundada em título executivo extrajudicial." (Grifo nosso)
De todo modo, importante é que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica encontrará lugar quer antes ou após a constituição do título executivo e mesmo naqueles casos em que já se encontra obtido o título executivo pela via extrajudicial.
4.3 Legitimidade e Participação
Autoriza o caput do art. 77 que o requerimento para que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica ou aos bens de empresa do mesmo grupo econômico, isso em caso de abuso da personalidade da pessoa jurídica, seja realizado pela parte ou pelo Ministério Público quando, notadamente, lhe competir intervir no processo.
Nota-se que, no caso da parte requerente, vislumbra-se ser, por exemplo, um possível credor no âmbito da relação jurídico-material e que agora, já em sede processual, portanto, inserido na relação jurídica processual, requer a desconsideração da personalidade jurídica de seu devedor - a pessoa jurídica em abuso de sua personalidade - ou mesmo o sócio devedor que, em abuso de direito deste, tem-se a necessidade de obter a desconsideração da personalidade jurídica na forma "inversa" ou "às avessas".
Na mesma toada, conforme supracitado, autorizado também estará o Ministério Público "quando lhe couber intervir no processo". Insta ressaltar que o Parquet estará apto a requerer a instauração do incidente tanto como parte quanto na hipótese de custus legis (30), pois ao "intervir no processo" compreende o exercício de ambas as atribuições, seja na qualidade de parte ou como e importante fiscal da lei.
Por outro lado, sustenta o art. 78 que, uma vez requerida a desconsideração da personalidade jurídica, "o sócio ou o terceiro e a pessoa jurídica serão citados para, no prazo comum de quinze dias, se manifestar e requerer as provas cabíveis".
Aponta-se aí a participação de ditas pessoas - o sócio ou o terceiro e a pessoa jurídica - que, não compondo qualquer dos polos da demanda quando, p. ex., de seu nascedouro e mediante o requerimento da desconsideração da personalidade jurídica, terão seus interesses jurídicos (31) (neste caso, patrimoniais) possivelmente atingidos, caso venha o magistrado, convencido pela força probante acostada pelo requerente, julgar procedente o já digitado requerimento.
Traga-se, aqui, à luz as garantias do devido processo constitucional (32), com a correta citação daqueles, por ventura, apontados na peça requerente, não somente porque, estando pela primeira vez a participar do feito, farão jus à aludida comunicação processual, inclusive na forma pessoal - já que figurarão agora no processo, inegavelmente, como parte, pois algo se pede em face deles (33) - como também, e aí na forma constitucionalmente "sagrada", exercerem o pleno e efetivo contraditório acerca das afirmações a qualquer daqueles dirigidas, tendo como natural garantia, notadamente, o direito de requererem as provas que julgarem cabíveis, tudo no lapso temporal comum de 15 dias, ex vi do aludido dispositivo legal agora infra:
"Art. 78 - Requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou o terceiro e a pessoa jurídica serão citados para, no prazo comum de quinze dias, se manifestar e requerer as provas cabíveis."
5 Considerações Finais
De tudo acostado neste breve estudo, vale frisar que o Projeto que pontifica para um Novo Código de Processo Civil, além de sua frequentemente já proclamada sensibilidade para o diálogo necessário entre Constituição e o Processo, aliás, devidamente representado já em sede inaugural, nos primeiros dispositivos do PLS nº 166/2010, quando do frisar principiológico daquilo que já se faz insculpido na Carta Maior de 1988, não descuida, igualmente, da importante vocação e razão teleológica do Processo como instrumento apto à realização do direito material inadimplido.
Nisso a viabilização e aplicação do direito material ora inobservado têm, no Processo, sua razão de ser. Por isso, tanto a instrumentalidade quanto a efetividade colocam dito instrumento democrático em sua verdadeira trilha, não como fim em si mesmo, mas dotado de aptidão para, pelo menos, tornar as pessoas mais felizes ou menos infelizes.
É o que se espera do importante regramento processual do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica no plano da efetividade dos direitos.
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KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (Disregard Doctrine) e os grupos de empresas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
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SERICK, Rolf. Apariencia y realidad en las sociedades mercantiles. Barcelona: Ariel, 1958.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
VERRUCOLI, Piero. Il superamento dela personalità giuridica dele societá di capitali nella "common law" e nella "civil law". Milano: Giuffrè, 1964.
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WORMSER, Maurice. Piercing the veil of corporate entity. In: Columbia Law Review, Columbia, v. 12, 1912.
Notas
(1)Nesses termos, bem leciona Fix-Zamudio, ao certificar que "son numerosos los constitucionalistas que consideran que la verdadera garantía de los derechos de la persona humana consiste precisamente en su protección procesal, para lo cual es preciso distinguir entre los derechos del hombre y las garantías de tales derechos, que no son otras que los medios procesales por conducto de los cuales es posible su realización y eficacia". FIX-ZAMUDIO, Héctor. La protección procesal de los derechos humanos. Madrid: Civitas, 1982. p. 51 e 54.
Especificamente sobre a proteção aos direitos fundamentais e o fortalecimento das relações entre Constituição e Processo, ver o nosso Instituições de direito processual. Belo Horizonte: Del Rey, 2011. p. 87-89.
(2)Dinamarco assevera que "todo instrumento, como tal, é meio e todo meio só é tal e se legitima em função dos fins a que se destina. O raciocínio teleológico há de incluir, então, necessariamente, a fixação dos escopos do processo, ou seja, dos propósitos norteadores da sua instituição e das condutas dos agentes estatais que o utilizam". DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 177.
(3)Sobre o assunto, cf., também, BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 23.
(4)Sobre a referida possibilidade diante de limites naturais, políticos e jurídicos para a concreta e efetiva prestação jurisdicional, ver o nosso: Tutela específica das obrigações de fazer. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2012, especialmente o Capítulo VI.
(5)Sempre na genialidade de Chiovenda: "Il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi ha um diritto quello e próprio quello ch'egli há diritto di conseguire". CHIOVENDA, Giuseppe. Dell azione nascente dal contratto preliminare. In: Saggi di diritto porocessuale civile. 2. ed. Roma: Foro It., 1930. n. 3. p. 110.
(6)WARDE Jr., Walfrido Jorge. Responsabilidade dos sócios: a crise da limitação de responsabilidade dos sócios e a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 106-107.
(7)Importante ressaltar que Hans Kelsen (Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 194 e ss.) deu contributo argumentativo à teoria ficcionista, não obstante chegar à mesma conclusão de Savigny, ou seja, de que o legislador, ou mesmo o jurista, pode criar um centro de imputação, ainda que seja ele mera representação do interesse de seus membros. Aliás, bem observa Comparato que a diferença entre eles insere-se na passagem do positivismo dogmático pandectista (Savigny) para o positivismo normativo (Kelsen). COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 327 e ss.
(8)SALOMÃO FILHO, Calixto. A sociedade unipessoal. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 20-22.
(9)CORDEIRO, António Menezes. Tratado de direito civil português. Coimbra: Almedina, 2004. p. 503. v. I.
(10)PLANIOL, Marcel. Traité élémentaire de droit civil. 6. ed. Paris: s.n., 1911/1913. p. 3.005-3.019. t. 1.
(11)RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 6. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 767-768.
(12)Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 240-241.
(13)No mesmo sentido: SERICK, Rolf. Apariencia y realidad en las sociedades mercantiles. Barcelona: Ariel, 1958. p. 261.
(14)VERRUCOLI, Piero. Il superamento dela personalità giuridica dele societá di capitali nella "common law" e nella "civil law". Milano: Giuffrè, 1964. p. 195.
(15)Cf., dentre outros: KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (Disregard Doctrine) e os grupos de empresas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 19-22.
(16)Ob. cit., p. 195.
(17)Ob. cit., p. 279.
(18)Vale ressaltar em tal conceito que, ao se referir ao não recobrimento de "toda esfera de subjetividade do direito", parece que Comparato leva em consideração a ideia de que a lei, ainda que reconheça corretamente a existência de direitos a certos agregados patrimoniais (v.g., massa falida), sem, no entanto, personalizá-los, demonstra que nem todo sujeito de direito é, verdadeiramente, uma pessoa.
(19)Para o conhecimento de tais práticas, ver, por todos, VERRUCOLI, Piero. Ob. cit., p. 2.
(20)WORMSER, Maurice. Piercing the veil of corporate entity. In: Columbia Law Review, Columbia, v. 12, 1912, p. 498.
Acerca da crítica ao fato de se considerar como leading case da Disregard Doctrine aquele relativo à controvérsia inglesa Salomon v. Salomon e Co., frequentemente aludida por parte da doutrina, ver, por todos, VERRUCOLI, Piero. Ob. cit., p. 90 e ss.; KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. Ob. cit., p. 68-69.
(21)COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 37. v. 2.
(22)"FALÊNCIA. ARRECADAÇÃO DE BENS PARTICULARES DE SÓCIOS-DIRETORES DE EMPRESA CONTROLADA PELA FALIDA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (DISREGARD DOCTRINE). TEORIA MAIOR. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO ANCORADA EM FRAUDE, ABUSO DE DIREITO OU CONFUSÃO PATRIMONIAL. RECURSO PROVIDO.
1. A teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica - Disregard Doctrine -, conquanto encontre amparo no direito positivo brasileiro (art. 2º da Consolidação das Leis Trabalhistas, art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, art. 4º da Lei nº 9.605/98, art. 50 do CC/02, dentre outros), deve ser aplicada com cautela, diante da previsão de autonomia e existência de patrimônios distintos entre as pessoas físicas e jurídicas.
2. A jurisprudência da Corte, em regra, dispensa ação autônoma para se levantar o véu da pessoa jurídica, mas somente em casos de abuso de direito - cujo delineamento conceitual encontra-se no art. 187 do CC/02 -, desvio de finalidade ou confusão patrimonial é que se permite tal providência. Adota-se, assim, a 'Teoria Maior' acerca da Desconsideração da Personalidade Jurídica, a qual exige a configuração objetiva de tais requisitos para sua configuração (...)." (REsp 693.235/MT, 2004/0140247-0, STJ, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 17.11.09, DJe 30.11.09) (grifo nosso)
(23)"RESPONSABILIDADE CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. SHOPPING CENTER DE OSASCO-SP. EXPLOSÃO. CONSUMIDORES. DANOS MATERIAIS E MORAIS. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. PESSOA JURÍDICA. DESCONSIDERAÇÃO. TEORIA MAIOR E TEORIA MENOR. LIMITE DE RESPONSABILIZAÇÃO DOS SÓCIOS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REQUISITOS. OBSTÁCULO AO RESSARCIMENTO DE PREJUÍZOS CAUSADOS AOS CONSUMIDORES. ART. 28, § 5º.
Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum. A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração). A Teoria Menor da Desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no direito do consumidor e no direito ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Para a Teoria Menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. A aplicação da Teoria Menor da Desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28 do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Recursos especiais não conhecidos." (STJ, 3ª T., REsp 279.273/SP, Relª Minª Nancy Andrighi, j. 04.12.03) (grifo nosso)
(24)JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro. São Paulo: RT, 1987. p. 78.
(25)GONÇALVES, Carlos Alberto. Direito civil brasileiro. Parte geral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 217.
(26)"PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. ART. 50 DO CC/02. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INVERSA. POSSIBILIDADE.
I - A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial. Súmula nº 211/STJ. II - Os embargos declaratórios têm como objetivo sanear eventual obscuridade, contradição ou omissão existentes na decisão recorrida. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal a quo pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão, como ocorrido na espécie. III - A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador. IV - Considerando-se que a finalidade da Disregard Doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma. V - A desconsideração da personalidade jurídica configura-se como medida excepcional. Sua adoção somente é recomendada quando forem atendidos os pressupostos específicos relacionados com a fraude ou o abuso de direito estabelecidos no art. 50 do CC/02. Somente se forem verificados os requisitos de sua incidência, poderá o juiz, no próprio processo de execução, "levantar o véu" da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens da empresa. VI - À luz das provas produzidas, a decisão proferida no primeiro grau de jurisdição entendeu, mediante minuciosa fundamentação, pela ocorrência de confusão patrimonial e abuso de direito por parte do recorrente, ao se utilizar indevidamente de sua empresa para adquirir bens de uso particular. VII - Em conclusão, a r. decisão atacada, ao manter a decisão proferida no primeiro grau de jurisdição, afigurou-se escorreita, merecendo assim ser mantida por seus próprios fundamentos. Recurso especial não provido." (STJ, 3ª T., REsp 948.117/MS [2007/0045262-5], Relª Minª Nancy Andrighi, j. 22.06.2010)
"DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. LEGITIMIDADE PASSIVA. Pretensão de reforma da decisão que, em execução de título extrajudicial, reconheceu a legitimidade passiva da empresa agravante, por força de desconsideração inversa da personalidade jurídica. Descabimento. Hipótese em que há sólidos elementos de convicção, inclusive anterior relatório do Conselho Gestor de Ações Conjuntas de Combate à Evasão Fiscal, que apontam para o acerto da decisão ora agravada, no sentido de que a pessoa jurídica recorrente teria sido utilizada como instrumento para a prática de fraude ou abuso de direito pelo executado. Decisão. de primeiro grau que deve ser integralmente mantida. Precedentes desta colenda 13ª Câmara. Recurso desprovido." (TJSP, AI 1200053720128260000/SP, 0120005-37.2012.8.26.0000, 13ª Câm. de Direito Privado, Relª Desª Ana de Lourdes Coutinho Silva, j. 29.08.2012, DJ 31.08.2012)
(27)Disponível em: . Acesso em: 11 dez. 2012.
(28)Disponível em: . Acesso em: 29 dez. 2012.
(29)Cf. no item 3 do presente artigo.
(30)No mesmo entendimento: BUENO, Cassio Scarpinella. Desconsideração da personalidade jurídica no projeto do novo Código de Processo Civil. In: BRUSCHI, Gilberto Gomes et al. Direito processual empresarial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p. 123.
(31)Sobre a classificação dos terceiros quanto ao grau de influência dos efeitos de uma sentença sobre as suas relações jurídicas, estando aí a se destacar o "terceiro juridicamente interessado", ver o nosso Instituições de direito processual civil..., p. 134-135.
(32)Como instrumento para a efetivação dos valores, bem como a realização das liberdades e direitos fundamentais, se estará a compreender que o processo leva consigo toda a carga tipicamente comandada pela sua exata noção de que, mais do que um meio estatal para a tentativa de realização prática do justo, é ele instrumento social e democrático eivado de direitos e garantias imperativas que devem ser respeitadas em sintonia com o Estado democrático que se presencia em dado tempo e espaço.
Nesses termos é que propulsa a índole do devido processo constitucional, consubstanciando no efetivo ideário axiológico que se estabelece na firme leitura constitucional sobre as instituições processuais.
No que se refere à relação Constituição e Processo, realçando a necessária efetividade desse, bem como os escopos daquela, ver o nosso Tutela específica das obrigações de fazer..., especialmente o Capítulo I.

(33)Dispõe o art. 211 do PLS nº 166/2010: "A citação do réu será feita pessoalmente, ao seu representante legal ou ao procurador legalmente autorizado".
Disponível em: (http://www.lex.com.br/doutrina_26013826_DESCONSIDERACAO_DA_PERSONALIDADE_JURIDICA_CONSIDERACOES_SOBRE_O_INCIDENTE_A_LUZ_DO_NOVO_CPC__PLS_N_166_2010.aspx). Acesso em: 30/set/2014.