Quando a filosofia do papel é aplicada ao processo eletrônico

Recentemente, mais uma vez, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que “não havendo identidade entre o titular do certificado digital utilizado para assinar o documento e os advogados indicados como autores da petição, deve ela [a petição] ser tida como inexistente” (AgRg no AREsp 217075/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 09/10/2012, DJe 31/10/2012) (Informativo n. 507/2012). Em suma, segundo o STJ, deve haver identidade entre a assinatura eletrônica e a autoria da petição localizada no fecho da peça.
Com o devido respeito, o entendimento é bastante equivocado.
Ao considerar inexistente o ato processual em razão da ausência de identidade entre assinatura digital e autoria da petição, o STJ, na prática, está exigindo “dupla assinatura”.
É preciso compreender que não se têm duas assinaturas, mas somente uma.
Segundo o art. 1º, §2º, III, a e b, da Lei n. 11.419/2006, a assinatura eletrônica consiste em uma forma de identificação inequívoca do signatário, podendo ser de dois tipos: (a) assinatura digital, baseada na certificação digital emitida pela Autoridade Certificadora credenciada e (b) assinatura mediante cadastro do usuário no Judiciário.
A única assinatura constante na petição é a assinatura eletrônica.
A exigência de “dupla assinatura” é formalismo excessivo. Qualifica-se como jurisprudência defensiva. Ou seja, existe só para, dificultando o acesso à Justiça, diminuir a carga de trabalho dos Tribunais. A forma é desvirtuada. Deixa de servir a valores fundamentais e passa a ser utilizada como instrumento de contenção de demandas.
Ora, da leitura da Lei, conclui-se que a aposição da assinatura na petição digitalizada é dispensável, vale dizer, não precisa a petição protocolizada por meio eletrônico conter “assinatura física”, escrita com “tinta escura e indelével” (art. 169, CPC). A mesma razão vale para a indicação da autoria ao fim da petição. Em verdade, a assinatura das petições passa a ser somente uma: a assinatura eletrônica. A razão é simples: se o processo é eletrônico, a assinatura também o é. Isso basta.
Ao fim, nem mesmo o nome e o número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) precisam ter na petição digitalizada. Esta identificação só se justifica em processos físicos, para se conferir a assinatura lançada no papel com o nome do subscritor da peça.
Perceba-se bem: nos processos “de papel”, o advogado poderia simplesmente assinar, e só. Mas, aí, ante um nome ilegível, não se saberia quem subscreveu a peça. Daí se revela a importância de logo abaixo fazer constar o nome em letra que se pode ler. No processo eletrônico, a assinatura é também eletrônica, de modo que o nome do advogado que atua e seu número de inscrição na OAB já constam no cadastro realizado junto a Autoridade Certificadora credenciada. Assim, reitera-se, na petição digitalizada poderia até faltar a identificação do advogado, que já existe na assinatura eletrônica.
Acredita-se que, no caso, existe uma intenção consciente do Tribunal em criar uma jurisprudência defensiva. Mas, não bastasse, acredita-se que tal entendimento pode ser fruto, também, de um fenômeno inconsciente: a filosofia do papel aplicada ao processo eletrônico.
Somente isso explica a exigência da “dupla assinatura”. Veja-se: na petição eletrônica poderia constar o nome de vários advogados, todos eles devidamente identificados como autores da peça. Isso, em termos eletrônicos, é indiferente. O que importa, verdadeiramente, é que o advogado que assinou a petição eletronicamente esteja constituído nos autos mediante mandato.
Em verdade, a identidade daquele que assinou a peça não precisa nem constar ao fim da petição digitalizada. O que vale no processo eletrônico é a assinatura eletrônica. De igual maneira, logo após os pedidos, poderia nada haver na petição digitalizada. Ela não poderia ser considerada apócrifa. Afinal, existe uma assinatura eletrônica do advogado, que assume a autoria pelos termos da peça e qualquer responsabilidade disso advinda.
A filosofia do papel vale para o processo físico. Novas realidades exigem novas perspectivas, um novo olhar.
Existe grave equívoco em reputar inexistente o ato processual carente de “dupla assinatura”. É que nenhum ato jurídico precisa ser duplamente assinado pela mesma pessoa. Se a petição é de papel, a assinatura é feita com tinta; se a petição é eletrônica, a assinatura possui a mesma natureza. A identificação do subscritor é o quanto basta, e nada mais.
Por fim, e ainda sob uma perspectiva crítica, impõe-se dizer que o formalismo é importantíssimo para o processo, desde que exista em função de valores consagrados constitucionalmente. Aqui, no caso, o formalismo é excessivo. Nada o justifica. Fere o direito fundamental ao contraditório, ao devido processo justo e à inafastabilidade do controle jurisdicional.
Como se disse, somente a vontade de se criar uma jurisprudência defensiva e a filosofia onipresente do processo físico justificam este entendimento.
Ticiano Alves e Silva

(http://dialogosconstitucionais.tumblr.com/post/40344435727/quando-a-filosofia-do-papel-e-aplicada-ao-processo-eletr).