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sexta-feira, 7 de junho de 2013

Nova revolução na constituição de famílias (Rodrigo da Cunha Pereira)

04/06/2013
Nova revolução na constituição de famílias
Uma nova categoria de famílias está surgindo, inclusive facilitada pela internet. Tais pessoas não estão interessadas em um novo amor ou em constituir uma família conjugal, mas apenas uma família parental 
Rodrigo da Cunha Pereira*
O casamento por amor fez uma grande revolução nas relações de família. A partir daí as famílias deixaram de ser essencialmente núcleos econômicos e reprodutivos. Surge o divórcio, já que o amor às vezes acaba. O afeto tornou-se um valor jurídico e em consequência surgiram diversas configurações de famílias conjugais e parentais, para além do casamento: uniões estáveis hetero e homoafetivas, multiparentalidades, famílias monoparentais, simultâneas, mosaico etc.
Outra grande revolução que está começando, e em breve se tornará comum, está na constituição de novos modelos de famílias parentais, isto é, filhos de pais que não são fruto de uma relação conjugal ou sexual. Isto só está sendo possível porque se passou a distinguir, inclusive no campo jurídico, parentalidade de conjugalidade. Até pouco tempo atrás, uma mulher que tivesse uma relação extra-conjugal, além de ser considerada culpada pelo fim do casamento, perdia a guarda do filho. Já não é mais assim. O Direito já entendeu que não há culpados, mas sim responsáveis pelo fim da conjugalidade, e uma mulher embora não tenha sido uma boa esposa, pode ser uma ótima mãe, e vice versa. Foi na esteira desse raciocínio jurídico que as funções conjugais começaram a ficar separadas e diferenciadas das funções parentais.
Com a distinção entre essas duas funções na constituição de famílias, é que se tem feito hoje contrato de geração de filhos, assim como já se fazia antes, os contratos de união estável e pactos antenupciais para regulamentar aspectos patrimoniais dos casamentos. O primeiro sinal dessas novas gerações de famílias parentais são as conhecidas “produções independentes”. Com a liberação dos costumes sexuais a partir da década de sessenta, mulheres que queriam ter filhos, independentemente de terem um parceiro fixo, assumiam a maternidade, até mesmo sem que seu parceiro soubesse. São as denominadas famílias monoparentais, reconhecidas pelo Estado a partir da Constituição da República de 1988.
A partir da década de oitenta, com o desenvolvimento da engenharia genética, quem não pudesse ter filhos, e não quisesse adotar, já poderia recorrer às técnicas de inseminações artificiais, útero de substituição, busca de material genético em bancos de sêmen e óvulos, independentemente de ter parceiro ou não. Ficou mais fácil ter filhos, e cada vez mais desatrelado de uma relação conjugal ou sexual.
Uma nova categoria de famílias está surgindo, inclusive facilitada pela internet. Tais pessoas não estão interessadas em um novo amor ou em constituir uma família conjugal, mas apenas uma família parental. Se isto era feito nas décadas anteriores, com dificuldades e limitações da criança não conhecer o doador do material genético, agora fez-se um up grade nestas famílias parentais.
Pelas redes sociais e sites de “paternidade compartilhadas”, especialmente os americanos, já tem sido comum homens e mulheres encontrarem alguém para compartilhar a paternidade/maternidade, sem estabelecerem uma relação amorosa ou sexual. Este novo modelo de filiação se apresenta como uma alternativa a adoção, barriga de aluguel ou inseminações artificiais nas quais não se sabe quem é o doador do material genético. A internet, na verdade, apenas facilitou e ampliou essas facilidades de parcerias de paternidade.
No Brasil já se materializava essa idéia, em pequena escala é claro, por meio de contratos de geração de filhos. A diferença das famílias comuns, é que ao invés de se escolher um parceiro para estabelecer uma relação amorosa ou conjugal, escolhe-se um parceiro apenas para compartilhar a paternidade/maternidade.
Em princípio estas novas famílias parentais podem causar uma grande estranheza. Certamente não faltará novamente quem pense que isto é o fim da família, como se falou em 1977 com a introdução do divórcio no Brasil, que nossa sociedade está sendo invadida por pais errantes e mães desvairadas.
Certamente são novas estruturas parentais, muito diferentes daquelas concebidas até então. Mas no início deste século quando os tribunais começaram a reconhecer e legitimar as famílias entre pessoas do mesmo sexo, não faltou também quem falasse na desordem da família.
Nesta nova modalidade de paternidades compartilhadas, certamente, os filhos terão pais muito mais responsáveis e comprometidos com a sua criação e educação do que os muitos filhos de famílias constituídas nos moldes tradicionais, que muitas vezes os abandonam, ou não se responsabilizam por eles. Enfim, esta nova modalidade de paternidade/maternidade é um novo marco revolucionário na história da família, assim como foi revolucionário o casamento por amor, que destituiu a lógica preponderantemente patrimonialista nas relações de família.

*Rodrigo da Cunha Pereira é advogado, presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família IBDFAM, Doutor (UFPR) e mestre (UFMG) em Direito Civil e autor de vários artigos e livros em Direito de Família e Psicanálise.
(http://www.brasildefato.com.br/node/13111). 

sábado, 30 de março de 2013

Monogamia desejo e famílias paralelas (Rodrigo da Cunha Pereira)


Monogamia, desejo e famílias paralelas

27/03/2013
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM

A monogamia é um princípio básico e organizador das relações da família conjugal no Ocidente. A matéria é de fundamental importância quando se discute, por exemplo, uniões estáveis paralelas ao casamento. Nesta entrevista, Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do IBDFAM, fala sobre o sistema monogâmico, o desejo, famílias paralelas e o fim do amor entre casais.

O QUE CARACTERIZA O ROMPIMENTO DO PRINCÍPIO DA MONOGAMIA?

Além de princípio jurídico, a monogamia é uma questão filosófica séria, pois a ele estão vinculados muitos outros valores, tais como afeto, escolha, desejo, lealdade, mentira, risco, emoção, promessa, castigo, dinheiro, confiança e tantos outros. Romper o princípio da monogamia significa estabelecer outro código moral em relação ao parceiro ou parceira.

POR VEZES, CONFUNDIMOS MONOGAMIA COM FIDELIDADE. O QUE DIFERENCIA ESSES DOIS PRINCÍPIOS CULTURAIS E JURÍDICOS E COMO SE RELACIONAM?

Fidelidade ou infidelidade pode ser um código moral e particular de cada casal. Fidelidade pode ser o mesmo que lealdade, ou não. A quebra da monogamia vincula-se mais ao estabelecimento de famílias paralelas ou simultâneas ao casamento/união estável. A infidelidade não necessariamente constitui quebra de monogamia. Às vezes, estabeleceu-se uma relação paralela sem que haja ali uma outra família. Pode ser apenas uma relação extraconjugal, sem necessariamente estabelecer outra família. Amantes, no sentido tradicional da palavra, sempre existiram, e continuarão existindo, enquanto houver desejo sobre a face da terra. 

A MONOGAMIA CONSTITUI UM INTERDITO QUE VIABILIZA A ORGANIZAÇÃO DA FAMÍLIA CONJUGAL.  SE NÃO HOUVESSE TAL PROIBIÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO, A SOCIEDADE CONSEGUIRIA ESTRUTURAR AS FAMÍLIAS DE OUTRA FORMA OU A TENDÊNCIA SERIA A PROMISCUIDADE?

Assim como acontece com a proibição do incesto, a monogamia e a poligamia, em alguns países, são interditos viabilizadores das relações e organizações sociais. Não há cultura, socialização e sociabilidade sem que haja proibições e interdições ao desejo. Se se quebrar a monogamia, estabelecer-se-á outro código de conduta. Mas jamais será a promiscuidade, como às vezes se passa. O necessário para que exista cultura, civilização e, consequentemente, ordenamento jurídico, é que haja um não necessário ao desejo.

PARTINDO DO PRESSUPOSTO DE QUE A INFIDELIDADE É FRUTO DO DESEJO E DE QUE A FIDELIDADE TORNOU-SE LEI, É POSSÍVEL REGULAR O DESEJO? NESSE SENTIDO, ATÉ QUE PONTO O ESTADO PODE INTERVIR NESTAS QUESTÕES?

O Direito só existe porque existe o torto, ou seja, toda Lei pressupõe um desejo que se lhe contrapõe. Não roubar, não matar, não cobiçar a mulher do próximo, só tiveram que ser escritos porque há um desejo contraposto a eles. A fidelidade ou infidelidade conjugal deve funcionar como um código moral particular de cada casal. O Estado tem se afastado cada vez mais destas questões, como por exemplo, quando em março de 2005 (Lei 11.106/05) retirou-se do Código Penal o adultério como crime.

COM A SUPRESSÃO DA CULPA PELO FIM DA DISSOLUÇÃO CONJUGAL (EC 66/2010 - DIVÓRCIO DIRETO) O DEVER DA FIDELIDADE PERDEU SUA FORÇA COMO REGRA JURÍDICA PARA ALEGAÇÃO DE DIVÓRCIO. NESTE SENTIDO, QUAL SERIA A SANÇÃO APLICÁVEL À QUEBRA DESTE DISPOSITIVO? 

A EC66/10, que simplificou o sistema de divórcio no Brasil, em nada interfere neste aspecto. Ela significa apenas um afastamento maior do Estado nas questões de foro mais íntimo das pessoas e atribui a elas mais responsabilidades pelas ilusões e desilusões amorosas, na medida em que não mais se discute quem é o culpado pelo fim do casamento. Finalmente, entendeu-se que não há culpados ou inocentes, não há vilões. Ambos são responsáveis pelo fim do amor.

EM SUA OPINIÃO, O PRINCÍPIO JURÍDICO DA MONOGAMIA DEVE SER SUPERADO OU PRESERVADO?

A monogamia funciona como um ponto chave das conexões morais de determinada sociedade. Mas não pode ser uma regra ou princípio moralista, a ponto de inviabilizar direitos. Por exemplo, se se constitui uma família paralelamente à outra, não se pode negar que aquela existiu. Condená-la à invisibilidade é deixá-la à margem de direitos decorrentes das relações familiares. O princípio da monogamia deve ser conjugado e ponderado com outros valores e princípios, especialmente o da dignidade da pessoa humana. Qualquer ordenamento jurídico que negar direitos às relações familiares existentes estaria invertendo a relação sujeito e objeto, isto é, destituindo o sujeito de sua dignidade e colocando a lei como um fetiche.

(http://www.ibdfam.org.br/novosite/imprensa/noticias-do-ibdfam/detalhe/4989).