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domingo, 15 de dezembro de 2013

STF, ONU e OEA firmam acordo para discutir liberdade de expressão

Sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

STF, ONU e OEA firmam acordo para discutir liberdade de expressão
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, recebeu nesta sexta-feira (13) a relatora especial de Liberdade de Expressão para o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, Catalina Botero, e o assessor regional de Comunicação e Informação da Unesco, Guilherme Canela. O objetivo foi o de detalhar a realização de ações conjuntas relacionadas à proteção da liberdade de expressão, de imprensa e de informação no âmbito do Poder Judiciário brasileiro.
Esta semana, o STF, a Organização das Nações Unidas (ONU), Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura (Unesco) firmaram parceria inédita para promover, a partir de 2014, um debate aprofundado sobre o a questão da liberdade de expressão no Judiciário. Entre as atividades previstas estão a realização de um Diálogo Internacional sobre essas temáticas e a oferta de cursos online para magistrados e magistradas interessados.
Segundo a relatora, a cooperação com o STF, iniciada com a participação do ministro Joaquim Barbosa, durante a celebração do Dia Mundial de Liberdade de Imprensa, em maio passado, na Costa Rica, fortalecerá o debate sobre os padrões internacionais e poderá ser um estímulo a que tribunais de outros países adotem estratégias semelhantes. Na sua opinião, este é um dos acordos mais importantes já feitos pela Relatoria Especial de Liberdade de Expressão para o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. “Os juízes têm papel essencial na defesa da liberdade de expressão", afirmou. "Onde quer que haja juízes independentes, que creem na liberdade, a liberdade de expressão está protegida, e isso a Suprema Corte sabe bem”.
Catalina Botero considera fundamental treinar os magistrados e discutir o tema para que os juízes estejam preparados para resolver os casos relacionados à liberdade de expressão de acordo com os mais avançados parâmetros internacionais.
Canela ressaltou que o que está sendo feito é convergir agendas que já estavam presentes nas instituições e pensar como os magistrados brasileiros, em conjunto com o sistema internacional, podem contribuir para avançar essa discussão. “Todas essas instituições trabalham de maneira bastante presente com o tema liberdade de expressão. Vamos fortalecer ações que estavam sendo realizadas de forma isolada”, afirmou.
De acordo com a ONU, a iniciativa foi inspirada no Plano de Ação das Nações Unidas para a Segurança de Jornalistas e a Questão da Impunidade. O plano almeja fortalecer a contribuição de todos os setores sociais para por fim aos assassinatos de jornalistas e intimidações a esses profissionais.

Disponível em: (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=256029).

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Biografias, ainda elas (Martha Medeiros)

domingo, outubro 27, 2013

Biografias, ainda elas - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 27/10

É uma discussão de difícil consenso: liberdade de expressão x direito à privacidade. Dois pilares indispensáveis para uma sociedade civilizada. Como equilibrar os interesses? 

Em 2005, publiquei uma pequena novela que tratou desse tema. Em Selma e Sinatra, uma jornalista entrevista uma famosa cantora a fim de escrever sua biografia, e durante suas conversas a cantora deixa escapar que teve um rápido affair com Frank Sinatra, mas não quer que isso seja revelado, pois era casada na época. A jornalista surta com o veto. E abre-se o debate entre elas: o que torna, afinal, uma vida interessante aos olhos dos outros? 

Não condeno quem tenta preservar sua intimidade. Se um engenheiro não gostaria que falassem sobre seus porres, se um desembargador evita admitir que fumava baseados na adolescência, se uma publicitária não quer que vasculhem sua sexualidade, se uma professora não deseja que saibam que ela teve um caso extraconjugal, por que um artista deveria se sentir confortável com a exposição disso tudo? 

Muitos responderiam: porque ele tem uma vida pública. Como se fosse um acerto de contas: “Já que você é rico, célebre e bem-sucedido, entregue seus podres em troca”. Mas em troca de quê? De ter realizado um trabalho que o deixou em evidência? É alguma espécie de punição por ser reconhecido nas ruas? 

Sou uma leitora voraz de biografias e considero que toda história de vida é ficção. Quando leio livros sobre Marylin Monroe, Patti Smith ou Nelson Rodrigues, entendo que o autor, por mais que tenha pesquisado, por maior que seja sua boa fé, não tem como saber toda a verdade: as suposições contracenam com os fatos. 

O biografado se torna um personagem – bem realista, mas um personagem. Até mesmo quem escreve a própria biografia maquia um pouquinho a si mesmo. Ninguém se deixa conhecer 100%. O leitor experiente tem consciência disso e rende-se à criação e à qualidade do texto. 

Ou seja, em vez de discutir legislação, o ideal seria que lêssemos mais e melhor para mudar nossa mentalidade de abelhudos, entendendo que há diferenças entre uma matéria de revista e um livro: as revelações que o livro traz situam o biografado num contexto histórico e social, ultrapassando as fofocas íntimas, que podem ser curiosas, mas não têm essa relevância toda. 

Se estivesse bem clara a diferença entre um livro e a Caras, artistas cujas vidas despertam interesse editorial talvez não tivessem tantos melindres, pois confiariam na inteligência do leitor. Mas o que este prefere? Um relato com pimenta ou sem pimenta? Bem embasada ou contada com sensacionalismo? Aí é que entra a questão da mentalidade, que se não se refinar, continuará a gerar o desconforto dos biografados. 

Literatura nenhuma deve ser censurada, coibida, mas também não deve ser lida com avidez apenas por causa de detalhes mundanos. Houvesse segurança no discernimento do leitor, essa polêmica talvez nem tivesse iniciado.

 MURILO  

PERCA TEMPO - O BLOG DO MURILO: Biografias, ainda elas - MARTHA MEDEIROS

Biografias. Roberto Carlos se diz favorável a biografias não autorizadas (Fábio Grellet)


Atualizado: 27/10/2013 23:02 | Por Fábio Grellet/Rio, estadao.com.br

Roberto Carlos se diz favorável a biografias não autorizadas

Para cantor, que proibiu livro sobre sua vida lançado em 2007, é preciso haver 'conversas e ajustes' para conciliar livre expressão a direito à privacidade


Mais famoso artista a recorrer a uma regra do Código Civil para proibir a comercialização de uma biografia não autorizada por ele, o cantor e compositor Roberto Carlos afirma agora que concorda com o projeto de lei que muda essa norma. Se for aprovado pelo Congresso Nacional, o projeto vai permitir a publicação de biografias sem necessidade de autorização da pessoa biografada. Questionado se é a favor ou contra o projeto, ele foi enfático: "Sou a favor". A entrevista foi veiculada na noite de domingo pelo Fantástico, da TV Globo.

Veja também:


Em 2007, Roberto Carlos recorreu à Justiça para exigir a proibição da venda de sua biografia Roberto Carlos em Detalhes, escrita por Paulo Cesar de Araújo. Ele se baseou no artigo 20 do Código Civil, que prevê: "Salvo se autorizadas (...), a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais". Roberto Carlos foi atendido pela Justiça, e o livro está fora do mercado até hoje.

Questionado durante a entrevista se atualmente liberaria a publicação do livro, Roberto impôs condições: "Isso tem que ser discutido". "Há algum tempo, para a gente proteger o direito à privacidade, só existia uma forma: não permitir uma biografia não autorizada", disse. "O biógrafo pesquisa uma história que está feita pelo biografado. Ele não cria uma história, (ele) narra aquela história que não é dele, que é do biografado, mas a partir de quando escreve, ele passa a ser dono daquela história. Isso não é certo", afirmou o cantor.

Segundo ele, caso o autor da biografia faça afirmações mentirosas, a reparação posterior feita pela Justiça "não funciona". "O resultado é um pouco tardio. Todo mundo já leu, já viu", disse.
Roberto defendeu que seja criada uma lei mais flexível sobre as biografias. "(Que permita a publicação) sem autorização, porém com certos ajustes", afirmou. O músico não esclareceu quais seriam esses "ajustes": "Isso tem que se discutir, são muitas coisas, tem que haver um equilíbrio. Que não fira a liberdade de expressão nem o direito à privacidade".

Roberto Carlos anunciou também que ele próprio está gravando depoimentos sobre sua vida para serem usados em uma biografia. "Vou contar tudo o que eu acho que tem sentido contar em relação ao que vivi", afirmou. Questionado sobre quem daria a forma final ao livro, ele respondeu: "Eu". No entanto, Roberto estaria procurando um escritor, segundo afirmou a TV Globo.

O cantor disse que em sua biografia vai narrar o acidente que sofreu quando ainda era criança e morava em Cachoeiro de Itapemirim (ES), sua cidade natal. Atropelado por um trem, ele perdeu parte da perna direita. Roberto teria se aborrecido com a narração dessa história por Paulo Cesar de Araújo e por isso teria proibido a obra. Ontem, Roberto negou que esse tema seja tabu e disse que vai descrevê-lo. "Só eu sei o que senti", disse.

Além do projeto de lei, em trâmite no Congresso Nacional, a proibição da publicação de biografias não autorizadas também é discutida na Justiça. Em 2011, o Sindicato Nacional dos Editores de Livros impetrou uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal contra o artigo 20 do Código Civil. Biógrafos e editores evocam a liberdade de expressão para justificar a mudança dessa regra.

A polêmica aumentou nas últimas semanas, depois que a empresária Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano Veloso, anunciou a existência de um grupo de músicos que tentam barrar mudanças na lei. O "Procure Saber" é composto por Gilberto Gil, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Chico Buarque, Marisa Monte, Djavan, Erasmo Carlos e, segundo o próprio grupo, também por Roberto Carlos. Na entrevista exibida ontem, porém, ele defendeu posição diferente daquela anunciada pelos colegas.

Até a noite de ontem, o "Procure Saber" não havia se manifestado sobre a entrevista de Roberto Carlos.


quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Biografias não autorizadas. Recurso questiona constitucionalidade dos dispositivos que embasam proibições. Supremo fará audiência pública.

Quarta Feira, 23 de Outubro de 2013

Biografias não autorizadas: STF irá ouvir sociedade

Audiência é necessária para subsidiar a decisão da Corte

Fonte | EBC Notícias 

No próximo mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) vai ouvir representantes de vários segmentos da sociedade sobre a publicação de biografias não autorizadas. A questão foi levada à Corte em 2012, por meio de uma ação de inconstitucionalidade impetrada pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel), que considera censura prévia depender da autorização de uma pessoa pública para publicar biografias.

A data do julgamento não foi definida, mas a audiência pública para debater o assunto foi convocada para os dias 21 e 22 de novembro pela ministra Cármen Lúcia.

Segundo a ministra, relatora do processo, a audiência é necessária para subsidiar a decisão da Corte. “A matéria versada na ação ultrapassa os limites de interesses específicos da entidade autora ou mesmo apenas de pessoas que poderiam figurar como biografados, repercutindo em valores fundamentais dos indivíduos e da sociedade brasileira”, argumentou na convocação da audiência pública.

O debate ganhou força nos últimos meses após declarações de cantores de peso nacional contra a liberação das biografias não autorizadas. Os escritores têm se manifestado a favor. Entre os artistas que estão se manifestando contra a publicação estão Caetano Veloso, Roberto Carlos e Chico Buarque.

Na ação, a Anel, entidade que representa 35 editoras, pede que o Supremo declare inconstitucionais os artigos 20 e 21 do Código Civil, reformado em 2002. De acordo com o Artigo 20, "salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas".

O Artigo 21 diz que a vida privada é inviolável e autoriza o juiz a adotar " as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma".

Segundo o advogado Gustavo Binenbojm, representante da Anel, a interpretação dos artigos por alguns juízes para proibir as publicações das biografias é inconstitucional, por se tratar de censura prévia. "Em que pese o pretenso propósito do legislador de proteger a vida privada e a intimidade das pessoas, o alcance e a extensão dos comandos extraíveis de literalidade dos artigos 20 e 21 do Código Civil, ao não preverem qualquer exceção que contemple as obras biográficas, cabem por violar as liberdades de manifestação do pensamento, da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação", declara o advogado, na ação.

A Anel argumenta ainda que, por serem pessoas públicas, os biografados têm privacidade restrita. "Sua história de vida passa a confundir-se com a história coletiva, na medida da sua inserção em eventos de interesse público. Daí que exigir prévia autorização do biografado - ou de seus familiares, em caso de pessoa falecida - importa consagrar uma verdadeira censura privada à liberdade de expressão dos autores, historiadores e artistas em geral, ao direito à informação de todos os cidadãos", argumenta a associação.

Em entrevista na semana passada, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, manifestou-se contra a proibição de biografias não autorizadas. Segundo ele, trata-se de censura prévia.

(http://jornal.jurid.com.br/materias/noticias/biografias-nao-autorizadas-stf-ira-ouvir-sociedade/idp/9002?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=23-10-2013). 

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Biografias independentes, superando a lei do silêncio (Marlon Reis)

O Estado de S.Paulo. 22 de outubro de 2013 | 3h 04

Biografias independentes, superando a lei do silêncio

Márlon Reis*

Os brasileiros têm assistido à edição de decisões judiciais que impedem jornais de publicar matérias de cunho investigativo, especialmente quando se referem a mandatários. Trata-se de um grave atentado à democracia e à liberdade de expressão, valores indissociáveis um do outro. Tem sido comum a utilização do Poder Judiciário para promover a censura prévia, proibida pela nossa Constituição. É bem verdade que na atividade jornalística é possível que ocorram eventuais lesões indevidas à imagem das pessoas. Mas há meios judiciais posteriores com a função de reparar eventuais danos.
Agora assistimos à discussão sobre as biografias não autorizadas. Prefiro chamá-las de biografias livres, ou independentes, para não valorizar em demasia a importância do assentimento do biografado. Esse é outro exemplo grave de violação da manifestação do pensamento.
No Brasil, há vários casos envolvendo a publicação de livros que versam sobre a vida de pessoas que constituem referência política, cultural ou social. Ruy Castro, autor de biografias como as de Carmen Miranda e Nelson Rodrigues, teve graves dificuldades judiciais para superar um processo relacionado à biografia de Garrincha, herói do esporte brasileiro. O debate judicial durou mais de 11 anos. Da mesma forma, o autor Paulo Cesar de Araújo, que redigiu a biografia não autorizada de Roberto Carlos, viu a publicação da sua obra proibida por determinação judicial após 15 anos pesquisando e escrevendo sobre o artista.
O biógrafo não é um "artista menor". Sua atividade demanda pesquisa exaustiva, refinamento metodológico e comprometimento ético com a mensagem a ser compartilhada. Esse trabalho não deve ser reprimido em nome da desconfiança e do preconceito. Antes deve ser estimulado pelo Estado e pela sociedade, considerada a grande utilidade dos seus resultados para a formação de uma cultura alimentada pela informação qualificada e pelo pluralismo.
O texto leviano, que substitui o talento pela difamação pura e simples, não se confunde com a biografia. Não é possível, todavia, que o comportamento de algum autor descomprometido com os contornos éticos do ofício de biógrafo possa desautorizar a liberdade de trabalho de todos os que exercem labor tão árduo quanto necessário ao livre fluxo das ideias e informações.
Recentemente, 45 intelectuais brasileiros se pronunciaram contra esse cerceamento. Ana Maria Machado, Fernando Morais, João Ubaldo Ribeiro, Nelson Pereira dos Santos, Sérgio Rouanet e Zuenir Ventura, entre outros, publicaram o "Manifesto dos intelectuais brasileiros contra a censura de biografias". Entre diversas argumentações, o manifesto afirma ser apropriado que a lei proteja o direito à privacidade. Mas esse direito deve ser complementando pela proteção do acesso às informações relevantes para a coletividade, na forma de tratamento distinto nos casos de figuras de dimensão pública, ou seja, os chamados "protagonistas da História": chefes de Estado, lideranças políticas, grandes nomes das artes, da ciência e dos esportes.
Na ponderação entre a privacidade e a liberdade de expressão não se deve optar pela defesa de um direito ao qual renunciou aquele que se lançou, por opção própria, ao universo das celebridades. Quem aufere vantagens com a vida pública não deve esperar ser tratado como um anônimo.
Sobre os políticos, a lei concede-lhes financiamento público para a promoção do nome deles. Não faz sentido que também se refreie a pesquisa sobre os demais aspectos do seu histórico pessoal.
Devem ser protegidas os textos biográficos sobre pessoas que tenham auferido vantagem da sua presença em meio público, que hajam ocupado posições de destaque na cena e no imaginário popular e que tenham decidido, por elas mesmas, abrir mão de uma parcela da sua privacidade. É evidente que toda exposição deve ter um limite. Entretanto, não faz sentido que informações acessíveis por pesquisadores e historiadores não possam ser divulgadas para o grande público.
A solução deveria estar na adoção de medidas posteriores, sob pena de o Brasil reviver a censura praticada nos tempos ditatoriais. A obra tem um interesse público que a deveria pôr a salvo dessa censura prévia, sob todas as suas formas. Eventuais excessos podem ser adequadamente discutidos em momento posterior, objetivando a aplicação de sanções àqueles que tenham abusado do direito à liberdade de expressão.
A proibição antecipada da publicação de biografias independentes constitui, por certo, uma grande lesão à Constituição de 1988. É mais um espaço em que a liberdade de expressão está sendo grosseiramente cerceada. Além disso, ao submeter a publicação das biografias ao prévio assentimento do biografado ou dos seus descendentes, o artigo 20 do Código Civil colide com os nossos fundamentos constitucionais e com os compromissos assumidos pelo Brasil no plano internacional.
O livre fluxo de informações constitui um direito assegurado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu artigo 19. Ao barrar a publicação de biografias livres, o Brasil coloca-se sob risco de ter essa sua posição questionada perante os organismos multilaterais, algo muito grave para quem sempre busca apresentar-se como um potencial líder da comunidade de nações.
Entre os séculos 15 e 16, o Renascimento proporcionou à humanidade o florescimento de inúmeras conquistas possibilitadas pelo exercício da liberdade de expressão. É lamentável que neste quadrante do século 21 ainda estejamos às voltas com comportamentos ultrapassados e obscurantistas, que refreiam a evolução dos costumes e desnaturam a experiência democrática.
*Márlon Reis é juiz de direito e autor do livro 'O gigante acordado' (Editora Leya). 
(http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,biografias-independentes-superando-a-lei-do-silencio-,1088259,0.htm).

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Por trás da ‘valentia’ midiática contra Dilma, os EUA (?) (Eduardo Guimarães)


Por trás da ‘valentia’ midiática contra Dilma, os EUA (?)


 Ao longo do mês que finda, veio se fazendo notar uma subida de tom de grandes grupos de mídia contra Dilma, quem, até há pouco, gozava de condescendência por parte desses grupos, os quais, ao longo dos dois primeiros anos do governo dela, concentraram a artilharia em Lula e no PT, poupando-a.
Nesse aspecto, editorial recente do jornal O Estado de São Paulo surpreendeu ao usar um tom que poucas vezes se viu contra um governante no pós-redemocratização. Só contra Lula – que, pelo senso comum, era menos aceitável para esse veículo do que a atual presidente – a virulência foi tão intensa.
No último dia 21, em editorial intitulado “Dilmês castiço”, o jornal da família Mesquita pôs a crítica política de lado e partiu para a xingação ao afirmar que a presidente da República teria “dificuldade de concatenar ideias, vírgulas e concordâncias”, ao qualificar como “desastrada” sua “condução da política econômica” e ao acusá-la de “despreparo” e de usar “frases estabanadas e raciocínio tortuoso”.
O editorial, pouco objetivo em argumentos, preferiu criticar algum escorregão no português da presidente, como se já tivesse existido algum governante capaz de jamais infringir a gramática ou a norma culta durante falas improvisadas – o Google pode recompensar quem se dispuser a caçar escorregões de FHC no uso do idioma.
O mesmo tom desrespeitoso e insultuoso usado pelo Estadão contra Dilma, nas últimas semanas vem sendo visto com frequência na revista Veja, no jornal O Globo, na revista Época, na Folha de São Paulo etc.
Quem tiver memória do período imediatamente anterior ao golpe de 1964, deve estar experimentando um déjà vu. Os editoriais e artigos que esses veículos publicavam usavam tom idêntico, apelando ao xingamento e a acusações à ética e à capacidade administrativa de Jango Goulart que dispensavam fatos.
Em pronunciamento feito da tribuna do Senado em setembro do ano passado, o senador pelo PMDB do Paraná, Roberto Requião, lembrou o uso que esses mesmos veículos de hoje faziam do xingamento contra Jango. Veja, abaixo, um trecho.
Às vésperas do golpe de 1964, o desrespeito da grande mídia para com o presidente João Goulart e sua mulher Maria Teresa chegou ao ponto de o mais famoso colunista social do país à época publicar uma nota dizendo que na Granja do Torto florescia uma trepadeira. Torto, como referência ao defeito físico do presidente; trepadeira, como referência caluniosa à primeira-dama do país”.
Até aí, não haveria nenhuma novidade se não fossem boatos que vêm circulando na internet e que, nas últimas 24 horas que antecederam este texto, chegaram a este blogueiro por vias menos nebulosas, ainda que sem comprovação.
Duas pessoas conhecidas por este que escreve – e desconhecidas entre si – relataram a mesma história: funcionário da embaixada dos Estados Unidos em Brasília teria presenciado conversa em inglês entre um membro daquela representação diplomática e o embaixador Thomas Shannon.
Segundo os relatos, os diplomatas discutiam o envolvimento norte-americano na eleição do ano que vem e seus contatos com grupos de mídia e partidos de oposição, entre outros. Uma das fontes afirma que os EUA estariam empenhados em pôr fim à “onda vermelha” que teria engolfado a América Latina e, sobretudo, a América do Sul.
Nesse contexto, a volta da direita ao governo do Brasil teria o condão de desencadear um efeito dominó que reverteria uma independência da região que estaria na base das dificuldades dos Estados Unidos de superarem a crise econômica na qual estão mergulhados desde meados da década passada.
A indústria ianque, por exemplo, estaria enfrentando dificuldades para exportar para a América Latina em razão de sua exagerada aproximação com a China e com outros países asiáticos. Acordos comerciais de interesse norte-americano estariam sendo bloqueados por governos “excessivamente independentes”.
A aliança pela “libertação” do Brasil da tal “onda vermelha” envolveria os próprios Estados Unidos e, do lado brasileiro, grupos de mídia, partidos de oposição e lideranças políticas como Aécio Neves, Marina Silva e Eduardo Campos, bem como setores do Ministério Público e do Supremo Tribunal Federal.
Teoria da conspiração? Pode ser. Não se pode afirmar que esses relatos procedam sem que os relatores apresentem provas. Mas tampouco dá para descuidar de hipóteses tão verossímeis, dado o histórico da relação promíscua entre os EUA e setores da elite latino-americana. Vale abrir o olho.
(http://www.blogdacidadania.com.br/2013/04/por-tras-da-valentia-midiatica-contra-dilma-os-eua/). 

sábado, 30 de março de 2013

Abaixo à imprensa da ditadura (Cadu Amaral)

Blog do Cadu: Abaixo à imprensa da ditadura:


SÁBADO, 30 DE MARÇO DE 2013


Abaixo à imprensa da ditadura

Às vésperas do período mais sombrio da História recente do Brasil – quem sabe de toda ela –, a ditadura civil militar, a autoproclamada “grande imprensa” dá mais um sinal que apesar do regime dos governos militares ter acabado no Brasil, ela, sempre alardeadora da liberdade de imprensa, nunca deixou de cultivar o golpe de 1964. Não bastasse pôr sua estrutura poderosa – conseguida graças à sua postura lambe botas dos generais – no combate à regulamentação dos artigos constitucionais sobre a Comunicação Social, ela agora persegue blogs que se contrapõe à sua linha hegemônica.

Agora foi a vez de Luiz Carlos Azenha, do blog VioMundo. Ele foi processado pelo Ali Kamel por realizar uma “estrondosa” campanha “difamatória” em 0,0034% de suas mais de 8000 publicações contra o diretor de jornalismo da “poderosa”. Antes Kamel processou Rodrigo Vianna. E vence todas na Justiça carioca. Ambos sofrem represálias por denunciarem a postura podre da emissora dos Marinho na campanha presidencial de 2006 quando ainda trabalhavam por lá.

Azenha está obrigado a desembolsar R$ 30 mil só em honorários advocatícios. Por conta dos custos, vai encerrar o VioMundo.

Família aliás, que nunca simpatizou com a democracia e com a vontade popular. Além de tentar manipular a eleição do Brizola em 1982 e todas as presidenciais depois da redemocratização com destaque para a disputa de 1989. quem não se lembra da edição do Jornal Nacional do último debate entre Lula e Collor montada sob ordens expressas do “godfather” dos Marinho, Roberto.


Em dois de abril de 1964, um dia após o golpe de 1964, o jornal O Globo, então dirigido pessoalmente por Roberto Marinho, estampou na primeira página o “restabelecimento da democracia” (clique aqui). Já em outubro de 1984, as Organizações Globo se recusavam a participar da campanha pelas diretas no país. Em editorial assinado pelo próprio “godfather” dizia textualmente logo no primeiro parágrafo: “Participamos da Revolução de 1964, identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada. Quando a nossa redação foi invadida por tropas antirrevolucionárias, mantivemo-nos firmes em nossa posição”. E seguia assim no segundo: “Temos permanecidos fiéis aos seus objetivos” (clique aqui). A ditadura nunca acabou para a Globo!

A liberdade imprensa que a “grande imprensa” defende é apenas para si. Liberdade para suas empresas acumularem como nunca e como não permitido em outros países. Até nos seus “paraísos civilizatórios” existe regulamentação e controle da propriedade nos meios de comunicação, EUA e Inglaterra são excelentes exemplos disso.

Vale lembrar que Veja vive processando o Luís Nassif por ele desmascarar as práticas nefastas da “coisa feita em papel couché” e que a Folha de São Paulo, que na ditadura emprestava seus carros a agentes do regime para caçar opositores, move toda a sua musculatura para retirar do ar o site satírico “Falha de São Paulo”.

Infelizmente tem muita gente que acha isso lindo. Afinal são esses veículos que combatem o lulopetismo que teve a ousadia de fazer pobre comprar carro, viajar de avião e agora com Dilma, promover as condições para uma nova lei áurea com a aprovação da PEC das domésticas. Os e as “Piguetes” repetem a aladainha de que regulamentar a comunicação é censura, mas nunca foi mencionado nada a respeito de conteúdo. Ou seja, após a regulamentação, conforme está previsto na Constituição, o PIG continuará sendo o PIG. Só que com estrutura midiática de país civilizado. Apenas isso!

Onde está a liberdade de imprensa em não permitir críticas à própria imprensa? Ou liberdade é somente quando ela critica, se for criticada é censura?! Para a “grande imprensa” parece que sim. Ela invoca para si status de divindade, mas se comporta como um escroque bêbado no carnaval.

A não regulamentação dos artigos constitucionais ou o não debate por parte do governo federal ou mesmo do Congresso Nacional é, isso se prova a cada dia, extremamente danoso para nosso país. Até as pedras sabem que a pressão para deixar tudo como está é gigantesca. Tanto nos bastidores quanto no palco principal. Mas não se pode deixar de lutar. Até quando estaremos submetidos aos devaneios da imprensa da ditadura?

Todo apoio à blogosfera! Por uma verdadeira liberdade de expressão!

terça-feira, 12 de março de 2013

A interferência da mídia nos julgamentos (Luiz Flávio Gomes)



A interferência da mídia nos julgamentos

Por Luiz Flávio Gomes em 12/03/2013 na edição 737


A mídia pode interferir nos julgamentos criminais? A mídia está interferindo no julgamento do ex-goleiro Bruno? No nosso livro (que acaba de ser lançado pela Saraiva, Populismo penal midiático, p. 98 e ss.) procuramos mostrar, com todas as evidências, que sim. Há duas espécies de populismo penal midiático: o conservador clássico busca o consenso ou o apoio popular para o endurecimento penal contra os criminosos das classes baixas, os estereotipados, os marginalizados; o conservador disruptivo almeja a condenação e o agravamento penal dos crimes dos poderosos, dos que comandam, dos que mandam.
Ora a mídia atua como empresária moral (interferindo na opinião pública e no legislador para a edição de novas leis penais), ora age como justiça paralela (mídia justiceira), muitas vezes acusando, julgando e condenando o réu, no mínimo com a pena de humilhação pública.
De qualquer forma, é ela hoje que se comunica com o povo, é ela que fala a linguagem do povo e é nela que o povo confia (pelo menos, mais do que na Justiça). O mundo acadêmico criminológico fala para ele mesmo (e nunca eles se entendem nem sequer entre eles mesmos). A mídia faz um discurso direto, tendo eliminado a intermediação do acadêmico. Ela explica os crimes e as leis do modo dela, consoante os interesses dela. O discurso que não dá ibope é cortado na raiz.
Testemunha no Fantástico
Ocorre que, para dar ibope, faz-se necessário explorar a emotividade gerada pelos crimes. Naturalmente, reagimos de forma apaixonada frente aos criminosos (dizia Durkheim) e sempre desejamos, consoante o processo mnemotécnico descrito por Nietzsche, as penas mais duras possíveis (porque exclusivamente elas atendem o desejo de vingança, que é uma festa popular – a dor e o sofrimento do criminoso geram muito prazer nas pessoas).
A mídia não é um poder (não é o quarto poder). É uma força relevante dentro da democracia, tanto quanto o é a advocacia, a defensoria, o Ministério Público, a polícia etc. Como força que busca interferir na busca da verdade ou no resultado dos julgamentos, ela (já que conta com mais credibilidade junto à população que a própria Justiça – todas as pesquisas confirmam isso) muitas vezes consegue coisas que nem sequer a Justiça alcança.
Por exemplo: no caso do ex-goleiro Bruno, o Fantástico conseguiu ouvir o seu primo Jorge Luiz (menor na época dos fatos), colocando no ar “seu depoimento”. O que a Justiça não vem conseguindo fazer, a Globo fez. E o povo todo, inclusive quem vai servir de jurado do caso, viu e ouviu a nova versão dessa importante testemunha, que foi a primeira a revelar que Eliza Samúdio foi levada a um local afastado para ser assassinada.
Publicidade opressiva
Ou seja: a primeira testemunha (do julgamento de Bruno) já foi ouvida! Quem vai participar como jurado do caso já começou a formar o seu convencimento. E tudo isso sem a interferência do advogado e do promotor do caso. É dessa forma que a mídia exerce sua expressiva força. É dessa forma que ela é hoje sumamente relevante para a busca da verdade ou para a tentativa de manobra dos resultados dos processos (tal como ocorreu, em vários momentos, no mensalão).
Não existe democracia sem mídia. Logo, a questão não é mais perguntar se ela tem ou não relevância nos julgamentos (é óbvio que tem), e sim, o quanto ela pode e o quanto ela não pode interferir na Justiça (por meio do que se chama de publicidade opressiva). É isso que discutimos no nosso livro. Avante e boa leitura!
***
Luiz Flávio Gomes é jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil

(http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed737_a_interferencia_da_midia_nos_julgamentos). 

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

O "Lulismo" e os meios de comunicação (Ariel Goldstein)


Política| 03/01/2013 | Copyleft 



O "Lulismo" e os meios de comunicação
Apesar da inegável capacidade de Lula de estabelecer com as camadas populares uma relação profunda de identificação, o poder dos meios de comunicação na sociedade brasileira não foi minado. Lula é percebido como alguém que ameaça, com sua estima popular e com suas possibilidades presidenciais até 2014, o status quo midiático brasileiro. Destruir o capital político do ex-presidente, que havia crescido com o triunfo de seu candidato Fernando Haddad nas últimas eleições municipais, parece ser um objetivo visível. O artigo é de Ariel Goldstein.
Ariel Goldstein - Página/12

Buenos Aires - Num artigo recente, o historiador inglês Perry Anderson estabeleceu as diferenças entre a cobertura feita pela mídia internacional e a brasileira sobre o governo Lula, assim:


“Aquele cujas impressões a respeito de seu governo viessem da imprensa internacional teria um choque ao encontrar o tratamento dado a Lula nos meios de comunicação brasileiros. Praticamente desde o início, a The Economist e o Financial Times ronronaram satisfeitos com as políticas pró-mercado e com a concepção construtiva presidência de Lula (...). O leitor da Folha ou do Estadão, para não falar da Revista Veja, estava vivendo num mundo diferente. Normalmente, em suas colunas, o Brasil estava sendo governado por um grosso aspirante a caudilho, sem a menor compreensão dos princípios econômicos ou respeito pelas liberdades civis, uma ameaça permanente à democracia e à propriedade privada”.



Uma situação similar se produziu durante a recente visita da comitiva brasileira a França. Enquanto o ex-presidente estava junto da mandatária Dilma Rousseff, e o país era lembrado na capa do semanário francêsChallenge como “Brasil, o país onde se precisa estar”, as declarações do empresário condenado por corrupção Marcos Valério sobre um suposto benefício de Lula do esquema do Mensalão inundavam as páginas dos periódicos de maior tiragem nacional. 



A insistência na desqualificação da imagem de Lula por parte da imprensa obrigou Dilma Rousseff a ensaiar uma defesa, na França: “Repudio todas as tentativas de destituir Lula da imensa carga de respeito que o povo brasileiro tem por ele”, ao tempo em que Hollande observava que “Lula tem na França uma grande imagem” e “é visto como uma referência”.



A ênfase crítica especial que a imprensa brasileira demonstrou com o ex-presidente obriga necessariamente a uma reflexão: é verdade, como observa Anderson, que “o relacionamento direto de Lula com as massas” interrompeu um ciclo, “minando o papel dos meios de comunicação na formação do cenário político”?



Apesar da inegável capacidade de Lula de estabelecer com as camadas populares uma relação profunda de identificação, o poder dos meios de comunicação na sociedade brasileira não foi minado. Lula é percebido como alguém que ameaça, com sua estima popular e com suas possibilidades presidenciais até 2014, o status quo midiático brasileiro. Destruir o capital político do ex-presidente, que havia crescido com o triunfo de seu candidato Fernando Haddad nas últimas eleições municipais, parece ser um objetivo visível.



A relação tensa entre Lula e o PT com os meios de comunicação possui uma história que antecede à sua chegada à presidência – o que produziu uma mutação na relação. Estas tensões começaram a aumentar durante as eleições de 1989, 1994 e 1998, quando os meios dominantes teceram múltiplas acusações para desacreditar o candidato petista. Durante as eleições de 1989, sobressaiu a atuação da Rede Globo para construir, como rival de Lula, Collor de Mello, um candidato da elite brasileira e sem lastro partidário, editando o debate televisivo do segundo turno notoriamente a favor deste.



Esta história de operações contra a sua imagem explica a aversão em relação aos meios de comunicação, que existe tanto em Lula como em outros líderes partidários, como José Dirceu, seu chefe da casa civil entre 2003-2005.



Apesar disso, a elaboração de uma legislação reguladora da comunicação parece estar distante, no Brasil. Em que pese a insistência do que poderia ser chamado de “a velha guarda dirigente do PT”, como Dirceu, Genoino e o atual presidente, Rui Falcão, que que saíram intensamente prejudicados com a cobertura do julgamento do mensalão, Dilma Rousseff proclamou em numerosas ocasiões: “Prefiro o barulho da imprensa ao silêncio das ditaduras”, proporcionando uma resposta, tanto às exigências de regulação como às acusações dos grandes meios de que assim se tentaria cercear a “liberdade de expressão”.



O conflito se torna estrutural, pois remete a questões que vão desde o papel do comunicador popular que Lula exerce, o que o situa na lógica alternativa à unidirecionalidade dos grandes meios, até a mudança de elites políticas produzida pelo PT, que dificulta as mediações internas características das relações governo-imprensa, previamente, assim como a agenda progressista do governo, que tende a entrar em conflito com a cosmovisão dos meios conservadores.



É por isso que os recorrentes picos de tensão que atravessam esta complexa relação parecem desde o começo uma medição de forças entre atores que não permitem resoluções de “soma zero”; entre a negociação e o conflito os contornos dessa transição se vão definindo.


(*) Sociólogo (UBA). Bolsista do Conicet, no Instituto de Estudos da América Latina e do Caribe (Iealc).

Tradução: Katarina Peixoto

(http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21464&boletim_id=1483&componente_id=25256). 

domingo, 30 de setembro de 2012

Liberdade de imprensa e direitos da personalidade (Elaine Tavares)

[ 04.09.12 ] - Liberdade de imprensa e direitos da personalidade
Liberdade de imprensa e direitos da personalidade
Por Elaine Tavares - jornalista


Conferência proferida no Seminário: Liberdade de Expressão e Direitos da Personalidade, promovido pelo Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso, Ministério Público e OAB. Cuiabá - 31 de agosto de 2012.

04.09.2012  - Esse seminário é uma boa provocação do sindicato. Afinal, não é pouca coisa discutir liberdade e direitos da pessoa.  Então vejamos. Liberdade é um conceito moderno, do mundo liberal. No mundo antigo, seja ele autóctone, oriental, árabe ou europeu, a ideia de liberdade estava mais ligada à situação do escravo de fato. Aquele que era capturado nas guerras de conquista e que sentia desejos de liberdade, de sair dos grilhões. De uma forma geral, nas comunidades antigas não se pensava em termos de liberdade individual. O que estava em jogo sempre era a comunidade, o clã. Basta que a gente se lembre de como eram – e ainda são em algumas comunidades comunitárias – arranjados os casamentos. Não estava em questão a vontade individual, o amor romântico, mas a sobrevivência do clã, da família, do reino.  Viver era ser comunidade.

É o mundo grego, com o debate sobre a razão, que inaugura outro olhar sobre esse conceito, individualizando-o. Aristóteles fala sobre a liberdade declarando que o homem livre é aquele que é capaz de realizar suas escolhas com livre arbítrio e desde a razão. Isso significa que ele descola o ser (a pessoa individual) da comunidade. Ou seja, o homem, escolhendo e guiado pela razão pode ascender à liberdade de ser e fazer o que quiser.  Ora, mesmo na Grécia de Aristóteles isso já era uma coisa bem difícil de ser real. Por quê? Porque na Grécia só podiam exercer o tal do livre arbítrio aqueles que tinham esse direito na polis, quais sejam, os homens, os proprietários.  Mulheres e crianças estavam fora dessa ideia de liberdade.

Não foi sem razão que o grande filósofo da razão e da moral, Immanuel Kant, definiu a liberdade na relação com a propriedade.  Para ele, os homens livres são os que têm propriedade e  são esses livres os que fazem as leis. Aí já foi tudo para as cucuias e abre o corte de classe nesse debate. Liberdade então seria o direito de fazer tudo o que a lei permite. Mas se a lei é feita pelos proprietários, a liberdade seria coisa de poucos, não é mesmo? Ou de uma única classe, a dos proprietários. De novo estamos aí com a ideia de liberdade apenas para alguns.

Marx, ainda no marco da modernidade europeia, vai fazer a crítica a esse modo de ver a liberdade. Ele mostra que a propriedade não é um bem natural nem um pressuposto do Estado, ela é fruto da violência e do domínio de uns sobre os outros. Mostra ainda que a propriedade privada faz com que um único dono desfrute de um bem, arbitrariamente, segundo um interesse pessoal. Essa seria uma visão egoísta do mundo e nesse pilar se fundamentaria a sociedade burguesa. Assim, diz Marx, a liberdade de expressão e de posse representa o direito de advogar para si aquilo que é produzido coletivamente. O mundo moderno, dos proprietários, defende e cristaliza o individual sobre o coletivo. Daí que liberdade de imprensa, para Marx, representava unicamente a liberdade de empresa, ou seja, do proprietário.

Vejam aí que chegamos a um ponto interessante. A concepção de liberdade que impera no mundo ainda é a ideia liberal, de Kant: só são livres os proprietários, ou para usar uma palavra mais contemporânea, só são livres os consumidores. Esses, os que podem consumir, são os que podem fazer escolhas segundo a razão. Que liberdade tem um pobre no mundo capitalista? Que opções e escolhas ele tem se não tem dinheiro para consumir? Por isso, a crítica de Marx segue atualíssima. Então, quando falamos então em liberdade de expressão, no mundo moderno, seguimos falando da liberdade de muito poucos. No geral, no campo das empresas de comunicação, os que podem exercer a liberdade de expressão são os donos dos meios, ou os amigos dos donos, ou os anunciantes que financiam os meios. Esses podem expressar livremente sua opinião, suas ideias e até seus preconceitos. Tudo é válido, inclusive mentir, omitir, inventar.

Aos demais – excluídos da propriedade e também da liberdade – resta o silêncio. Quando aparecem nos meios, são as vítimas de enchentes, os coitadinhos, ou então, os bandidos. É raro ver os pobres, feios, sujos e malvados em situação de sujeito, de pessoa livre, capaz de atuar dentro do seu livre arbítrio, fazendo aquilo que quer, dizendo o que pensa. O pobre, ao gritar e clamar por justiça, ao questionar a sua situação de prisioneiro de um sistema, está quase sempre se contrapondo à lei criada pelos proprietários. E não tem, verdadeiramente, nos espaços da mídia burguesa, como expressar a sua liberdade. É certo que aqui no Brasil estamos muito atrasados nessa discussão enquanto em outros países da América Latina, a população conseguiu avançar. Na Venezuela, de desde 2004 está em vigor a Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão, uma das mais interessantes do continente, que garante ao povo organizado o direito de produzir e controlar o conteúdo. Um avanço importante na soberania comunicacional do país. Também na Bolívia as comunidades indígenas tem logrado constituir uma rede de rádios comunitárias que já saíram do campo do “alternativo” e é uma das  forças mais importante do país. O Equador produziu lei de comunicação, a Argentina também. Nós, aqui, ainda patinamos, na busca por um pouquinho mais de democracia, tateando na busca de liberdade de expressão dentro dos marcos de um Estado que não dá sinais de mudança.

Assim, é preciso que a gente tenha bem claro que essa coisa de liberdade está intimamente ligada com a luta de classes. E, se aceitamos que o que impera é mesmo o conceito de Kant, a liberdade, pelo menos por aqui, ainda só é possível aos proprietários - é o que constatamos ao analisar a realidade - então sobra aí uma outra classe, a dos não proprietários, que precisa lutar muito para fazer valer os seus direitos.

A internet

Então vamos introduzir aqui um elemento não previsto por Marx, que é a Internet. A rede que nasce com objetivos militares é uma cópia virtual da técnica de guerrilha tão bem ensinada por Che. Pequenos focos, sempre em movimento para proteção do centro. De repente, a coisa foi crescendo e se popularizando. Hoje, qualquer um – que tenha a liberdade de ter dinheiro para pagar – pode estar conectado. Qualquer pessoa - pagando - pode ter um blog, pode postar informações no facebook, no twitter. Isso é uma revolução no conceito de liberdade de expressão e no fazer jornalístico. Na internet a pessoa pode inclusive postar informações anonimamente, criando contas falsas. Há uma exaustiva divulgação de fatos e ideias de forma bastante livre na internet. Não é mesmo?

Bom, é claro que isso também é uma ilusão. A primeira é essa da liberdade. Só pode quem paga. Assim, empresas há que ganham bilhões de dólares com a loucura da "liberdade de informação" na net, basta vermos a história do guri do facebook que inclusive vende informações privadas, enquanto existem criaturas que nem deram seu primeiro telefonema. A outra é que os servidores que gerenciam e controlam a informação permitem que a pessoa divulgue o quer, até por ali. Se tocar em algum interesse que seja caro ao sistema o servidor tira do ar o blog, suspende o facebook. Isso acontece todos os dias. O sistema pode tudo. Não há liberdade na rede. É tudo ilusão.

Lá em Florianópolis tínhamos um companheiro, agitador cultural, jornalista popular, o Mosquito, que mantinha um blog, o Tijoladas, onde escrachava a vida dos políticos, denunciava as maracutaias dos governantes, apresentava documentos. Ele vivia enredado com a justiça. O blog dele foi tirado do ar várias vezes. A coisa foi tão violenta que ele se matou, acossado pelas ameaças e pela provável prisão, decretada porque ele dizia verdade de forma dura e crua. Então, isso é só uma pequena mostra de como a liberdade de expressão só é possível enquanto não toca em pontos nevrálgicos do sistema. Se for para denunciar "massacres" do governo sírio, todas as liberdades são dadas, mas Cuba seque impedida de ter internet banda larga, por quê? Porque não querem que seja mostrada a verdade sobre o sistema cubano. Lá, apenas os agentes pagos pela inteligência estadunidense têm acesso à internet rápida. Então, onde está a liberdade? Não voltamos outra vez à luta de classe e à batalha por formas diferentes de organizar a vida?

A enxurrada de informação a que estamos submetidos todos os dias está repleta de coisas que não são do interesse do sistema, por isso essa sensação de liberdade. Mas, por outro lado, essa mesma sensação de que agora, com a rede, podemos fazer tudo o que quisermos, acaba mexendo com a vida cotidiana das pessoas no seu mundo real. Daí que chegamos ao ponto: se podemos ser livres para informar o que queremos, não teríamos que zelar pelo direito do outro/ Qual é o limite ético da informação que produzimos/ E aqui não estou falando da pessoa comum, no seu direito individual de ferir quem quer que seja – a considerar o conceito kantiano de que a pessoa proprietária é livre para fazer o que quiser. Estou falando do jornalista, que tem por obrigação ética narrar a vida nas suas mais variadas facetas. Como enfrentar esse dilema? O que, nós jornalistas, podemos fazer nessa selva de informação?

Tem um filósofo de quem eu gosto muito a despeito das muitas interpretações que se fazem sobre sua obra: é Friedrich Nietzsche. Ele foi o grande crítico da moral kantiana, moderna. Ele previu que chegaria o dia do “último homem” que seria bem esse que a gente vê nos dias atuais. Egoísta, individualista, incapaz de se comover com a vida mesma. Mas, ao mesmo tempo ele anunciou o “super-homem”, que ao contrário do que seus opositores costumam dizer não é o puro de raça, o ariano, o totalitário. Não! A ideia de Nietzsche era de que o “super-homem” seria aquele capaz de superar o último homem, uma criatura que carregasse dentro dela a pureza da criança. Ele dizia: "o super-homem é aquele que vivendo num tempo em que é possível fazer tudo o que se quer, só faz o que é nobre". Pois não é uma coisa incrível, isso? Não é uma porrada certeira na cabeça da frivolidade do mundo atual? Tu podes tudo, é certo, mas, podendo tudo, só fazes aquilo que é nobre. Fantástico!

Em outras palavras, o “super-homem” nietzschiano cumpriria a ética de libertação proposta por Henrique Dussel. Num tempo em que praticamente todos os valores se particularizam, a única ética  universal possível é a preservação da vida. Mas não qualquer vida, a vida da comunidade das vítimas, dos excluídos da liberdade de expressão, de ser, de morar, de viver.  Bom, e nesse campo onde então se colocam os jornalistas?

Deveriam se colocar no patamar de defensores da vida que se expressa na comunidade das vítimas. Daí que sua função primeira seria a de narrar esse mundo. Mas, narrar com verdade. O jornalista tem o compromisso ético de não mentir nem inventar fatos. O jornalista tem de checar e checar mil vezes uma informação porque a vida do outro é como um cristal, uma vez partido, não cola mais.

Outro dia circulou na internet uma foto de uma jovem com uma criança no colo e apontando uma arma para ela. Foram horríveis os comentários. As pessoas realizaram um linchamento moral. Logo depois apareceu a foto real, ela segurava um pássaro na mão, fora uma montagem. As pessoas comuns podem até disseminar essas coisas, porque não tem um compromisso ético com a informação. Mas nós, jornalistas, não. Tudo tem de ser checado. É muito perigoso esse instrumento de "liberdade" que é a internet, porque, no fundo, se analisarmos bem, está completamente a serviço das grandes empresas, do sistema capitalista como um todo. A quem interessa que a população permaneça com um véu colocado sobre seus olhos? A quem interessa que a rede dissemine a desinformação, o preconceito, o modo de vida capitalista de egoísmo, de consumismo, de vaidades?

É certo que não é fácil ser jornalista nesse mundo. No mais das vezes é mais fácil servir ao poder. Ganhamos dinheiro, não nos incomodamos tanto, podemos fazer pequenas sujeiras, praticar pequenas corrupções e seguimos salvos. Mas essa não é a função de um ser crítico que quer construir um mundo melhor.

A história do jornalismo nos conta que ele nasceu como prática diária, na França, e que é filho dileto do capitalismo. Isso é verdade. Mas o jornalismo como crítica é tão antigo quanto o homem. O jornalismo como expressão de um mundo pode ser remontado à idade da pedra, quando os humanos desenhavam nas cavernas nos contando sobre a vida. Adelmo Genro, no seu brilhante livro sobre o segredo da pirâmide, diz: a notícia é aquela capaz de partir da singularidade de um fato e descrevê-lo de tal forma que o leitor possa compreender a universalidade onde ele está inserido. Parece uma coisa difícil e complexa, mas não é. O que Adelmo nos convida a fazer é praticar um jornalismo crítico, impressionista, que contextualize os fatos cotidianos e leve o leitor a compreender a realidade como um todo e não como um fragmento. O jornalismo de hoje é isso, pequenos drops descolados e desconectados, não estabelece nexos com o todo.  E o que é pior, agora, com a internet ainda se permite inventar, mentir e enganar com muito mais rapidez.

Nós podemos mudar isso. O jornalismo não é um ente vivo, ele é o que fizermos dele. E nós podemos fazer jornalismo de qualidade, que mude o mundo, que balance as pessoas, que emocione, que faça o mundo se mover, que desperte o senso crítico, a capacidade de compreender a realidade.

Há um livro muito lindo do Saramago chamado “A Caverna”, no qual ele conta de um mundo em que tudo perdeu a sua beleza, que a vida é de plástico, que as pessoas moram em bolhas tipo shoppings. Mas há um pequeno grupo que ainda faz coisas artesanais, que vive no mundo fora da bolha. Eles acabam sendo levados para viver dentro da bolha. Se rendem... E lá ficam por algum tempo até que percebem que as coisas podem ser diferentes... Então eles saem dali e seguem na direção do talvez, do impensado, do improvável, do ainda-não... É isso que temos de fazer. Romper com esse mundo de plástico. Essa é a verdadeira liberdade. Ser capaz de dizer não ao que está aí e caminhar na direção do grande meio-dia. Como fazemos isso? Praticando o jornalismo de verdade, esse, do Adelmo, que não serve a nenhum sistema, mas à compreensão do mundo e à libertação.


 Do Portal Iela: (http://www.iela.ufsc.br/?page=noticias_visualizacao&id=2070). Acesso em: 30/set/2012.

sábado, 18 de agosto de 2012

A democracia e seus perseguidos (Vladimir Safatle)

A democracia e seus perseguidos | Carta Capital

Vladimir Safatle

18.08.2012 08:10

A democracia e seus perseguidos


O governo do Equador deu asilo ao fundador do WikiLeaks, Julian Assange. O Reino Unido, com seu conhecido respeito seletivo pela legislação internacional, desenterrou uma lei bisonha para afirmar que poderia invadir a embaixada do país latino-americano, a fim de capturar seu inimigo público. Até onde consigo lembrar, esta será a primeira vez que uma embaixada é invadida pela polícia do país no qual ela está situada. Nem mesmo em ditaduras algo parecido ocorreu.


Um retrato de Assange é visto na frente da embaixada equatoriana em Londres. Manifestantes se juntaram no local para apoiar o fundador do WikiLeaks. Foto: Will Oliver / AFP

Há de se perguntar se todo esse zelo do Reino Unido pelo cumprimento de um pedido de extradição feito pela Suécia vem realmente do amor à lei. Ou será que devemos dizer que Assange é o protótipo claro de um perseguido político pela democracia liberal?

Alguns tendem a defender a posição dos governos britânico e sueco com o argumento de que, enfim, ninguém está acima da lei. Independentemente do que Assange represente, isso não lhe daria direito de “estuprar” duas garotas. É verdade que a definição de estupro pela legislação sueca é mais flexível do que a habitual. Ela engloba imagens como: um homem e uma mulher que estão na cama de comum acordo, sem nenhum tipo de coerção, mas que, em um dado momento, veem a situação modificada pelo fato de a garota dizer “não” e mesmo assim ser, de alguma forma, forçada.


Vale a pena lembrar que tal definição é juridicamente tão complicada que, quando a acusação contra Assange foi apresentada pela primeira vez à Justiça sueca, ela foi recusada por uma magistrada que entendeu ser muito difícil provar a veracidade da descrição. A acusação só foi aceita quando reapresentada uma segunda vez, não por acaso logo depois de o WikiLeaks começar a divulgar telegramas comprometedores da diplomacia internacional.

Mas não faltaram aqueles de bom coração que perguntaram: se a acusação é tão difícil de ser provada, então por que Assange não vai à Suécia e se defende? Porque a Suécia pode aceitar um pedido de extradição para os EUA, onde ele seria julgado por crime de espionagem e divulgação de segredos de Estado, o que lhe poderia valer até a pena de morte. Não seria a primeira vez que alguém enfrentaria a cadeira elétrica por “crimes” dessa natureza.

Nesse sentido, é possível montar um quebra-cabeça no qual descobrimos a imagem de uma verdadeira perseguição política. Persegue-se atualmente não de uma maneira explícita, mas utilizando algum tipo de acusação que visa desqualificar moralmente o perseguido. Assange não estaria sendo caçado por ter inaugurado um mundo onde nenhum segredo de Estado está seguramente distante da esfera da opinião pública. Um mundo de transparência radical, no qual os interesses inconfessáveis do poder são sistematicamente abertos. Ele estaria sendo caçado por ser um maníaco sexual. Seu problema não seria político, mas moral.

Desde há muito é assim que a democracia liberal tenta esconder seu totalitarismo. Ela procura desmoralizar seus perseguidos, isso em vez de simplesmente dar conta das questões que tais pessoas colocam. No caso de Assange, ele apenas colocou em prática dois princípios que todo político liberal diz respeitar: transparência e honestidade. Mostrar tudo o que se faz.

Sua perseguição evidencia como vivemos em um mundo em que todos sabem que os governos não fazem, na política internacional, aquilo que dizem. Há um acordo tácito a respeito desse cinismo. Mas, quando essa contradição é exposta de maneira absoluta, então ela torna-se insuportável.

Lembrem, por exemplo, das razões aventadas pelos governos dos países centrais para a não publicação dos telegramas: eles colocariam em risco a vida de funcionários e diplomatas. Na verdade, eles só colocaram em risco o emprego de analistas desastrados, ditadores como o tunisiano Ben-Ali (que teve seus casos de corrupção divulgados) e negociadores de paz mal-intencionados. Por isso, a boa questão é: o mundo seria melhor ou pior com pessoas dispostas a fazer o que Julian Assange fez?

Por fim, vale dizer que aqueles que realmente se interessam por uma mídia livre precisam saudar a decisão do governo equatoriano. A mídia mundial não tem direito à ambiguidade neste caso. Nunca a liberdade de imprensa esteve tão ameaçada quanto agora, diante do problema do WikiLeaks. Pois o site de Assange é o modelo de um novo regime de divulgação de informações e de pressão contra os Estados. Ele é a aplicação da cultura hacker na revitalização do papel da mídia como quarto poder.