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segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Para especialistas condenação de Lula prejudica país (Eduardo Guimarães. Do Blog da Cidadania)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 26/fev/2018...








Original
disponível em: (https://www.youtube.com/watch?v=05IzbQUNTyo).  Acesso
em 26/fev/2018.

domingo, 25 de fevereiro de 2018

Por que o auxílio moradia de juízes e do Ministério Público pode configurar peculato (Eugênio Aragão)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 25/fev/2018...

Por que o auxílio moradia de juízes e do Ministério Público pode configurar peculato. Por Eugênio Aragão

 
Bretas recebe a medalha Pedro Ernesto na Câmara Municipal do Rio
A revolta contra benesses autoconcedidas por carreiras de estado está começando a tomar corpo na sociedade. Com direitos extintos em detrimento do trabalhador comum, causa inconformação a cultura de alguns estamentos da administração, de se servirem dos recursos públicos para aumentarem, sem previsão legal, as receitas pessoais de seus atores.
Os juízes e os membros do ministério público são a bola da vez. Adotaram, ao longo dos últimos anos de turbulência política, discurso moralista contra tudo que lhes pareceu leniente no trato com a coisa pública, rufando tambores do direito penal para intimidar a política como um todo. Tentaram deslegitimar a soberania popular, para substituí-la pelo poder da burocracia. Burocracia autocrática, que acha que não deve satisfação a ninguém. E os que criticaram essa mudança de eixo na distribuição de poderes logo caíram na suspeição de serem defensores de corruptos.
Quem exige tanta moral dos outros deve mostrar que não faz concessões quando se trata da própria prática. Para se erigir em vestal e julgar a conduta de todos, há que se estar acima dos padrões éticos comuns. E isso não parece ser o caso de nossos juízes e nossos membros do MP.
Ganham muito acima da média do funcionalismo, por vezes com verbas de concessão controversa. E a ginástica para justificá-las nem sempre está no patamar olímpico que deles se espera. São todo poderosos, se colocaram no centro do estado, desbancando os outros atores políticos. Têm apoio midiático invejável para qualquer personalidade exposta. A tentação de usar tudo isso em causa própria é certamente enorme e não conseguem disfarçar, além da ambição, sua ganância. Os fundamentos frágeis das autoconcessões são a mais clara exibição de arrogância e de subestimação da capacidade crítica da sociedade.
Agora, vendo o debate eclodir, mobilizam-se as categorias para manter as vantagens. Vão a Brasília para pressionar o STF. É o que de melhor sabem fazer. Posam de vítimas. Outras categorias ganham mais. Outras têm verbas de que magistrados e membros do ministério público não dispõem. Coitadinhos. Esquecem-se convenientemente que não há como comparar a estatura de seus ganhos corporativos pós-constitucionais com a de qualquer outra carreira no assaltado estado brasileiro.
E não fazem por onde manter essa posição privilegiada. Com uso da mídia, expuseram as entranhas de sua lógica de trabalho. Espancaram qualquer dúvida sobre sua parcialidade. Na arena política que invadiram, escolheram seus adversários e com eles foram implacáveis, passando, todavia, a mão na cabeça daqueles que, mesmo praticando flagrantes malfeitos, gozam de sua maior empatia de classe social. A prevaricação se tornou sistêmica, mas sempre mui bem empacotada em sofismas de deformada técnica jurídica. Dedos-duros abastados se transformam em delatores premiados para manterem seu alto padrão de vida e a posição política em organizações se torna condição objetiva de punibilidade pela importação extravagante da teoria do domínio do fato. Vale tudo e que se dane a boa doutrina.
Para se consolidarem como guardiãs da moralidade, carreiras privilegiadas do judiciário e adjacências manipularam o instituto da iniciativa popular, propagandeando medidas de sua exclusiva autoria que, se adotadas, reduziriam garantias processuais e lhes permitiriam maior ingerência na esfera privada. Usaram recursos públicos. Enveloparam viaturas e prédios para a campanha pelas tais “10 medidas”. Foram às rádios, às TVs, às redes sociais e esbravejaram contra a suposta decadência dos hábitos públicos. Mobilizaram a ira coletiva e diabolizaram quem lhes parecesse suspeito de não apoiá-las.
Mas foram surpreendidas pela agenda do abuso de autoridade. Deram-lhe azo. Calcularam mal. Achavam que a sociedade se manteria acuada ou enebriada com seu discurso moralista. Olvidaram que quem com ferro fere, com ele será ferido. A reação veio a galope. Muitos se aperceberam que estavam sendo engambelados nessa campanha de empoderamento corporativo. Outras instituições começaram a se mobilizar contra essa fúria de juízes e membros do MP contra tudo e todos.
Sim, é com essa mobilização que se reage aos abusos cometidos e por cometer. Busca-se acautelá-los. O debate sobre os ganhos indevidos vem a calhar nesse contexto.
Já que juízes e procuradores tanto têm apontado seus dedos para os outros, atribuindo-lhes, a torto e a direita, o alcance ilegal do patrimônio público, está na hora de examinar detidamente as práticas corporativas para nelas identificar ilícitos congêneres aos que apregoam como escandalosos.
Já se disse alhures, que o corporativismo das carreiras principescas do serviço público se assemelha em muito à apropriação privada do que pertence ao coletivo. Suas associações são instrumentos de avanço sobre a soberania popular em causa própria. Querem um naco do estado para chamar de seu, na melhor tradição das capitanias hereditárias. Não têm pejo de usar os graves poderes outorgados a seus membros para atenderem a suas demandas mesquinhas. Não há grande distância entre elas e empresários que desviam o interesse público para seu lucro pessoal, em detrimento da fazenda pública. Ambos fazem parte da mesma baixa cultura de governança patrimonialista.
No caso do auxílio-moradia foi exatamente isso que aconteceu: aproveitaram a empatia de magistrados do STF para com as demandas dos juízes. E onde passa boi, passa boiada. O ministério público logo tratou de pedir a extensão da vantagem para si, por conta de suposta isonomia. Lograram com isso a universalização de uma verba prevista como indenizatória apenas para compensação por lotação sacrificada.
Somente em vagas de difícil provimento é que membros do MP podem receber a vantagem.
Para os juízes, a disciplina legal é diferente. Para eles, há previsão de residencia funcional na LOMAN e auxílio-moradia nas hipóteses de não haver residência oficial. Não há, porém, razão para universalizar a vantagem, nem para magistrados e nem para membros do ministério público, devendo a concessão depender do exame da situação de cada um. O judiciário não pode transformar vantagem eventual em regra geral e abstrata, muito menos sem incidência de imposto, quando fora da hipótese de dificuldade de provimento.
A concessão fora da previsão legal aceita pelo magistrado ou pelo membro do ministério público é consciente apropriação ilegal de recurso público de que têm posse, em razão das facilidades que a função oferece numa carreira super-empoderada. Não é absurdo subsumir essa conduta à hipótese de peculato-furto do art. 312 do Código Penal, pois a posse lhes é propiciada por interpretação interesseira da legislação orgânica. Ninguém que se beneficiou pode, em sã consciência, dizer que a percepção foi de acordo com a lei. Tanto assim é que Janot, que, como Procurador-Geral da República, requereu ao STF a extensão da verba aos membros do ministério público, pessoalmente dela preferiu abrir mão.
Podem se escorar na empática decisão judicial provisória que desde setembro de 2014 permanece inalterada, para lhes atribuir a extravagância; podem provocar, com sucesso até, seus órgãos de controlo externo, o CNJ e o CNMP, que de externo não têm nada, para coonestarem a esperteza – mas, se fossem outros a perceber essa vantagem, com essa demora do deslinde definitivo da controvérsia artificialmente posta, seriam procuradores e promotores os primeiros a afiarem a faca da persecução penal e a ensebar o porrete da improbidade administrativa.
Vale a máxima em latim: piper in oculis aliorum potum algorem est – pimenta nos olhos dos outros é refresco. A frase poderia ser em português mesmo, mas, em latim, esses briosos juristas talvez a memorizam melhor.

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Deserção do recurso afastada. Guia inadequada. Valor ingressou aos cofres. Preparo validado. Princípio da instrumentalidade. Finalidade alcançada. Ausência de prejuízo. STJ. J. 07/fev/2018.

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 24/fev/2018... Atualização 25/fev/2018...

Corte Especial afasta deserção de recurso em que houve troca de GRU


DECISÃO
21/02/2018 09:43

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a embargos de divergência que discutiam se recurso especial seria considerado deserto em razão do preparo realizado em desacordo com as formalidades exigidas, quando houve troca da Guia de Recolhimento da União (GRU).

O colegiado aplicou o princípio da instrumentalidade das formas, considerando suficiente o preparo realizado, por ter-se cumprido o fim almejado pelo ato processual. Com isso, afastou a deserção do recurso e determinou que a Primeira Turma prossiga no processamento regular do feito.

No caso, o preparo deveria ser realizado por meio de Guia de Recolhimento da União Simples (GRU-Simples) e, conforme determinação do Tesouro Nacional, deveria ser pago exclusivamente no Banco do Brasil pela internet, ou nos terminais de autoatendimento ou diretamente no caixa, em virtude da isenção de tarifas para o governo.

A troca

O recorrente gerou a GRU-Simples, mas efetivou o pagamento por transferência eletrônica disponível (TED) no terminal da Caixa Econômica Federal (CEF). Essa providência deveria ser feita mediante a GRU DOC/TED, em casos específicos, e somente no Banco do Brasil.

Ao proferir seu voto, o ministro Og Fernandes, relator dos embargos, destacou que o valor referente ao feito foi efetivamente pago e recebido pelo STJ, porém o instrumento utilizado foi inadequado. 

Nesse sentido, considerou que deveria ser aplicado ao caso o princípio da instrumentalidade das formas.

Leia o acórdão.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): EAREsp 516970

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Trabalhista. Dispensa discriminatória. Empregado sofreu mal súbito no dia anterior. TST.

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 22/fev/2018...


Para TST, dispensa de bancário, um dia depois de sofrer mal súbito, é reconhecida como discriminatória

09.11.17  |  Trabalhista   


O bancário disse, na reclamação trabalhista, que foi contratado após um rigoroso processo de seleção e, contrariamente ao que foi prometido, desde o primeiro dia seu superior hierárquico passou a exigir o cumprimento de metas, com cobranças diárias e palavras árduas, ofensivas e humilhantes.
Um bancário teve reconhecida como discriminatória a sua dispensa, ocorrida um dia depois de ter sofrido um mal súbito numa das agências do banco. A 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) acolheu recurso do trabalhador e restabeleceu sentença que condenou o banco a pagar em dobro os salários relativos ao período de um ano e oito meses, no qual ele recebeu auxílio-doença.
O bancário disse na reclamação trabalhista que foi contratado após um rigoroso processo de seleção e, contrariamente ao que foi prometido, desde o primeiro dia seu superior hierárquico passou a exigir o cumprimento de metas, com cobranças diárias e palavras árduas, ofensivas e humilhantes. Esse processo, segundo ele, acabou desencadeando um quadro depressivo que o levou a procurar tratamento psiquiátrico e psicoterapêutico. Passados dois meses do início do tratamento, disse que, ao chegar à agência Niterói, onde trabalhava, sentiu-se mal com sintomas que pareciam de enfarte. Levado a um centro médico, foi medicado com calmantes fortes e liberado. No dia seguinte, ao voltar ao trabalho, foi dispensado. Por entender que a dispensa foi discriminatória e abusiva, pediu a condenação do banco por dano moral.
O banco, em sua defesa, sustentou que a doença não tinha relação com o trabalho, e que o estresse deveria ter sido causado por problemas familiares. Segundo a argumentação, desde a contratação, o bancário sabia que teria que cumprir metas, e o que ocorreu foi falta de adaptação ao serviço. O juízo de primeiro grau considerou a dispensa discriminatória, e, observando que o bancário não passou pelo exame médico demissional, concluiu que no dia da dispensa ele estaria doente. De acordo com a sentença, a dispensa sem a realização de exame demissional impediu que ele tivesse o seu contrato suspenso para cuidar da saúde, fazendo uso do plano oferecido pelo banco e do auxílio doença.
O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), entretanto, reformou a decisão, entendendo não haver prova de que a enfermidade ou o mal súbito tivessem realmente se originado do trabalho. Assim, a dispensa não poderia ser considerada discriminatória. Para o relator do recurso do bancário ao TST, ministro Cláudio Brandão, os fatos trazidos nos autos reforçam a existência de preconceito ou discriminação. Segundo o ministro, o exercício da atividade econômica está condicionado à observância dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da função social da propriedade, aliados àqueles que fundamentam o Estado Democrático de Direito, como os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
Por unanimidade, a Turma restabeleceu a condenação.
Processo: RR-44000-08.2008.5.01.0049

Prisão domiciliar. Gestantes e Mães de filhos com até 12 anos ou deficientes. Habeas Corpus coletivo concedido. STF. J. 20/02/2018.

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 22/fev/2018...

2ª Turma concede HC coletivo a gestantes e mães de filhos com até doze anos presas preventivamente


Seguindo o voto do relator, ministro Ricardo Lewandowski, o colegiado determinou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar das mulheres nessa situação, em todo o território nacional, sem prejuízo da fixação de medidas cautelares alternativas.

20/02/2018 20h45 - Atualizado há um dia


A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na sessão desta terça-feira (20), por maioria de votos, conceder Habeas Corpus (HC 143641) coletivo para determinar a substituição da prisão preventiva por domiciliar de mulheres presas, em todo o território nacional, que sejam gestantes ou mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência, sem prejuízo da aplicação das medidas alternativas previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal (CPP).

A decisão será comunicada aos presidentes dos tribunais estaduais e federais, inclusive da Justiça Militar estadual e federal, para que, no prazo de 60 dias, sejam analisadas e implementadas de modo integral as determinações fixadas pela Turma.

Para o Coletivo de Advogados em Direitos Humanos, impetrante do habeas corpus, a prisão preventiva, ao confinar mulheres grávidas em estabelecimentos prisionais precários, tira delas o acesso a programas de saúde pré-natal, assistência regular na gestação e no pós-parto, e ainda priva as crianças de condições adequadas ao seu desenvolvimento, constituindo-se em tratamento desumano, cruel e degradante, que infringe os postulados constitucionais relacionados à individualização da pena, à vedação de penas cruéis e, ainda, ao respeito à integridade física e moral da presa.

Sustentações

O defensor público-geral federal citou precedentes do STF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para defender, da tribuna, o cabimento de habeas corpus coletivo. Quanto ao mérito, destacou que “não é preciso muita imaginação” para perceber os impactos do cárcere em recém-nascidos e em suas mães: a criança nascida ou criada em presídios fica afastada da vida regular.

Advogadas do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos defenderam também o cabimento do habeas coletivo, afirmando que apenas um instrumento com esta natureza pode fazer frente a violências que se tornaram coletivizadas. Para elas, trata-se do caso mais emblemático de violência prisional com violação aos direitos humanos.

Também se manifestaram durante a sessão defensores públicos de São Paulo e do Rio de Janeiro e representantes da Pastoral Carcerária, do Instituto Alana, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva e do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

Cabimento

Inicialmente, os ministros da Segunda Turma discutiram o cabimento do HC coletivo. Para o relator, ministro Ricardo Lewandowski, o habeas corpus, como foi apresentado, na dimensão coletiva, é cabível. Segundo ele, trata-se da única solução viável para garantir acesso à Justiça de grupos sociais mais vulneráveis. De acordo com o ministro, o habeas corpus coletivo deve ser aceito, principalmente, porque tem por objetivo salvaguardar um dos mais preciosos bens do ser humano, que é a liberdade. Ele lembrou ainda que, na sociedade contemporânea, muitos abusos assumem caráter coletivo.

Lewandowski citou processo julgado pela Corte Suprema argentina, que, em caso envolvendo pessoas presas em situação insalubre, reconheceu o cabimento de habeas coletivo. O mesmo ocorreu com o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em situação envolvendo presos colocados em contêineres, transformou um HC individual em corpus coletivo.

Já o ministro Dias Toffoli citou, entre outros argumentos, os incisos LXVIII, LXIX e LXX do artigo 5º da Constituição Federal, que afirmam o cabimento de mandado de segurança quando não couber habeas corpus. Assim como o MS pode ser coletivo, ele entende que o HC também pode ter esse caráter. Contudo, o ministro conheceu em parte do HC, por entender que não se pode dar trâmite a impetrações contra decisões de primeira e segunda instâncias, só devendo analisar os pleitos que já passaram pelo STJ. Nos demais casos, contudo, o STF pode conceder ordens de ofício, se assim o entender, explicou o ministro.

Para o ministro Gilmar Mendes, do ponto de vista constitucional, é preciso ser bastante compreensivo no tocante à construção do HC como instrumento processual. O habeas, segundo o ministro, é a garantia básica que deu origem a todo o manancial do processo constitucional. O caso em julgamento, frisou, é bastante singularizado e necessita de coletivização.

O decano da Corte, ministro Celso de Mello, defendeu que se devem aceitar adequações a novas exigências e necessidades resultantes dos processos sociais econômicos e políticos, de modo a viabilizar a adaptação do corpo da Constituição a nova conformação surgida em dado momento histórico.

O presidente da Turma, ministro Edson Fachin, concordou com os argumentos apresentados pelos demais ministros quanto à elasticidade da compreensão que permite a impetração de habeas corpus coletivo. Contudo, acompanhou o ministro Dias Toffoli quanto à abrangência do conhecimento, que não atinge decisões de primeira e segunda instâncias.

Mérito

Quanto ao mérito do habeas corpus, o relator ressaltou que a situação degradante dos presídios brasileiros já foi discutida pelo STF no julgamento da medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347. Nesse ponto, lembrou o entendimento jurídico segundo o qual fatos notórios independem de provas.

A pergunta em debate reside em saber se há, de fato, deficiência estrutural no sistema prisional que faça com que mães e crianças estejam experimentando situação degradantes, privadas de cuidados médicos. E a resposta, de acordo com o relator, é afirmativa. Ele citou novamente o julgamento da ADPF 347, quando o STF reconheceu o estado de coisas inconstitucional no sistema prisional brasileiro.

O relator citou dados do Infopen (Levantamento de Informações Penitenciárias) que demonstram que as mulheres presas passam por situações de privação. Para o ministro, é preciso tornar concreto o que a Constituição Federal determina, como o disposto no artigo 5º, inciso XLV, que diz que nenhuma pena passará para terceiro. E, para o ministro Lewandowski, a situação em debate leva a que se passe a pena da mãe para os filhos.

O ministro revelou que seu voto traz narrativas absolutamente chocantes do que acontece nas prisões brasileiras com mulheres e mães, que demonstram um descumprimento sistemático de normas constitucionais quanto ao direito das presas e seus filhos. Não restam dúvidas de que cabe ao Supremo concretizar ordem judicial penal para minimizar esse quadro, salientou.

Além disso, o ministro lembrou que os cuidados com a mulher presa se direcionam também a seus filhos. E a situação em análise no HC 143641 viola o artigo 227 da Constituição, que estabelece prioridade absoluta na proteção às crianças.

O ministro destacou ainda que o legislador tem se revelado sensível a essa realidade e por isso foi editada a Lei 13.257/2016 (Estatuto da Primeira Infância) que, segundo Lewandowski, trouxe aspectos práticos relacionados à custódia cautelar da gestante e da mãe encarcerada, ao modificar o artigo 318 do CPP. O dispositivo autoriza o juiz a converter a prisão preventiva em domiciliar quando a mulher estiver grávida ou quando for mãe de filho de até 12 anos incompletos.

O relator votou no sentido de conceder a ordem para determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar – sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no artigo 319 do CPP – de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças com até 12 anos sob sua guarda ou pessoa com deficiência, listadas no processo pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelo juízes que denegarem o benefício.

O ministro estendeu a ordem, de ofício, às demais as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território nacional, observadas as restrições previstas quanto ao item anterior.

Os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello acompanharam integralmente o voto do relator quanto ao mérito.

Divergência

O ministro Edson Fachin divergiu quanto à concessão do HC. Para ele, o estado de coisas inconstitucional no sistema prisional brasileiro, reconhecido no julgamento da ADPF 347, não implica automático encarceramento domiciliar. Apenas à luz dos casos concretos se pode avaliar todas as alternativas aplicáveis, frisou.

O ministro votou no sentido de deferir a ordem exclusivamente para dar interpretação conforme aos incisos IV, V e VI do artigo 318 do CPP, a fim de reconhecer como única interpretação a que condiciona a substituição da prisão preventiva pela domiciliar à análise concreta e individualizada do melhor interesse da criança, sem revisão automática das prisões preventivas já decretadas.


Matéria atualizada em 21/02/2018, às 14h30, para acréscimo de informações sobre o prazo para cumprimento da decisão
MB/AD

Matéria atualizada
Original disponível em: (http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=370152).  Acesso em 22/fev/2018.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Reintegração de posse. Autora herdou direito de posse do possuidor falecido pelo instituto da seisine. Direito de posse reconhecido. Procedência. TJMG. J. 06/02/2018.

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 21/fev/2018...


Ementa:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - IMÓVEL OBJETO DE HERANÇA - SAISINE - ART. 1.784 CC - SENTENÇA MANTIDA. 
I- Pelo instituto da "saisine" (art. 1.784 CC), são transmitidas aos sucessores do possuidor falecido não só a propriedade, mas também a posse dos bens por ele deixados. 
II- Presentes os requisitos legais, deve ser mantida a sentença primeira que deferiu o pedido de reintegração de posse ao herdeiro/possuidor do imóvel objeto da ação.  
(TJMG. AC Nº 1.0514.12.000481-7/001, Relator: João Câncio, 18ª CÂMARA CÍVEL, J. 06/02/2018). 


Acórdão integral:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - IMÓVEL OBJETO DE HERANÇA - SAISINE - ART.1.784 CC - SENTENÇA MANTIDA. I- Pelo instituto da "saisine" (art.1.784 CC), são transmitidas aos sucessores do possuidor falecido não só a propriedade, mas também a posse dos bens por ele deixados. II- Presentes os requisitos legais, deve ser mantida a sentença primeira que deferiu o pedido de reintegração de posse ao herdeiro/possuidor do imóvel objeto da ação.
 
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0514.12.000481-7/001 - COMARCA DE PITANGUI - APELANTE(S): MARIA DA CONCEIÇÃO CAMPOS - APELADO(A)(S): FLÁVIA APARECIDA PIMENTA DIAS
 
A C Ó R D Ã O
 
Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. 
 
DES. JOÃO CANCIO 
 
RELATOR.
  
DES. JOÃO CANCIO (RELATOR)
   
V O T O
 
Trata-se de apelação cível interposta por MARIA DA CONCEIÇÃO CAMPOS contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 01ª Vara Cível da Comarca de Pitangui que, nos autos da "Ação de Reintegração de Posse" ajuizada por FLÁVIA APARECIDA PIMENTA DIAS, julgou procedente o pedido inicial.
 
Em suas razões (fls.200/208), a recorrente alega que a cópia do contrato de compra e venda é documento hábil para provar a aquisição da propriedade. Afirma que a apelada não residia no imóvel ao tempo do falecimento de seu companheiro e, assim, não detinha a posse do imóvel. Diz que os cômodos construídos na laje do seu imóvel é extensão de sua residência e que não há direito algum da parte autora. Relata que restou comprovado que não foi o seu filho quem construiu o imóvel mas sim toda a sua família e, inclusive, a requerida. Assevera que a relação havida entre as partes foi de simples comodato não podendo o mesmo atingir o direito de propriedade da requerida. Diz que o fato de residirem por mais de 07 anos no imóvel não autoriza o direito de posse da extensão da construção. Argumenta que não pediu a reintegração de posse pois se tratava de moradia de seu filho, sendo o imóvel dado para moradia em ato de mera permissão. 
 
Contrarrazões às fls.218/224.
 
É o Relatório.
 
Passo a decidir.
 
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
 
Através da presente ação busca a autora a reintegração na posse do imóvel situado na rua Zico Bicalho Nº519, apto. 01, Bairro Centro, no Município de Conceição do Pará, que teria sido construído por ela e por seu finado companheiro Ademilson de Campos sobre a casa de propriedade da Sra. Maria da Conceição Campos, mãe de seu companheiro. 
 
Informou que, quando seu companheiro faleceu foi juntamente com suas filhas para a casa de sua mãe até se restabelecer da perda de seu ente querido. Contudo, 02 meses depois, quando voltou à sua casa encontrou a mesma alugada para terceiros. 
 
Afirmou que procurou a requerida que se recusou a restituir o bem.
 
O D. Sentenciante, entendendo ter a autora logrado êxito em comprovar a sua posse e o esbulho sofrido, julgou procedente o pedido inicial para reintegrar a autora na posse do imóvel, condenando a requerida nas custas e honorários advocatícios correspondentes a 10% do valor da causa. 
 
Inconformada a ré apela, nos termos já relatados.
 
Eis os limites da controvérsia.
 
Compulsando os autos, não encontro elementos suficientes a autorizar a reforma da r. sentença atacada, entendendo ter seu douto prolator conferido correto e seguro desfecho à causa. 
 
Conforme cediço, a posse repousa numa situação de fato, dispondo o artigo 1.210 do Código Civil Brasileiro que "O possuidor tem direito a ser mantido na posse, em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado". 
 
A ação de reintegração de posse tem por objetivo restituir o possuidor na posse em caso de esbulho, sendo este considerado como a injusta e total privação da posse sofrida por alguém que a vinha exercendo. Tem a finalidade de retornar a posse para aquele que já a obteve, tendo-a perdido em função de esbulho de outrem.
 
Daí decorre que, consideradas as exigências do art. 282 do CPC/73 hoje art. 319 do CPC/15, combinado com o art. 927 CPC/73 561 CPC/15, para o manejo do interdito recuperandae possessionis, devem ficar satisfatoriamente comprovados: a posse do autor da ação, sua duração e objeto; o esbulho imputado ao réu e a data em que foi praticado. 
 
No caso em comento, a prova testemunhal aliada aos documentos comprovam que a autora residiu no imóvel objeto do litígio, com seu companheiro Ademilson Campos por vários anos. 
 
Na condição de companheira do Sr. Ademilson (caso reconhecida a união estável), a Sra. Flávia Aparecida teria, em tese, o direito de real de moradia, personalíssimo e intransferível, e a posse do bem, que, com o falecimento do Sr. Ademilson, efetivo possuidor, passou a pertencer aos seus herdeiros, dentre os quais ela está inserida.
 
Isso porque, pelo instituto da "saisine" (art.1.784 CC) o de cujus transmitiu aos seus sucessores não só a propriedade, mas também a posse dos bens por ele deixados, de tal sorte que ainda que a autora e outros herdeiros não tenham exercido fisicamente a posse sobre o imóvel em questão, esta restou anteriormente caracterizada pelo exercício de seu companheiro, o Sr. Ademilson.
 
Sobre o tema lecionam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, citando Pontes de Miranda: 
  
"Consequências da saisine. Os herdeiros são investidos na posse e adquirem a propriedade pelo simples fato da morte do autor da herança. Adquirem os direitos e obrigações do morto com todas as suas qualidades e vícios (CC 1203 e 1206). A posse é por eles adquirida sem que haja necessidade de apreensão material do bem. Independentemente da abertura de inventário, podem fazer uso dos instrumentos de proteção da posse (interditos proibitórios) e propriedade (v.g., ação reivindicatória, ação de usucapião), podendo somar à sua a posse do de cujus (CC 1207), para fins de usucapião (Pontes de Miranda. Tratado, v.XI, §1194, n.3, p.132) Como a morte do de cujus faz os seus bens ingressarem no patrimônio dos herdeiros, independentemente de qualquer outra providência, a renúncia à herança pode constituir-se em fraude contra credores, pois o herdeiro já é possuidor e proprietário no momento da morte e, ao dispor desses direitos com renúncia à herança, pode praticar, em tese, ato apto a fraudar direitos dos credores." 1
  
Com efeito, os herdeiros tornaram-se também possuidores do bem, ainda que não a tenham exercido de forma direta a posse.
 
Com a morte do Sr. José Júlio, sua posse sobre o imóvel transferiu-se automaticamente para seus herdeiros, dentre eles a autora.
 
Assim, presentes os requisitos legais, deve ser mantida a sentença primeira que deferiu o pedido de reintegração de posse à autora, eis que herdeira/possuidor do imóvel objeto da presente ação.
  
CONCLUSÃO
 
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO para manter, na íntegra, a sentença primeva. 
 
Custas e honorários recursais de 05% sobre o valor da causa pela recorrente, suspensa a exigibilidade em face da gratuidade concedida.
 
É como voto.
   
DES. SÉRGIO ANDRÉ DA FONSECA XAVIER - De acordo com o(a) Relator(a).
 
DES. VASCONCELOS LINS - De acordo com o(a) Relator(a).
  
SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO."
 
1 Código Civil comentado. 9ªed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.1503

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

TEMER USA AS FORÇAS ARMADAS NO RIO COM FINS ELEITORAIS (Cf. Zé Dirceu. No Nocaute)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 19/fev/2018...

Entenda várias críticas e inconstitucionalidades ao decreto de intervenção federal (Do Justificando)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 19/fev/2018...

Entenda várias críticas e inconstitucionalidades ao decreto de intervenção federal

Entenda várias críticas e inconstitucionalidades ao decreto de intervenção federal

Sexta-feira, 16 de Fevereiro de 2018

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
A medida prevê que o general do Exército Walter Souza Braga Netto, do Comando Militar do Leste, será o interventor no estado. Ele assume até o dia 31 de dezembro de 2018 a responsabilidade do comando da Secretaria de Segurança, Polícias Civil e Militar, Corpo de Bombeiros e do sistema carcerário no estado do Rio.
É a primeira vez que há um decreto nesse sentido, o que gerou intensa surpresa no debate público. No Justificando, diversos especialistas ouvidos apontaram inconstitucionalidades e erros em questões de segurança pública. 

Juristas apontam inconstitucionalidade do decreto
  • Interventor não pode ter natureza militar
Art. 2º do Decreto: Fica nomeado para o cargo de Interventor o General de Exército Walter Souza Braga Netto.
Parágrafo único. O cargo de Interventor é de natureza militar.
Para o Professor Doutor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Luiz Guilherme Arcaro Conci, a atribuição militar à natureza do cargo de interventor é uma inconstitucionalidade que produz uma série de consequências que permitem a impunidade de abusos cometidos pelos membros do Exército, bem como distanciam a operação do controle civil – “o que me parece nesse artigo 2º é que ele denomina a atividade do interventor como atividade militar. Me parece um equívoco porque claramente a função é desempenhada por estatuto civil; o cargo de secretário de estado é um cargo civil, ainda que seja exercido por um militar. O que me parece que está por detrás disso são algumas questões: por exemplo, militarizar esse cargo é também trazer para a Justiça Militar o julgamento dos atos praticados. Isso pode levar a um deslocamento da jurisdição civil para a militar” – afirmou.
Conci destaca, ainda, que essa disposição fere inclusive julgamentos e tratados internacionais com os quais o Brasil é compromissado – “Me parece que isso contrariaria não só a Constituição – e isso é um movimento típico dos momentos de exceção no Brasil – vamos aqui lembrar os Atos Institucionais -, mas também um modo de você eliminar o risco do comprometimento pelo excesso [de abusos]. Isso viola toda a jurisprudência no âmbito do sistema interamericano no que se refere à justiça militar, que é uma jurisprudência altamente limitadora principalmente em situações que envolvem civis”.
Em artigo publicado no Justificando, a Professora de Direito Constitucional da FGV-SP, Eloísa Machado, explicou que cargo não pode ser militar, pois não vivemos sob um regime militar – “A intervenção federal permite a substituição da autoridade política estadual pela federal, mas não a substituição da autoridade política civil por uma militar. O interventor adotará atos de governo e, por isso, a natureza do cargo é civil, ou seja, o interventor pode até ser militar, mas este ocupa temporariamente um cargo de natureza civil”, afirmou.
  • Presidente confessou em coletiva de imprensa desvio de finalidade de intervenção
“Ajustamos ontem [quinta, 15] à noite, com participação muito expressiva do presidente Rodrigo Maia e do presidente Eunício Oliveira a continuidade da tramitação da reforma da Previdência, que é uma medida também extremamente importante para o futuro do país. Quando ela estiver para ser votada, segundo avaliação das casas legislativas, eu farei cessar a intervenção. No instante que se verifique, segundo critérios das casas legislativas, que há condições para votação, reitero, farei cessar a intervenção”.
Presidente Michel Temer, em entrevista.
A intenção confessada de manipulação do decreto inédito na democracia do país para servir aos interesses do governo na Reforma da Previdência levantou profunda revolta na comunidade intelectual. Para o Professor Doutor de Direito Constitucional da FGV-SP, Rubens Glezer  “A estratégia do Governo para burlar essa proibição [de votação da previdência durante a intervenção], intercalando decretos de intervenção com de Garantia de Lei e Ordem, como explicitado em coletiva de imprensa, é um caso clássico de “falsa motivação” ou de “desvio de finalidade” para encobrir uma situação de intervenção de fato. Há bases mais do que suficientes para declarar a nulidade da revogação formal do decreto e, por consequência, de eventual votação da reforma da previdência”.
Sob a ótica de Segurança Pública, intervenção é duramente criticada
Nas suas redes sociais, Rafael Alcadipani, professor da FGV-EAESP e especialista em Segurança Pública, trouxe casos internacionais de fiascos no México e na Colômbia em medidas semelhantes a essa anunciada pelo governo. Alcadipani se diz muito preocupado com o futuro do país:
A assinatura neste momento da intervenção militar na Segurança Pública do Rio de Janeiro coloca o Brasil no caminho da Mexicanização dos problemas na área no sentido de se imaginar que as Forças Militares Federais são capazes de lidar com este grave problema. Não deu certo no México, não deu certo na Colômbia e não dará aqui. Acredito que iremos viver, aos poucos, uma perde de legitimidade das nossas Forças Armadas. Além disso, seguimos optando por lidar com o “bandido pobre”. Não focamos na desarticulação dos vínculos nefastos entre o crime organizado e nossos governantes e agentes públicos. Só quando rompermos estes vínculos e investirmos nas reais melhorias das condições de vida do nosso povo e de nossas forças de segurança iremos mudar este rumo. E, claro, precisamos regular o mercado das drogas. Muito preocupado com o futuro do nosso país.
Victor Marins Pimenta, doutorando em Direito e mestre em Direitos Humanos pela UnB e servidor público federal da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, também criticou intensamente a medida, lamentando o custo de muitas vidas vítimas de uma política que é um provado fracasso:
“A situação crítica de violência no Rio de Janeiro é resultado do proibicionismo repressivo, da guerra às drogas que não fracassou apenas aqui, mas no mundo todo. Qual a solução do governo Temer? Mais guerra, colocando a segurança pública nas mãos do Exército com uma intervenção federal midiática, inventando a figura do interventor de ‘natureza militar’ que contraria a Constituição. Estamos na contramão da História, ao custo de muitas vidas no curto, médio e longo prazo”.
Organizações de direitos humanos também estão atentas. Em nota, a Conectas Direitos Humanos destacou a preocupação com a medida.
“A intervenção federal anunciada no Rio de Janeiro é a primeira deste tipo desde a redemocratização do país, uma radical ruptura do pacto federativo que em nada representa uma séria solução para problemas relacionados à segurança da população. Já a criação às pressas de um Ministério da Segurança Pública, um ano após o anúncio amplo e midiático de um plano nacional de segurança que nem sequer saiu do papel, chama a atenção pelo fato de restarem poucos meses até as próximas eleições”. 

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Carta à Promotora que pediu a prisão da mulher em trabalho de parto (Roberto Tardelli)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 16/fev/2018...

Carta à Promotora que pediu a prisão da mulher em trabalho de parto
Quinta-feira, 15 de Fevereiro de 2018

Carta à Promotora que pediu a prisão da mulher em trabalho de parto

Foto: Reprodução
Eu não conheci V. Exa., quando ainda estava na carreira do Ministério Público, onde fiquei mais de trinta anos; caso tenhamos nos conhecido pessoalmente, perdão pelo lapso.
Li pelos jornais que Vossa Excelência requereu para que fosse mantida presa uma mulher, autuada em flagrante, trazendo consigo, segundo a polícia, noventa gramas de maconha, para fins de tráfico.
Na audiência de custódia, ela se fez representar apenas por seu advogado, uma vez que estava dando a luz em um hospital público da cidade; de lá, em função do pedido feito pelo Ministério Público, representado por Vossa Excelência, e acatado pelo MM Juiz de Direito que presidia o ato, foram a indiciada e seu rebento levados de volta à carceragem. O bebê, bem o sabes, tinha apenas dois dias de vida. As notícias dão conta de que a indiciada era primária e que, além daquele criança, é mãe de uma outra, de três anos de idade.
Escrevo esta carta aberta porque os noticiários deram conta também de um fato significativo: a gravidez de Vossa Excelência. Uma mulher grávida, promotora de justiça, pediu a um juiz de direito que mantivesse presa uma outra mulher, que acabara de parir, levando consigo seu rebento para o cárcere. Admitamos, parece ser enredo de um novela de terror.
Fiquei estarrecido ao ler a notícia. Fiquei pensando como duas mulheres podem ter gestações tão distintas, eis que o fruto de seu ventre, prezada Promotora,  nascerá em uma maternidade de alto padrão e será recepcionado e festejado por parentes e amigos, que lhe darão boas vindas. Sapatinhos, rosas ou azuis, na porta do quarto, avisarão aos visitantes que ali nasceu uma criança linda e saudável, que receberá de todos que a cercam todo amor e conforto.
Nessas maternidades, a segurança é uma obsessão e nada de ruim acontecerá ao rebentos que ali nascerem. É abaixo de zero o risco de alguém estranho, tenha a autoridade que tiver, sair com um dos ocupantes do berçário em seus braços. As enfermeiras são sorridentes e recebem carinhosamente pequenos e merecidos mimos das famílias que acolhem, os médicos são pressurosos e acolhedores.
A suíte onde Vossa Excelência se recuperará do parto tem ar condicionado, TV, rede de wi-fi, a fim de orgulhosas mamães exibam ao mundo o fruto da espera de nove meses. Papais também orgulhosos distribuem charutos e sempre a camisa do time de coração é a primeira foto que mandam para o grupo de amigos. Tudo é felicidade.
No outro lado, o bebê nasceu de uma mulher levada à maternidade algemada, que pariu desacompanhada seu rebento, sem saber e sem ter para onde ir.
Não teve os luxos do nascimento de uma criança de classe média alta e teve que se comportar, haja vista estivesse sob escolta policial, não enfermagem, para atendê-la. Espero que não tenha sido algemada à cama e acabou de ir amamentar seu filho no chão úmido e mofado de uma cadeia pública, onde estava detida, porque não lhe foi reconhecido seu direito à liberdade, seja por Vossa Excelência, seja pelo Juiz de Direito.
Há uma questão, senhora promotora, que supera a questão jurídica.
É assustador imaginar que a senhora não tenha visto naquela criança que nascia um pouco de sua criança que traz em seu ventre.
É assustador imaginar que a senhora, justamente por se encontrar grávida, não tenha visto, com os olhos da alma, o terror de uma mulher amamentar o filho que acabara de nascer, num pedaço de espuma, entre cobertores velhos, num chão batido de uma cela infecta. Não posso crer que esse momento lhe tenha também passado despercebido.
Não posso imaginar que alguém possa trazer consigo tanta ausência de compaixão humana que tenha se permitido participar de uma situação, cuja insensibilidade me traz as piores e mais amargas lembranças da História.
Nas leituras que seu bom médico deve ter sugerido durante sua gestação, certamente, alguma coisa existe – não é autoajuda – no sentido de demonstrar que os primeiros momentos de vida de um ser humano são cruciantes e que poderão ter consequências para o resto de sua vida.
Gente muito melhor do que qualquer jurista concurseiro que lhe tenha dado milhares de dicas, disse isso: Freud, Melanie Klein, John Bowlby. Procure saber deles, que diriam certamente que teria sido menos desumano que a senhora e o juiz que acolheu seu infeliz pedido atirassem na mãe. A senhora, fique certa, contribuiu para uma enorme dor que essa criança haverá de carregar por toda a vida. O terror da mãe transmitiu-se ao filho, não sabia?
Enquanto a senhora há de amamentar teu filho ou tua filha em todas as condições de conforto e segurança, livre do medo, livre do pavor de alguém apartá-la da cria, sem o terror de ver grades de ferro à frente, ela ficou com todos os pavores internalizados. Enquanto a senhora há de desfrutar justa licença-maternidade, em que poderá se dedicar exclusivamente a apresentar o mundo ao doce e bem-vindo recém chegado filho ou filha, ela estará a dizer a seu filho que ele nasceu na cadeia, nasceu preso, nasceu atrás de grades, nasceu encarcerado.
Seria duríssimo, mas inevitável se a falta cometida fosse de tamanha gravidade que não se acenasse ao horizonte uma solução menos gravosa. Mas, haveria de ser do conhecimento de Vossa Excelência, como deve ser do Magistrado, que o STF de há muito pacificou essa questão e essa mulher terá direito a penas restritivas. Isto é, jamais poderia ter permanecido presa, pela singela razão de ter o direito de ser posta em liberdade.
É o que diz a Constituição Federal: ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança, no art. 5º, inciso LVI.
A senhora e seu Magistrado agiram com abuso de direito, percebe?
Permito-me dizer que aprendi, dentro do Ministério Público, que não se pode fazer Justiça sem compaixão, sem amor pelo próximo, sem respeito pelas pessoas. Caso se caia nessa cilada, somente se produzirá terror, como esse que a senhora produziu. A Justiça Criminal, cara ex-colega promotora, se mede a partir do direito de liberdade.
Aliás, quem diz maravilhosamente sobre isso é também um ex-integrante do MPSP, Ministro Celso de Mello. Sugiro que a senhora procure ler e estudar um pouco mais, um pouco além desses manuais catastrofistas que colocam os promotores e juízes como agentes de segurança pública, algo que nunca foram e nunca serão. Leia mais humanistas, é evidente a falta que lhe fazem.
Vossa Excelência, quando voltavas para casa, uma lágrima por aquela criança nascida na cadeia, chegou derramar?
Pela mãe abusivamente presa, em algum momento, chegou a ver na barriga dela a mesma barriga que é a sua? Em algum momento dessa tua vida, conseguiu pensar que aquela mulher lhe é igual em tudo? Que o fruto de vosso ventre nascerá como nasceu o dela? Que amamentará seu filho como ela amamentou o dela? Que mecanismo mental foi esse que quebrou uma identificação que haveria de ser imediata?
Onde, enfim, Vossa Excelência deixou a humanidade que deve legar a seu filho?
Com respeito,
Roberto Tardelli, Advogado e Procurador de Justiça Aposentado.