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quinta-feira, 30 de maio de 2019

Preclusão pro judicato, jurisdição contemporânea e segurança jurídica (Fabiana Marcello Gonçalves Mariotini)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 30/mai/2019...

Preclusão pro judicato, jurisdição contemporânea e segurança jurídica

Fabiana Marcello Gonçalves Mariotini

O presente ensaio objetiva realizar um resgate do instituto, demonstrando que, por se tratar de um imperativo da segurança jurídica, ele também se aplica aos juízes, impedindo que estes revejam os seus atos de maneira indiscriminada e desarrazoada.

quarta-feira, 21 de junho de 2017

A preclusão não apenas proporciona uma mais rápida solução do litígio, mas vem ainda a tutelar a boa-fé no processo, impedindo o emprego de expedientes que configurem a litigância de má-fé”.
(Ada Pellegrini Grinover)
 

O tema preclusão nunca sai de moda. Quando o mundo jurídico pensa que extraiu tudo o que se poderia esperar do assunto, surgem novos debates ainda mais instigantes. O presente ensaio objetiva, de maneira sintética, realizar um resgate do instituto, demonstrando que, por se tratar de um imperativo da segurança jurídica, ele também se aplica aos juízes, impedindo que estes revejam os seus atos de maneira indiscriminada e desarrazoada.

Classicamente, o instituto da preclusão pode ser conceituado como um “expediente técnico, que se exaure no mesmo processo em que ocorreu, visando assegurar uma sequência ordenada e lógica das etapas procedimentais, e para resguardar a economia e a boa-fé processuais1. Embora tal conceito continue atual, contemporaneamente, é possível irmos além: a preclusão é um dos pilares da jurisdição e da própria justiça2.

O novo CPC reacendeu certas discussões, na medida em que (re)afirmou a importância da estabilidade das decisões proferidas pelos Tribunais pátrios que devem “uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente3. Isso nada mais é do que um indicativo do legislador pátrio de que ele se importa com a estabilidade das decisões judiciais, independentemente da instância.

Por óbvio, se os Tribunais devem proteger a integridade da jurisprudência, os magistrados devem adotar a mesma postura com as decisões proferidas ao longo do processo, zelando pela higidez das mesmas. Trata-se, ainda que tangencialmente, de uma exigência do novel diploma processual civil.

Por muito tempo se discutiu se a preclusão seria capaz de atingir os direitos e faculdades dos magistrados ou se somente as partes seriam afetadas com a estabilização das situações jurídicas. Respaldados na doutrina do processualista italiano Enrico Redenti4 (com as devidas adaptações), alguns processualistas brasileiros5 passaram a afirmar que seria possível impedir que um juiz revisse as suas próprias decisões.

Todavia, a possibilidade ou não de aplicação da preclusão para os juízes – e aqui me refiro tão somente à reanálise de questões já decidas pelo mesmo juiz – sempre foi alvo de calorosos debates, visto que, impedir um juiz de revisitar questões já decididas poderia, de alguma forma, violar o princípio do livre convencimento.

O CPC recém-vigente, à semelhança do diploma anterior, manteve, em seu artigo 505, a previsão de que “nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide (...)”. É importante observar, entretanto, que tal artigo se encontra inserido na Seção V do Capítulo VIII do Código, o qual trata especificamente sobre coisa julgada.

Logo, a norma acima transcrita não pode ser usada para justificar o cabimento da preclusão pro judicato. Isso porque, ninguém duvida que nenhum juiz está autorizado a violar a coisa julgada, que seria uma espécie de preclusão máxima. A preclusão máxima, dessa maneira, seria consectário imediato do trânsito em julgado. Portanto, transitada em julgado uma decisão, esta passa a ser indiscutível, viabilizando-se a formação da coisa julgada material6. É exatamente isso que o artigo 505 quer dizer.

A dúvida subsiste: a preclusão endoprocessual se aplica aos magistrados, impedindo que estes efetuem nova análise sobre decisões já proferidas? A resposta, com todas as vênias, deve ser positiva. Embora hodiernamente seja possível visualizar a preclusão como uma verdadeira faceta da segurança jurídica, assim como ocorre com a coisa julgada material, deve-se chamar atenção para o fato de que nem sempre a preclusão se mostrou aliada ao ideal de estabilidade.

A origem da preclusão remonta ao direito romano-canônico, consoante lição de Mitidiero7, surgindo como uma espécie de penalidade àquele que não impulsionasse a marcha processual. O grande responsável pela sistematização do instituto como conhecemos hoje foi Chiovenda8, que conceituou a preclusão como a perda, extinção ou consumação de uma faculdade processual devido ao atingimento dos limites previstos em lei para o seu exercício.
A aplicação da preclusão aos juízes deve se impor não por força da lei processual, mas em razão de uma exigência da jurisdição contemporânea. A noção de preclusão demonstra que não devemos ser condescendentes com retrocessos, precipuamente, quando se leva em conta que o processo constitui instrumento de exercício da jurisdição, composto por um conjunto de relações ou vínculos jurídicos unitariamente direcionados a um único fim, qual seja, a prestação jurisdicional9. Por essa razão, os magistrados devem zelar pela inteireza das suas decisões, as quais devem ser autopreservadas.

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1. GUIMARÃES. Luiz Machado. Preclusão, coisa julgada e efeito preclusivo. Estudos de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: jurídica e universitária, 1969, p. 25.

2. “Sem segurança jurídica, não há justiça com paz”. GONÇALVES, William Couto. Garantismo, Finalismo e Segurança Jurídica no Processo Judicial de Solução de Conflitos. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2004, p. 2.

3. Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. Disponível em: (Clique aqui).


4. NEVES, Daniel Assumpção. Preclusão pro iudicato e preclusão judicial no processo civil. São Paulo: Dissertação de Mestrado – Faculdade de Direito do Largo São Francisco da Universidade de São Paulo, 2002, p. 7.

5. De acordo com Nelson Nery Jr., “a perda da faculdade para praticar determinado ato abrange não somente as partes, muito embora estas sejam as principais destinatárias, mas também o juiz, que não poderá decidir novamente a respeito de questões já preclusas”. NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado, 10a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 446.

6. MARQUES, José Frederico Marques. Instituições de direito processual. Rio de Janeiro: Forense, 1958, v.5, p. 37.

7. MITIDIERO, Daniel Francisco. Comentários ao Código de Processo Civil brasileiro: Arts. 154 a 269. São Paulo: Memória Jurídica Editora, 2005, p. 133.

8. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, V.III. 3 ed São Paulo: Saraiva, 1969, p. 155.

9. GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, V.I. Rio de Janeiro: Forense, p. 417.

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*Fabiana Marcello Gonçalves Mariotini é advogada do escritório Gasparini, De Cresci e Nogueira de Lima, graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestre e doutoranda em Direito Público.







Alimentos. Utilização. Má gestão. Prestação de contas ao Alimentante. Impossível. Inadmissível. STJ


Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 30/mai/2019...

Ação de prestação de contas não pode ser utilizada por alimentante para fiscalizar uso da pensão

DECISÃO
03/04/2019 08:05

As verbas pagas a título de pensão alimentícia passam a integrar definitivamente o patrimônio do alimentando e possuem caráter irrepetível, ou seja, não estão sujeitas à devolução. Por isso, o alimentante não pode utilizar a ação de prestação de contas como meio para fiscalizar os recursos transmitidos, já que não há possibilidade de apuração de crédito em seu favor.

Esse entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao manter acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) que considerou inviável uma ação de prestação de contas destinada a averiguar eventual má gestão da verba alimentícia paga a menor, sob a guarda de sua genitora. Para o colegiado, deficiências na administração da pensão devem ser objeto de análise global na via judicial adequada, com ampla instrução probatória, procedimento incompatível com o rito do processo de contas.

“A beligerância e a falta de comunicação entre genitores não se solucionam por meio de prestações de contas, especialmente porque os alimentos prestados para garantir o bem-estar da criança ou do adolescente não se caracterizam como relação meramente mercantil ou de gestão de coisa alheia”, apontou o relator do recurso especial, ministro Villas Bôas Cueva.

Na ação que deu origem ao recurso, o autor buscou a prestação de contas de sua ex-mulher pela administração da verba alimentar devida à filha. Além de defender seu direito de exigir prestação de contas, o pai alegava que havia dúvidas sobre a aplicação da pensão alimentícia por parte da mãe.

Pequenas despesas

A decisão da primeira instância, mantida pelo tribunal local, entendeu que não seria razoável pretender que a mãe comparecesse em juízo para prestar contas, de forma contábil, de todas as inúmeras pequenas despesas relacionadas com o sustento e o cotidiano da filha menor.

O ministro Villas Bôas Cueva, no julgamento do recurso especial, destacou que o artigo 1.583 do Código Civil de 2002 garante ao genitor que não detém a guarda do filho o direito de fiscalizar o cumprimento, pelo outro genitor, dos aspectos pessoais e econômicos da guarda, o que escapa ao verdadeiro objeto da ação de prestação de contas.

“A possibilidade de se buscarem informações a respeito do bem-estar do filho e da boa aplicação dos recursos devidos a título de alimentos em nada se comunica com o dever de entregar uma planilha aritmética de gastos ao alimentante, que não é credor de nada”, afirmou o relator.

Rito específico

Segundo o ministro, o processo de contas faculta àquele que detiver o direito de exigi-las de terceiro – ou a obrigação de prestá-las – a utilização do rito específico para averiguação de eventual crédito ou débito.

Com lógica distinta, na ação de alimentos, a verba alimentar ingressa definitivamente no patrimônio do alimentado. Assim, ainda que o alimentante discorde da aplicação dos recursos, não há a possibilidade da devolução da verba alimentícia em virtude do princípio da irrepetibilidade dos alimentos.

“Na verdade, há presunção de que as verbas recebidas tenham sido utilizadas para a manutenção da comunidade familiar, abrangendo o custeio de alimentação, saúde, vestuário, educação, lazer, entre outros. Excepcionalmente, admite-se o ajuizamento de ação própria quando presente a suspeita de abuso de direito no exercício desse poder”, afirmou o relator.

Ao manter o acórdão do TJDF, Villas Bôas Cueva lembrou que a via adequada para questionar o valor da verba alimentar é a ação revisional ou a ação própria para a modificação da guarda ou suspensão do poder familiar.

Além disso, o ministro apontou que demandas desse tipo não devem ser incentivadas “sob pena de se patrimonializar excessivamente as relações familiares, sensíveis por natureza – especialmente em virtude da irrepetibilidade da verba alimentar e, consequentemente, inexistência de crédito na forma mercantil”.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

terça-feira, 28 de maio de 2019

Usucapião. Condomínio. Posse exclusiva. Possibilidade de usucapir área comum desde que haja posse exclusiva. STJ. J. 22/05/2018


Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 28/mai/2019...



DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. HERDEIRA. IMÓVEL OBJETO DE HERANÇA. POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO POR CONDÔMINO SE HOUVER POSSE EXCLUSIVA.
1. Ação ajuizada 16/12/2011. Recurso especial concluso ao gabinete em 26/08/2016. Julgamento: CPC/73.
2. O propósito recursal é definir acerca da possibilidade de usucapião de imóvel objeto de herança, ocupado exclusivamente por um dos herdeiros.
3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial.
4. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários (art. 1.784 do CC/02).
5. A partir dessa transmissão, cria-se um condomínio pro indiviso sobre o acervo hereditário, regendo-se o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, pelas normas relativas ao condomínio, como mesmo disposto no art. 1.791, parágrafo único, do CC/02.
6. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários.
7. Sob essa ótica, tem-se, assim, que é possível à recorrente pleitear a declaração da prescrição aquisitiva em desfavor de seu irmão - o outro herdeiro/condômino -, desde que, obviamente, observados os requisitos para a configuração da usucapião extraordinária, previstos no art. 1.238 do CC/02, quais sejam, lapso temporal de 15 (quinze) anos cumulado com a posse exclusiva, ininterrupta e sem oposição do bem.
8. A presente ação de usucapião ajuizada pela recorrente não deveria ter sido extinta, sem resolução do mérito, devendo os autos retornar à origem a fim de que a esta seja conferida a necessária dilação probatória para a comprovação da exclusividade de sua posse, bem como dos demais requisitos da usucapião extraordinária.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.
(REsp 1631859/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/05/2018, DJe 29/05/2018).



Original disponível em: (http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp). Acesso em 28/mai/2019.


REsp 1631859 (2016/0072937-5 - 29/05/2018) (inteiro teor)