
Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay
"É difícil defender o inimigo público número 1"O advogado do senador Demóstenes Torres diz que ser criminalista o torna impopular e que o Brasil virou a república dos grampos
por Claudio Dantas Sequeira

GRAMPOLÂNDIA
Para Kakay, inquérito Cachoeira revelou descontrole
no uso de grampos telefônicos

"O WikiLeaks divulgou informação de que a Roseana Sarney
tinha uma conta no Exterior. Era mentira. Eu fui até
o banco e peguei o nada consta"

"Advogar para Carolina Dieckmann pode
contrapor a impopularidade. Como acho que ela
agiu com dignidade, resolvi entrar no caso"
Istoé -
O sr. tem assumido a
defesa de poderosos envolvidos em corrupção, como o senador Demóstenes
Torres e o ex-subchefe da Casa Civil Waldomiro Diniz. Não teme que sua
imagem fique associada ao crime?
Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay -
Essa confusão que se faz do
advogado com o crime que supostamente teria cometido o cliente é uma
visão míope. É difícil defender o inimigo público número 1. Lembro-me de
quando meu filho tinha 6 anos e em Brasília só se falava da morte do
índio Galdino. Meu filho me pediu: “Papai, não pega esse caso não.” É
uma visão maniqueísta, de uma criança, mas é uma realidade.
Istoé -
Com tanto caso de corrupção, esta é a era dos criminalistas?
Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay -
Como se criou no seio da
sociedade uma necessidade muito grande de discutir a questão da
impunidade, de uma justiça mais rápida, o STF se abriu mais, o
Judiciário está mais transparente. Isso faz com que floresçam mais
casos. Reconheço que é um momento único.
Istoé -
O sr. pergunta para seus clientes se são culpados ou inocentes?
Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay -
Não me preocupo com isso.
Eu me interesso por casos em que acredito que se possa fazer uma defesa
técnica. Já advoguei para gente que matou. Tive cinco casos de maridos
que mataram suas mulheres e absolvi os cinco. Não sou juiz. Nós,
advogados criminalistas, exercemos papel fundamental para o estado
democrático de direito. Essa impopularidade é o preço que se paga.
Istoé -
Trabalhar para a atriz Carolina Dieckmann pode contrapor essa impopularidade?
Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay -
Não pensei nisso, mas
advogar para Carolina Dieckmann pode contrapor a impopularidade. Como eu
acho que ela agiu com muita dignidade, resolvi entrar no caso. Eu fui
chamado por ela porque temos amigos em comum, como o empresário dela, a
Bia Aidar e a Regina Casé. É uma causa interessante que pode ajudar no
debate sobre o controle da internet, especialmente das mídias sociais.
Hoje estamos diante do fenômeno dessas redes sociais que são uma mídia
opressiva. O que aconteceu com essa menina é sórdido, cruel.
Istoé -
Mas há muita resistência ao debate sobre esse controle da internet...
Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay -
Não defendo a criação de
conselhos nem nada disso, mas não existe direito absoluto. Deve haver
uma resposta rápida do Judiciário. O que inibe a criminalidade é a
certeza da punição. Sites nos EUA e na Inglaterra retiraram as fotos
dela 48 horas depois de um contato meu, alegando que eram ilegais e
estavam causando dano à imagem da atriz. É o limite da responsabilidade.
Já houve outros casos.
Istoé -
Quais, por exemplo?
Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay -
O WikiLeaks divulgou
informação de que a Roseana Sarney tinha uma conta no Exterior. Era
mentira. Eu fui até o banco em Zurique, peguei o nada consta. Fiz uma
interpelação ao advogado do Julian Assange, em Nova York, e ele retirou a
informação da internet. O problema é que os sites de busca têm um
critério cruel. O que fica na memória são os temas mais acessados, as
fofocas e polêmicas. Questões sérias, geralmente, caem no esquecimento.
Istoé -
Qual o tamanho de sua equipe?
Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay -
De cada 20 casos que
aparecem, a gente pega um. Tenho uma estrutura pequena. Fiz essa opção. O
escritório criminal tem de trabalhar de modo diferenciado. Não concordo
com essa americanização, essa massificação de escritórios, que chegam a
ter 300 advogados. Hoje minha equipe são três advogados, além de mim.
Se você perguntar para mim cada caso, eu sei. Eu acompanho todos, faço
sustentação oral, discuto. Gosto do enfrentamento. Acho essa profissão
do c... Imagine que no meio dessa confusão toda eu parei para acompanhar
o Claudio Guerra.
Istoé -
O ex-delegado que é torturador confesso da ditadura?
Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay -
Ele mesmo. O Marcelo Netto,
que escreveu o livro com o depoimento dele, me ligou. Disse que o
Claudio Guerra precisava conversar com um advogado de confiança, pois
precisava de segurança. Falei que esse negócio de proteção à testemunha
no Brasil é uma balela. Mas poderia conseguir do Estado proteção oficial
até o momento em que saísse o livro. A partir daí, a segurança viria da
notoriedade do caso. Ele gostou.
Istoé -
E ele teve proteção especial?
Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay -
Entrei em contato com
algumas pessoas e criou-se com muita agilidade uma equipe para
escoltá-lo. A Justiça permitiu que ele saísse da prisão para localizar
os sítios de tortura e morte de militantes de esquerda.
Istoé -
O sr. se identifica com a esquerda. É filiado a algum partido?
Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay -
Eu tenho formação de
esquerda, fui presidente de centro acadêmico, fiz política estudantil.
Cheguei à universidade numa época de democratização, mas peguei a grande
greve de 1977 da UnB, eu estava lá, fizemos o enfrentamento da
ditadura. Nunca fui partidário. No Lula eu votei sempre, mas não
necessariamente no PT. Já votei no PSDB. Sou um humanista. Já fui
libertário. Um dos meus trabalhos mais relevantes foi a defesa dos
sindicalistas no Rio Maria, na época dos enfrentamentos com fazendeiros.
Eu ajudava o Márcio Thomaz Bastos. Viramos amigos.
Istoé -
Mas há uma imagem de afinidade sua com o PT...
Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay -
Eu ajudei o PT na fundação
aqui em Brasília, mas nunca me filiei. Sou amigo pessoal do ex-ministro
José Dirceu, mas tenho clientes de todas as colorações partidárias. Já
advoguei para cinco presidentes de partidos diferentes ao mesmo tempo.
Se você me perguntar para qual partido eu atuei mais, acho que foi o
DEM. Já advoguei para a Roseana, o Bornhausen, o Agripino, Arruda, Paulo
Octavio, o Demóstenes.
Istoé -
O Conselho de Ética do
Senado decidiu abrir o processo de cassação do senador Demóstenes
Torres, mas a votação será secreta. O sr. ainda acredita que ele pode
escapar?
Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay -
Foi praticada uma violação
ao devido processo legal do princípio da ampla defesa e do
contraditório. Nós respondemos a uma representação do PSol, mas o
relatório do senador Humberto Costa trouxe fatos novos. Fui
surpreendido. Pedi mais tempo para a defesa, mas não me deram. Entendo
que é um julgamento político, mas é preciso preservar as normas
constitucionais. Espero que os senadores reflitam e não ajam por pressão
da mídia.
Istoé -
Mas Demóstenes não errou ao dizer lá atrás que não tinha negócios com o bicheiro Carlinhos Cachoeira?
Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay -
Eu disse a ele para não ir à
tribuna. Mas ele foi cuidadoso, falou da relação, da amizade. Ele não
fez nenhuma afirmação peremptória que pudesse ser desmentida pelos fatos
posteriores. Então, não acho que houve quebra de decoro. Mas os
vazamentos criaram esse clima de irreversibilidade, o que pressiona o
Senado. É um julgamento secreto, sem fundamento e eminentemente
político. Se eu ganhar no Supremo, os senadores terão cassado o mandato
de um parlamentar com base em provas nulas.
Istoé -
Será que essa tese vai prosperar no Supremo?
Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay -
A reclamação que fiz no
Supremo em relação ao senador Demóstenes é algo em que a sociedade deve
refletir também. O foro de prerrogativa está previsto na Constituição. O
delegado da Monte Carlo admitiu à CPI que investigou o Demóstenes por
dois anos, sem autorização do STF. O relatório que eles chamam de “casos
fortuitos” contém um ano e meio de escutas ilegais. E essas são as
únicas provas que existem contra o senador.
Istoé -
O esquema do bicheiro Carlinhos Cachoeira trouxe à tona uma ampla rede de arapongagem. Qual sua avaliação?
Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay -
Vivemos na república dos
grampos. É a era da insegurança, acabou a privacidade! Arapongagem virou
profissão. Muitas vezes faz-se um grampo ilegal e depois se tenta
legalizá-lo. Quando o Estado patrocina essa quebra de sigilo, é uma
barbaridade. O número de grampos oficiais no Brasil é estrondoso e os
não-oficiais deixariam qualquer um estarrecido. Na Monte Carlo,
esqueceram que interceptação telefônica é o último recurso de uma
investigação, não o primeiro.
Istoé -
Este ano o Supremo julgará o mensalão. Acha que o Zé Dirceu será absolvido?
Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay -
Tenho convicção de que, se
não fosse o mensalão, Dirceu seria o próximo presidente da República.
Ele era o homem mais preparado para ser o presidente naquele momento. E
não há nada contra ele, tecnicamente. Esse é um assunto grave e que eu
faço o enfrentamento. O STF não pode tratar o julgamento, embora
importante, de forma especial. Acho muito bom que o STF ouça mais a
sociedade, mas não pode ser guiado pelo clamor social. Julgar pelo
prisma da emoção é grave. Foi assim com a Lei da Ficha Limpa.
Istoé -
Da qual o sr. é crítico...
Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay -
Na minha opinião, é uma lei
de índole autoritária, que quer tutelar o direito do cidadão. Mas dizem
que é de iniciativa popular. Ora, aposto que 95% dos que assinaram o
pedido da lei não sabiam do que se tratava, o que é retroatividade. Eu
posso redigir um texto com objetivo oposto, pegar dois ou três
movimentos sociais e conseguir dois milhões de assinaturas.
Istoé -
Tem algum ídolo ou referência profissional?
Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay -
Ídolo, não diria. Mas a
forma de trabalhar do José Carlos Dias é um exemplo para qualquer
advogado criminalista. Ele respeita o cliente, fala muito bem e coloca a
alma no processo. Dias e o Eduardo Alckmin são as pessoas que mais me
ajudaram nessa profissão.
Disponível no Portal Revista Istoé: (http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/205434_E+DIFICIL+DEFENDER+O+INIMIGO+PUBLICO+NUMERO+1+). Acesso em: 21/mai/2012.
Disponível no Portal Revista Istoé: (http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/205434_E+DIFICIL+DEFENDER+O+INIMIGO+PUBLICO+NUMERO+1+). Acesso em: 21/mai/2012.