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segunda-feira, 31 de julho de 2017

Amorim, Lula e Haddad denunciam crime de lesa-pátria de Temer (Ronaldo Souza. Do Folha Diferenciada)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 31/jul/2017...


Michel Temer e seu governo querem fechar a Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), em Foz do Iguaçu (PR), acabando com importantes esforços de cooperação regional; a instituição recebe estudantes brasileiros e de outros países da América Latina e funciona como um polo agregador para a intelectualidade e a ciência latinoamericana; idealizadores do projeto, Lula, Celso Amorim e Fernando Haddad denunciam nesta segunda o que chamam de crime de lesa-pátria: "Não podemos voltar ao tempo em que o diálogo tinha que passar necessariamente por instituições norte-americanas ou europeias. A integração da América do Sul e da América Latina e Caribe não é projeto de um governo apenas. Nada tem de ideológico. É a realização de um mandato constitucional", escrevem





247 - Idealizadores do projeto da Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), em Foz do Iguaçu (PR), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus ex-ministros Celso Amorim e Fernando Haddad publicaram nesta segunda um artigo na Folha de S.Paulo em que denunciam a intenção de Michel Temer e seu governo de fecharem a instituição. 


"Não podemos permitir que os povos latino-americanos e caribenhos deixem de dispor de um ponto de encontro para seus jovens intelectuais, professores e pesquisadores.



Não podemos voltar ao tempo em que o diálogo tinha que passar necessariamente por instituições norte-americanas ou europeias", escrvem



Confira abaixo o a íntegra do artigo:



A integração da América do Sul -e mais amplamente da América Latina e Caribe- foi uma prioridade de primeira hora de nosso governo, enunciada de forma clara já no discurso de posse, em 2003.



Seguiram-se ações concretas para o fortalecimento do Mercosul e avanços na integração sul-americana, que teve como um dos principais marcos o Acordo Mercosul-Comunidade Andina.



Deste acordo, nasceria a Casa (Comunidade Sul-Americana de Nações), precursora da Unasul (União de Nações Sul-Americanas).



Em dezembro de 2008, alargamos o horizonte da cooperação com a realização da primeira Calc (Cúpula dos Países da América Latina e Caribe), passo inicial para a criação da Celac (Comunidade da América Latina e Caribe).



Não descrevemos todas essas siglas com o objetivo de embaralhar o leitor nessa teia de organizações internacionais. De fato essas foram medidas de grande alcance para que a América Latina pudesse cuidar de seus interesses, sem a tutela de nações ricas que sempre haviam exercido hegemonia sobre a nossa região.



Conflitos potenciais entre países e crises internas puderam ser encaminhados de forma adequada, sem interferências ou imposições de interesses exógenos. A América do Sul ganhou personalidade internacional, promovendo diálogo e cooperação com outras nações em desenvolvimento da África e do mundo árabe.



Faltava coroar o esforço de integração com uma instituição de natureza educativa e cultural, capaz de aproximar os povos da América Latina e do Caribe, a começar pelos jovens. A criação da Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), em Foz do Iguaçu (PR), veio suprir essa necessidade.



A instituição conta com 3.500 alunos matriculados, de diversas partes do Brasil e de outros 19 países da região. Oferece 22 cursos de bacharelado, sete cursos de licenciatura, 13 cursos de pós-graduação.



Em todos os cursos de graduação, a universidade oferece metade das vagas para estudantes brasileiros e metade para estrangeiros. No decorrer deste ano, realizou 160 projetos de extensão e 326 de pesquisa. Tais ações beneficiam mais de 115 mil pessoas de 20 municípios da região-fronteiriça.



É inacreditável que um projeto dessa grandeza, de alto valor simbólico, esteja ameaçado por uma proposta parlamentar que visa a extinguir a Unila, a pretexto de transformá-la na Universidade Federal do Oeste do Paraná.



No entanto, a região já dispõe da Universidade Federal do Paraná e da Unioeste, com campi em dois e em cinco municípios, respectivamente, além do Instituto Federal do Paraná, que oferece formação em nível superior.



A proposta de extinção da Unila está contida na emenda aditiva nº 55, apresentada pelo deputado federal Sérgio Souza (PMDB/PR) a uma medida provisória que versa sobre as regras do Fies.



Vale lembrar que a lei nº 12.189, de 2010, que determinou a criação da Unila, foi aprovada por unanimidade em todas as comissões pelas quais passou.



Não podemos permitir que os povos latino-americanos e caribenhos deixem de dispor de um ponto de encontro para seus jovens intelectuais, professores e pesquisadores.



Não podemos voltar ao tempo em que o diálogo tinha que passar necessariamente por instituições norte-americanas ou europeias.



A integração da América do Sul e da América Latina e Caribe não é projeto de um governo apenas. Nada tem de ideológico. É a realização de um mandato constitucional.



O futuro do Brasil está inevitavelmente ligado ao dos demais países da região. Não há paz sem desenvolvimento, mas tampouco há desenvolvimento sem paz.



E não haverá integração se não apoiarmos iniciativas que aproximem as cabeças pensantes de nossos países.



Fechar a Unila, seja qual for o pretexto, não é apenas um crime contra a jovem intelectualidade latino-americana e caribenha. É um crime de lesa-pátria.



LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA foi presidente da República (2003-2011)



FERNANDO HADDAD foi ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e prefeito de São Paulo



CELSO AMORIM foi ministro de Relações Exteriores (governo Lula)






Disponível em:

Folha Diferenciada: Lula, Amorim e Haddad denunciam crime de lesa-pátria de Temer:

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Dívida de alimentos. Prisão incabível. Não cabe nova prisão pela mesma dívida. Mas cumprimento de sentença prossegue para execução. STJ.

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 27/jul/2017...

HABEAS CORPUS Nº 397.565 - SP (2017/0094699-0)

RELATOR               : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
IMPETRANTE        : UBALDO JOSÉ MASSARI JÚNIOR
ADVOGADOS         : UBALDO JOSÉ MASSARI JUNIOR  - SP062297
  PEDRO VINÍCIUS GALACINI MASSARI  - SP274869
IMPETRADO          : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE              : F B N
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado por UBALDO JOSÉ MASSARI JUNIOR, em favor de F. B. N., que informa já ter sido preso por 30 (trinta) dias por estar impossibilitado de pagar pensão alimentícia à ex-mulher. A medida constritiva de liberdade foi proferida na presente execução de pensão alimentícia (nº 1000961-19.2016.8.26.0274) que tramita perante o Juízo da 1ª Vara da Comarca de Itápolis/SP (e-STJ fls. 42-44). A dívida vencida corresponde ao período compreendido entre abril de 2014 a outubro de 2015 e que totalizava a quantia de R$ 449.933,75 (quatrocentos e quarenta e nove mil e novecentos e trinta e três reais e setenta e cinco centavos).
Informa na inicial do habeas corpus o que interessa:
"(...)  Impossibilitado de pagar a pensão na forma desejada pela exequente de uma só vez e em moeda corrente ficou preso do dia 21 de agosto até o dia 19 de setembro de 2016, cumprindo assim 30 dias de prisão civil.
Findado o prazo, já estando o paciente em liberdade, a exequente pleiteou a 'prorrogação' da prisão civil por mais 60 (sessenta) dias, o que foi deferido parcialmente pelo N. Juízo monocrático, que entendeu ser cabível mais 30 (trinta) dias de prisão, pelo mesmo débito.
Contra esta decisão, o paciente interpôs agravo de instrumento, que tramitou pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Colenda Segunda Câmara de Direito Privado identificado pelo número 2234393-74.2016.8.26.0000.
Ao agravo interposto foi concedido o efeito suspensivo, sob o fundamento de que, em se tratando do mesmo débito, pelo qual o paciente já estivera preso, não caberia nova prisão.
Entretanto, após a substituição do Desembargador Relator, a Colenda Câmara negou provimento ao agravo de instrumento, fazendo-o em evidente erro material, posto que considerou que a nova prisão decretada se referia a débitos posteriores ao cumprimento da prisão anterior.
Interpostos embargos de declaração onde se aponta a evidência do erro de fato, ainda não foram julgados.
Durante todo o trâmite do agravo de instrumento o paciente buscou a composição amigável, sem sucesso.
O Juízo monocrático notificou o paciente, através de seu procurador, a pagar a obrigação no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de expedição de novo mandado de prisão.
O paciente formalizou proposta para pagar sua obrigação em 10 (dez) parcelas, o que foi expressamente repudiado pela exequente.
O prazo para pagamento escoa-se no próximo dia 04 de maio de 2017. O valor atualizado atinge a importância de R$ 513.840,80, quantia não disponibilizada pelo paciente de uma só vez.
Está, portanto, na iminência de ser preso, novamente, por débito anterior, pelo qual já cumpriu prisão civil, posto que não há qualquer outro débito vencido após outubro de 2015. (...)
Da leitura do V. Acórdão verifica-se que houve decretação da prisão pelo prazo de 30 dias; enquanto cumpria esta prisão civil, houve o pedido de prorrogação, rejeitado pelo Juízo. Saliente-se que, no caso sub judice, o novo pedido foi feito após o encerramento da prisão civil e libertação do devedor, ora agravante" (e-STJ fls. 2-10 - grifou-se).
Extrai-se dos autos que a alimentanda reiterou o pedido de prisão nos seguintes termos:
"Em 20.09.16 (ontem), portanto, findou-se o prazo de 30 dias contido na ordem de prisão do Executado (fls. 349).
4. Ocorre, porém, que, não obstante sua reconhecida saúde financeira, oriunda de exploração rural de sete fundos agrícolas (fls. 78/89), cuja safra de uma única fazenda lhe rende mais de R$ 2.550.000,00 (fls. 298/301), o Executado não honrou sua obrigação.
5. Tal conduta se dá por exclusivo escárnio pela Exequente e desprezo pelas ordens judiciais emanadas, o que autoriza a prorrogação do prazo de sua prisão civil" (e-STJ fl. 59).
O pleito foi deferido pelo Juízo da execução:
"O pleito da exequente, no que tange à prorrogação do prazo de prisão civil do executado, merece ser parcialmente provido.
Primeiramente, entendo que o prazo máximo de prisão civil pelo inadimplemento de alimentos é de 60 dias, como prevê o art. 19, da Lei nº 5.478/68, uma vez que se trata de lei especial e que, por isso, deve prevalecer sobre a lei geral (Código de Processo Civil).
Quanto à possibilidade de prorrogação do prazo, tem-se que, no caso, é cabível.
Não há dúvidas de que a prisão civil no caso de inadimplemento de alimentos não se trata de penalidade, mas de medida coercitiva que, diga-se, é a mais eficaz.
No caso, cabível a prorrogação do prazo, pois, pelos motivos já exarados na decisão de fls. 346/348, o não pagamento do valor dos alimentos pelo executado não se deve à falta de recursos, mas à resistência injustificada certamente oriunda da exacerbada litigiosidade existente entre as partes.
Dessa forma, sendo a prisão civil a medida coercitiva mais eficaz, e que foi requerida pela credora, e tendo em vista que ela não foi anteriormente determinada no lapso temporal máximo previsto legalmente (60 dias), cabível a sua prorrogação por mais 30 dias, em razão das peculiaridades do caso concreto acima exaradas.
Consigne-se que incabível nova intimação para manifestação do executado quanto ao inadimplemento, pois os seus argumentos já foram anteriormente rechaçados (fls. 346/348).
Assim, cabível exclusivamente a concessão de um prazo razoável para pagamento do débito, tendo em vista o seu "quantum", antes do decreto da prisão.
Desse modo, concedo ao executado o prazo improrrogável de 10 dias para o adimplemento do débito" (e-STJ fl. 63).
O Tribunal de origem em sede de agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo manteve incólume a supracitada decisão assentando que a prisão civil do devedor de alimentos é perfeitamente cabível na espécie, como se extrai da seguinte fundamentação:
"(...) Estabelece o § 7º do art. 528 do CPC/2015 que: 'o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo', o que veio a confirmar o entendimento consolidado pela Súmula n. 309 do STJ.
O entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça é que: 'Em execução de alimentos proposta pelo procedimento descrito no art. 733 do CPC, o decreto prisional expedido contra o devedor abrange todas as prestações alimentícias que se vencerem, no curso do processo, até o cumprimento do prazo de prisão estabelecido no decreto (...)'.
(...) A privação da liberdade não tem caráter punitivo, mas persuasivo, por presumir-se que o devedor tem condições de solver a obrigação, mas é renitente por motivos egoísticos, como ocorre no caso, em que o alimentante é empresário rural de grande porte, e para tanto contrai empréstimos de alto valor, havendo informações às fls. 302/318 dos autos principais do recebimento da importância de R$ 2.340.279,91, relativo ao fornecimento de laranja a uma indústria no ano de 2012, admitindo que possui 31 funcionários fixos e 279.483 árvores cítricas distribuídas por sete fundos agrícolas, não afastando a presunção de solvabilidade pela pena de prisão anteriormente cumprida, chegando a oferecer imóvel em dação de pagamento.
Não há ilegalidade na prisão decretada, o que não se altera pelo conteúdo da petição de fls. 336/340.
Pelo exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao agravo de instrumento" (e-STJ fls. 87-90 grifou-se).
Alega que a matéria passou pelo crivo recente do Superior Tribunal de Justiça por meio de decisão monocrática desta relatoria proferida no Agravo em Recurso Especial nº 305.264-SP, publicada no DJe de 05 de março de 2015.
Afirma que
"(...) da leitura da decisão monocrática, constata-se que se trata de hipótese absolutamente idêntica àquela do presente processo: prisão civil decretada por 30 dias e cumprida pelo alimentante; pedido de nova prisão por mais 30 dias, porque mantido o inadimplemento; confirmada a decisão que indeferiu a nova ordem de prisão, relativamente às mesmas pensões não pagas" (e-STJ fl. 12).
Ao final, requer que seja concedida liminarmente a ordem pleiteada, a fim de revogar-se a prisão do paciente, fazendo cessar, de imediato a ilegalidade flagrante, pois
"(...) ao paciente foi concedido prazo para pagamento que se escoa em 04 de maio de 2017. Se não for apresentada a guia de depósito judicial, da totalidade do valor devido, será expedido, de pronto, o mandado de prisão, conforme já determinado pelo Juízo de primeiro grau, em cumprimento à ordem emanada da Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal Bandeirante.
É iminente, portanto, a prisão do paciente, que retornará ao cárcere em razão do mesmo débito alimentar pelo qual já esteve preso de 21 de agosto a 19 de setembro de 2016." (e-STJ fl. 15).
É o relatório.
DECIDO.
A liminar merece ser deferida.
Em exame perfunctório dos autos afere-se que o débito alimentar a ser pago pelo paciente refere-se ao período de abril/2014 a outubro/2015. E foi justamente por esse período que a prisão civil do paciente foi decretada e, inclusive, cumprida por 30 dias (de 21 de agosto a 19 de setembro de 2016), quando foi libertado.
Aparentemente não há qualquer débito posterior à libertação do paciente, porque exonerado da obrigação alimentícia a partir de outubro de 2015.
O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que o devedor não pode ser preso novamente em virtude do inadimplemento da mesma dívida.
A propósito:
"PRISÃO CIVIL. DÍVIDA DE ALIMENTOS. ORDEM DE PRISÃO RELATIVA À INADIMPLÊNCIA DE DÉBITOS QUE JÁ LEVARAM O PACIENTE À PRISÃO ANTERIORMENTE.
Não é possível decretar a prisão do devedor de prestação alimentícia por inadimplência de parcelas que já o levaram à prisão anteriormente. Precedentes. Ressalte-se não haver impedimento de nova prisão contra o mesmo devedor de prestação alimentícia quanto a débitos referentes a períodos diversos. Habeas Corpus concedido." (HC 149.590/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/11/2009, DJe 24/11/2009 - grifou-se).

"Alimentos. Débito. Prisão.
1. Não é possível decretar nova prisão relativa aos débitos vencidos durante a execução, e que já foi alcançada pela prisão anterior, sob pena de tratar-se de prorrogação que poderia conduzir à prisão perpétua, vedada no ordenamento jurídico brasileiro.
2. Recurso especial conhecido e provido." (REsp 658.823/MS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/05/2007, DJ 06/08/2007 - grifou-se).
"HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. PRAZO. Prisão civil decretada pelo prazo de 60 (sessenta) dias, mais tarde prorrogado "até a comprovação do pagamento de todas as prestações vencidas no curso da execução". Ilegalidade da prorrogação do prazo, que, se mantida, poderia significar prisão perpétua. Ordem deferida" (HC 18.355/RJ, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/11/2001, DJ 04/02/2002).
Aliás, o devedor não pode ser preso novamente pelo inadimplemento da mesma dívida, não obstante não fique dispensado de seu pagamento por meio do rito da expropriação ou do cumprimento de sentença (Maria Berenice Dias, Manual de Direito das Famílias, Revista dos Tribunais, 10ª edição, pág. 644).
É cediço que o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do processo, nos termos da Súmula nº 309/STJ.
Aparentemente, o Tribunal de origem, ao julgar o agravo de instrumento, destoou desse entendimento.
Assim, em uma análise meramente perfunctória, própria das liminares, revela-se incabível a decretação de nova prisão do alimentante.
Ante o exposto, defiro o pedido de liminar.
Solicitem-se informações.
Após, abra-se vista ao Ministério Público Federal.
Publique-se.
Intimem-se.
Brasília (DF), 02 de maio de 2017.
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

Relator

Gebran admite que Lula pode ter razão, mas decide baseado em “lenda” (Fernando Brito. Do Tijolaço)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 27/jul/2017...

Gebran admite que Lula pode ter razão, mas decide baseado em “lenda”

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Ao negar o mandado de segurança impetrado pela defesa de Lula contra o bloqueio de suas contas bancárias ordenado por Sérgio Moro, o desembargador relator do Tribunal Regional Federal  que reexamina, com exclusividade, todos os processos do “santo de Curitiba” mostrou que  vale, ali, a lei do lobo: você pode ter até razão, cordeiro, mas está condenado de qualquer maneira.
João Pedro Gebran Neto diz que “por certo que não se desprezam os fundamentos invocados pela defesa na inicial. Ao contrário, traz a impetração argumentos ponderáveis sobre a (in)validade da decisão de primeiro grau que, todavia, devem ser examinados com maior acuidade e dentro dos limites do mandado de segurança pelo órgão Colegiado.”
Portanto, dá ao menos parcial acolhimento aos argumentos da defesa, sobretudo aos que dizem que os bens bloqueados e arrestados são notoriamente anteriores à posse de Lula na presidência e, portanto, impossível terem vindo de qualquer atividade ilícita.
Porém – anotem isso, de quem já penou na mão de juiz que usa deste expediente – “o pedido de provimento judicial precário esbarra na ausência de urgência.” Tradução, falta a exigência do “periculum in mora” , o risco da demora, necessário ao acolhimento de mandado de segurança.
Tanto que reconhece o “fumus bonis juris” , a fumaça do bom direito, que indica que o impetrante tem razão, mas que “os requisitos são cumulativos, de maneira que a ausência de um deles desautoriza a suspensão do ato impugnado” e a falta de urgência o autoriza a negar o mandamus.
Considerando que o deferimento da liminar impõe que se equilibre a necessidade sob a ótica do mínimo suficiente, não socorre o impetrante a alegação genérica de que a constrição é capaz de comprometer a subsistência do impetrante, ex-Presidente da República, recebendo o auxílio que lhe é devido em decorrência da ocupação do cargo. Ante o exposto, indefiro o pedido liminar.
E qual é, Dr. Gebran, ” o auxílio que lhe é devido em decorrência da ocupação do cargo” de Presidente?
Carro, segurança e  assistentes, como têm Fernando Henrique, Collor, Sarney , etc…
Dinheiro? Neca, nada que dê para comprar arroz, feijão, farinha, jerimum ou uma carne seca, ou para pagar a luz, o gás, o telefone, o café pingado no botequim.
Este é o problema dos juízes com juízo viciado, para os quais os argumentos da defesa, por uma razão ou outra, “não vem ao caso”.
Óbvio que o Dr, Gebran não é um ignorante e é capaz de “dar um Google” e descobrir se ex-presidente tem pensão, o que não tem, desde 1988, ao contrário da “lenda” que circula.
Ah, mas ele tem a convicção de que Lula recebe ” o auxílio que lhe é devido em decorrência da ocupação do cargo” de Presidente e, certamente muitos outros”auxílios”.
É inacreditável que um desembargador federal que, mesmo antes de ser justo, deveria ser bem informado sobre os dispositivos legais, escreva isso.
É impensável que alguém possa ter tanto poder quando prolata decisões que se desmancham com um peteleco de um leigo.
(atualização: até o Jornal Nacional zombou do argumento do Dr. Gebran, que vergonha!)
Obrigado, meus deus, por ter desistido de cursar Direito no primeiro semestre do curso!

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Meireles ganhou em um ano “25 Lulas” em consultorias. E lá fora, em “trustee” (Fernando Brito. Do Tijolação)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 26/jul/2017...

Meireles ganhou, em um ano “25 Lulas” em consultorias. E lá fora, em “trustee”

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Os jornalões ainda não deram, mas não vão poder esconder.
A reportagem Filipe Coutinho,do Buzzfeed,  que mostra, com documentos, que Henrique Meirelles recebeu, apenas no ano passado, R$ 217 milhões por serviços de consultoria em contas no exterior, na maior parte.
A matéria é sensacional e merece ser lida na íntegra.
Posto um pequeno resumo, que já dá para entender metade da ópera.
Homem mais poderoso da economia do país, o ministro da Fazenda Henrique Meirelles recebeu, três meses antes de assumir a pasta, R$ 167 milhões em contas que ele mantinha no exterior e que foram usadas para receber pagamentos de grandes empresas, incluindo a J&F, do delator Joesley Batista.
O ministro recebeu, ainda, outros R$ 50 milhões quatro meses depois de ocupar a Fazenda.
As duas transações foram feitas para Meirelles a partir das contas da empresa de consultoria dele, cujo nome atual é HM&A. Nos dois casos, o objeto da empresa, até aquele momento, era assessorar grandes empresários, dar palestras e fazer investimentos.
Portanto, Meirelles recebeu, em um ano, para vender seus próprios serviços como palestrante e orientador de investimentos, 25 vezes o que Lula recebeu ao longo de seis anos, e depositado direitinho aqui no Banco do Brasil, enquanto Meirelles tem o seu com um trustee – igual ao de Eduardo Cunha – lá fora.
E parte dos valores foi recebida quando no exercício do cargo!
Os grandes jornais, até agora, não publicaram uma linha.
Vão acabar tendo de publicar.
Mas eu disse que a matéria do Buzzfeed conta metade da ópera.
Porque a outra metade está revelada na matéria e este Tijolaço foi investigar.
E foi acabar chegando ao quarto andar do Bahamas Financial Centre.
Mas isso é assunto parao próximo post.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Propina do Bank Boston/Itaú para sonegar não dá manchete (Fernando Brito. Do Tijolaço)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 24/jul/2017...

Propina do Bank Boston/Itaú para sonegar não dá manchete

itaboston
O Ministério Público apresentou  denúncia à 10ª Vara de Fazenda Pública contra 11 pessoas acusadas de “perdoar”débitos de R$ 800  milhões  do Bank Boston no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais  – auditores da Receita, advogados, contadores e um diretor do banco – de forma fraudulenta e com o pagamento de milhões em propina.
Até agora o assunto está sendo tratado pela mídia com grande discrição e ninguém está questionando o fato de o Banco Itaú, que começou a comprar o Bank Boston em 2006 – justamente quando começou a propinagem, que se estendeu até 2015 – ter ficado fora do processo.
É de se supor que as auditorias feitas pelo Itaú devam ter registrado estes imensos débitos fiscais que, um por um “despareceram”, reduzidos a quantias ínfimas. Será que os dirigentes do banco dos Setúbal não sabiam de nada e se limitavam a um “ôba, que bom!” quando a Receita anulava penalidade de até meio bilhão de reais, em valores atualizados?
Mas eles certamente não sabiam de nada, não é?
O texto da denúncia pode ser lido aqui.

domingo, 23 de julho de 2017

Xadrez de como a montanha de Dallagnol pariu um rato (Luis Nassif)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 23/jul/2017...

Xadrez de como a montanha de Dallagnol pariu um rato

Peça 1 – o enredo da Lava Jato


Apesar do comando difuso, entre mídia, troupe de Eduardo Cunha, PSDB e Departamento de Estado norte-americano (através da cooperação internacional), a trama da Lava Jato era de roteiro relativamente simples.
Haveria uma ação intermediária, o impeachment de Dilma. Depois, a ação definitiva, a condenação de Lula com o esfacelamento automático do PT como força política.
Houve intercorrências inevitáveis – como as denúncias contra próceres tucanos, rapidamente abafadas -, importantes para se tentar conferir legitimidade política  ao jogo, e um desastre imprevisível: as delações da JBS que atingiram Aécio Neves no peito. Aí o elefante ficou muito grande para ser escondido debaixo do tapete.
Tudo caminhava nos conformes. Inclusive chantagear o grupo que assumiu interinamente o poder, obrigando-o a caminhar com o desmonte do Estado social para conseguir alguma sobrevida política. Depois engaiolá-los como grande gesto final.
Mas cometeram um erro central: apostaram tudo em um cavalo manco, o grupo de bacharéis de Curitiba, procuradores e delegados, e em um juiz sem noção que tocou os inquéritos da Lava Jato.
Aí o plano começou a degringolar.

Peça 2 – os cabeças de planilha e o os cabeças de vade mecum


Na economia, cansei de descrever o tipo intitulado cabeça-de-planilha.
Como se faz ciência aplicada:
1.     O sujeito se forma, muitas vezes frequenta universidades estrangeiras e volta armado de um instrumental teórico.
2.     Depois, precisa mergulhar na analise de caso, a economia ou, no caso de procuradores, o processo que está sendo tocado. Essa é a etapa principal, a capacidade de captar todos os detalhes, estabelecer correlações e desenvolver uma narrativa factível que identifique claramente o criminoso. Não se confunda preparo com competência ou inteligência. No Ministério Público mesmo, há inúmeras evidências de procuradores com menor aparato teórico produzindo mais resultados do que outros com PhDs, porque muito mais capacitados.
3.     Só depois de levantados todos os dados, as provas e evidências, recorre-se ao aparato teórico para definir a narrativa, os crimes identificados e a punição requerida. Evidentemente, quando se casa aparato teórica com inteligência analítica, se tem o super-economista e o super-procurador.
Anos atrás aprendi uma regra de ouro com um grande físico brasileiro: quem pensa claro, escreve claro. Quando o sujeito recorrer a muitas firulas em defesa de sua tese, de duas, uma: ou é um gênio ou embusteiro. Gênio, só conheci Einstein, me dizia ele.
O economista medíocre salta a etapa principal, da analise de caso. Vai direto na teoria que aprendeu e faz como os cabeções do Banco Central: derrubam a inflação abaixo do piso da meta, prognosticando a entrada do país na depressão.
O mesmo ocorre com procuradores (e advogados) com baixa capacidade analítica e bom estofo teórico. Tratam de fugir da análise de caso e rechear as peças com firulas sem fim, como creme de leite para disfarçar a falta de consistência do bolo.
No caso da Lava Jato, sua  estratégia consistiu em criar uma narrativa prévia, obrigar os delatores a preencher as lacunas com meras declarações, tipo “Lula sabia de tudo”, colocar os técnicos para pesquisar os bancos de dados da Receita, COAF, Bacen, juntar pitadas da cooperação internacional, tudo devidamente vazado para a imprensa, para passar a ideia de uma avalanche incontornável.
Se não for suficiente, dentro do Código Penal em vigor, eles dão um by-pass: se valem de um suponhamos que o Código Penal fosse outro.
Me lembram muito um professor de química do científico que foi até Ouro Preto e, na Faculdade de Engenharia, foi confrontado com uma enigma lógico que ninguém conseguia resolver. Quando chegou no ponto nevrálgico, pulou para a resposta conhecida. Aí perguntaram em qual lei da química ele tinha se baseado. E ele: acabei de criar.
Para suprir a falta de elementos, o criativo procurador Deltan Dallagnol apelou para sua erudição-de-pegar-incautos e citou teorias contemporâneas, sobre analises probabilísticas.
Confrontado com a opinião de pesos-pesados do direito, que mostraram que as teorias se aplicavam às técnicas de investigação, jamais como prova jurídica, as piruetas retóricas de Dallagnol  lembraram cenas do filme Indiana Jones. Mais especificamente aquela em que o beduíno puxa a cimitarra, piruleteia  para cá e para lá, um malabarismo aqui, um volteio acolá e Indiana Jones olhando. Até que acaba com a brincadeira simplesmente sacando o revólver e dando-lhe um tiro.

Peça 3 - as teorias probabilísticas de Dallagnol


Na peça de acusação do caso triplex, Dallagnol supre a carência de provas com teorias probabilísticas, que são utilizadas apenas para dar mais foco às investigações.
Vejamos como ele aplicou a teoria na prática, em uma análise de caso simples.
Veja a charada:
1.     Você tem três balas parra atingir Lula, antes que ele se candidate a presidente novamente: o triplex, o terreno para o Instituto Lula e o sítio de Atibaia.
2.     Pelos prazos em curso, só há tempo para um tiro. Qual você escolhe.
Vamos a um pequeno exercício de probabilidade:
Caso      
Provas
Evidências de posse
Triplex
Nenhuma
Uma ou duas visitas. Sem usufruto.
Terreno
Nenhuma
Nenhuma
Sítio de Atibaia
Nenhuma
Usufruto, com dona Marisa participando diretamente das reformas e a família frequentando o sítio.

Os três casos são fracos.
Não há dúvida de que houve mimos de empreiteiras para Lula. Afinal, o modelo de desenvolvimento adotado no seu governo transformou-as em players internacionais, até serem destruídas pela Lava Jato. Além disso, Lula representava um imenso capital diplomático, por sua popularidade especialmente em novos mercados prospectados por elas.
Mas não se levantou prova alguma de que houve contrapartida em contratos, o que caracterizaria a propina. Ou mesmo de que houvesse aumento patrimonial de Lula. Sem as provas, ficam-se nos mimos, sem acréscimo patrimonial, sem enriquecimento ilícito.
Mesmo assim, dentre os três processos, o único que poderia melhorar um pouco a probabilidade dos bacharéis seria o sítio de Atibaia, devido ao usufruto.
Mas decidiram apostar tudo no triplex, confiando no depoimento (alterado) de Léo Pinheiro, o cappo da OAS.
A peça é curiosa porque desenvolve toda uma teoria para uma nova qualificação de organização criminosa: a organização política, que prescindiria da apresentação de provas objetivas. Usa uma retórica inflamada, repetindo exaustivamente que Lula comandava uma organização criminosa, que os crimes eram difusos, que haveria dificuldade para identificar as provas. E, na mesma peça, diz que as propinas são provenientes de três contratos específicos. Especificou, tem que provar. Ou seja, uma baita volta para justificar a impossibilidade de levantar provas e, no meio, a afirmação taxativa de que as propinas foram originárias de três obras, o que exigiria a comprovação com provas.
Aí houve o caso curiosíssimo do juiz que copidescou o procurador.
Logo que começou a Lava Jato, defensores da cumplicidade entre juiz, procuradores e delegados alegavam que, havendo essa combinação, o juiz poderia corrigir erros dos procuradores e delegados no decorrer dos inquéritos e processos.
A afirmação já parecia estranha mas, enfim, estava-se nem pleno reinado do direito penal do inimigo, brilhantemente defendido pelo Ministro Luís Roberto Barroso.
O que não se esperava é que o juiz corrigisse a própria peça final de acusação. Para salvar o caso, Moro teve que reescrever a acusação afirmando que as propinas foram originárias de vários contratos, não especificamente da Petrobras.

Peça 4 – o partidarismo é mau negócio


Toda a argumentação de Dallagnol estaria adequada em uma ação civil contra Lula. Através dela, teria mais possibilidade de condenar Lula, cassar sua aposentadoria, impor multas elevadas, simplesmente porque na ação civil não há a necessidade da prova final.
Veja o seguinte exemplo:
1.     Um fazendeiro contrata um ajudante para vigiar a fazenda.
2.     O ajudante mata um invasor.
Uma ação criminal só conseguiria condenar o fazendeiro se comprovasse cabalmente que ele deu a ordem, que autorizou o ajudante a atirar em quem entrasse. Não bastaria mostrar i contrato de trabalho. Já em uma ação civil certamente o fazendeiro seria condenado a indenizar a família da vítima. A ação civil não exigiria o detalhamento do crime e sujeitaria o réu a um conjunto de sanções.
O domínio do fato – pretendido por Dallagnol para imputar a Lula o comando dos esquemas criminosos – não tem o condão de fazer com que uma responsabilidade subjetiva se torne objetiva. Numa ação civil, haveria mais possibilidade de condenar a falta de providências de Lula.
Com seu palavrório, Dallagnol pretendeu uma nova teoria do direito para crimes de poder. Quis reescrever a teoria da prova sem dispor de fôlego intelectual para tanto, razão de ter sido fuzilado por juristas mais preparados.
O Código Penal brasileiro é da legalidade estrita. Só existe crime se tiver lei penal descrevendo o crime e se for provado em todos os fatos e ainda provado o dolo do agente.
Não se pode importar princípios de fora. O próprio Ministério Público tentou introduzir a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade no Brasil e não conseguiu. Os criminosos podem ser punidos, mas foi mantido o prazo de prescrição.
E foi assim, por presunção, onipotência, pelo embevecimento com as repercussões no Twitter e no Facebook, pela ambição de ser o homem que levou Lula de volta para a prisão  que a montanha de citações de Dallagnol pariu um rato.