Acessos

domingo, 30 de abril de 2017

Greve geral: A volta da centralidade do trabalho (Maringoni)

Postagem no AberturaMundoJuridico em 30/abr/2017, 8h54m... Atualização 30/abr/2017, 11h23m...

GREVE GERAL: A VOLTA DA CENTRALIDADE DO TRABALHO

1. A greve geral desta sexta (28) se constitui, em seu conjunto, em uma das mais expressivas manifestações populares da História do Brasil. A lembrança mais recorrente tem sido compará-la aos movimentos paredistas de 1983 e 1986.

2. É preciso ajustar a régua. Há uma grande diferença qualitativa. Em 1985, a economia brasileira vivia o ápice da participação da indústria na composição do PIB: 27,5%, porcentagem de país altamente industrializado. Hoje esse número está em torno de 10%. 

3. Isso ensejou, ao longo dessas três décadas, o advento de inúmeras teorias dando conta da perda da centralidade do trabalho na sociedade e, logo, na organização social, em favor de outras pautas relevantes.

4. Essa é a primeira lição a se tirar do vulcão desatado a partir das ameaças da perda dos direitos trabalhistas e previdenciários: o que toca a vida concreta das pessoas, sua sobrevivência e o mundo da produção é o trabalho. Embora tenhamos importantes agendas laterais, como corrupção e direitos de setores específicos, o que unifica os de baixo e faz tremer os de cima é o trabalho. A classe dominante interveio nessa questão e provocou um curto-circuito que não esperava.

5. Assim, a efervescência social desatada a partir dos protestos de 15 de março e potencializados dia 31 só tendem a crescer. Mas essa tendência se dá de uma maneira também distinta às chamadas jornadas de junho de 2013. Agora há foco, direção, tática e estratégia. Sua base são os setores organizados e em processo de organização. Não há espontaneísmo.

6. A marca mais auspiciosa é a inédita unidade de ação entre todas as centrais sindicais e praticamente todos os movimentos sociais. Ao avançar sobre os direitos do trabalho, o governo Temer conseguiu fazer convergir contra si forças que há décadas não se juntavam.

7. O sentimento de vitória e de que a conjuntura mudou contagia ativistas, lideranças e rompe a bolha da militância de esquerda, fortemente minoritária no país. Mais que a conjuntura, a agenda nacional foi virada de ponta-cabeça: os de baixo podem definir os rumos do país.

8. O golpe faz água. A aprovação, nesta semana, da reforma trabalhista na Câmara foi um espasmo, apesar dos 296 votos que obteve. Com toda a pressão, chantagem e compra de apoio, a administração federal não tem nenhuma segurança de que aprovará a mãe de todas as reformas, a das aposentadorias, para a qual necessita de quórum qualificado.

9. Mais do que isso: não há segurança de que mesmo a trabalhista - que pede maioria simples - seja aprovada no Senado. Renan Calheiros abriu clara dissidência, premido por sua necessidade de sobrevivência política e pessoal. Caso não se reeleja em 2018, seu mais provável destino é a cadeia, nas águas da Lava-jato. Sabedor da baixíssima popularidade - 4%! - do governo, o prócer das Alagoas não quer afundar junto com o barco avariado no qual é tripulante.

10. Nas disputas entre a direita para 2018, um personagem tenta ocupar o centro da cena na base da cotovelada. Trata-se do saltitante João Dória Jr., prefeito de São Paulo. Ele se tornou figura de destaque da greve geral ao buscar matar no peito e desafiar o movimento social. Anunciou a proibição da realização do ato de 1o. de Maio na avenida Paulista, cartão de visitas da cidade. As centrais bancaram o jogo e disseram não arredar o pé de lá.

11. Para lograr seu objetivo, Dória terá de se armar com um aparato repressivo de proporções exageradas. Embora tudo seja possível e o equilíbrio - como tem ficado claro - não seja o seu forte, é pouco provável que, após o dia 28, obtenha unanimidade entre a direita paulista para bancar a brincadeira. Se recuar, fica desmoralizado. Tem um problema a resolver nas próximas 48 horas. Problema sério.

12. Assim, o Dia do Trabalhador será o novo desafio do movimento popular. O sabor de vitória parece indicar um inédito patamar de lutas.

(A partir de conversas com Edson Carneiro Índio e Artur Araújo).

Maringoni.

(De Maringoni postado hoje no face. Enviado pelo Dr. Valdez Adriani Farias, em 30/abr/2017).

quinta-feira, 27 de abril de 2017

STJ: Ministro Herman critica pareceres de juristas que transitam de "forma clandestina” Debate foi na sessão da tarde desta quarta-feira, 26. quarta-feira, 26 de abril de 2017 (do Migalhas)

Postagem no AberturaMundoJuridico em 27/abr/2017...

STJ: Ministro Herman critica pareceres de juristas que transitam de "forma clandestina”

Debate foi na sessão da tarde desta quarta-feira, 26.
quarta-feira, 26 de abril de 2017
O julgamento de recurso de uma auditora fiscal do trabalho que sofreu PAD levou o ministro Herman Benjamin a criticar uma prática vivenciada do Tribunal.
Tudo começou quando o ministro Napoleão destacou que era o caso de se ouvir a acusada uma vez que pareceres foram anexados depois da conclusão do trabalho da Comissão processante. E acerca do tema o relator, ministro Herman Benjamin, asseverou:
Entendo que pareceres oferecidos nos processos por grandes juristas, que transitam entre nós de forma clandestina, porque só nós sabemos, a outra parte não tem conhecimento, nós deveríamos – e acredito que o novo Código de Processo Civil nos leva a uma conclusão bem mais firme, se não bastasse só a Constituição – deveríamos juntar nos autos [os pareceres] e abrir vista à parte contrária.
Certamente lembram que houve processos aqui, em matéria tributária, em que foram apresentados, nunca são juntados, mais de 15 pareceres dos maiores juristas, que inclusive foram encadernados em livro, sem que a outra parte tenha conhecimento.
Quando não ocorre, e eu sou particularmente vítima deste fato, do parecer ser entregue aos outros ministros e não ser entregue ao relator. E nós nos surpreendemos, o relator, da tribuna, ou então pior ainda do colega que destacou o processo, e faz referência a parecer que nós não conhecemos. Penso que isso é um desrespeito ao princípio constitucional da isonomia.”
No caso do mandamus, ponderou Herman, os tais pareceres foram juntados aos autos, “não ficaram nessa sombra, nessa área gris da jurisdição”.
Tendo tido um precedente de sua lavra citado, o ministro Mauro Campbell, que presidia o julgamento, esclareceu que em relação ao caso que relatou, o parecer da Corregedoria “não trouxe nenhum fato novo ao inquérito”.
Ao que o ministro Napoleão ponderou: “Não deu vista porque não tinha relevância? Mas e se fosse um parecer que tivesse substancialidade?” Diante do debate, o ministro Herman achou por bem, em nome da segurança jurídica, pedir vista regimental dos autos.
  • Ouça o debate


terça-feira, 25 de abril de 2017

Bochincho (Jayme Caetano Braun)

Postagem no AberturaMundoJuridico em 25/abr/2017...

Original disponível em: (https://www.youtube.com/watch?v=fkDAsUniDcA). Acesso em 25/abr/2017.


Funcionários da OAS desmentem Léo Pinheiro sobre triplex ser de Lula (Cíntia Alves)

Postagem no AberturaMundoJuridico em 25/abr/2017...

Funcionários da OAS desmentem Léo Pinheiro sobre triplex ser de Lula


TER, 25/04/2017 - 07:20
ATUALIZADO EM 25/04/2017 - 10:24

Enquanto Léo Pinheiro afirma, como co-réu, que recebeu "orientação" para não vender o triplex porque ele seria de Lula, engenheira que acompanhou reforma disse que imóvel seria colocado à venda "para qualquer cliente"
 
 
Jornal GGN - Não é apenas a possibilidade de Léo Pinheiro, ex-OAS, ter combinado com o Ministério Público Federal o teor das acusações feitas diante do juiz Sergio Moro contra Lula, no processo do triplex, que torna o depoimento questionável. Outro ponto marginalizado pela grande mídia é o fato de que funcionários da OAS deram à Lava Jato informações que conflitam diretamente com o que Pinheiro expôs em meio a sua negociação por uma colaboração premiada.
 
Em setembro de 2016, o GGN mostrou [leia aqui] que pelo menos 7 testemunhas ouvidas pelos procuradores de Curitiba, no processo em que Lula é acusado de receber um triplex da OAS como pagamento de vantagem indevida, não conseguiram afirmar e tampouco apresentaram provas de que o ex-presidente seja o destinatário ou dono do imóvel. 
 
Três desses depoimentos foram dados por engenheiros e arquitetos da OAS Empreendimentos que acompanharam a reforma no triplex de perto. Inclusive, teriam presenciado as visitas que Marisa Letícia e Lula fizeram ao local.
 
GGN traça, a seguir, um paralelo entre o que foi dito por esses funcionários e a versão de Pinheiro sobre o caso, dada após mais de um ano de prisão.
 
DEPOIMENTO 1
 
Contextualizando: Pinheiro disse a Moro que, em meados de 2009, foi procurado por João Vaccari Neto, hoje ex-tesoureiro do PT, para falar de empreendimentos que a Bancoop iria transferir para a OAS após uma crise financeira. Entre os projetos da cooperativa estava um apartamento para a família de Lula no que viria a ser o Condomínio Solaris, no Guarujá, litoral de São Paulo.
 
Pinheiro disse que acertou com João Vaccari, anos depois, que o apartamento seria reformado para atender solicitações de Lula e Marisa Letícia, e o valor investido pela OAS seria descontado de um "caixa geral" que o grupo mantinha com o PT para pagamentos de propina e caixa 2 eleitoral.
 
O co-réu ainda disse que "foi orientado" a não colocar o apartamento à venda porque "pertenceria a Lula". Por outro lado, a engenheira Mariuza Aparecida Marques, responsável por fiscalizar a obra no triplex, disse à Lava Jato que o imóvel estava disponível para compra por "qualquer cliente".
 
No vídeo abaixo, por volta dos 13 minutos:
 
Procurador: De maneira objetiva, a senhora pode dizer se esse apartamento é de propriedade de Lula ou algum familiar?
 
Mariuza: Eu tenho acesso ao sistema da empresa para todos os clientes. Para mim, esse apartamento é da OAS Empreendimentos. Ele não aparece com outro nome. Então, para mim, o apartamento é da OAS.
 
Procurador: A senhora soube que com as melhorias que foram feitas, [o triplex] poderia ser destinado ao presidente?
 
Mariuza: Sim, era colocado como uma melhoria para ser vendido.
 
Procurador: Mas já direcionado a alguém?
 
Mariuza: Para qualquer cliente.
 
Procurador: Poderia ser um diretor da OAS?
 
Mariuza: Não que eu me recorde.
 
 
De fato, a OAS nunca entregou a chave do imóvel a ninguém. Inclusive, a defesa de Lula encontrou documentos que mostram que a unidade foi dada como garantia em pedidos de financiamento e, depois, no acordo de recuperação da OAS. 
 
DEPOIMENTO 2
 
Léo Pinheiro disse a Moro que os envolvidos diretamente na obra da reforma do triplex sabiam que a unidade seria destinada a Lula. 
 
Para atestar isso, se agarrou à tese da força-tarefa da Lava Jato: o imóvel era de Lula porque foi personalizado. E personalizações só ocorrem quando a compra foi garantida. Além disso, saiu no jornal O Globo que o triplex era de Lula em 2010. Logo, era "público e notório" que o imóvel era do petista.
 
O arquiteto da OAS Roberto Moreira Ferreira, que também acompanhou as visitas de Marisa e Lula ao triplex e ficou responsável pela reforma, negou que era de seu conhecimento que o imóvel já era do ex-presidente.
 
No vídeo abaixo, os investigadores aparecem perguntando se Lula tinha apartamento no Solaris, ao que Ferreira respondeu: "Não que eu tivesse conhecimento." 
 
Ferreira também sugeriu que a OAS Empreendimentos trabalhava na reforma como se estivesse criando um apartamento modelo.
 
 
DEPOIMENTO 3
 
Um dos funcionários da OAS apontado por vários entrevistados como parte do grupo que liderava a reforma no triplex é o engenheiro Igor Ramos Pontes. Este disse à força-tarefa que seu cliente no caso do apartamento no Guarujá era a OAS Incorporadora, mas colocou Lula como potencial comprador da unidade.
 
A partir dos 23’30’’  do vídeo abaixo:
 
Lava Jato: Quem pediu esse projeto específico foi seu chefe, Roberto Moreira. Ele informou para quem?
 
Engenheiro: Havia discussão de que o ex-presidente era, na prática, um possível comprador, finalizaria a questão dele com a Bacoop com a compra dessa unidade, e que para facilitar a venda, fariam como se fosse apartamento modelo, com algumas modificações. Para ver se incentivava.
 
Lava Jato: Então fizeram as mudanças para facilitar a venda ao ex-presidente?
 
Engenheiro: É possível que sim, não sei afirmar.
 
Pontes disse que orientou sua equipe técnica a não disseminar boatos sobre a propriedade de Lula após a mídia começar a sondar o apartamento. 
 
"Em outras unidades, a gente recebia o contato direto do cliente. Nesse apartamento especificamente, a unidade estava em nome da OAS Empreendimentos. Não tem cliente. Não tem morador, nunca morou ninguém lá. Toda a demanda que vinha era da OAS. Mas existem especulações, perguntavam se era do ex-presidente Lula ou não. Eu dizia [à minha equipe] que não temos nenhuma informação sobre isso. E, de fato, não temos."
 
 
Após duas horas de depoimento a Moro, Cristiano Zanin Martins, advogado de Lula, confrontou Léo Pinheiro com a existência desses depoimentos de funcionários da OAS. "Mariuza disse que o apartamento triplex não foi jamais destinado a Lula", exemplificou.
 
Pinheiro sentiu que seu depoimento estava sendo colocado em xeque, e rebateu com tudo o que tinha: a cartilha do MPF.
 
"Primeiro, estou aqui falando a verdade de tudo que conheço. Segundo, é público, saiu na primeira página de jornal O Globo, em 2010 [que Lula tinha um triplex]. Terceiro, eu fui no apartamento com o presidente e sua família, duas vezes. Quarto, esse apartamento é personalizado. Ele é diferente de todos que estão ali. Eu não ia sair com isso para toda a empresa, para preservar o presidente."
 
"Com todo o respeito ao ex-presidente, mas o apartamento era personalizado, não é decorado. Ele foi feito para uma família morar. Se o ex-presidente não quisesse, teríamos um belo problema sobre o que fazer o apartamento porque ele é muito personalizado. O valor da reforma feita é excessivamente maior do que o apartamento. Isso é público e notório. Está nos autos."

PT: entre a defesa do legado e a revisitação dos erros (Tereza Cruvinel)

Postagem no AberturaMundoJuridico em 25/abr/2017...


PT: entre a defesa do legado e a revisitação dos erros






Se Lula vai ser candidato, nem ele sabe, mas o PT começa a recobrar sua personalidade política que a passagem pelo poder esmaeceu, preparando-se para disputar o retorno à Presidência em 2018 ou mesmo para uma temporada maior na oposição, acumulando forças como fez nos 20 anos que antecederam a primeira eleição de Lula, em 2002. Isso começa, também, pela oxigenação intelectual do partido que, no poder, negligenciou o debate e a formulação. Com este objetivo as bancadas da Câmara e do Senado e Fundação Perseu Abramo realizaram ontem o seminário “Estratégias para a economia brasileira – Desenvolvimento, Soberania e inclusão”, encerrado por Lula com um discurso de candidato, e pautado por discussões técnicas que deixaram claro o duplo desafio do partido: resgatar o legado de seus governos, que vai se perdendo na bruma criada pela crise e a recessão, agravadas pelo governo Temer mas debitadas ao PT;  e ao mesmo tempo, revisitar os erros cometidos, inclusive de política econômica, para que não sejam repetidos num eventual novo governo. 

Ao longo do dia, cerca de 500 participantes participaram do seminário, entre parlamentares, assessores e militantes. O velho PT estava ali, nas camisetas, na participação militante, nas bancas vendendo estrelinhas e bandeiras. A imprensa só cobriu o encerramento do encontro, no final do dia, por conta da presença de Lula. E de seu discurso, destacou apenas o que se relaciona com a Lava Jato: A declaração de que estará em Curitiba no dia em que o juiz Moro determinar, para ter a primeira oportunidade de se “defender de viva voz”; o repto para que mostrem as provas de que tenha recebido um só real oriundo de corrupção; e as referências ao delator Léo Pinheiro: “sob tortura psicológica ele entregaria até a mãe”. Mas foi um discurso de candidato, em que ele até avançou o sinal, na avaliação de alguns, indicando medidas que tomaria: restaurar o papel do BNDES e dos bancos públicos, restabelecer uma política externa voltada para a América Latina e a África,  fortalecer a previdência com o crescimento do emprego ao invés de tirar direitos e, até mesmo, regular os meios de comunicação. Para quem pensa em voltar a governar, não poderia faltar uma advertência: de nada adiantará vencer a eleição presidencial se, novamente, não houver maioria para governar. “Precisamos mostrar isso ao povo, mostrar que é importante melhorar a qualidade do Congresso. Talvez haja algo errado em nossa mensagem. Não sei a resposta mas estou apontando o problema”.

O encerramento foi a hora política, em que falou Lula, precedido dos líderes Gleisi Hoffmanm (Senado), Ricardo Zaratini (Câmara), dos governadores Tião Viana (AC) e Wellington Dias (PI) e do presidente do partido, Rui Falcão. Ao longo dia, o seminário foi essencialmente técnico, e nele transpareceu o desafio de quem foi governo, está reaprendendo a ser oposição e busca reencontrar o caminho para a vitória.  A defesa do legado foi contundente mas muitos erros (técnicos) foram admitidos, em diferentes áreas.

Na primeira mesa, que teve como tema “Instrumentos para o desenvolvimento da indústria brasileira”, a professora Vanessa Petrelli, da Universidade Federal de Uberlândia, abordou aspectos macroeconômicos do governo Lula, destacando os altos índices de crescimento alcançados graças ao cenário internacional, ao investimento público, ao papel do Estado, e às políticas sociais, especialmente o crescimento do salário-mínimo. Foi uma defesa contundente do acerto econômico dos anos Lula mas ela evitou cometar as inflexões da era Dilma. Insistiu, apoiada em gráficos,  que sob Lula houve um crescimento calcado no investimento, e não no consumo, como dizem os críticos. Entretanto, admitiu que os governos petistas deixaram de enfrentar questões importantes, como o uso das reservas cambiais para investimentos estratégicos, a questão dos juros e a rediscussão do receituário do tripé metas de inflação, câmbio livre e superávit primário.

Carlos Sarti, professor da UFRJ, falou sobre a grave desaceleração da indústria brasileira a partir de 2011, depois de um período exuberante no governo Lula. Entre outras causas, apontou a liberalidade dos governos petistas com as importações de manufaturados, o que contribuiu para a debilitação da indústria nacional que, agora, além da “chinalização”, corre o risco de perder o bonde das inovações radicais que estão acontecendo no mundo. Voltando ao governo, disse ele,  um erro que o PT não poderá repetir será em relação às importações e ao papel estratégico da indústria nacional.

José Sergio Gabrielli, ex-presidente da Petrobrás, denunciou com veemência todo o desmanche que o governo Temer vem promovendo no perfil anterior da empresa, com a venda de ativos para servir a uma visão financeira de curto prazo (a feira de Pedro Parente, que vende gasodutos, sondas e poços para levantar dinheiro), a desnacionalização (com entrega destes ativos ao capital estrangeiro) e o quase fim da política de conteúdo nacional (obrigação de compra de uma lista de itens da indústria brasileira).

 Está claro que pretendem acelerar os leilões do pré-sal e, como não há no horizonte previsão de expansão da capacidade refino para os próximos cinco anos, vamos exportar óleo cru.    
   
Na gestão anterior, os leilões teriam que acompanhar a capacidade de refino. Não havendo, as reservas ficariam guardadas no fundo do mar, até momento oportuno ou de necessidade. Exportar petróleo bruto é algo que os Estados Unidos, por exemplo, proíbem. É atraso, não agrega valor à matéria-prima, ainda mais numa conjuntura em que não há problema de oferta de petróleo no mundo.

Gabrielli admitiu, porém, que a política de preços da Petrobrás nos últimos três anos dos governos petistas foi errada. A Petrobrás conteve os preços numa fase em que havia demanda. E com isso teve que importar combustíveis a preços mais elevados, gerando perdas para a empresa. Admitiu que o atual governo faz uma politica de preços mais acertada, de variação segundo a cotação internacional.


Para um partido que há muito tempo não faz outra coisa senão lamber feridas e lavar roupa suja, reunir-se para discutir os problemas do país e a formulação de políticas alternativas foi um exercício energizante. A conjuntura continua adversa, a situação de Lula é incerta, o futuro eleitoral é uma incógnita mas pensar e debater fez bem, diziam os petistas no final do encontro. Até porque, como lhes disse Lula, se ele voltar é para fazer um governo melhor, e não mais do mesmo.

domingo, 23 de abril de 2017

Após comentários de Villa incitando violência, TV Cultura pede menos discursos de ódio a jornalistas (Maurício Stycer)

Postagem no AberturaMundoJuridico em 23/abr/2017...

Após comentários de Villa incitando violência, TV Cultura pede menos discursos de ódio a jornalistas

Da coluna de Maurício Stycer na Folha:

O “Jornal da Cultura” registrou no último dia 3 de abril média de 1,1 ponto em São Paulo (cada ponto no Ibope equivale a 199,3 mil indivíduos). Apesar da baixa audiência, a edição se tornou item de colecionador entre advogados.
O comentarista Marco Antonio Villa estava especialmente “bravo” naquele dia, como notou o apresentador William Ferreira. Ao comentar o convite do governador de Minas, Fernando Pimentel, para que o ex-presidente Lula participasse das celebrações do 21 de abril, em Ouro Preto, Villa disse: “Dá nojo! Nojo da gente ver, como brasileiro que tem sangue nas veias, que um bandido, um ladrão como Lula vai homenagear Tiradentes. É a segunda morte de Tiradentes!”
Falando sobre a situação calamitosa das finanças do Estado do Rio, Villa observou: “O Tribunal de Justiça está comprado pelo governador”. Disse ainda que há vários “desembargadores ladrões” no Estado.
E acrescentou: “E olha que vai ter repercussão em Brasília com a delação do Sérgio Cabral. Eu sei até o nome do ministro que ele comprava quando era do Tribunal de Justiça e que hoje tá lá em Brasília. É bom lembrar: um carioca que tem um cabelo com topete. Vocês vão pensando quem é.”
Em outro trecho, suprimido pela TV Cultura da versão hoje disponível em seu site, Villa falou do senador Roberto Requião (PMDB-PR), a quem chamou de “a Maria Louca do Paraná”: “É aquele cara que você não compra um carro usado, que pode dar uma nota de três reais pra você ou bater a sua carteira”.
Uma semana depois, no dia 10, o Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta, ao qual a TV Cultura está vinculada, se reuniu. Do encontro, saiu uma reflexão sobre os comentários de Villa, encaminhado à direção da emissora, no qual se lamenta que o comentarista esteja se manifestando por meio de “verdadeiros discursos de ódio e de incitamento à violência”.
Mais importante, o conselho aprovou novas diretrizes para o jornalismo da TV Cultura. O documento, ao qual este colunista teve acesso, faz recomendações óbvias, mas que não vêm sendo cumpridas pela emissora. O texto diz, por exemplo, que a pluralidade político-ideológica “deve efetivar-se nas escolhas das pautas e das reportagens, na seleção e na orientação dos entrevistados e dos entrevistadores”.
O Conselho Curador observa, ainda, que âncoras, apresentadores e editores precisam “garantir a sua credibilidade pelo exercício da isenção crítica”. O documento pede também “mais debate, mais diferença, mais contraposição de ideias”.
E, por fim, observa que “o jornalismo público de qualidade” não pode servir de “tribunas para a divulgação de ofensas, denuncismos e discursos de ódio”.

(…)

sábado, 22 de abril de 2017

O dia em que Sergio Moro foi enquadrado e "não quis comentar" (do Pragmatismo Político)

Postagem no AberturaMundoJuridico em 22/abr/2017...

O dia em que Sergio Moro foi enquadrado e "não quis comentar"

Sergio Moro ouviu explanações indigestas durante audiência na Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (30). Parlamentares questionaram o juiz da Lava Jato sobre a condução coercitiva de Lula, os grampos ilegais que captaram Dilma e a foto afetuosa com Aécio Neves

sergio moro audiencia camara dos deputados

O clima foi tenso na comissão especial da Câmara que discute o Código de Processo Penal (CPP) nesta quinta-feira (30).
Convidado para participar de audiência na comissão, Sergio Moro foi questionado pelo deputado Paulo Teixeira (PT) sobre a legalidade da condução coercitiva do ex-presidente Lula, no ano passado, determinada pelo juiz.
O parlamentar perguntou a Moro se aquela ação [contra Lula] não se caracterizou como abuso de autoridade e se a foto de Moro dando risada com o senador Aécio Neves não caracteriza a perda de imparcialidade.
A divulgação das conversas entre Lula e Dilma contribuíram para que a posse do ex-presidente como ministro da Casa Civil fosse barrada pela Justiça. O caso ocorreu pouco antes de Dilma ser afastada do cargo, em maio.
Posteriormente, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Teori Zavascki anulou os grampos e disse que eles foram divulgados ilegalmente, pois Moro, por ser um juiz de 1ª instância, não poderia analisar provas que envolviam a então presidente da República, que tem foro privilegiado no STF.
Durante a maior parte da fala de Paulo Teixeira, Moro preferiu não olhar no olho do deputado.
O deputado e advogado Wadih Damous, ex-presidente da OAB-RJ, acusou Moro de fazer uma espécie de laboratório jurídico sobre direito penal com suas decisões e de cometer ilegalidades.
“À luz do que se passa hoje no Brasil, e em especial na capital do Paraná, eu não sei se estou ensinando corretamente direito penal para os meus alunos. Porque parece que há um direito em vigor, construído na República de Curitiba, e aquilo que eu ensino aos meus alunos. Vivemos a época de ‘juízes-celebridade’, que vieram aqui salvar a política, salvar o Brasil”, disse o deputado.
Até então, Sergio Moro tentava manter-se calmo e sem demonstrar emoções em sua expressão facial. Mas o discurso do deputado Zé Geraldo (PT) mexeu com o juiz da Lava Jato.
“Ninguém tem cometido nesse País mais abuso de autoridade que você”, acusou o parlamentar, encarando o juiz.
Em sua fala durante a audiência, Moro preferiu ignorar as perguntas indigestas sobre o vazamento de gravações dos ex-presidentes Lula e Dilma e sobre sua foto afetuosa ao lado de Aécio Neves. “Não cabe aqui responder aos parlamentares que fizeram perguntas ofensivas”, disse.

“Não vou comentar”

Não é a primeira vez que Sergio Moro é colocado contra a parede em uma audiência na Câmara dos Deputados.
No ano passado, o juiz se negou a responder os questionamentos do deputado Paulo Pimenta sobre a seletividade de suas ações. Relembre:

Invasão policial da casa do acusado sem mandado de busca. Prova ilícita. Acusado de tráfico de drogas. Pequena quantidade encontrada. Tráfico descaracterizado. Trancamento da Ação Penal. HC. STF.

Postagem no AberturaMundoJuridico em 22/abr/2017...

Ação por tráfico é extinta no STF porque policiais invadiram casa sem mandado

20 de abril de 2017, 14h47

Policial só pode entrar na casa de alguém se tiver mandado judicial de busca e apreensão ou se houver fundadas razões de que ocorre flagrante delito no local. Por não enxergar esses requisitos, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus para trancar ação penal contra um homem que teve sua residência em Americana (SP) vasculhada por policiais civis sem ordem da Justiça. A polícia relatou ter encontrado 8 gramas de crack e 0,3 gramas de cocaína, e determinou a prisão em flagrante do sujeito pela acusação de tráfico de drogas.
Em julho de 2016, policiais civis que executavam operação contra o tráfico em Americana (SP) suspeitaram que o réu estaria filmando a ação policial. Com esse argumento, abordaram o homem e, na sequência, sem a existência de mandado judicial, fizeram busca na sua residência, ocasião em que encontraram a droga.
Preso em flagrante, o homem foi acusado da prática de tráfico de drogas e permaneceu detido até novembro de 2016, quando obteve liminar do relator do caso no STF, ministro Ricardo Lewandowski, que determinou a sua soltura, se não estivesse preso em decorrência de outros motivos.
A defesa questionou, no Supremo, decisão individual de ministro do Superior Tribunal Justiça que manteve decisão de desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Nos dois casos, foi afastada a alegação de que a prova colhida seria ilícita, uma vez que a entrada na residência do investigado se deu sem mandado judicial de busca e apreensão.
A Procuradoria-Geral da República destacou que o HC foi impetrado contra decisões individuais tanto no TJ-SP quanto no STJ, situação que atrairia a aplicação, ao caso, da Súmula 691 do STF, segundo a qual “não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de Habeas Corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar”.
Invasão domiciliar

Em seu voto, o relator decidiu afastar a aplicação da Súmula 691 por entender que o caso apresenta excepcionalidade que permite ultrapassar o óbice previsto no verbete. O ministro Ricardo Lewandowski lembrou que um dos princípios mais sagrados da Constituição Federal (artigo 5º, inciso XI) estabelece a casa como asilo inviolável do cidadão. Em casos como esse, salientou, os policiais costumam dizer que foram “convidados” a entrar na casa. “Evidentemente que ninguém vai convidar a polícia a penetrar numa casa para que ela seja vasculhada”, afirmou.




Quantidade de droga apreendida não permitiria enquadramento como tráfico, afirmou ministro Lewandowski.

Quanto ao mérito, o relator afirmou que a prisão em flagrante e a denúncia apresentada contra o réu enquadraram-no erroneamente no artigo 33 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) — tráfico —, mesmo que tenham sido encontrados apenas 8 gramas de crack e 0,3 gramas de cocaína. Além disso, não foi encontrado, na residência, qualquer instrumento que indique a prática de tráfico, como balanças, dinheiro ou anotações.
Para Lewandowski, mesmo que a droga fosse de propriedade do acusado, a quantidade ínfima descaracteriza completamente a prática de tráfico. Seria o caso, a seu ver, de aplicar o artigo 28 da Lei de Drogas, que trata da posse de drogas para consumo pessoal.
Mesmo sem qualquer indício de que se trate de um traficante, o sujeito segue respondendo a processo sob acusação deste crime, concluiu o relator ao votar pela concessão do HC para trancar a ação penal. Para o ministro, carece de justa causa a denúncia que aponta o réu como traficante.
Flagrante ilicitude

Acompanharam o relator os ministros Edson Fachin e Celso de Mello. De acordo com o decano do STF, os policiais agiram irritados pelo fato de estarem sendo filmados durante o desenvolvimento da operação. “Não vivemos em um regime ditatorial onde esse tipo de comportamento do cidadão é proibido”, afirmou.

Ainda segundo o ministro Celso de Mello, a busca sem mandado judicial só seria justificada por uma fundada suspeita da prática de crime, o que não se verificou no caso, revelando assim a ocorrência de flagrante ilicitude que resultou na instauração de persecução criminal. “Ninguém pode ser investigado ou denunciado, processado, e muito menos condenado, com base em provas ilícitas”, concluiu.
Tese do Supremo

O STF, no fim de 2015, aprovou tese, com repercussão geral, estabelecendo que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões devidamente justificadas posteriormente que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados.

O então secretário de Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, que agora integra o Supremo, comemorou a decisão na época. Para o ex-membro do governo Geraldo Alckmin (PSDB), o posicionamento da corte aumentaria a segurança das ações das polícias e acaba com as divergências que existiam sobre o assunto no Judiciário.
Ele explicou que os tribunais há tempos discutiam em que situações agentes de segurança deveriam ser punidos ou absolvidos por invadir uma casa sem autorização. Com a decisão do STF, Alexandre de Moraes disse que essa discussão acabou, pois ficou estabelecido que se houver fortes indícios, mas nenhum crime for constatado, os policiais não podem ser punidos, pois agiram de boa-fé. Contudo, o agora ministro afirmou que aqueles que cometerem abusos deverão responder por eles. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
Revista Consultor Jurídico, 20 de abril de 2017, 14h47

Viagem de Dilma aos EUA tem saldo positivo e leva Brasil real ao mundo (Emir Sader)

Postagem no AberturaMundoJuridico em 22/abr/2017...

Viagem de Dilma aos EUA tem saldo positivo e leva Brasil real ao mundo

O fio condutor das exposições de Dilma em 10 das maiores universidades dos Estados Unidos, em reuniões com movimentos e entrevistas a grandes publicações da mídia, foi a denúncia do golpe e seus porquês
por Emir Sader, para RBA publicado 21/04/2017 15h22
FACEBOOK
Dilma
Dilma durante palestra na Universidade George Washington
A presidenta destituída Dilma Rousseff conclui sua mais longa viagem a um país desde o golpe, voltando a Harvard, onde havia começado a longa trajetória. O início havia sido em um seminário que pretendia reunir as mais diferentes expressões do diversificado panorama político brasileiro e o final foi sobre a realidade latino-americana contemporânea, ambos em Harvard.
O fio condutor do discurso da Dilma, ao longo das exposições em 10 das maiores universidades dos Estados Unidos, em reuniões com movimentos sociais e grupos de brasileiros, nas entrevistas com as principais publicações da mídia, foi a denúncia do impeachment como um golpe. Em seguida, ela passou a explicar porque se deu o golpe.
Três argumentos fundamentaram essa sua explicação: a misoginia revelada claramente na linguagem usada na campanha da oposição contra ela; a busca de “estancar a sangria” que representa a Lava Jato para os membros do atual governo, o que só seria possível com o golpe contra ela; a recolocação do Brasil, do ponto de vista econômico, social e geopolítico, nos marcos do neoliberalismo.
Este último, para Dilma, foi a razão de fundo do golpe: retornar ao projeto dos anos 1990, que tinha sido interrompido com a vitoria de Lula em 2002. Em seguida ela resume os principais avanços dos governos que se opuseram à lógica neoliberal, desde as conquistas sociais até a da retomada do crescimento econômico, da política externa multipolar.
Suas intervenções desembocam no “encontro marcado que temos com a democracia em 2018” e com as tentativas de evitar que o povo brasileiro recupere o direito de decidir por sua própria conta o seu futuro. Dilma chama a atenção sobre os riscos de nova ruptura, seja via casuísmos, seja pela já derrotada via do parlamentarismo, seja por alguma forma de condenação, sem fundamentos, do Lula.
As exposições da Dilma desembocam naquela que tem sido uma referência central dos seus discursos e da sua atuação – “A democracia é o lado certo da historia” – e que a tornaram a principal líder na defesa da democracia no Brasil.
O balanço geral da sua viagem é extremamente positivo. Encontrou um clima de recepção favorável, acumulado seja nos argumentos da própria mídia norte-americana de condenação do governo saído do golpe, seja nos grupos de brasileiros que se constituíram e se mobilizaram durante a luta de resistência ao golpe e núcleos acadêmicos muito esclarecidos sobre o que acontece no Brasil.
Mas é certo também que a consistência do discurso da Dilma, combinando argumentos políticos com a força moral da sua trajetória, fortaleceu ainda mais a visão democrática sobre o que aconteceu e segue acontecendo no Brasil. Essa consistência se contrapõe a todo o noticiário sobre o governo golpista, seus atentados à democracia, aos direitos da população, os vexames da sua presença internacional, a mediocridade de todos os seus representantes.
Dilma se consolida, ao lado da liderança na defesa da democracia, como uma presença internacional relevante, demandada por todos os lados, aplaudida, reverenciada mesmo, reconhecida como uma estadista, uma liderança internacional não apenas na defesa da democracia, mas também na denuncia da financeirização da economia em escala mundial, das desigualdades sociais que ela incrementa e nos atentados à democracia que implica.
Dilma tem agora de encontrar formas de combinar todos os convites que tem de tantos países com a sua indispensável presença na luta democrática brasileira. Nesta viagem ficou comprovado como sua imagem de líder política só cresceu desde o golpe e se afirmou, junto com Lula, como as duas presenças fundamentais com que conta o povo brasileiro para reconquistar a democracia, o desenvolvimento econômico e a justiça social.

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Novo marco legal sobre abuso de autoridade é mais do que oportuno (Cristiana Fortini)

Postagem no AberturaMundoJuridico em 21/abr/2017...

Novo marco legal sobre abuso de autoridade é mais do que oportuno


A atividade administrativa exercida por agentes públicos deve ser rigorosamente controlada por agentes públicos independentes.  Não por outra razão, a Constituição da República de 1988 criou complexa e multifacetada teia de controles da atividade jurídico-administrativa, cujo escopo central é inibir e reprimir atos omissos ou compassivos que destoem da baliza ética e legal e que possam representar a utilização irracional e desarrazoada das prerrogativas públicas conferidas pelo ordenamento jurídico aos que exercem parcela de poder.

Não se pode, contudo, desprezar os desacertos que as autoridades públicas envolvidas na atividade de controle podem praticar. Se prefeitos, servidores e empregados públicos cometem ilícitos, assim também podem agir magistrados,  membros do Ministério Público, conselheiros e ministros dos Tribunais de Contas.  Revisitar o tema do abuso de autoridade é mais do que oportuno, é vital em uma sociedade cuja Constituição não santifica ou endeusa qualquer dos agentes públicos. 
O  atual PLS 85/2017 relatado pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR), cuja apresentação à Comissão de Constituição e Justiça do Senado na última quarta-feira (19/4) define como sujeito ativo dos crimes de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal, dos municípios, de território, compreendendo, mas não se limitando os servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas; membros do Poder Legislativo; membros do Poder Judiciário; membros do Ministério Público e membros dos Tribunais ou conselhos de contas.  
Para além de utilizar o vocábulo agente público, valendo-se pois do mais abrangente rótulo que o direito administrativo conhece para  sinalizar o  alcance subjetivo da regra, o PLS 85/2017 ocupa-se de afastar qualquer sorte de dúvida, mencionando expressamente diversas categorias às quais se poderá atribuir a prática do crime de abuso de autoridade e ao transportar, para o parágrafo único do artigo 1º, a concepção doutrinária de agente público, que desconsidera limites quanto à natureza do vínculo, sua eventual transitoriedade e à existência ou não de remuneração.
Ainda que vozes possam reverberar a coincidência da proposta diante dos retumbantes impactos da operação “lava jato”, parece-nos indiscutível a necessidade de aperfeiçoarmos a República em sua integralidade, não ignorando as práticas nem sempre merecedoras de encômios, oriundas daqueles cuja missão essencial é o controle sobre atitudes alheias.
A discussão sobre uma nova lei de abuso de autoridade tem gerado grande preocupação entre membros da magistratura e, em especial do Ministério Público. As entrevistas concedidas pelos seus representantes  mais ilustres e a própria redação do texto ofertado pela Procuradoria Geral da República ao Congresso Nacional revelam o desconforto com uma possível contenção, via oblíqua, da atuação ministerial.   Isso porque, o insucesso em determinada ação judicial poderia caracterizar abuso de autoridade, o que seria um convite à inação e a um indesejável recato do Ministério Público. Evidentemente que o estímulo ao silêncio não apenas abalaria o Ministério Público, como igualmente prejudicaria a sociedade. Portanto, recomenda-se prudência quando do trato da matéria.
Ao apresentar as considerações da procuradora-geral da República, Rodrigo Janot salientou que a pretensão do Ministério Público Federal era afastar  o chamado "crime de hermenêutica", salientando ainda  que os agentes públicos não podem ser punidos pelo exercício regular de suas funções. 
A proposta do relator, senador Roberto Requião, hoje difundida pela mídia, todavia, não incorporou, em sua totalidade, a redação proposta pelo Ministério Público Federal. O senador alega preocupação em conter o abuso e não eventuais desajustes de interpretação, mas argumenta ser necessário não blindar as autoridades de eventual cometimento de crime.
Assim, logo após conceituar o crime de abuso de autoridade, os parágrafos do artigo 1º do PLS 85/17 ressalvam que "as condutas descritas nesta lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem, beneficiar a si próprio ou a terceiro ou ainda por mero capricho ou satisfação pessoal”  e ainda explicitam que  “divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, necessariamente razoável e fundamentada, não configura, por si só, abuso de autoridade."
A proposta parece buscar um ponto de equilíbrio entre a redação original do PLS 280/2016 que, ao conceituar o crime de abuso de autoridade, fazia alusão ao abuso do poder conferido às autoridades públicas sem, todavia, abordar a questão relativa à interpretação jurídica, e a sugestão ofertada pelo Ministério Público Federal que, sinteticamente, pretendia afastar a criminalização diante de divergência de entendimentos.
A escolha adotada pelo Relator, em princípio, parece ajustada, ainda que seja crucial aprimorar a redação para que se esclareça, por exemplo, o que se compreende como divergência "necessariamente razoável e fundamentada". 
Preservada a regra como hoje proposta pelo relator, sem ajustes de conteúdo, não serão raros os casos em que haverá dissonância de entendimento sobre a responsabilização ou não, diante da imprecisão de sua construção.
Um exemplo  ajudará a compreender o receio que verbalizo.
Atualmente, é possível testemunhar situações em que, a despeito da compreensão sedimentada pelo STF, o Ministério Público insiste no ajuizamento de ação, visando a condenação de agente público, entidades e/ou cidadãos. Ainda que se possa lançar mão do argumento da autonomia e independência funcional do membro do Ministério Público, de fato garantida constitucionalmente, parece necessário reconhecer que tais prerrogativas são concedidas visando o desempenho racional das atribuições ministeriais.
A propositura de ações em que se sustentam teses repudiadas pelo Supremo Tribunal Federal, em especial quando objeto de via súmula vinculante ou em casos de repercussão geral, espelha, a nosso sentir, antes o descompromisso com o interesse público, além de provocar transtornos injustificáveis para os que precisarão se defender.
Nesse cenário, parece-nos que a diversa interpretação jurídica realizada pelo membro do Ministério Público não autorizaria o manuseio de ação, a questionar determinada conduta praticada por autoridade, se amparada em decisão com repercussão geral ou súmula vinculante do STF.  Trata-se de exemplo ilustrativo do enquadramento em abuso, por existência de “divergência não razoável” – artigo 1o do PLS 85/2017.
Mas a análise que faço pode não encontrar ressonância. Outros poderão argumentar contrariamente. A simples possibilidade de dissenso recomenda que, desde logo, e tanto quanto possível, se aperfeiçoe a construção da norma, para sinalizar a seus destinatários os eventuais "campos minados " de seu ofício. A expressão “mero capricho ou satisfação pessoal” retrata conceito jurídico indeterminado de difícil caracterização. Talvez pudesse ser substituída por algo como “razões pessoais incompatíveis com o interesse público”.
De toda forma, para além da conveniência (ao menos) de ajustes para o aprimoramento do artigo 1º do PLS 85/2017, é curioso perceber que a essência do receio ministerial concentra-se exatamente na questão da criminalização da divergência de interpretação.
Preocupa-se o Ministério Público em afastar qualquer tentativa de se imputar a seus membros a prática de abuso de autoridade, na hipótese em que o pedido formulado em ação por eles patrocinada, a partir de determinada compreensão da ordem jurídica, seja posteriormente rechaçado pelo Poder Judiciário.  
Ocorre que o mesmo Ministério Público rotineiramente ignora a possibilidade de divergência interpretativa, dirigindo-se furiosamente contra autoridades públicas que ousam se filiar a corrente outra que não a que embala o pensamento ministerial.
Interessante notar que o argumento que nutre a reação ministerial retratada em documentos e recentemente verbalizada tanto em entrevistas não discrepa daqueles corriqueiramente apresentados pelos réus diante de ações movidas pelo próprio MP.
Não raras vezes, o agente público competente para o exercício da atividade administrativa se vê lançado no polo passivo de ações penais e de improbidade, pela prática de ato administrativo, sem dolo ou culpa, apenas porque a sua escolha ou conduta não representa a opção que aos olhos do membro do Ministério Público parece adequada. Sem falar nas teses criadas ao arrepio da lei e dos mais básicos princípios constitucionais, como é o caso da “presunção de dolo”.
É interessante como de nada adianta a posição divergente àquela do MP estar fundada em entendimento jurisprudencial e/ou doutrinário pré-existente — e esse é um problema que precisa ser debatido. Isso sem falar no tom ameaçador das recomendações por meio das quais o Ministério Público costumeiramente não se limita a exigir o saneamento de supostas falhas, mas chega a exigir a adesão a opções de política pública que, na sua visão, são as melhores.
Ora, se não é correta a punição de membros do Ministério Público, porque há de lhes ser assegurada a liberdade para eleger determinada linha interpretativa, igualmente não se deveria cogitar do ajuizamento de ações em face de outras autoridades públicas nas hipóteses em que o comportamento adotado não se amolda àquele desejado pelo órgão ministerial, mas se afina com entendimento doutrinário ou jurisprudencial, ainda que não pacíficos. 
Promotores e procuradores da República costumam  resistir bravamente  à ideia de que à autoridade administrativa deve ser assegurada a mesma liberdade hermenêutica que pretendem lhes seja garantida. 
Se é crucial afastar o "crime de hermenêutica" para o exercício satisfatório das prerrogativas que a Constituição da República garante aos promotores, procuradores de Justiça e procuradores da República, há se se salvaguardar o mesmo espaço de interpretação para as demais autoridades. Afinal, ubi eadem ratio ibi idem jus, ou seja, “onde houver o mesmo fundamento deverá haver o mesmo direito”. Ou ainda:  ubi eadem legis ratio ibi eadem dispositivo (“onde há a mesma razão de ser, deverá prevalecer a mesma razão de decidir”).
Em outras palavras, pau que não dá em Chico não pode dar em Francisco. Diante de uma diversidade de entendimentos a respeito de certo assunto, há de se assegurar à autoridade competente o direito a atrelar-se à determinada linha interpretativa, sem asfixiar o espaço decisório do agente público. Mas, definitivamente, não é isso o que vem ocorrendo.
A liberdade que se pretende conceder ao Ministério Público de ater-se a uma ou outra linha de pensamento acolhida pela jurisprudência também deve ser garantida os demais agentes públicos, sob pena de ser mantido um privilégio inadmissível a determinados órgãos controladores — que passam a se estabelecer acima do bem e do mal. Tolher tal liberdade deve ser considerado um caso de abuso de autoridade.
O momento convida ainda a uma outra reflexão a respeito da qual o PLS 85/2017 nada disse expressamente — mas deveria.
Entre os tipos penais distribuídos pelo PL 85/2017 não há previsão específica sobre o enquadramento, em termos de abuso de autoridade, da instauração de inquérito civil ou criminal ou do ajuizamento ações pelo Ministério Público, a despeito de evidenciada a prescrição da pretensão persecutória.  
Tenho presenciado o desassossego de pessoas que se veem compelidas a contratar advogado, para o oferecimento de defesa e acompanhamento de ação proposta em flagrante desconsideração à prescrição. 
O Supremo Tribunal Federal firmou tese com repercussão geral, nos autos do Recurso Extraordinário 669.069, sobre a prescritibilidade das ações de reparação de danos à Fazenda Pública decorrentes de ilícito civil. A despeito disso, ainda hoje o  Ministério Público propõe ações contra atos alcançados pela prescrição. E não me refiro a casos em que se imputa aos réus a prática de improbidade administrativa. Refiro-me a casos em que o propósito é exclusivamente o ressarcimento ao erário. A situação é ainda mais dramática quando se postula e, pior, se obtém o bloqueio dos bens dos réus (a propósito, é urgente discutir a absurda jurisprudência a respeito deste tema, o que será objeto de outra coluna).
Ora, prerrogativas funcionais são ferramentas imperiosas ao exercício responsável das atribuições inerentes ao cargo público. São intoleráveis e igualmente danosas à sociedade os excessos e a insensatez. Movimentar a estrutura do Poder Judiciário e do próprio Ministério Público em busca de ressarcimento não mais possível diante do transcorrer dos dias é também lesivo ao erário e ao interesse público.
Enfim, parece evidente que a reflexão sobre os equívocos e exageros das autoridades responsáveis pelo controle é muito relevante, inclusive para ser preservado o importante papel que a Constituição da República lhes conferiu. Disciplinar o assunto mediante lei, mais do que oportuno, é fundamental.
 é advogada, professora da Universidade Federal de Minas Gerais e ex-controladora-geral e ex-procuradora-geral-adjunta de Belo Horizonte. Tem pós-doutorado na Universidade George Washington (EUA).
Revista Consultor Jurídico, 20 de abril de 2017, 10h47