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domingo, 17 de agosto de 2014

O conhecimento privado do juiz como motivação (Clito FORNACIARI JÚNIOR)

17/ag/2014...

Doutrina

O Conhecimento Privado do Juiz como Motivação

15/08/2014
Autor:
FORNACIARI JÚNIOR, Clito
O voto proferido pelo Ministro LUIZ FUX no julgamento sobre a abertura de processo criminal contra o deputado federal Arthur Lira, acusado de agredir a ex-mulher, após a separação judicial, permite que se relembre a velha questão do conhecimento do magistrado e a realização da prova, principalmente da pericial. No julgamento em tela, como amplamente divulgado pela imprensa, votando vencido, o Ministro FUX invocou o seu conhecimento pessoal sobre o Mixed Martial Arts, as chamadas lutas do MMA, para dizer que não seria verossímil que alguém apanhasse por quarenta minutos, pois nem lá se permite isso, discorrendo, então, sobre o ritual praticado naquele esporte. Também fez considerações sobre os vestígios deixados pelo "murro de mão fechada".
Sem analisar o caso em si, mesmo porque foge de nossa seara, nem se precisando externar o desconforto que suas considerações, que soam jocosas, trazem, o fato é que três institutos processuais certamente as desqualificariam, fossem elas exteriorizadas no âmbito civil.
O art. 145 do Código de Processo Civil determina que, quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito. O perito terá por função certificar a ocorrência dos fatos, bem como dos significados e consequências que deles se revelam. Semelhante disposição não se volta tão somente ao esclarecimento do magistrado, mas presta-se, acima disso, para garantir a plenitude de defesa e, ainda, a igualdade das partes no processo. Diante de um laudo pericial que descreva ocorrências ou retira conclusões técnicas sobre o que viu, ou seja, faz um trabalho de reconstrução dos acontecimentos a partir dos vestígios que deixou, têm-se a possibilidade de discutir, ainda na fase de instrução, os enunciados da perícia, podendo as partes, da mesma forma, socorrer-se de assistente-técnico da mesma área do perito. Ademais, a forma de desenvolvimento da prova dá igualdade de oportunidades aos litigantes, permitindo-lhes armas iguais.
Ao juiz, mesmo que disponha de conhecimentos técnicos e científicos acerca do quanto foge do assunto jurídico, não é dado utilizar-se deles, prescindindo do perito. Essa prática soaria como surpresa processual, de vez que o magistrado externaria seu conhecimento nos autos no momento da decisão, portanto sem possibilidade de as partes se contraporem e até mesmo produzirem prova contrária. Afetada, pois, seria a plenitude do direito de defesa e até a igualdade processual. ARRUDA ALVIM aduz como óbice a esse proceder também a circunstância de os fatos probandos deverem ficar demonstrados no processo, a fim de que possam os órgãos de revisão valorá-los, o que poderia ser comprometido, "dado que muito possivelmente os membros do tribunal não disporão desses mesmos conhecimentos" (Comentários ao Código de Processo Civil, GZ Editora, 1ª edição, 2012, p. 254).
Há quem entenda diferentemente (cf. CELSO AGRÍCOLA BARBI, Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 2ª edição, 1981, n. 785, p. 600), dizendo que a perícia seria, presente essa situação, "inútil formalismo". Esse argumento não consegue superar o aspecto da surpresa que representaria o pronunciamento do juiz acerca do tema no momento de decidir. É certo que o juiz é o perito dos peritos, de modo que ele melhor poderá dizer também sobre o aspecto técnico, porém respeitando o rito da prova, ou seja, fazendo crítica do quanto o perito disse, não simplesmente proclamando um resultado exclusivamente fundado no seu conhecimento.
Entrelaçam-se com esse tema as regras da experiência comum de que trata o art. 335 do Código de Processo Civil, impondo ao juiz observá-las. Essas regras nada mais representam que o desaguar da vivência de homem do juiz, permitindo-lhe retirar de dentro de si, "a experiência de vida, no sentido mais amplo, ou seja, o conhecimento adquirido pela prática e pela observação no quotidiano", levando-o à formação de um juízo de possibilidade, chegando, pois, a uma "conclusão provável" (ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 1a edição, 2000, n. 21, p. 30 e 31).
Todavia, o sistema não se conforma com conclusão simplesmente provável, salvo quando outro jeito não existir. Tanto assim que o próprio artigo que autoriza o julgador a valer-se das regras da experiência comum também restringe o seu uso aos casos em que não houver norma jurídica particular e, ainda, aparta essa possibilidade em vista do exame pericial. Semelhante previsão retira do magistrado a possibilidade de ser um simples intuidor, alguém que, antes de auscultar a lei e a prova dos autos, prefira ouvir os recônditos de sua alma, de modo que semelhante regra de convencimento até se faz possível, porém, desde que não existam normas jurídicas particulares (cf. MOACYR AMARAL SANTOS, Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 1a edição, 1976, n. 31, p. 53), nem se cuide de algo que dependa de conhecimento técnico ou científico.
Alguma vertente do problema, da mesma forma, repercute sobre o chamado fato notório, que, de conformidade com o art. 334, I, do Código de Processo Civil, não depende de prova. Igualmente, o conhecimento do juiz sobre fatos relevantes para o deslinde de processo não tem esta conotação, não dispensando o interessado de produzir provas. Nessa linha, bem elucida o problema NELSON PALAIA, separando a impugnação do fato em si e a impugnação da sua notoriedade: "De fato o juiz diante da impugnação à notoriedade de um fato alegado como tal, não poderá usar de seu conhecimento privado para decidir. A relatividade do conceito implica na adoção de um padrão médio de conhecimento dos fatos. O que é notório para um pode não ser para outro, logo o juiz não deve aceitar ou dispensar a prova em função de um padrão médio de cultura. O juiz não deve consultar a sua memória nesta hora, e sim raciocinar em termos do que está na memória coletiva daqueles que possuem um padrão médio de cultura" (Fato notório, Saraiva, 1997, n. 9.5, p. 42). Em igual sentido, perfila-se ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, distinguindo os fatos notórios daqueles que são conhecidos tão-somente per famam et vocem publicam, dizendo: "Fatos que constituem objeto do conhecimento privado do juiz são aqueles fatos singulares de que o juiz veio a saber, como pessoa particular através de percepções sensoriais exercidas fora do processo e, assim, independentemente da observância dos procedimentos probatórios estabelecidos por lei." (Comentários cit., n. 17, p. 26).

É certo, pois, que o conhecimento não jurídico do juiz não serve para fundamentar suas decisões, não só por não estar nos autos - e o que nele não está não existe no mundo - porém também porque o processo tem sua própria forma de obter conteúdo e esta passa necessariamente pela coleta de provas pelos meios idoneamente previstos em lei. Assim, sendo a questão de natureza técnica, o caminho legal é a realização da perícia, colhendo-se os elementos de prova sob o crivo do contraditório.
Disponível em: (http://www.lex.com.br/doutrina_25849022_O_CONHECIMENTO_PRIVADO_DO_JUIZ_COMO_MOTIVACAO.aspx). Acesso em: 17/ag/2014.