Postagem no AberturaMundoJuridico em 11/mar/2017...
Martha Medeiros: Terapia do joelhaço
"Esse troço que você tem aí dentro da cachola só lhe distrai daquilo que realmente interessa: o seu desejo"
Postado por Redação Donna
25-04-2010 às 13h10
Sentado em sua poltrona de couro marrom, ele me ouviu com a mão
apoiada no queixo por 10 minutos, talvez 12 minutos, até que me
interrompeu e disse: Tu estás enlouquecendo.
Não é exatamente isso que se sonha ouvir de um psiquiatra. Se você
vem de uma família conservadora que acredita que terapia é pra gente
maluca, pode acabar levando o diagnóstico a sério. Mas eu não venho de
uma família conservadora, ao menos não tanto.
Comecei a gargalhar e em segundos estava chorando. “Como assim, enlouquecendo??”
Ele riu. Deixou a cabeça pender para um lado e me deu o olhar mais
afetuoso do mundo, antes de dizer: “Querida, só existe duas coisas no
mundo: o que a gente quer e o que a gente não quer”.
Quase levantei da minha poltrona de couro marrom (também tinha uma)
para esbravejar: “Então é simples desse jeito? O que a gente quer e o
que a gente não quer? Olhe aqui, dr. Freud (um pseudônimo para preservar
sua identidade), tem gente que faz análise durante 14 anos, às vezes
mais ainda, 20 anos, e você me diz nos meus primeiros 15 minutos de
consulta que a vida se resume ao nossos desejos e nada mais? Não vou lhe
pagar um tostão!”
Ele jogou a cabeça pra trás e sorriu de um jeito ainda mais doce. Eu
joguei a cabeça pra frente, escondi os olhos com as mãos e chorei um
pouquinho mais. Não é fácil ouvir uma verdade à queima-roupa.
“Tem gente que precisa de muitos anos para entender isso, minha
cara”. Suspirei e deduzi que era uma homenagem: ele me julgava capaz
daquela verdade sem precisar frequentar seu consultório até ficar
velhinha. Além disso, fiz as contas e percebi que ele estava me poupando
de gastar uma grana preta.
Tá, e agora, o que eu faço com essa batata quente nas mãos, com essa revelação perturbadora?
Passo adiante, ora. Extra, extra, só existe o seu desejo. É o desejo
que manda. Esse troço que você tem aí dentro da cachola, essa massa
cinzenta, parecendo um quebra-cabeças, ela só lhe distrai daquilo que
realmente interessa: o seu desejo. O rei, o soberano, o infalível, é
ele, o desejo. Você pode silenciá-lo à força, pode até matá-lo, caso não
tenha forças para enfrentá-lo, mas vai sobrar o que de você? Vai restar
sua carcaça, seu zumbi, seu avatar caminhando pelas ruas desertas de
uma cidade qualquer. Você tem coragem de desprezar a essência do que faz
você existir de fato?
É tão simples que nem seria preciso terapia. Ou nem seria preciso
mais do que meia dúzia de consultas. Mas quem disse que, sendo
complicados como somos, o simples nos contenta? Por essas e outras,
estamos todos enlouquecendo.
Original disponível em: (http://revistadonna.clicrbs.com.br/noticia/martha-medeiros-terapia-do-joelhaco/). Acesso em 11/mar/2017.
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