Postagem no AberturaMundoJuridico em 11/mar/2017...
A liberdade na modernidade líquida
A liberdade contemporânea tem um significado muito diferente do que havia há cem anos, quando a individualização passou a significar a emancipação do homem. O texto aborda diversas obras de Bauman, principalmente o “Capitalismo parasitário”.
Fonte: Gisele Leite
Postado em 06 de Março de 2017 - 11:05
Introdução
Desde
sempre a liberdade é o motor da ação humana que tanto inspira e
representa a morada da alma. Porém, há de se conscientizar sobre a
condição de servidão[1], para realmente refletir sobre a liberdade que
se vive e que se deseja.
A
contemporaneidade promove e incentiva cada vez mais a liberdade
individual, contudo a autêntica e legítima liberdade pode ser muito
prejudicial aos projetos neoliberais de controle e dominação, por isso,
uma avaliação estruturada nas teorias sociais de Bauman nos revela que a
liberdade perdeu ou se transformou e vive sob a influência direta da
ideologia dominante que delibera sobre o futuro econômico e social do
mundo.
Nesse
cenário, surgem os novos indivíduos, ou simplesmente os neoindivíduos
que por se fecharem acriticamente na sua hiperindividualidade egoísta,
são parte das engrenagens dessa ideologia totalitária e, colaboram com a
opressão, distanciando-se de se libertarem pela razão e pela crítica
reflexiva.
A
falta de liberdade do indivíduo na contemporaneidade é permeada por
fatos, por vezes, imperceptíveis em uma sociedade, como a brasileira,
voltam a forçar uma análise sobre a significação e fundação das relações
pessoais.
Procurando
comprovar a liberdade individual tão propalada pela ideologia
neoliberal, vista como bem mais precioso, conclui-se que é uma ilusão
porque o indivíduo superindividualista é resultante do neoliberalismo e,
sofre uma falta crônica de liberdade que é vivida de forma
inconsciente.
Apesar
de a máxima neoliberal ser a intensa valorização da liberdade
individual, porém, contrasta com a finalidade do neoliberalismo que
necessita de comportamentos previsíveis e massificados para sua
existência e pleno desenvolvimento.
Diante
desse paradoxo, surge a justificativa para se analisar adequadamente o
comportamento do neoindivíduo[2]. O termo neoindivíduo advém do
neoliberalismo, isso porque é integrante e fiel colaborador dessa
ideologia distrópica.
Afinal,
para Bauman a modernidade líquida/fluída por não manter a forma com
facilidade, não fixa o espaço e nem prende o tempo, os líquidos estão
sempre prontos e propensos à mudança de forma e, podem apresentar
leveza, mas podem ser até mais pesados que muitos sólidos.
Em
essência, a grande mobilidade e acelerado devir do líquido é um bom
representante metafórico da modernidade contemporânea que não tem forma
distinta e está sempre mutante[3]. O comportamento do neoindivíduo sofre
pressões externas que limitam e manipulam suas escolhas e, atingem,
portanto em cheio, a sua liberdade.
Para
Sartre, se não há escolhas, também não há liberdade. A liberdade não
pode ser abstrata e tão pouco transcendente, tem que se manifesta em
atos concretos e, foi o mesmo filósofo existencialista que afirmou que
“o homem está condenado a ser livre”, pois sempre faz escolhas e, até o
ato de não-escolher representa igualmente uma escolha[4].
Na
modernidade líquida, a máxima de Sartre deve ser revista em parte, onde
não existe a forma de não escolher. Há no mundo neoliberal a
pseudomultiplicidade de escolhas que sempre tem o mesmo fim, o de
consumir.
O
consumismo é o núcleo e a forma de conduta individual e coletiva
presente e importante na modernidade líquida e que causa o
enclausuramento cíclico sem fim.
A
sensação de liberdade é apenas uma ilusão de tempos de liberdade
excessiva. Explica-se pelo comportamento massificado e pela busca
hiperbólica da felicidade a qualquer preço. Aliás, o preço é a
palavra-chave do neoliberalismo[5].
Ao
analisar a liberdade dos consumidores ativos posto que tenham as
maiores potencialidades de produzir riquezas, pois afinal pagam impostos
e compram não apenas para sobreviver e suprir suas necessidades
básicas, mas para encontrar a felicidade, o que tem sido a busca
ontológica da humanidade, pois o neoliberalismo se tornou o Oráculo de
Delfos[6] contemporâneo, capaz de responder tudo sobre a falta de
felicidade e sobre as angústias.
A
porção excluída, os miseráveis, que não participam dessa análise, posto
que não possuam liberdade nenhuma e, vivem em condição não-humana.
Nessa análise concentram-se na população economicamente ativa, os que
podem comprar a liberdade ilusória e a felicidade efêmera e padronizada
(one-way), contudo, sem considerar as especificações sociais, políticas e
culturais.
Isso
ocorre porque dentro de suas limitações de consumo, a busca do
indivíduo neoliberal segue padrões bem definidos e previsíveis.
Lembremos que o Brasil é país liderado, globalizado e regional e, na
qualidade de país ainda em desenvolvimento, em situação oposta dos
países desenvolvidos que são líderes, globalizadores e
extraterritoriais.
Infelizmente
somos um país retardatário de modernidade, temos a chamada modernidade
tardia, o país do Hércules-Quasímodo[7], dono de cultura
subdesenvolvida, de educação frágil, com abismos sociais, com altos
índices de violência (por vezes superiores mesmo aos de países em
guerra), submetido a um governo extremamente corrupto e de democracia
principiante.
Assim,
o que analisamos é o chamado “indivíduo periférico” posto que seja
globalizado e dominado. O neoliberalismo constrói uma ordem social em
constante mutação, não é apenas uma condição econômica, mas uma
revolução social, onde o status social norteia os comportamentos
humanos.
No
neoliberalismo somos “peixes dentro d’água”, em suma, o neoliberalismo é
ambíguo e nos envolve e norteia ciclicamente pelo seu devir.
O
neoindivíduo corresponde ao indivíduo líquido que aceitou
irrestritamente a ideologia neoliberal, que abraçou o capitalismo
líquido, sem questioná-lo, adotando todas as condições impostas pelo
modelo de vida, voltado para o consumo, entendido como a única forma de
felicidade possível.
Os
fins da ideologia neoliberal é produzir e fomentar sentimentos
superindividualistas nos membros economicamente ativos e deliberar sobre
a liberdade individual na sociedade contemporânea.
O
que sustentam os argumentos hipotéticos na Sociologia, deriva das
afirmações como as de Hobsbawn[8] (1995) que apontou que a revolução
cultural do século XX pode ser definida como o triunfo do indivíduo
sobre a sociedade, uma destruturação das relações sociais e dos padrões
esperados de comportamento das pessoas (em convivência).
No
liberalismo atual, prêt-à-porter os primeiros teóricos, como Hobbes já
noticiava a universalização do individualismo estruturado na lei do mais
forte, um comportamento que destrói a coletividade, a solidariedade e a
democracia. Instituiu uma competitividade antropológica dentro das
relações sociais.
Bauman,
como teórico da pós-modernidade, identificou a base conceitual da
liquefação ontológica, afirmando que a batalha mortal e infinita entre a
liberdade e a dominação forma a individualidade de seus membros, e
estes, formam a sociedade a partir das ações da vida.
No
entanto, na apresentação da modernidade líquida, há a participação de
seus membros como superindividualistas que é a sua marca registrada.
Assim Bauman anunciou que a individualização contemporânea tem um
significado muito diferente do que há cem anos, quando a
individualização significou a emancipação do homem.
A
contemporaneidade, como é sabido, é caracterizada por uma série de
mudanças e, existem as manifestas e aparentemente negativas,
deteriorantes e contraditórias.
Por
um lado, se busca uma sociedade ideal, onde os interesses minoritários
estão na base estrutural de uma sociedade mal definida, impregnada de
contradições e mergulhada no niilismo[9].
Visivelmente
a infelicidade, o medo, a angústia e o apego excessivo aos bens
materiais (têm caracterizado o homem contemporâneo que seria em tese o
resultado perverso da equação neoliberal). Mas, o homem contemporâneo
deve ser entendido em seus anseios e, ainda, entender
epistemologicamente as forças que produzem o desejo de se enquadrar a
qualquer custo, num padrão pré-estipulado de comportamento, que rompe
com as instituições sociais e, confecciona uma nova ética privatista.
O
neoindivíduo com a ausência real de liberdade individual, atrela-se aos
modelos e conceitos predefinidos, aos padrões que massificam, manipulam
e coisificam e enclausuram aqueles que estejam excluídos desses
padrões.
Quanto mais a sociedade enriquece, maior é a vontade de consumir e, quanto mais consome, mais se quer consumir.
A
época da abundância é inseparável de um alargamento indefinido da
esfera de satisfações desejadas e de uma incapacidade de eliminar os
apetites de consumo, sendo toda saturação de uma necessidade acompanhada
imediatamente por novas procuras.
Atenta-se
para o consumismo frívolo que é cheio de significados simbólicos que
também movimenta a economia onde, de fato, os principais favorecidos são
poucos. A demanda massiva de consumo enriquece aos poucos. E, os que
fazem rodar o círculo do consumo, são objetos que se despem de sua
subjetividade para participar de um processo ambíguo que é o
neoliberalismo.
Seguimos
o caminho como ovelhas passivas e ao rebanho logo aderimos, com medo de
nos desgarrarmos. Questiona-se: Será que sabem o que estão fazendo?
Será que pelo exemplo socrático, seguimos aqueles que são os mais
importantes e influentes? Ou pelo simples atendimento ao discurso
democrático de que a maioria sempre tem razão?
O
mesmo Sócrates que nos ensinou por meio de sua dialética, a sermos
menos resignados e menos inclinados a seguir obedientes à massa. De
acordo com o pensamento socrático tem-se a responsabilidade de pensar,
mesmo sem a formação para isto. Mesmo onde a educação é nula ou
inexistente e que não proporciona uma instrução humana adequada e
crítica que estimulará a vontade racionar, de usar os benefícios do
intelecto. Enfim, a escola precisa formar o ser pensante, humanista,
moral, ética e coletivista.
Nas
escolas privadas que possuem como único objetivo uma competitividade,
que exclui as questões humanistas, fechando-se somente na produção de
discentes que concorrem para as melhores colocações em exames e nos
rankings e, fazem publicidade dessas instituições de ensino privado.
Portanto,
o ensino privado é apenas mais um bom negócio empresarial. Mas, essa
educação não forma um indivíduo apto a enfrentar os desafios humanos da
coletividade na sociedade e nem os paradoxos mutantes da
contemporaneidade.
Baseiam-se
na ética regulada pelo mercado, a atividade considerada como boa é
aquela que oferece maiores lucros e menores ônus. Infelizmente a
educação[10] contemporânea falha em suas funções básicas de humanização
e, deixa de formar a moral edificante, e ainda, encontra a família em
crise por fragmentação e individualismo, imersa num mundo de disputas
pelas recompensas prometidas pelo neoliberalismo.
Infelizmente
os pais deixam a cargo das escolas a confecção do caráter dos filhos,
que, conforme exposto, não o farão de forma saudável para uma sociedade
ideal e, o neoliberalismo se aproveita disso, e fomenta de forma cruel e
predatória essa falha no neoindivíduo.
Explica
o capitalismo que todos possuem a condição de alcançar riqueza e os
confortos do mundo sensível, um mundo meritório como oportunidades
iguais para todos. Tal modalidade social acessível a todos, trazem
exuberantes recompensas, como a de acúmulo de capital e o deleite do
consumo, que enchem de prazeres o mundo sensível do indivíduo neste
inserido.
A
publicidade e o marketing se encarregam de reafirmar, constantemente, a
recompensa da posse do capital e, consequentemente o de como gastar
esse capital. É são desenvolvidos os motivos ontológicos e culturais
que fazem desse ciclo um comportamento compulsivo.
A
compulsão à mobilidade social funciona como uma mola propulsora da
individualização contemporânea e gera sérios problemas na família:
afinal, de quem é o papel de construção de caráter dos filhos? Quando
ocorre? E, de qual forma? Questões intrigantes muitas vezes
negligenciadas.
Em
resumo, a família como instituição responsável pela confecção de um
caráter ético e moral, se confunde nos papéis do casal e precisa se
adequar a uma indeterminação efetiva do mundo do trabalho, então, as
referidas questões são impelidas às instituições sociais de ensino.
Desenvolvimento
A
noção de autoridade e reprodução cultural, ou seja, de limite (no
sentido de confecção da conduta moral, de uma moderação, prudência e
equilíbrio), e não de limite restritivo a emancipação, onde a ética e a
moral, não são socializadas apenas em família, mas também na escola,
então, a responsabilidade também é da escola, mas frise-se que não
somente da escola.
O
interessante é perceber que a escola, tratada como reforço ético e
moral, encontra-se, talvez, mais impotente que a própria família, isso
pode ser ratificado com a afirmativa de que as crianças, antes de serem
alunos, são também e principalmente clientes.
A
mobilidade líquida afeta as questões empresariais das escolas, pois se o
aluno/cliente ficar insatisfeito, escolherá ou forçará as escolhas dos
pais por outra escola, então uma escola/empresa não tem como impor o
limite que gera o equilíbrio, a ética exige, poder-se-ia dizer, uma
mencionada autolimitação. (In: BAUMAN, Z., O mal-estar da
pós-modernidade, 1998).
E,
consequentemente, gerar uma sadia noção de moral nessa criança, pois
essa escola corre o risco de perdê-la como cliente para outra empresa de
ensino.
Piaget[11]
nomeou de estágio pré-operatório (de 2 a 7 anos) crianças ocupantes que
começam a desenvolver sua capacidade simbólica, o lugar de origem das
noções de certo e errado (ética), pode e não pode (limite), a relação e a
conduta correta na coletividade (moral).
E,
nos estágios das operações concretas (7 a 13 anos) e do operatório
formal (de 13 anos em diante), a preocupação escolar se concentra em
produzir competidores, aptos a vencer concursos e provas, para, de forma
direta, promover a imagem institucional dessas escolas, ficando as
questões humanas, novamente relegadas a uma segunda instância de
preocupação.
Sobra
ao neoliberalismo que se revela em ser o expert na educação capaz de
inculcar os preceitos de moderação ética e moral (ou a total falha
destas) nas crianças economicamente ativas na sociedade. As relações
humanas do futuro são esquadrinhadas na escola que reproduz tal qual uma
maquete a realidade político-social onde está inserida.
Percebemos
que a escola e a família estão tendo problemas de inculcar no indivíduo
contemporâneo uma ética, que, consequentemente, geraria uma crítica que
rejeitaria essa “moral do errado” a que temos assistido
sistematicamente, recusaria e desaprovaria os governantes desonestos,
tão pouco a opinião pública, porque já foi provado, centenas de vezes,
que não há punição, posto que sejam blindados, pelas suas imunidades
autoinstituídas, numa análise comportamental. Tais governantes (de
vereadores até senadores, ministros e presidentes) são gratificados
sistematicamente[12] por suas condutas, pela desonestidade e acabam de
solapar o futuro.
A
falta de punição em todos os níveis da sociedade, somada a não educação
ética e humana, acrescidos os benefícios e recompensas do
neoliberalismo (de posse e riqueza) confeccionaram um produto social que
só tende a prejudicar e tornar inexorável o ciclo vicioso.
Os valores morais são subvertidos, e a humanidade está confundindo riqueza com bem-estar, e este, com a capacidade de consumo.
A
vida urbana de hoje veio se desenvolvendo desde a Revolução Industrial,
quando tivemos registro da primeira sociedade de consumo. Criou-se,
então, a ostentação desnecessária de sofisticação supérflua, egoísmo,
exacerbado, ganância, ansiedade e doenças. O dinheiro que antes seria
apenas um instrumento de troca, se tornou a materialização de tudo.
Enfim, a competição[13] está entranhada em nós.
Mas,
Bauman ao nos apresentar a sociedade individualizada, nos apresentou
também a sua fundamentação, é do mundo do trabalho que pode trazer
algumas explicações: pois é claramente observável que confecciona a
visão sob o indivíduo contemporâneo abandonando as suas raízes, cultura e
família, ou seja, qualquer instituição basilar à sua conduta ética para
abraçar a vida dedicada ao capital, ao lucro e à propriedade.
O
indivíduo se destitui de sua humanidade subjetiva para ser tornar
apenas a engrenagem ou objeto do sistema neoliberal. Eis uma questão
crucial: o objeto[14] tem ética? Possivelmente não, responderia Bauman
que tratou sobre a subjetividade na sociedade de consumidores que se
resume ao comércio e aos símbolos usados na construção da
identidade[15].
O
discurso da coisificação do indivíduo contemporâneo é bem explícito nos
relacionamentos virtuais que se baseiam na automercadorização do
indivíduo. Na obra de Bauman, “Tempos Líquidos” ele demonstrou que o
indivíduo não se fixa e nem se apega a nada e, nem a nenhum ciclo que
perdure por um tempo. Para o neoliberalismo ou o capitalismo líquido,
esse ciclo deve ser sistematicamente encurtado numa era evanescente, no
império do efêmero[16] como indicado na obra do francês Gilles
Lipovetsky (1989) que trata desse mesmo tema, porque o que dura não
precisa ser trocado, ou comprado novamente, então deve ter-se a
obsolescência cada vez mais acelerada e voraz, o que para a psicanálise
freudiana se sustenta pelo gozo do novo ou pela novidade.
Pois
nada do que já se possui, pode mesmo suprir o prazer[17] do novo e, tal
perspectiva pode ser apreendida numa conjunção de coisas e relações. O
neoindivíduo não tem aspirações de se estabelecer e nem alimentar
relações duradouras.
No
mundo líquido moderno, a solidez das coisas e dos sentidos, assim como
os vínculos humanos é vista como uma ameaça; qualquer juramento de
fidelidade, qualquer compromisso a longo prazo (e, ainda mais, por prazo
indeterminado) prenuncia um futuro prenhe de obrigações que limitam e
ceifam a liberdade de movimento e a capacidade de perceber novas
oportunidades (ainda que desconhecidas) assim que inevitavelmente elas
se apresentarem (In: Bauman, Capitalismo parasitário[18], 2010).
Conclui-se
que o descompromisso ético em suas relações sociais, não causaria nesse
indivíduo um constrangimento desonroso, pois as novas relações que hão
de surgir e uma nova irremediável relação futura, que nascerá com prazo
de validade.
Em
resumo, para Bauman, no capitalismo sólido as relações sociais e
familiares eram duradouras e estáveis, o trabalho estava à serviço da
família e incentivava uma conduta carregada de responsabilidade ética.
Já
no capitalismo líquido ou neoliberalismo, as relações de amizade são
efêmeras, a família vem em segundo plano, as exigências profissionais
obrigam uma mobilidade individual despreendida, tornando-se assim mais
importantes que a própria família.
O
neoindivíduo é o resultado de famílias solapadas pelo
superindividualismo, superapego ao material, em que aplicam esforços
desmedidos para reverenciarem os dogmas neoliberais. Que, por
conseguinte, estabelecem famílias e novos indivíduos com o mesmo teor
intenso de individualismo, somados as agravantes já citadas, como a
escola-empresa e as fraquezas estruturais de caráter, os exemplos de
desonestidades que acabam impunes, além de recompensar sensíveis que o
direito traz.
Tornou-se
tão em desuso a honestidade que, quando algum indivíduo comete um ato
desses, é merecedora de manchetes de jornais e revistas e, sempre lhe é
questionado o porquê de tê-lo feito.
A
transcendência pode indicar rumos mais éticos ao neoindivíduo,
salvando-se dos pecados da carne que levam fatalmente à ruína total. A
nova ética[19] evangélica é reflexo do espírito de capitalismo tardio.
Devemos tentar entender qual a ligação da liberdade, da ética, da
transcendência e do superindividualismo na contemporaneidade, em que o
ascetismo[20] é o comportamento mais elementar do indivíduo.
Bauman
nos lembrou de que o conhecimento da mortalidade dispara o desejo pela
transcendência, contudo a busca pelo mundo espiritual tem uma
perspectiva maior e complexa e mais mercantil.
A
prática religiosa é imanente a uma conduta ética que naturalmente leva a
uma moral, ou seja, normalmente uma conduta estabelecida pelo medo (da
morte, do inferno, da punição em outro mundo), porém, na modernidade
líquida, o medo se deslocou e reside na inadequação social.
Por
isto, percebe-se a busca ascética e mais manifesta em novas doutrinas
evangélicas que pregam a recompensa divina, não mais após a morte, mas
ainda em vida, nas ações que campeiam as vantagens do mundo sensível,
quiçá pondo de lado a parte mais triste e apavorante desse paradigma, a
morte e a penitência.
O
que nos leva a uma ética[21] distinta da habitualmente conhecida.
Talvez seja uma liberdade de escolha, de usufruto dos presentes tidos
pelo reconhecimento de Deus, uma troca mais tangível.
Segundo
o censo estatístico, o cristianismo no ano de 2000 é provido de
aceitação presente na vida de grande percentual de brasileiros, tendo
uma ascensão vertical dos evangélicos em 1991, na ordem de 9% e, já em
2010 na ordem de 20% de seguidores. Tal dado estatístico merece atenção
primeiramente pelo aspecto empresarial da religião.
Aliás,
já se sabe que é vantajoso abrir uma igreja no Brasil, sendo baixo o
investimento financeiro. E por não requerer nenhum pré-requisito
teológico ou doutrinário e, ainda, em contrapartidas há várias vantagens
tributárias[22] (como isenção de IR e IOF), além de todos os impactos
que incidam sobre o patrimônio ou renda ou serviços relacionados com
suas finalidades essenciais. Também existem vantagens
extratributárias[23].
Cada
vez mais neoindivíduos são adeptos a essa forma de religiosidade que
buscam a transcendência sem os sacrífico capitais do capitalismo
propriamente dito, tais como, a caridade, fraternidade, misericórdia, a
vida na pobreza ou qualquer ação que acometa a individualidade.
Segundo
Weber[24] o tipo ideal de religião deve contribuir quantitativamente do
capitalismo, e a piedade popular, de forma resignada espera sua
recompensa após a morte.
Em
síntese, o desenvolvimento do neoliberalismo é apoiado por Weber, o
ascetismo volverá com maior energia e as formas que justificam o acúmulo
de capital e ao egocentrismo, confortando quem está na riqueza e
incentivando sempre a sua busca.
A
nova religião evangélica ascendente implica na ampliação e
fortalecimento do individualismo, garante a paz de espírito nas suas
ações egocêntricas, alimenta o desejo por recompensas do neoliberalismo
e, ainda, reforça o discurso da promessa divina, ou da herança de Deus
em vida e, não após esta[25].
Tal
herança divina é alcançada através da adoração e culto e, não mais pela
beneficência fraternal e solidária. A não ser pelo dízimo e pelas
doações feitas às respectivas igrejas.
Enfim,
tentando se livrar de tamanhos grilhões morais que impõem profundo
sacrifício que o neoindivíduo encontra sua pseudoliberdade, na
reinterpretação das escrituras bíblicas, na justificativa de uma “nova
era cristã” que o transforma de cultuador, devedor para cumpridor e
credor de Deus em sua vida.
Registram-se
assim igrejas como revistas personalizadas resultantes da
superindividualização, trazendo uma releitura sempre mais flexível do
que a tradicional e, fugindo de uma conduta ética cristã habitual, vindo
a confeccionar a sua própria.
Luiz
Felipe Pondé[26] nos informa que não conseguimos fugir do mito posto
que nos seja visceral assim como uma pele. Desta forma, o neoindivíduo
não consegue se libertar de uma transcendência, tão pouco de seu
individualismo egoísta. Então, a original e rígida moral cristã se
encontra totalmente fragmentada e incapaz de propor limites éticos na
sociedade líquida que, para continuar ligado a uma transcendência,
confecciona as suas próprias seitas, normas e condutas.
O
desejo do status provavelmente é o principal motivo de angústia do
indivíduo, seja pela necessidade de se impor em uma escala social, seja
para se sentir aceito pelo seu grupo.
O
status é a forma de como perceber o indivíduo em sua sociedade, o
status elevado é motivo de conforto, atenção e liberdade, é a forma de
se sentir valioso e merecedor de adulações e respeito.
O
status é uma condição de valorização pelo outro. Na sociedade
meritocrática, o rico é valorizado como alguém virtuoso, por apresentar
alguns predicados, aparentemente intrínsecas à sua riqueza que são
criatividade, inteligência, perseverança e coragem. E, é pela virtude
que se alcança o status elevado.
Da
mesma forma que o pobre é percebido pela sociedade, como desprovido de
virtude, sua pobreza é entendida como fruto de preguiça e pouca
inteligência. O dinheiro está revestido de uma virtude que incorpora no
seu detentor os motivos sociais que legitimam o recebimento de
prestígio, atenção e respeito.
O
status não é privilégio apenas dos ricos, a sociedade se subdivide em
classes sociais e suas divisões, o indivíduo trava sua luta pela
ascensão nos seus grupos de referência. É travada dentro de grupos de
identificação. A necessidade do status tem um motivo infame que é o de
receber o amor do mundo; ser amado ou ser rejeitado pelo mundo que pode
ser prazeroso ou doloroso.
Durkheim
citado por Bauman afirmou que o indivíduo se submete à sociedade, e
essa submissão é a condição de sua libertação (...) é uma dependência
libertadora e, não há nisso contradição.
Locke
já aludiu que a liberdade individual só está protegida sem somente se,
esta for limitada pelas leis da natureza e/ou civis. A liberdade só
existe dentro da circunscrição da liberdade.
Afinal
por Locke e Durkheim a liberdade só pode ser expressa dentro do
controle coercitivo do Estado, em suma, a liberdade e o direito à
propriedade privada.
Questiona-se
que tipo de liberdade é essa? Freud engrossa a base conceitual
afirmando que essas riquezas e propriedades existentes e, possíveis
somente na sociedade ou civilização. Por isso, há restrição a liberdade
por meio da coerção do Estado, para que alguns tenham a liberdade de
serem ricos.
Mas
será a liberdade existe com maior, intensidade no bom selvagem[27] de
Rousseau? Que era feliz porque não se submetia a nenhuma força estatal e
viva em harmonia com a natureza.
É
difícil, às vezes, entender que a liberdade tinha uma existência
paradoxal como a sua ausência. Para Bauman o grau de liberdade é
preenchido pela crítica do indivíduo o que está errado em nossa
sociedade em que vivemos é que ela deixou de se questionar.
Conforme
disse Bauman à crítica é impotente e incapaz de afetar nossas escolhas.
A sociedade líquida é insensível às críticas, tornando-se um campo
fértil para a coisificação e da alienação proposta pelo neoliberalismo.
No
paradoxo contemporâneo de liberdade, Bauman afirmou: “A liberdade sem
precedentes que a nossa sociedade oferece aos seus membros chegou, como
há tempos nos advertia Levi Strauss, e com ela também uma impotência sem
precedentes”. (In: Bauman, Z. Modernidade Líquida).
Liberdade
não é expressão unívoca, essa é a única certeza, talvez a liberdade
seja utópica, inexistente, sem realidade, mas podemos perceber que o
mundo contemporâneo e neoliberal gerencia ou circunscreve, ao máximo,
essa condição subjetiva do indivíduo.
O
neoindivíduo possui uma liberdade impregnada de ideologia e confecciona
o que deve ser visto como liberdade e a falta desta. Para Bauman, há a
busca, o desejo, o amor pelo produto, e de forma parecida o neoindivíduo
curiosamente se comporta de modo similar, agindo como produto.
A
subjetividade dos consumidores é feita por opções de compra, assumidas
pelos sujeitos e potenciais compradores. A tese de Bauman explica a
supressão da subjetividade humana e o comportamento coisificado onde o
neoindivíduo aparece como mercadoria pronta para ser apreciada e
consumida e disputada por ser motivo de desejo.
Desta
forma, como no desejo[28] de status faz tudo para ser amado,
reafirmando sua condição incompleta. Bauman ilustrou a afirmativa
apontando para o comportamento dos participantes em sites de
relacionamentos, que se portam como mercadoria na estante ou vitrine,
sendo apreciada por pretensos consumidores virtuais.
É
a cultura consumista, a do produto pronto e apto ao uso e consumo
imediato para o prazer instantâneo, assim nada deve ser longo ou
duradouro. Reforçou Bauman tal teoria de coisificação, pois até o
processo de envolvimento emocional ocorre cada vez mais efêmero e
seguindo a linha ditada pelo mercado.
Conclusão
A
filosofia existencialista de Sartre nos informa que o homem está
condenado a ser livre, mas o neoliberalismo ou capitalismo líquido
promove profundas modificações na parte mais sensível e primária do
neoindivíduo, construindo um desejo controlado e moldado por suas
escolhas e pelo mercado.
Não
estamos mais condenados a ser livres, estamos condenados ao amor, um
tirano inconsequente que, inconscientemente ou institivamente, guia
nossas atitudes e, é por meio dessas técnicas e processos norteados pelo
neoliberalismo que se busca o status elevado que, no inconsciente
coletivo, legitima e justifica receber amor do mundo.
O
neoindivíduo ainda deseja ser amado e, é esse caminho conhecido para
alcançar sua completude, consumindo e seguindo os conselhos do
neoliberalismo. Na acirrada disputa social, além de produzir angústia
poderosa e grilhões, desvirtua o indivíduo da coletividade e amplia a
individualidade, utilizando-se do coletivo, apenas para a sua
autoafirmação.
Não
é fácil viver com os olhos postos e pregados em seu próprio desempenho e
desviado do espaço social onde as contradições da existência individual
são coletivamente produzidas.
Enfim,
busca-se aprovação, a atenção, o respeito e o amor a qualquer preço
havendo a persuasão do consumismo a superindividualização formando uma
nova moral, a self moral[29].
Pois
o neoindivíduo atua de forma acrítica, volúvel e moldável, sendo
ingênuo em essência por não perceber que sua conduta é planejada,
projetada e manipulada por outrem.
Bauman
nos disse que mesmo vivendo em escravidão, o indivíduo pode se sentir
livre, por isso não sente necessidade de libertar e perde a chance de se
tornar verdadeiramente livre.
O
neoindivíduo é resignado e aceita sem questionar, sem consciência sobre
a liberdade que lhe foi imposta. Onde tudo depende do que eu possa
comprar.
Referências
ADIB,
José Antônio Damásio. Teoria social e dialógica do sujeito. Disponível
em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext%26pid=S1516-36872005000100008
Acesso em 05.3.2017.
BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada, vidas contadas e histórias vividas. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
________________ Amor Líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
________________Capitalismo parasitário. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
_______________ Globalização, as consequências humanas. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
______________. Vida em fragmento, sobre ética pós-moderna. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
DE
LA BOÉTIE, Étienne. Discurso sobre a Servidão Voluntária. Disponível
em: http://www.miniweb.com.br/biblioteca/Artigos/servidao_voluntaria.pdf
Acesso em 05.3.2017.
FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Martin Claret, 2007.
LEVY,
Ruggero. Desejo e Prazer: A Construção do sujeito pós-moderno. Elogio
ao pudor - em defesa de certo mistério. Disponível em:
http://www.controversiasonline.org.ar/images/stories/PDF/n7-portu-Ruggero.pdf
Acesso em 05.3.2017.
LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal. São Paulo: Cia. Das Letras, 2007.
________________ O império do efêmero. São Paulo: Cia. De Letras, 1989.
PONDÉ, Luiz Felipe. Contra um mundo melhor. São Paulo: Leya, 2010.
SOARES,
Frederico Fonseca. Neoindivíduo: Questões sobre a liberdade na
modernidade líquida. Cadernos de Zygmunt Bauman, volume 1, n.2.
(Jul./2011).
_____________________ O desejo de status para o marketing: uma reflexão filosófica. Brasília; Revista Filosofia Capital, 2011.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito capitalista. São Paulo: Martin Claret, 2001.
Notas
[1]
Com Le Discours de La Servitude Volontaire (1552) compreendemos que a
origem da desumana opressão exercida pelos poderosos aos menos
favorecidos é atemporal e universal. A obra foi escrita por Etiénne de
La Boétie, que era estudante de Direito e esmiúça os porquês que levaram
a multidão a se permitir escravizar, de forma cega e voluntária, e
sempre se dispor a servir. Os meandros da servidão estão inseridos em
nós, na vontade de servir, apesar de ainda existir na alma humana o
germe da razão, produtor da virtude, e de acordo com a própria natureza,
nenhum ser humano pode ser mantido em servidão. Até os próprios animais
prezam a liberdade e se recusam a servir, e quando o fazem é por
imposição.
[2]
O Discurso da Servidão Voluntária foi escrito quando o filósofo tinha
18 anos e representou uma crítica à legitimidade dos governantes,
chamados por ele, de tiranos.
La
Boétie explica de que maneira os povos podem se submeter
voluntariamente ao governo de um só homem: em primeiro lugar, pelo
hábito, uma vez que quem está acostumado à servidão tende a não
questioná-la; em seguida, pela religião e pela superstição que se cria
em torno da figura do líder.
No
entanto, não são apenas esses dois métodos os elementos necessários
para criar a servidão voluntária: o segredo da dominação consiste em
envolver o dominado na própria estrutura da dominação, a saber, uma
pirâmide de poder: o tirano domina meia dúzia, essa meia dúzia domina
seiscentos, esses seiscentos dominam seis mil, e abaixo desses seis mil
vêm todos os outros. Para dominar a meia dúzia, ou seja, os seus
cortesãos, o tirano atira-lhes migalhas, e estes, gratos, aceitam a
submissão.
Essa
estrutura de domínio é repetida, então, nos demais níveis: a meia dúzia
em relação aos seiscentos; os seiscentos em relação aos seis mil; os
seis mil em relação a todos os outros. Para La Boétie, os que estão em
volta do tirano são os menos livres de todos, pois, se as outras pessoas
estão obrigadas a obedecer, esses, além disso, querem antecipar os
desejos do tirano, escolhendo, com essa atitude, livremente a própria
servidão.
Portanto,
os que estão na base da pirâmide, os camponeses e artesão, são, em
certo sentido, mais livres e mais felizes, pois após obedecerem a uma
ordem, podem gastar o resto do tempo com o que quiserem; já os
cortesãos, por estarem próximos ao tirano, estão afastados dessa
liberdade. O autor quer levar seus leitores a refletir sobre uma questão
que está na base da política: o motivo que leva as pessoas a
obedecerem. Concretamente, o que está por trás dessa questão é entender a
causa que pode levar uma pessoa a abrir mão de sua própria liberdade,
já que, para obtê-la, o homem precisa apenas desejá-la. Assim, a
servidão voluntária, em La Boétie, se refere à perda do desejo de
liberdade, uma vez que, “os homens, enquanto neles houver algo de
humano, só se deixam subjugar se forem forçados ou enganados”.
[3]
É necessário igualmente considerar que o superdesenvolvimento das
instituições que atenuam as carências da proteção social e implantado
nas regiões inferiores do espaço social, há uma rede policial e penal de
malha cada vez mais cerrada e resistente. Pois à atrofia deliberada do
Estado Social corresponde a hipertrofia distrópica do Estado Penal. Ou
seja, a miséria e a extinção de um têm como contrapartida direta e
necessária a grandeza e prosperidade insolente do outro. (In: WACQUANT,
Loic. As Prisões da Miséria. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 2001).
[4] O
paradoxo da escolha nos confronta que quanto maior forem as opções, e a
necessidade de escolhas. E a cada escolha se produz uma paralisia que
nos nega a sensação de liberdade. Por vezes estamos soterrados por
opções a escolher, desde as emocionais até as materiais, e diante da
norma variedade à escolha, a razão pode acabar ficando em segundo plano.
[5] Segundo
a escola liberal clássica, os neoliberais acreditam que a economia tem
seu curso designado de uma forma natural e livre e o determinante desse
discurso é o preço, o neoliberalismo se difere do liberalismo a partir
do pensamento de que o mercado seja desenvolvido de forma espontânea,
isso significa que para que o preço sirva para ser um mecanismo de
regulação da economia é necessário que haja condições favoráveis para o
bom funcionamento do mercado no qual é também de extrema importância a
estabilidade financeira e monetária.
A
regulação do mercado deve ser feita pelo Estado, no que diz respeito
aos excessos na livre concorrência. Uma parcela dos neoliberais possui a
ideologia e prega a defesa de pequena empresa, confrontando os grandes
monopólios.
[6] Localizado
na região central da Grécia, foi um dos mais famosos oráculos da Grécia
Antiga. E também o destino de grandes personagens da história, tais
como Alexandre, O Grande, mas também de cidadãos comuns buscando por
conselhos. Era considerado o umbigo do mundo, a cidade de Delfos recebeu
esta alcunha graças ao mito que narra a busca de Zeus pelo ponto médio
da Terra. No intuito de delimitar esse lugar, Zeus enviou duas águias de
extremos opostos do mundo, uma voando em direção à outra. Elas,
finalmente, se encontraram em Delfos, designando a cidade como centro do
mundo, e fazendo de seu templo um local reconhecido com estima para
aqueles que procuravam auxílio e segurança. O ponto de encontra das
águas fora demarcado com uma pedra oval, chamada de ônfalo, ou seja,
umbigo em grego.
O
auge da importância do referido Oráculo deu-se no mundo antigo entre os
séculos VI e IV antes de Cristo, e influenciou muito a política,
através das consultas de grandes líderes. A influência do referido
Oráculo não se restringia ao mundo helênico. Giges, rei da Lídia,
buscando o direito de primazia e a isenção de taxas nas consultas com o
oráculo, ofereceu muitos presentes em ouro e prata e, ganhou assim, sua
simpatia. Foi considerado como primeiro bárbaro a visitar Delfos, e
diversos reis lídios seguiram seu exemplo.
[7]
É antológica a descrição meio cientificista de Euclides da Cunha que
fez do sertanejo na sua obra "Os sertões" para descrever o homem da
caatinga, Hércules-Quasímodo que conjuga a beleza e a força clássica (de
Hércules da mitologia grega) com a fraqueza, feiura e o disforme
romântico (Quasímodo, da obra de Victor Hugo). Hércules-Quasímodo é uma
das mais famosas e discutidas definições do sertanejo. Símbolo ideal da
problemática valorização que o autor atribuiu ao homem do sertão, essa é
uma das chaves explicativas de uma das aparentes contradições que
cercam a narrativa euclidiana.
[8]
Eric John Ernest Hobsbawn (1917-2012) foi historiador britânico
marxista reconhecido como importante intelectual do século XX. Ao longo
de toda a sua vida, foi membro do Partido Comunista. Para analisar a
história do trabalhismo e os diversos aspectos que a envolvem, como as
revoluções burguesas, o processo de industrialização, as diferentes
manifestações de resistência, luta e revolta da classe trabalhadora,
Hobsbawm dedicou-se à interpretação do século XIX. Sobre esse período,
que, segundo ele, vai de 1789 (ano da Revolução Francesa) a 1914 (início
da Primeira Guerra Mundial), publicou estudos importantes, como “Era
das Revoluções” (1789-1848), “A Era do Capital” (1848-1875) e “A Era dos
Impérios” (1875-1914). Hobsbawm foi também responsável por análises
aprofundadas sobre o que chama de "o breve século XX". Seu livro Era dos
Extremos, lançado em 1994, na Inglaterra, tornou-se uma das obras mais
lidas e indicadas sobre a história recente da humanidade. Nela, o
historiador analisa o período que vai de 1917 – fim da Primeira Guerra
Mundial e ano da Revolução Russa – até 1991, com o colapso da União
Soviética e o fim dos regimes socialistas no Leste Europeu. Também
importante no conjunto de sua obra é seu livro mais recente, “Tempos
Interessantes”, publicado em 2002, no qual discorre novamente sobre o
século XX e relaciona fatos históricos com sua trajetória de vida, sendo
por isso considerado como uma obra autobiográfica. Em 2003, Hobsbawm
ganhou o Prêmio Balzan para a História da Europa desde 1900.
[9]
Niilismo, do latim nihil que significa nada, é termo filosófico que
atinge as mais variadas esferas do mundo contemporâneo (literatura,
arte, ciências humanas, teorias sociais, ética e moral) cuja principal
característica e uma visão cética radial em relação às interpretações da
realidade, que aniquila valores e convicções. É a desvalorização e
morte do sentido, a ausência de finalidade e de resposta ao porquê. Os
valores tradicionais depreciam-se e os princípios e critérios
despedaçados e torna-se difícil prosseguir no caminho e, finalmente,
avistar um ancoradouro.
O
perigoso silogismo ilustrado pela frase de Ivan Karamazov, em Os Irmãos
Karamazov, personagem de Dostoievski. "Se Deus está morto, então tudo é
permitido" (em verdade, refere-se à mera interpretação de um diálogo
desenvolvido entre os irmãos Karamazov, com a "intervenção" do Diabo).
Entende-se por Deus, neste ponto, como a verdade e o princípio.
[10]
Na obra “Capitalismo parasitário”, na parte intitulada "Novos Desafios
para a Educação" que versa sobre a crise atual que a educação está
enfrentando, crise que traz a tona problemas nunca antes enfrentados,
problemas de difícil solução. No mundo líquido-moderno as pessoas
procuram não manter vínculos sólidos com os outros seres humanos, a
liberdade é prezada acima de tudo e entende-se que com os vínculos
sólidos, esta é tolhida e limitada de algumas maneiras. Só são
desejáveis os laços e vínculos que possam ser desfeitos a qualquer
momento de forma prática e rápida quando já não forem considerados
novidade. Procura-se avidamente pelo o que é descartável, aquilo que
possui vida útil prolongada não chama mais atenção.
A
educação também não fosse a essa regra, o tipo de conhecimento buscado é
aquele que se aprende e se descarta facilmente, a felicidade nesses
casos também se encontra do ato de adquirir e de se desfazer facilmente,
a educação também se transformou em produto, fator que não favorece a
educação institucionalizada.
[11]
Jean William Fritz Piaget (1896-1980) foi biólogo, psicólogo e
epistemólogo suíço, considerado um dos mais relevantes pensadores do
século XX. E, defendeu a abordagem interdisciplinar para a infestação
epistemológica e fundou a chamada Epistemologia Genética, teoria do
conhecimento com base no estudo da gênese psicológica do pensamento
humano. Através de minuciosa observação de seus filhos e, principalmente
de outras crianças. Piaget impulsionou a teoria cognitiva, onde propôs a
existência de quatro estágios de desenvolvimento cognitivo humano, a
saber: os estágios sensório-motor, o pré-operacional ou pré-operatório, o
operatório concreto e operatório formal. Assim, as crianças só podiam
aprender o que estavam preparadas a assimilar. Cabendo aos professores
se aperfeiçoar no processo de descoberta dos alunos.
[12]
As imunidades parlamentares são prerrogativas que asseguram aos membros
dos Parlamentos ampla liberdade, autonomia e independência no exercício
de suas funções, protegendo-os contra os abusos e violações por parte
do Poder Executivo e do Judiciário.
A
cláusula de imunidade penal temporária foi instituída em caráter
extraordinário pelo art. 86, §4º da Constituição Federal vigente, e
impede que o Presidente da República durante a vigência de seu mandato,
sofra persecução penal, por atos que se revelarem estranho ao exercício
das funções inerentes ao ofício presidencial.
[13] A
sociedade contemporânea está associada à lógica competitiva, onde reina
a instabilidade, a incerteza, os riscos da atualidade que dão o ritmo à
produção e definem as relações dos homens entre si e com o mundo. O que
também produz diversas formas de pressão psicológica sobre os
indivíduos, a fim de arrancar a energia necessária para se conseguir a
produção ilimitada. A grande carga de tensão presente nesse processo,
sobretudo nos ambientes laborais, contamina também outros espaços de
convivência, principalmente o familiar, generalizando-se um sofrimento
emocional.
[14]
Lembremos-nos do conceito de objeto para Lacan, a partir dos objetos da
pulsão, a fim de discutir em que o advento do objeto a enceta a
transposição do problema da relação sujeito/objeto, do campo do
conhecimento. No qual um objeto se determina por certos parâmetros de
funcionamento da razão.
[15]
A sociedade contemporânea esvazia o sujeito, retira dele a capacidade
de conduzir sua história. O sentimento de impotência o invade. A
gigantesca engrenagem ganha impulso e dos mitos e deuses. Hoje, a
ciência e a lógica são os referencias, mas a busca é do inusitado, a
aventura é para o desconhecido, o mergulho é na incerteza. Nessa
jornada, o final da prova não admite meio termo: só a competência – o
sucesso, ou a incompetência - o fracasso.
[16]
O filósofo francês Gilles Lipovetsky escreveu a obra intitulada, "O
Império do Efêmero - A moda e seu destino nas sociedades modernas",
publicado em 1987 e no Brasil em 2009, destaca-se como um painel de um
pensamento ao mesmo tempo rebelde às tradições críticas clássicas e uma
defesa do individualismo democrático daquelas sociedades. Sua tese pode
ser resumida como a afirmação moderna de uma descontração das atitudes,
gosto pela intimidade e pela expressão de sim ligados à galáxia dos
valores democráticos - autonomia, hedonismo, psicologismo impulsionados
pela cultura de massa e pela moda na sua expressão mais recente.
[17]
A existência da dor crônica tem forçado os pesquisadores a ampliarem a
compreensão da dor para além do fenômeno sensório e a reconhecerem a
dimensão sociocultural e psíquica da dor. Para a psicanálise a dor é
testemunho da presença da pulsão no corpo. A dor está regida na
perspectiva freudiana pelo princípio do prazer-desprazer. Enquanto que
para Lacan o gozo diz respeito ao que está para além deste princípio, ou
seja, liga-se à pulsão da morte.
O
gozo está do lado da coisa, num lugar abissal, não como abismo, e sim
como uma pequena cavidade, representado pelo objeto pequeno a (objeto
que encarna e reproduz a coisa). E tal concepção é antecipada por Freud
quando apresenta, a dor como uma efração, como um a mais vivida pelo
buraco no corpo. Lacan quis dizer com isso que a verdadeira satisfação
pulsional não está nem do lado simbólico e nem do lado do imaginário,
ela é da ordem do real. Enfim, o corpo humano é habitado pela linguagem,
permanece e faz com que ele relacione o gozo ao significante.
O
imediato ou a negação da mediação é o modo de operar o gozo para o
Senhor nos tempos modernos, com a mesma velha estrutura do imperativo
categórico determinante do discurso da maestria. Representa um sujeito
que ao invocar o poder de determinar a produção de mais de gozar, produz
o saber ser de si mesmo, como uma nova modalidade de gozo. O gozo
aliou-se ao saber e requer estar sempre bem informado e informatizado.
[18]
A obra “Capitalismo Parasitário” está estruturada em cinco capítulos, o
primeiro cogita sobre a imperfeição do sistema capitalista que não
consegue conciliar a coerência com a completude, quando age com
coerência aos seus princípios gera problemas que não consegue
solucionar, e se tenta solucionar os problemas gerados pelos seus
fundamentos principais acabam por afastar-se deles, conforme afirmava
Gödel.
É
nesse capítulo que Bauman faz a comparação entre o capitalismo e o
parasitismo, em que para garantir a sua sobrevivência um parasita busca
um organismo saudável e ainda não explorado para que este lhe forneça o
alimento necessário, fatalmente prejudicando seu hospedeiro e destruindo
suas chances de prosperidade e até mesmo de sobrevivência. Assim como o
parasita o capitalismo explora novas formas, novos recursos sempre em
busca da obtenção de lucro necessário para alimentar a roda do sistema.
A
capacidade de sobrevivência do capitalismo está exatamente na
perspicácia em que se buscam e se encontram novos organismos para
exploração rapidez em que o parasita se adapta aos novos organismos para
a exploração à medida que os atuais vão perdendo as forças ou
extinguem-se, e na rapidez em que o parasita se adapta ao novo
organismo. O questionamento é saber até quando o capitalismo será hábil a
encontrar novas fontes de exploração e, até quando essas explorações
serão suficientes para garantir alívio temporário ao sistema e a todos
os que sobrevivem em torno dele?
[19]
O segundo capítulo da obra Capitalismo parasitário tem o título de "A
Cultura da Oferta" que trata sobre o tipo de sociedade em que vivemos,
onde valorizamos exageradamente o consumo, a sociedade de consumo que
gira em torno de muitas ofertas que geram apenas a satisfação
temporária. A cultura tem por característica sua desvinculação dos laços
sociais, políticos e éticos. Tal característica adquirida por meio da
criação de incontáveis ofertas, no envelhecimento rápido daquilo que se
adquire e na rápida perda de sedução que o objeto gerava no adquirente.
Critica-se o fato de que os produtos que se consomem se tornam
facilmente obsoletos, e com uma facilidade ainda maior, novos produtos
se tornam o objeto de desejo por parte dos consumidores que os adquirem
para substituir os antigos, tornando nossa economia, uma economia da
dissipação e do desperdício, conforme afirmou Bauman.
Os
pertencentes à sociedade de consumo possuem uma relação muito
desprovida de apego, de determinação e fixação com as pessoas ao seu
redor, com as coisas que adquirem, com o que gostam, entre outros. Eles
possuem uma facilidade incrível para desapegar-se. Esse tipo de cultura
busca constantemente clientes a seduzir e não pessoas a cultivar,
conforme colocou Bauman. A felicidade é sempre encontrada com o ato de
consumir e de se desfazer do que foi adquirido, pois este já é
considerado obsoleto.
[20]
O ascetismo é doutrina de pensamento ou de fé que considera a ascese,
ou seja, a disciplina e o autocontrole ortodoxos do corpo e do espírito,
sendo um caminho imprescindível na direção de Deus, à verdade ou à
virtude. Nessa corrente filosófica são refreados os prazeres mundanos e
marcada pela austeridade.
[21]
A ética pentecostal seria uma variante da tese weberiana e a ideia é
que enquanto o protestantismo tradicional liberou o cidadão comum da
culpa de acumulação de capital privado, as novas seitas pentecostais
liberaram a acumulação privada de capital através da igreja. A maior
ligação entre o espírito empresarial e a organização religiosa propiciou
a adoção de novas práticas, como estratégia de comunicação através da
compra de emissoras de televisão, rádio, a adesão de sistemas de
franquias, uma ligação entre a política e a igreja entre outras. O
interessante seria testar que difundida seria essa mentalidade
materialista no praticante mediano, ou até que ponto a mesma estaria
restrita nas elites clericais evangélicas.
[22]
A imunidade aos Templos de Qualquer Culto está inserida no art. 150,
VI, “b” da CF/88. O Código Civil de 2002 se refere a essas como
Organizações Religiosas, que na atualidade, executam atividades de
alcance amplo, notadamente na promoção social e na propagação da fé,
contribuindo, assim, na diminuição de graves problemas que ainda assolam
o país.
A
Constituição Federal de 1988 busca garantir vários direitos e valores
fundamentais inerentes ao ser humano. Dentre os inúmeros valores
assegurados pela CF/88, destaca-se, entre os quais, a inviolabilidade da
liberdade de consciência e de crença, prevista no inciso VI do artigo
5º da Lei Suprema, no qual fica assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e
as suas liturgias. Em contrapartida, o art. 19, I, da CF/88, com o fim
de se preservar o caráter laico do Estado, preconiza a neutralidade do
mesmo perante as igrejas e cultos religiosos, proibindo que os entes
públicos lhes embaracem o funcionamento ou os subvencionem, ressalvada,
nos limites da lei, a colaboração de interesse público.
[23]
Há também vantagens extratributárias. Os templos são livres para se
organizarem como bem entenderem, o que inclui escolher seus sacerdotes.
Uma vez ungidos, eles adquirem privilégios como a isenção do serviço
militar obrigatório e direito a prisão especial.
[24] Karl
Emil Maximilian Weber (1864-1920) foi um intelectual, jurista e
economista alemão considerado um dos fundadores da Sociologia. Seu irmão
foi igualmente famoso sociólogo e economista Alfred Weber. A esposa de
Weber, Marianne Weber, biógrafa do marido, foi uma das alunas pioneiras
na universidade alemã e integrava grupos feministas de seu tempo.
Após
a década de 1910, os estudos de Weber na área da sociologia da religião
foram ampliados e ele passou a aprofundar seu conhecimento das
religiões de caráter universal. Ao contrário de Durkheim, que partiu das
religiões primitivas (totemismo), Weber dedicou-se à análise do
confucionismo e do taoísmo, do hinduísmo e do budismo, do islamismo e do
judaísmo, ou seja, dos grandes sistemas religiosos da humanidade.
Conforme ele esclarece no Prólogo (Vorbemerkung) escrito para
introduzir, em termos globais, seus Ensaios Reunidos de Sociologia da
Religião, seu objetivo primordial consiste em entender os fenômenos
centrais do racionalismo ocidental, como a ciência, a técnica, a
universidade, a contabilidade, o direito, a gestão racional das
empresas, a música, o Estado Burocrático e, em especial, o capitalismo
moderno. Conforme explicou sua esposa Marinne Weber, a descoberta da
especificidade do racionalismo moderno foi a grande inovação sociológica
de Weber e ele procurou desvendar suas origens e características,
destacando o papel da religião neste processo.
[25]
Leandro Karnal elucida com maestria que a Teologia da Prosperidade
aponta que o atual e mais grave pecado é o fracasso financeiro. Deixamos
de adorar santos e santas para incensar os grandes empreendedores. Há
três novas teologias contemporâneas, o que renova ou pelo menos
redimensiona os pecados. A teologia da autoestima ou da autoajuda, a
teologia da prosperidade (das igrejas neopentecostais) e, a teologia do
empreendedorismo (usada igualmente como modelo espiritual e unida à
teologia da prosperidade).
[26]
Aliás, Pondé diz que “a esquerda é menos completa como ferramenta
cultural para produzir uma visão de si mesma”. A espiritualidade de
esquerda é rasa. Aloca toda a responsabilidade do mal fora de você: o
mal está na classe social, no capital, no Estado, na elite. Isso
infantiliza o ser humana. Ninguém sai de um jantar inteligente para se
olhar no espelho e ver um demônio. Não: todos se veem como heróis, que
estão salvando o mundo por andar de bicicleta. (Vide em:
https://sintesecristablog.wordpress.com/2016/01/22/filosofo-luiz-felipe-ponde-explica-por-que-deixou-de-ser-ateu/
Acesso em 05.03.2017).
[27] O
bom selvagem ou o mito do bom selvagem é um personagem modelo ou tópico
literário na literatura e no pensamento europeu da Idade Moderna, que
nasce com o contato com as populações indígenas da América. Trata-se de
casos nos quais escritores colocavam o homem em primeira opção, em lugar
de Deus.
As
utopias do século XVI (Erasmo de Rotterdam, Elogia da Loucura; Thomas
Morus, Utopia) e obras como Baltasar Gracián (El Criticón) no século
XVII, levam à definitiva discussão da natureza humana como má por
natureza (Leviathan de Hobbes) ou boa por natureza, como pretendeu o
Iluminismo (sobretudo Rousseau), que volta a descobrir exemplos de bons
selvagens nas ilhas do Pacífico (tropicais e paradisíacas como as
Antilhas, como indígenas nus de fácil trato e natureza pródiga) que
descrevem viajantes como James Cook e produzem histórias como a do motim
do Bounty.
[28]
Afinal como esta o desejo humano no mundo contemporâneo depois de
tantas mudanças na cultura? A ciência a partir da segunda metade do
século XX, cria novos paradigmas que revolucionam o cenário do
pensamento científico e da cultura. A nova tecnologia informática do
ponto de vista sociológico criou fatos geradores de uma insegurança e um
sentimento de precariedade totalmente novo. Mas do ponto de vista do
processo de subjetivação também criou novos fenômenos no terreno da
simbolização. Há um enigma do interior que necessita ser construído
pela imaginação criativa.
O
excesso de estímulo à sensorialidade pela cultura da imagem, a cultura
midiática, à perda dos limites entre público e privado e a exposição
excessiva à nudez, à sexualidade equacionada com a pornografia, haveria
um comprometimento da imaginação criativa e, portanto, da subjetividade
humana? E será que isso conduz a perturbações no âmbito do desejo e do
prazer? A guisa de adiamento, pretende-se desenvolver a ideia de que a
cultura contemporânea promove perturbações nos processos simbólicos que
conduzem a prejuízos na construção da subjetividade.
[29]
O self moral é obrigado a lidar com resultados imprevisíveis das ações
críticas e inovadoras do self. As ações iniciais do Eu podem ser
diferentes de suas ações finais por causa de ocorrências imprevistas e
de acidentes, o que leva o Eu a modificar o curso de suas ações
iniciais, especialmente, quando elas implicam questões de ordem moral.
Se
a previsão total não é possível na ciência, pois é improvável que os
seres humanos possam alguma vez alcançar o conhecimento suficiente de
todas as variáveis controladoras, muito menos o é nas ações críticas e
inovadoras do Eu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário