Postagem 21/jun/2015...
Quem quer prender Lula?
Por Rogerio Dultra dos Santos[1], João Ricardo Dornelles[2], José Carlos Moreira da Silva Filho[3] e Sérgio Graziano[4]
Como funciona sem a necessidade de motivações consistentes ou provas,
a Justiça Federal do Paraná poderá determinar em breve a prisão
preventiva do Ex-Presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva. Este ato, caso
ocorra, coroará uma estratégia política da oposição de direita no Brasil
que, obviamente, caminha bem distante da propalada ética na política
que defende de forma dura, porém seletiva (somente para os outros).
Segundo o colunista do Globo, Ricardo Noblat,
a prisão de Lula seria a intenção das autoridades que conduzem o caso.
Se ocorresse, este descalabro teria o nome, no processo penal, de
primado da hipótese sobre o fato. Sem fatos, o que orienta a atuação do
juízo é a sua suposição, segundo a qual houve delito. A confirmação
desta hipótese será perseguida independentemente do que tenha realmente
ocorrido.
A pergunta que a esquerda se faz neste momento é clássica: o que
fazer? A eventual prisão de Lula poderia representar uma chancela
definitiva à criminalização de toda a esquerda no país, tanto mais
quanto a direita não tem um candidato forte para 2018 e Lula, apesar dos
ataques da mídia, continua um concorrente respeitabilíssimo.
A população pobre já conhece há muito o lado fascista da justiça
criminal brasileira. Prende-se e mantêm-se presos réus somente com
indícios e prisões policiais são chanceladas pelo judiciário de forma
burocrática e pouco criteriosa (sobre isto, veja a pesquisa do IPEA e do
Ministério da Justiça aqui).
Este juízo, nem um pouco técnico e que não obedece a formalidades
legais ou a princípios constitucionais básicos tomou ar de sofisticação
através da introdução da famigerada delação premiada na “Operação
Lava-Jato”. Assim, parece que o constrangimento de réus confessos e a
coação para que admitam somente o que interessa às autoridades
tornaram-se o fundamento jurídico por excelência do funcionamento do
Tribunal Regional Federal da 4ª região.
Esta sacralização
da delação premiada equipara-a retoricamente a uma confissão no leito
de morte, onde a palavra dita representa para o delator uma forma de
purificação espiritual capaz de lhe angariar o reino dos céus. Além
disso, onde a versão se transforma automaticamente em fato, em verdade
vivida, sem a necessidade da mediação cuidadosa do que o mais elementar
manual de processo penal denomina de conjunto probatório. A verdade da
delação parece valer, neste procedimento sui generis, por si
só. E como conseqüência, faz do delator um sujeito ungido pela
purificação da confissão, o que lhe garante um arremedo do perdão nos
moldes do que acontecia após as confissões sob tortura sob o jugo da
Santa inquisição. É nesta estratégia que mais uma vez apostam seus
condutores para “quebrar o silêncio” dos empreiteiros presos
recentemente.
Revela-se, nestes procedimentos judiciais tortos, uma finalidade
político-ideológica: por um lado, criminalizar a pobreza e, por outro,
derrotar no foro as forças políticas que venceram nas urnas. Afinal de
contas, a técnica jurídica utilizada como recurso de justificação não
elimina a disputa política inerente ao mundo real, neutralizada nas fórmulas decisórias do direito.
O conflito político, próprio da vida social, é apenas ocultado. Subjaz
ao caráter técnico e asséptico da decisão, da manutenção do réu preso,
da decretação da prisão, de todo ato judicial, a sua resultante
política. Isto porque o direito enquanto instrumento técnico, neutro e
cego a valores, está necessariamente subordinado à direção e aos valores
de quem decide.
Há um incensado “clamor” “social” – anabolizado e gerido pela grande
mídia –, de que a corrupção seja eliminada da política. Mas a corrupção
localizada no PT. Um clamor social seletivo que, por ser seletivo, não
passa de moralismo interessado e de araque.
Esta junção entre interesses políticos anti-republicanos, pauta
enviesada da mídia corporativa e corrupção do devido processo legal pode
ter começado na Procuradoria Geral da República. Em 2006, houve uma
manobra – apontada como tal pela imprensa
– para que fossem exatos 40 os réus indiciados na Ação Penal 470,
alcunhada de “mensalão”. Assim, os “40 ladrões” dariam margem retórica
para que se imaginasse que o “Ali Babá” maligno, por trás das mesadas a
deputados (mesadas e deputados nunca nominados no processo, diga-se de
passagem), fosse o então Presidente Lula.
Na sua quarta vitória eleitoral consecutiva, as forças de esquerda,
apesar de predominarem no país pelo voto, vêem constantemente a sua
hegemonia política ameaçada pelos interesses das classes economicamente
dominantes. Como já se disse aqui,
a conclusão da direita acerca das últimas décadas de eleições no país é
a seguinte: se pelo sistema democrático não dá para disputar o poder
com a massa, uma alternativa a se testar é o recurso aos tribunais como forma de guerra.
A guerra, agora, parece ser impedir que Lula se firme como candidato
das esquerdas em 2018. Sem esquecer que se Lula caísse, Dilma poderia
cair também. Com eles, e através de um procedimento cheio de
inconsistências técnicas, jurídicas e ideológicas soçobrariam a
república e a fórmula democrática. Estabelecido o contexto possível,
resta saber o que fazer.
A favor de Lula, além do mistério que ronda as conseqüências
políticas globais de uma eventual prisão – incerteza que pode colocar
limites à sanha golpista – há:
1) a possibilidade da mobilização da consciência jurídica nacional e
internacional, que compreende que a operação lava-jato viola tudo o que
se entende por devido processo, presunção de inocência, juiz natural e
reserva legal;
2) a possibilidade de que chegue ao fim o imobilismo das instituições
políticas nacionais, que podem laborar como freio e contrapeso ao
funcionamento desatinado do Judiciário, cobrando-lhe consistência
jurídica, como é o caso do Ministério da Justiça e do Conselho Nacional
de Justiça;
3) a capacidade interventiva das autoridades e instituições políticas
e jurídicas internacionais, que podem constranger a direita brasileira a
controlar sua sanha golpista e respeitar o jogo político;
4) a mobilização das classes populares, que sempre sentiu na pele o
preconceito e o arbítrio e pode ir às ruas defender a democracia e a
república;
5) a autoridade política da maior liderança nacional das últimas
décadas, que pode fazer todos estes elementos funcionarem a seu favor.
A ver.
[1] Professor Adjunto IV do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito e Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF),
Pesquisador Vinculado ao INCT/INEAC da UFF, Membro da Comissão da
Verdade do Município de Niterói, representando o corpo docente da UFF
(2013-2015) e Avaliador ad hoc da CAPES na Área do Direito.
[2]
Professor do Programa de Pós-graduação em Direito da PUC-Rio;
Coordenador-Geral do Núcleo de Direitos Humanos do Departamento de
Direito da PUC-Rio; Membro fundador e Diretor Nacional da ANDHEP
(Associação Nacional de Direitos Humanos – Pesquisa e Pós-graduação);
Membro da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro; Vice-Presidente da
Associação de Juristas Pela Integração da América Latina.
[3]
Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUC-RS e
da Faculdade de Direito da PUC-RS, além de Vice-Presidente e
Conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
[4] Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Caxias do Sul e Advogado Criminalista.
Original disponível em: (http://democraciaeconjuntura.com/2015/06/21/quem-quer-prender-lula/). Acesso
em: 21/jun/2015.
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