Processo N. Apelação Cível 20120610098594APC
Apelante(s) B. A. M.  E OUTROS
Apelado(s) E. F. M. 
Relator Desembargador FLAVIO ROSTIROLA
Revisor Desembargador ALFEU MACHADO
Acórdão Nº 757.319
    
E M E N T A
 
PROCESSO CIVIL E CIVIL. REQUISITOS DA PEÇA RECURSAL. PREENCHIMENTO. INOVAÇÃO RECURSAL NÃO DEMONSTRADA. ASSERTIVA DE NÃO CONHECIMENTO AFASTADA. TESTAMENTO PARTICULAR. PRESTÍGIO DA ÚLTIMA VONTADE DO TESTADOR. FORMALIDADES TESTAMENTÁRIAS DISPENSADAS DIANTE DA COMPROVAÇÃO, POR OUTROS MEIOS DE PROVA, DA LIVRE VONTADE DO TESTADOR. TESTAMENTO. PRESERVAÇÃO DA LEGÍTIMA. EXIGÊNCIA LEGAL. REDUÇÃO TESTAMENTÁRIA. VIABILIDADE. ROMPIMENTO DE TESTAMENTO. SURGIMENTO DE HERDEIRO NECESSÁRIO. QUESTÃO A SER TRATADA EM SEDE DE INVENTÁRIO.
1. Uma vez expostos os fundamentos de fato e do suposto direito na peça recursal, com pedido de nova decisão, expressando o recorrente seu inconformismo diante da sentença, repele-se assertiva de não conhecimento do recurso.
2. Verificada a inexistência da inovação recursal, rechaça-se alegação dessa natureza, conhecendo integralmente do recurso.
3. O testamento particular, negócio jurídico gratuito e unilateral, deve seguir os preceitos do artigo 1.876, caput, do Código Civil.
4. A ausência de assinatura de uma testemunha não invalida, por si só, o testamento particular. Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (Código de Processo Civil, comentado artigo por artigo, 4ª edição, p.972) ensinam que “Se faltarem testemunhas, por morte ou ausência, e se pelo menos uma delas o reconhecer, o testamento poderá ser confirmado se, a critério do juiz, houver prova suficiente de sua veracidade (art.1.878, CC)”.
5. O rigor formal do testamento particular deve ceder ante a necessidade de se atender à finalidade do ato, regularmente praticado pelo testador, prestigiando sua última e livre vontade.
6. O testador não pode dispor da parte que caberia aos herdeiros necessários, sob pena de se romper o testamento, ou seja, de esse perder a eficácia. Inteligência do artigo 1974 do Código Civil.
7. O fato de o testador ter extrapolado os limites da legítima não enseja a nulidade do testamento, impondo-se, tão somente, a redução das disposições testamentárias, reguladas no Código Civil, no artigo 1.967.
8. O reconhecimento do rompimento do testamento, desde que não constitua questão de grandes controvérsias, pode ocorrer no bojo da ação de inventário.
9. Preliminar rejeitada e Apelo não provido.
    
A C Ó R D Ã O
 
Acordam os Senhores Desembargadores da 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, FLAVIO ROSTIROLA - Relator, ALFEU MACHADO - Revisor, LEILA  ARLANCH - Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador ALFEU MACHADO, em proferir a seguinte decisão: CONHECER, REJEITAR A(S) PRELIMINAR(ES) E, NO MÉRITO, NEGAR PROVIMENTO, UNÂNIME , de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 5 de fevereiro de 2014
 
Certificado nº: 4F81896F000500000FAE
05/02/2014 - 18:07
Desembargador FLAVIO ROSTIROLA
Relator
 
R E L A T Ó R I O
 
Cuida-se de apelação cível interposta por B.A.M. E OUTRO, em feito de testamento particular, contra a r. sentença de fls.234/236, cujo dispositivo restou exarado nos seguintes termos:
    
“Desta sorte, julgo procedente o pedido e reconheço como válido o testamento e determino que este seja registrado, arquivado e cumprido, na forma do que dispõe o artigo 1126 e 1127 do Estatuto Processual Civil. Custa na forma da lei.” (fl.236).
    
Nas razões recursais (fls.239/248), B.A.M. e OUTROS alegam que o testamento apresentado não atenderia aos preceitos do Código Civil, pois “redigido por meio mecânico, possui espaçamentos em branco, assinatura de duas testemunhas não qualificadas e foi datado possivelmente por meio de carimbo.” (fl.241). Argumentam que, no testamento, o de cujus teria disposto da totalidade de seus bens, o que não poderia haver ocorrido, uma vez que teria ascendente. Ressaltam que não se trataria de situação excepcional, que respaldaria testamento dessa natureza. Enfatizam, também, que o de cujus desconheceria que seu genitor encontrar-se-ia vivo. Acentuam que o artigo 1974 do Código Civil determinaria que o testamento realizado na ignorância de herdeiros necessários se romperia. 
Os Apelantes demonstraram a gratuidade de justiça às fls.285/296, motivo pelo qual o recurso foi interposto sem preparo.
Nas contrarrazões, E.F.M. argui preliminar de não conhecimento do recurso. No mérito, pugna pela manutenção da r. sentença (fls.254/266).
A douta Procuradoria de Justiça oficiou pelo não provimento do apelo (fls.276/280).
É o relatório.
 
V O T O S
 
O Senhor Desembargador FLAVIO ROSTIROLA - Relator
 
PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
Segundo a Apelada, o apelo não poderia ser conhecido, pois os Apelantes não haveriam enfrentado os fundamentos da r. sentença. Aduz que o recurso consubstanciaria mera reprise dos argumentos ventilados ao longo da marcha processual. Afirma que o artigo 514, inciso II, do Código de Processo Civil haveria sido violado. 
Ressalta, ainda, que os Recorrentes não haveriam pedido nova decisão, consoante determinaria o artigo 514, inciso III, do Diploma Processual Civil. Sustenta que caberia “(...) indagar para qual fim se destina o provimento do recurso de apelação, haja vista que não se explicitou se era para cassar, reformar, anular total ou parcialmente a r.sentença.” (fl.259).
Por derradeiro, alega que “O argumento dos apelantes de suposta violação à legítima não foi objeto de discussão nos autos. A suposta vocação hereditária do apelante nominado de B. A. M. não restou comprovada, violando o disposto no art.517 do Código de Processo Civil.” (fl.264).
Vejamos.
Observo que o recurso em tela obedece aos ditames do artigo 514, inciso II, do Código de Processo Civil: os fundamentos de fato e do suposto direito restaram expostos na peça recursal, expressando os Apelantes seu inconformismo diante da r. sentença, mediante a qual o ilustre magistrado a quo teria julgado procedente o pedido. Afinal, pode-se extrair das razões recursais os motivos pelos quais os Recorrentes não se resignaram com a r. decisão, que, segundo esses, não se haveria atentando para os requisitos legais de um testamento particular.
Ademais, ao se cotejar a r. sentença com as razões de apelação, pode-se aferir que se cumpriu a disciplina do artigo 514, inciso II,  do Diploma Processo Civil, rechaçando-se, dessarte, asserção de apelo inepto.
Acerca do tema, orienta o Superior Tribunal de Justiça:
    
PROCESSUAL CIVIL. ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA.PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. RECURSO DE APELAÇÃO. REQUISITOS.ARTIGO 514, INCISO II, DO CPC. (...) 6. Do mero confronto entre a sentença e o recurso de apelação da recorrente, verifica-se, nitidamente, que houve a exposição dos fundamentos de fato e de direito em suas razões recursais, nos termos do artigo 514, inciso II, do CPC.7. Retorno dos autos à origem para prosseguimento do exame do recurso de apelação.8. Recurso especial conhecido em parte e provido.(REsp 1124614/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/11/2009, DJe 17/11/2009)
    
Sobre o pedido de reforma de decisão, igualmente, o verifico no apelo. Os Recorrentes assim pontuaram:
    
“Isto posto, pelos motivos de fato e de direito supra alinhavados, razões do presente recurso, é que se pede a Vossas Excelências que conheçam do presente recurso por cumprir os requisitos legais e deem provimento à presente apelação, por encontrar-se a sentença a quo inteiramente divorciada dos preceitos legais e jurisprudenciais, tudo por ser medida da mais pura e lídima justiça!” (fl.248).
    
O pleito, nos termos em que exposto pelos Apelantes, obedece ao comando do artigo 514, inciso III, do Código de Processo Civil, caindo por terra, mais uma vez, as alegações da Apelada.
Repele-se, ainda, assertiva de inovação recursal, pois os Recorrentes ativeram-se aos contornos fáticos da lide submetida à apreciação de Sua Excelência a quo, não trazendo à baila fatos outros para julgamento nesta esfera recursal. 
No que tange à alegação de que o herdeiro necessário não haveria sido considerado no testamento particular, essa foi ventilada desde a resposta à inicial. Ao longo de todo o processo, discutiu-se tal questão, repelindo-se, portanto, supressão de instância quanto a tal tópico.
Se tais razões não bastassem, os Recorrentes, ao serem instados a demonstrar a gratuidade de justiça (fls.282/283), a comprovaram (fls.285/296), respaldando, portanto, o não recolhimento do preparo.
Nessas condições, uma vez preenchidos os pressupostos de admissibilidade da apelação, REJEITO esta preliminar e CONHEÇO do recurso. 
MÉRITO
Nas razões recursais (fls.239/248), B.A.M. e OUTROS alegam que o testamento apresentado não atenderia aos preceitos do Código Civil, pois “redigido por meio mecânico, possui espaçamentos em branco, assinatura de duas testemunhas não qualificadas e foi datado possivelmente por meio de carimbo.” (fl.241). Argumentam que, no testamento, o de cujus teria disposto da totalidade de seus bens, o que não poderia haver ocorrido, uma vez que teria ascendente. Ressaltam que não se trataria de situação excepcional que respaldaria testamento dessa natureza. Enfatizam, também, que o de cujus desconheceria que seu genitor encontrar-se-ia vivo. Acentuam que o artigo 1974 do Código Civil determinaria que o testamento realizado na ignorância de herdeiros necessários se romperia. 
Enfrentemos o tema.
Cuida-se de pedido de confirmação de testamento particular, ajuizado por E.F.M., com assento em óbito de seu irmão, P.C.M.
Consta dos autos que P.C.M. veio a óbito em 28 de abril de 2012 (fl.17), aos 42 (quarenta e dois) anos de idade, vítima de insuficiência renal e hepática, Acidente Vascular Cerebral e Síndrome de Imunodeficiência Adquirida – fl.17.
Na certidão de óbito, verifica-se que “Não deixou filhos a saber (...). Deixou bens a inventariar; deixou testamento conhecido.” (fl.17).
Em 21 de dezembro de 2011, meses antes do falecimento, P.C.M. elaborou testamento particular (fl.15), no qual, entre outras vontades, expressou a de deixar todos os bens a sua irmã, E.F.M., Requerente neste feito. Nesse mesmo instrumento, aduziu que não teria herdeiros necessários, fossem ascendentes ou descendentes. Consignou, ainda, que seus genitores seriam falecidos (fl.15).
Na modalidade de testamento particular, esse negócio jurídico gratuito e unilateral, deve seguir os preceitos do artigo 1.876, caput, do Código Civil:
    
“Art.1.876. O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico.
§ 1o Se escrito de próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever.
§ 2o Se elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão.
    
Por outro lado, determina o artigo 1.133 do Código de Processo Civil:
    
“Art.1.133. Se pelo menos 3 (três) testemunhas contestes reconhecerem que é autêntico o testamento, o juiz, ouvido o órgão do Ministério Público, o confirmará, observando-se quanto ao mais o disposto no art.1.126 e 1.127.” 
    
Na espécie em comento, o augusto sentenciante entendeu que, apesar de não haverem três testemunhas assinado o testamento particular, os testemunhos colhidos em juízo revelariam a vontade indubitável do testador de deixar seus bens a sua irmã.
Confira-se excerto da r. sentença:
    
“Ao meu juízo, a prova oral de fls.209/212 ratifica a autenticidade do testamento particular de fl.213. Os depoentes E.J.G. e B.M.A. assinaram o testamento particular de fl.213, e a terceira testemunha R.D.D. disse à fl.112: ‘que o testador comentou com a depoente que tinha interesse de fazer um testamento beneficiando a sra. E.; que nas conversas que teve com o Sr. P., tornou-se possível deduzir que, no testamento queria beneficiar a sra. E. por livre e espontânea vontade.” (fl.235).
    
Eis a convicção de Sua Excelência a quo:
    
“O fato de três testemunhas não terem assinado o testamento particular, mas somente duas, revela-se mera irregularidade formal não suficiente para desfazer a vontade livre espontânea do testador. Quanto mais no presente caso em que terceira testemunha confirmou que o testamento revelava a pura e simples vontade do senhor P.C.M.” (fl.235).
    
Deveras, a ausência de assinatura de uma testemunha não invalida o testamento em estudo. Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (Código de Processo Civil, comentado artigo por artigo, 4ª edição, p.972), representantes de balizada doutrina, ensinam que “Se faltarem testemunhas, por morte ou ausência, e se pelo menos uma delas o reconhecer, o testamento poderá ser confirmado se, a critério do juiz, houver prova suficiente de sua veracidade (art.1.878, CC)”.
Igualmente, descarta-se nulidade de testamento diante das alegações dos Apelantes, no sentido de que o testamento haveria sido “redigido por meio mecânico, possui espaçamentos em branco, assinatura de duas testemunhas não qualificadas e foi datado possivelmente por meio de carimbo.” (fl.241).
Resta cristalino que o escopo do legislador consistiu em preservar a última vontade do testador, que, no caso em voga, foi a de prestigiar a irmã, ora Requerente. De tal sorte, meras irregularidades não eivam de vício tal vontade.
Nesse sentido, confira-se a orientação jurisprudencial do colendo Superior Tribunal de Justiça:
    
PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. NULIDADE DE TESTAMENTO. PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE LEGAL.VÍCIOS FORMAIS INCAPAZES DE COMPROMETER A HIGIDEZ DO ATO OU POR EM DÚVIDA A VONTADE DO TESTADOR. SÚMULA N. 7/STJ. 1. A análise da regularidade da disposição de última vontade (testamento particular ou público) deve considerar a máxima preservação do intuito do testador, sendo certo que a constatação de vício formal, por si só, não deve ensejar a invalidação do ato, máxime se demonstrada a capacidade mental do testador, por ocasião do ato, para livremente dispor de seus bens. Precedentes do STJ.2. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula n. 7/STJ.3. No caso concreto, o Tribunal de origem, com suporte em ampla cognição das provas produzidas nos autos, assentou, de modo incontroverso, que a escritura pública de testamento reflete as disposições de última vontade do testador.4. Agravo regimental desprovido.(AgRg no REsp 1073860/PR, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 21/03/2013, DJe 01/04/2013)
 
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. TESTAMENTO PARTICULAR. ASSINADO POR QUATRO TESTEMUNHAS E CONFIRMADO EM AUDIÊNCIA POR TRÊS DELAS. VALIDADE DO ATO. INTERPRETAÇÃO CONSENTÂNEA COM A DOUTRINA E COM O NOVO CÓDIGO CIVIL, ARTIGO 1.876, §§ 1º e 2º. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. Testamento particular. Artigo 1.645, II do CPC. Interpretação: Ainda que seja imprescindível o cumprimento das formalidades legais a fim de preservar a segurança, a veracidade e legitimidade do ato praticado, deve se interpretar o texto legal com vistas à finalidade por ele colimada. Na hipótese vertente, o testamento particular foi digitado e assinado por quatro testemunhas, das quais três o confirmaram em audiência de instrução e julgamento.Não há, pois, motivo para tê-lo por inválido 2. Interpretação consentânea com a doutrina e com o novo código civil, artigo 1.876, §§ 1º e 2º. A leitura dos preceitos insertos nos artigos 1.133 do CPC  e 1.648 CC/1916  deve conduzir à uma exegese mais flexível do artigo 1.645 do CC/1916, confirmada inclusive, pelo Novo Código Civil cujo artigo 1.876, §§ 1º e 2º, dispõe: "o testamento, ato de disposição de última vontade, não pode ser invalidado sob alegativa de preterição de formalidade essencial, pois não pairam dúvidas que o documento foi firmado pela testadora de forma consciente e no uso pleno de sua capacidade mental". Precedentes deste STJ.3. Recurso especial conhecido e provido.(REsp 701917/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/02/2010, DJe 01/03/2010). 
 
RECURSO ESPECIAL. TESTAMENTO PARTICULAR. VALIDADE. ABRANDAMENTO DO RIGOR FORMAL. RECONHECIMENTO PELAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM DA MANIFESTAÇÃO LIVRE DE VONTADE DO TESTADOR E DE SUA CAPACIDADE MENTAL. REAPRECIAÇÃO PROBATÓRIA. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.I - A reapreciação das provas que nortearam o acórdão hostilizado é vedada nesta Corte, à luz do enunciado 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.II - Não há falar em nulidade do ato de disposição de última vontade (testamento particular), apontando-se preterição de formalidade essencial (leitura do testamento perante as três testemunhas), quando as provas dos autos confirmam, de forma inequívoca, que o documento foi firmado pelo próprio testador, por livre e espontânea vontade, e por três testemunhas idôneas, não pairando qualquer dúvida quanto à capacidade mental do de cujus, no momento do ato. O rigor formal deve ceder ante a necessidade de se atender à finalidade do ato, regularmente praticado pelo testador.Recurso especial não conhecido, com ressalva quanto à terminologia.(REsp 828.616/MG, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/09/2006, DJ 23/10/2006, p. 313)
    
Não se olvide de que, conquanto seja ato de livre e última vontade, o testador não pode dispor da parte que caberia aos herdeiros necessários, sob pena de se romper o testamento, ou seja, de esse perder a eficácia. Confira-se a determinação do Código Civil, contrario sensu:
    
“Art.1.975. Não se rompe o testamento, se o testador dispuser da sua metade, não contemplando os herdeiros necessários de cuja existência saiba, ou quando os exclua dessa parte.”
    
Em outras palavras, o testamento não perde a eficácia, se a legítima for preservada, de modo que pode o testador dispor livremente da outra metade. Logo, preservando-se essa metade, evita-se o rompimento desse negócio jurídico unilateral.
O Código Civil prevê, ainda, hipótese em que o rompimento do testamento ocorre diante da ignorância de outros herdeiros necessários. Confira-se:
    
“Art.1.974. Rompe-se também o testamento feito na ignorância de existirem outros herdeiros necessários.”
    
Na espécie em testilha, quanto à genitora de P.C.M., testador, observa-se, de fato, que há certidão de óbito, em que consta o falecimento daquela, em 14 de agosto de 1984 e, ainda, que a de cujus, mãe do testador, seria desquitada de seu pai, o sr. B.A.M (fl.18).
Sobre o genitor de P.C.M., não há nos autos documento que ateste o óbito, a despeito de, na exordial, E.F.M. ressaltar que, após o desquite dos pais, em 1979, não mais se haveria tido notícia daquele, tendo-o como falecido. Confira-se:
    
“Quanto ao genitor, Sr. B.A.M., é tido como falecido, haja vista que, desde que este se separou judicialmente, desquite consensual, da genitora do de cujus, no ano de 1972, conforme certidão de trânsito em julgado, passado em 13 de setembro de 1979 (...), mudou-se para lugar incerto e não sabido. Há 40 (quarenta) anos que não se tem notícias do mesmo [sic], razão pela qual é tido como falecido, pela família.” (fl.03).
    
Ainda que se supusesse o óbito do genitor de P.C.M., testador, aquele veio aos autos, para contestar o pedido de validação do testamento particular e reconvir (fls.93/101 e 83/92).
B.A.M., genitor de P.C.M., noticia ser nascido em 20 de abril de 1926, contando com, aproximadamente, 88 (oitenta e oito) anos de idade (fl.83). Em suma, contesta a validade do testamento particular em comento, sob o argumento de que não poderia haver o de cujus disposto da totalidade de seus bens, diante da existência de herdeiro necessário, no caso, um dos ascendentes. Pleiteia, juntamente com quatro irmãos da Autora, a nulidade do testamento.
Não se trata de caso de nulidade testamentária. Afinal, assim como ocorre na doação inoficiosa, prevista no artigo 549 do Código Civil, mostra-se viável a redução das disposições testamentárias, com o escopo de não prejudicar a legítima.
Elucida Flávio Tartuce , renomado civilista contemporâneo, que “Como primeira regra a respeito da redução testamentária, se o testador fizer disposição que rompa a proteção da legítima, a disposição somente será válida nos limites de sua metade. O remanescente pertencerá aos herdeiros legítimos, respeitada a ordem de vocação hereditária (art.1.966 CC). Ilustrando, se alguém faz por testamento a disposição de 70% do seu patrimônio, a disposição é válida em 50%. Em relação aos outros 20%, os bens devem ser destinados aos herdeiros legítimos, ocorrendo em tal proporção a redução testamentária. Deve ficar bem claro que ‘O fato de o testador ter extrapolado os limites da legítima não enseja a nulidade do testamento, impondo-se tão somente a redução das disposições testamentárias’ (TJRS, Acórdão 70026646075, Erechin, 8ª Câmara Cível, Rel. Des. Claudir Fidelis Faccenda, j.19.03.2009, DOERS 26.03.2009, p.43). Sintetizando, a redução não atinge o plano da validade do testamento, mas a sua eficácia.” 
Vale reiterar: a redução testamentária não torna nulo o testamento, mas apenas retira a sua eficácia, motivo pelo qual o testamento particular do caso em tela é válido e apto a produzir efeitos, desde que preservada a legítima.
O próprio Código Civil, no artigo 1967, regulamenta as reduções testamentárias:
    
Art. 1.967. As disposições que excederem a parte disponível reduzir-se-ão aos limites dela, de conformidade com o disposto nos parágrafos seguintes.
§ 1o Em se verificando excederem as disposições testamentárias a porção disponível, serão proporcionalmente reduzidas as quotas do herdeiro ou herdeiros instituídos, até onde baste, e, não bastando, também os legados, na proporção do seu valor.
§ 2o Se o testador, prevenindo o caso, dispuser que se inteirem, de preferência, certos herdeiros e legatários, a redução far-se-á nos outros quinhões ou legados, observando-se a seu respeito a ordem estabelecida no parágrafo antecedente.
    
Nesse descortino, no caso em destaque, a notícia do herdeiro necessário, qual seja, o genitor do testador, deve repercutir na ação de inventário, e não no presente feito, que se restringe a declarar a validade do testamento particular, o que se constatou. 
Nesse sentido, opinou o ilustre Promotor de Justiça:
    
“Por fim, cumpre registrar que eventual pedido de rompimento do testamento, sob a alegação de que o falecido dispôs da integralidade de seus bens, sem considerar a qualidade de herdeiro necessário do Sr. B. (ou B.) deve ser formulado em sede de inventário. Será necessário, por exemplo, comprovar que a pessoa que compareceu neste feito é, de fato, pai do falecido e da requerente, considerando-se as dúvidas apresentadas pelo Ministério Público em sua manifestação anterior. De todo modo, o órgão ministerial ratifica sua posição então externada, no sentido de que a interpretação dada deve, dentro do possível, resguardar a vontade do testador.” (fl.232).
    
O eminente julgador monocrático, também, assim entendeu:
    
“A outra questão relativa ao aparecimento de herdeiro necessário após a confecção do testamento particular enseja sim medida a ser formulada no inventário e diz respeito ao pedido de rompimento.” (fl.235).
    
A doutrina  orienta no mesmo sentido:
    
“(...) o reconhecimento do rompimento do testamento, desde que não constitua questão de alta indagação, pode se dar no próprio inventário.” 
    
Por conseguinte, a manutenção da r. sentença consubstancia medida que se impõe. 
Essas as razões pelas quais REJEITO a preliminar e NEGO PROVIMENTO ao apelo, para manter incólume a r. sentença hostilizada.
É o meu voto.
    
O Senhor Desembargador ALFEU MACHADO - Revisor
 
Com o Relator
 
A Senhora Desembargadora LEILA  ARLANCH - Vogal
 
Com o Relator.
    
D E C I S Ã O
 
CONHECER, REJEITAR A(S) PRELIMINAR(ES) E, NO MÉRITO, NEGAR PROVIMENTO, UNÂNIME .

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