16/jul/2014...
BRICS contra o Consenso de Washington
15/7/2014, Pepe Escobar, Asia Times Online
http://www.atimes.com/atimes/World/WOR-01-150714.html
http://www.atimes.com/atimes/World/WOR-01-150714.html
A notícia do dia é que a partir de
hoje, 3ª-feira, em Fortaleza, nordeste do Brasil, o grupo dos BRICS, das
potências emergentes (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) começa a
combater a (Des)Ordem (neoliberal) Mundial, com um novo banco de
desenvolvimento e um fundo de reserva criado para contrabalançar crises
financeiras.
O diabo, claro, reside nos detalhes de como farão tudo isso.
Foi estrada longa e sinuosa desde Yekaterinburg em 2009, na primeira reunião de
cúpula do mesmo grupo, até o contragolpe longamente aguardado, dos BRICS contra
o Consenso de Bretton Woods – do FMI e do Banco Mundial – e do Banco Asiático
de Desenvolvimento [orig. Asian Development Bank (ADB)] dominado pelo Japão,
mas sempre respondendo às prioridades dos EUA.
O Banco de Desenvolvimento dos BRICS – com capital inicial de US$50 bilhões –
não visará só a projetos dos BRICS, mas também investirá em projetos de
infraestrutura e desenvolvimento sustentável em escala global. O modelo é o
BNDES brasileiro, que apoia empresas brasileiras que investem em toda a América
Latina. Em poucos anos, alcançará capacidade para financiamento de mais de $350
bilhões. Com fundos extras vindos de Pequim e Moscou, a nova instituição pode
fazer o Banco Mundial comer poeira. Comparem (i) acesso a capital realmente
existente gerado por poupança, e (ii) acesso a papel pintado de verde que o
governo dos EUA imprime sem lastro.
E há também o acordo que estabelece um pool de $100 bilhões de moedas de
reserva – o CRA [orig. Contingent Reserve Arrangement, Acordo de Reserva de
Emergência], que o ministro de Finanças da Rússia Anton Siluanov descreveu como
“uma espécie de mini-FMI”. É um mecanismo de não-Consenso-de-Washington,
contragolpe para neutralizar a fuga de capitais. Para esse pool, a China
contribuirá com $41 bilhões; Brasil, Índia e Rússia, com $18 bilhões cada; e
África do Sul com $5 bilhões.
O banco de desenvolvimento deverá ter sede em Xangai – embora Mumbai muito se
tenha empenhado em causa própria.[1]
Muito mais que de economia e finança, aqui se trata de geopolítica: potências
que estão emergindo oferecem uma alternativa ao fracassado Consenso de
Washington. Ora, afinal, como dizem os apologistas do Consenso, os BRICS podem
bem conseguir “aliviar os desafios” que lhes são impostos pelo “sistema
financeiro internacional”. A estratégia é também é um dos elos-chaves da
aliança progressivamente mais firme entre China e Rússia, que já se viu
firmemente amarrada no “negócio do século”, de gás, e no Fórum Econômico de São
Petersburgo.
Vamos ao jogo de bola geopolítica
Assim como o Brasil conseguiu, contra muitas expectativas, construir e oferecer
uma Copa do Mundo inesquecível – apesar de a seleção nacional do Brasil ter-se
liquefeito –, Vladimir Putin e Xi Xinping chegam agora à mesma grande área para
uma exibição de geopolítica categoria top.
O Kremlin considera altamente estratégica a relação bilateral com Brasília.
Putin não se limitou a assistir ao jogo final da Copa do Mundo no Rio de
Janeiro; além do encontro com a presidenta Dilma Rousseff do Brasil, também se
reuniu com a chanceler alemã Angela Merkel (discutiram detalhadamente a Ucrânia).
Um dos membros mais importantes da comitiva do presidente Putin é Elvira
Nabiulin, presidenta do Banco Central da Rússia; ela tem divulgado em toda a
América Latina o conceito de que as negociações com os BRICS devem deixar de
lado o dólar norte-americano.
O encontro extremamente potente, emocionante, simbólico, entre Putin e Fidel
Castro em Havana, além do cancelamento de $36 bilhões da dívida cubana, não
poderiam ter impacto mais significativo em toda a América Latina. Comparem a
visita e o perdão da dívida, ao embargo perene e doentiamente vingancista que o
Império do Caos impõe a Cuba.
Na América do Sul, Putin reúne-se não só com o presidente Pepe Mujica do
Uruguai – com quem discutirá, dentre outros itens, a construção de um porto de
águas profundas –, mas também com Nicolás Maduro da Venezuela e com Evo Morales
da Bolívia.
Xi Jinping também está em Fortaleza, Brasil. Visitará, além do Brasil,
Argentina, Cuba e Venezuela. O que Pequim anda dizendo (e fazendo) complementa
Moscou: a América Latina também é vista pela China como altamente estratégica.
É ideia que se pode traduzir em mais investimentos chineses e maior integração
Sul-Sul.
Essa ofensiva comercial/diplomática russo-chinesa integra-se ao movimento
dessas potências na direção de um mundo multipolar –, lado a lado com líderes
sul-americanos. Exemplo claríssimo disso é a Argentina. Enquanto Buenos Aires,
já mergulhada em recessão, ainda combate contra os fundos-carniceiros
norte-americanos – o ápice da especulação financeira –, Putin e Xi chegam a New
York oferecendo investimento para tudo, de estradas de ferro à indústria da
energia.
Claro que a indústria russa de energia precisa de investimentos e de tecnologia
das multinacionais ocidentais privadas. E é verdade que a “Made in China” que se
conhece desenvolveu-se sem investimento ocidental, mas explorando mão de obra
barata. Agora, os BRICS tentam apresentar ao Sul Global uma escolha.
De um lado, a especulação financeira, os fundos-carniceiros e a hegemonia dos
EUA, Patrões do Universo. Do outro lado, um capitalismo produtivo – uma
estratégia alternativa para o desenvolvimento capitalista, se comparada ao que
sempre fez e faz o ‘Trio’ (EUA, UE e Japão).
Seja como for, ainda falta muito para que os países BRICS projetem um modelo
produtivo independente do ‘modelo’ de especulação & jogatina do
capitalismo de cassino, o qual, por falar dele, ainda mal se recupera da crise
massiva de 2007/2008 (a bolha financeira não rebentou ‘bem’...).
Há quem talvez veja a estratégia dos BRICS como parte de uma crítica
construtiva, em andamento, em processo, em que o criticado é o próprio
capitalismo: como livrar o sistema de ter perenemente de financiar o déficit
fiscal dos EUA e sua síndrome da militarização planetária – relacionada ao
complexo militar orwelliano/Panopticon – subordinado a Washington.
Como diz o economista argentino Julio Gambina, o importante não é ser
“emergente”; o importante é ser “independente”.
Em coluna publicada essa semana em RT,[2] Claudio Gallo, jornalista de La
Stampa, introduz a questão que talvez seja a questão definitiva de nossos
tempos: o fato de que o neoliberalismo – regendo quase todo o mundo,
diretamente ou indiretamente – parece estar produzindo uma desastrosa mutação
antropológica que nos está jogando, todos nós, num totalitarismo global (por
mais que tantos falem tanto, praticamente sem parar, das “liberdades” das quais
goza(ria)m no ‘ocidente’).
É sempre instrutivo voltar ao caso da Argentina. A Argentina está presa a uma
crise de dívida externa gerada, há mais de 40 anos, pelo FMI – e atualmente
‘assumida’ e perpetuada pelos fundos-carniceiros. O banco dos BRICS e o fundo
de reserva, como alternativa ao FMI e ao Banco Mundial oferece a possibilidade
de que dezenas de outros países escapem ao suplício argentino. Para nem falar
da possibilidade de que outras nações emergentes, como Indonésia, Malásia, Irã
e Turquia também passem a contribuir para as novas instituições.
Não surpreende que a gangue de Patrões do Universo ainda hegemônica esteja
agitada, nas suas poltronas estofadas. O Financial Times resume o pensamento da
City de Londres, notório paraíso do capitalismo de cassino.[3]
Vivem-se dias entusiasmantes na América do Sul, em mais de um sentido. A
hegemonia atlanticista ainda permanecerá por aí, como parte do quadro, é claro.
Mas é a estratégia dos BRICS que indica o rumo a tomar, na marcha para futuro
mais adiantado. E é a roda multipolar que continua a rodar. *****
________________________________________
[1] Para conhecer mais da posição da Índia sobre os BRICS, vide India Tribune,
14/7/2014, “Construindo sobre tijolos [ing. bricks] de solidariedade” (ing.)
em http://epaper.tribuneindia.com/c/3147122?fb_action_ids=635204433254025&fb_action_types=og.comments&fb_source=aggregation&fb_aggregation_id=288381481237582.
[2] “Totalitarismo Global. Não é proibido mudar: é impossível”, 8/7/2014,
Claudio Gallo,* RT, Moscou, em http://rt.com/op-edge/171240-global-totalitarismo-change-neoliberalism/ [em
tradução] (NTs).
Disponível em: (http://linkis.com/blogspot.com.br/WYP8O).
Acesso em: 16/jul/2014.
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