Postagem 15/jul/2014... Atualização 31/dez/2015...
Disponível em: (http://ibdfam.org.br/jurisprudencia/2587/A%C3%A7%C3%A3o%20declarat%C3%B3ria%20de%20uni%C3%A3o%20est%C3%A1vel). Acesso em: 15/jul2014.
Acórdão na integra:
Disponível em: (http://ibdfam.org.br/jurisprudencia/2587/A%C3%A7%C3%A3o%20declarat%C3%B3ria%20de%20uni%C3%A3o%20est%C3%A1vel). Acesso em: 15/jul/2014.
Ementa:
DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL SIMULTÂNEOS. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. PROVIMENTO.
1. Ainda que de forma incipiente, doutrina e jurisprudência vêm reconhecendo a juridicidade das chamadas famílias paralelas, como aquelas que se formam concomitantemente ao casamento ou à união estável.
2. A força dos fatos surge como situações novas que reclamam acolhida jurídica para não ficarem no limbo da exclusão. Dentre esses casos, estão exatamente as famílias paralelas, que vicejam ao lado das famílias matrimonializadas.
3. Para a familiarista Giselda Hironaka, a família paralela não é uma família inventada, nem é família imoral, amoral ou aética, nem ilícita. E continua, com esta lição: Na verdade, são famílias estigmatizadas, socialmente falando. O segundo núcleo ainda hoje é concebido como estritamente adulterino, e, por isso, de certa forma perigoso, moralmente reprovável e até maligno. A concepção é generalizada e cada caso não é considerado por si só, com suas peculiaridade próprias. É como se todas as situações de simultaneidade fossem iguais, malignas e inseridas num único e exclusivo contexto. O triângulo amoroso sub-reptício, demolidor do relacionamento número um, sólido e perfeito, é o quadro que sempre está à frente do pensamento geral, quando se refere a famílias paralelas. O preconceito — ainda que amenizado nos dias atuais, sem dúvida — ainda existe na roda social, o que também dificulta o seu reconhecimento na roda judicial.
4. Havendo nos autos elementos suficientes ao reconhecimento da existência de união estável entre a apelante e o de cujus, o caso é de procedência do pedido formulado em ação declaratória.
5. Apelação cível provida.
(TJMA, AC nº 19048/2013 - 728-90.2007.8.10.0115, Rel. Des. Lourival de Jesus Serejo Sousa, 3ª Câmara Cível, j. 03/07/2014).
Disponível em: (http://ibdfam.org.br/jurisprudencia/2587/A%C3%A7%C3%A3o%20declarat%C3%B3ria%20de%20uni%C3%A3o%20est%C3%A1vel). Acesso em: 15/jul2014.
Acórdão na integra:
EMENTA
DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL SIMULTÂNEOS. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. PROVIMENTO.
1. Ainda que de forma incipiente, doutrina e jurisprudência vêm reconhecendo a juridicidade das chamadas famílias paralelas, como aquelas que se formam concomitantemente ao casamento ou à união estável.
2. A força dos fatos surge como situações novas que reclamam acolhida jurídica para não ficarem no limbo da exclusão. Dentre esses casos, estão exatamente as famílias paralelas, que vicejam ao lado das famílias matrimonializadas.
3. Para a familiarista Giselda Hironaka, a família paralela não é uma família inventada, nem é família imoral, amoral ou aética, nem ilícita. E continua, com esta lição: Na verdade, são famílias estigmatizadas, socialmente falando. O segundo núcleo ainda hoje é concebido como estritamente adulterino, e, por isso, de certa forma perigoso, moralmente reprovável e até maligno. A concepção é generalizada e cada caso não é considerado por si só, com suas peculiaridade próprias. É como se todas as situações de simultaneidade fossem iguais, malignas e inseridas num único e exclusivo contexto. O triângulo amoroso sub-reptício, demolidor do relacionamento número um, sólido e perfeito, é o quadro que sempre está à frente do pensamento geral, quando se refere a famílias paralelas. O preconceito — ainda que amenizado nos dias atuais, sem dúvida — ainda existe na roda social, o que também dificulta o seu reconhecimento na roda judicial. 4. Havendo nos autos elementos suficientes ao reconhecimento da existência de união estável entre a apelante e o de cujus, o caso é de procedência do pedido formulado em ação declaratória.
5. Apelação cível provida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os senhores desembargadores da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do relator, que integra este acórdão.
Participaram do julgamento os excelentíssimos senhores Desembargadores Jamil de Miranda Gedeon Neto, Lourival de Jesus Serejo Sousa e Marcelino Chaves Everton.
Funcionou pela Procuradoria Geral de Justiça a procuradora Mariléa Campos dos Santos Costa.
São Luís, 10 de julho de 2014.
DESEMBARGADOR LOURIVAL SEREJO
RELATOR
APELAÇÃO CÍVEL Nº. 19048/2013 (728-90.2007.8.10.0115) – ROSÁRIO
RELATÓRIO
Senhores Desembargadores, Senhor(a) Procurador(a) de Justiça, Z. M. W. A. ajuizou ação declaratória de união estável post mortem contra N. P. C., alegando, em síntese, que conviveu more uxorio com o Sr. M. J. P. C. por dezessete anos, muito embora este último fosse casado com a ré da presente ação. Ingressou em juízo para prevenir direitos patrimoniais.
Após regular tramitação processual, sobreveio a sentença de fls. 213-219, pela qual a MM.ª juíza de direito da 2ª Vara de Rosário julgou improcedente o pedido veiculado na petição inicial. Entre outros argumentos, assentou a autoridade sentenciante que não houve comprovação acerca da separação de fato supostamente ocorrida entre a requerida e o falecido.
No recurso de fls. 226-237, repisa-se a tese inicial sobre a existência de uma união duradoura, pública e contínua entre a apelante e o falecido. Invoca precedentes em abono de sua tese e pede o provimento do recurso.
Não houve apresentação de contrarrazões.
Finalmente, já em segundo grau de jurisdição, os autos receberam o parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça, que sugeriu o improvimento do recurso, como se infere de fls. 244-248.
É o relatório.
VOTO
O presente tema é um dos mais desafiadores no cenário atual do Direito de Família. Para ficar bem delineado o problema, passarei a apreciá-lo em partes.
Inicialmente, vale consignar que a matriz normativa da união estável reside no art. 226 da Constituição Federal, assim anunciado:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
Com efeito, verifica-se que a Carta Magna, prestigiando o pluralismo democrático, concebe como entidade familiar o vínculo afetivo decorrente do casamento, da união estável e das relações monoparentais, conferindo ao legislador ordinário o mister de conferir densidade normativa aos conceitos das normas constitucionais, como é o caso do instituto da união estável.
O Código Civil optou por tratar as uniões fora do casamento com muito rigor, qualificando-as como mero concubinato (art. 1.727). Para minorar esse rigor, o § 1º do art. 1.723 admitiu a possibilidade de configurar-se a união estável desde que haja separação de fato. Portanto, na previsão legal, a separação de fato se apresenta como conditio sine qua non para o reconhecimento de união estável de pessoa casada.
Entretanto, a força dos fatos surge como situações novas que reclamam acolhida jurídica para não ficarem no limbo da exclusão. Dentre esses casos, estão as famílias paralelas que vicejam ao lado das famílias matrimonializadas.
A família tem passado por um período de acentuada evolução, com diversos modos de constituir-se, longe dos paradigmas antigos marcados pelo patriarcalismo e pela exclusividade do casamento como forma de sua constituição.
Dentre as novas formas de famílias hoje existentes, despontam-se as famílias paralelas: aquelas que se formam concomitantemente ao casamento ou à união estável.
Se a lei lhe nega proteção, a justiça não pode ficar alheia a esses clamores. As leis, diz Jacques Derrida, em sua obra "Força de lei", não são justas como leis (1) . Quer dizer, o enunciado normativo não encerra, em si, a justiça que se busca. Só a equidade pode adaptar a letra da lei ao caso concreto.
Não se pode deixar ao desamparo uma família que se forma ao longo de muitos anos, principalmente quando há filhos do casal.
Garantir a proteção a esses grupos familiares não ofende o princípio da monogamia, pois são situações peculiares, idôneas, que se constituem, muitas vezes, com o conhecimento da esposa legítima.
A doutrina e a jurisprudência favorável ao reconhecimento das famílias paralelas como entidades familiares são ainda tímidas, mas suficientes para mostrarem que a força da realidade social não deve ser desconhecida quando se trata de praticar justiça. O seguinte julgado bem exemplifica essa visão:
APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. RELACIONAMENTO PARALELO AO CASAMENTO.
As provas carreadas aos autos dão conta de que o de cujus, mesmo não estando separado de fato da esposa, manteve união estável com a autora por mais de vinte anos. Assim, demonstrada a constituição, publicidade e concomitância de ambas as relações familiares, não há como deixar de reconhecer a união estável paralela ao casamento, que produz efeitos no mundo jurídico, sob pena de enriquecimento ilícito de uma das partes.
O termo inicial da união estável é o período em que as partes começaram a viver como se casados fossem, isto é, com affectio maritalis. (TJRS - Ap. Cível n. 70016039497, 8ª CC. Relator: Des. Claudir Fidélis Faccenda)
Para a familiarista Giselda Hironaka, a família paralela não é uma família inventada, nem é família imoral, amoral ou aética, nem ilícita. E continua, com esta lição:
Na verdade, são famílias estigmatizadas, socialmente falando. O segundo núcleo ainda hoje é concebido como estritamente adulterino, e, por isso, de certa forma perigoso, moralmente reprovável e até maligno. A concepção é generalizada e cada caso não é considerado por si só, com suas peculiaridade próprias. É como se todas as situações de simultaneidade fossem iguais, malignas e inseridas num único e exclusivo contexto. O triângulo amoroso sub-reptício, demolidor do relacionamento número um, sólido e perfeito, é o quadro que sempre está à frente do pensamento geral, quando se refere a famílias paralelas. O preconceito — ainda que amenizado nos dias atuais, sem dúvida — ainda existe na roda social, o que também dificulta o seu reconhecimento na roda judicial(2).
Em trabalho de minha autoria, publicado em obra coletiva pela Revista dos Tribunais, tive oportunidade de tecer as seguintes considerações sobre esse tema, as quais são reproduzidas aqui, em destaques soltos, na sequência que segue(3) :
Apesar de não constar expressamente em nenhum dispositivo, a monogamia é a regra do nosso sistema legal. Conclusão que resulta da análise sistemática do nosso ordenamento jurídico, em que a bigamia é crime capitulado no art. 235 do Código Penal e, entre as causas de nulidade do casamento, está a comprovação de casamento anterior ainda válido (arts. 1.521, VI, e 1.548,II, ambos do Código Civil). Logo, só é permitido ao brasileiro manter um casamento em vigor, ainda que o divórcio tenha permitido a poligamia em série ou a monogamia sucessiva. Enquanto não declarado nulo ou extinto pelo divórcio, o casamento, no Brasil, é único e monogâmico.
Entretanto, impõe-se que se atente para a evolução dos fatos ocorridos nos últimos anos.
A poligamia em série, como se verifica hoje, relativizou o conceito rígido de monogamia, que significava um homem exclusivamente de uma mulher, por um longo período de convivência e, muitas vezes, por todo o tempo de vida. Não importa se a monogamia rigorosamente está ligada à existência de um casamento. A possibilidade de três casamentos, em cinco anos, é monogamia relativa. Essa possibilidade, que atenta contra o conceito tradicional de família é legal, em nosso ordenamento jurídico. É uma decorrência da liquidez do amor de que fala Zigmunt Bauman.
Essa relativização expande-se cada vez mais, paralela ao nosso ordenamento jurídico, pela força da realidade social e pela reiteração de casos. Outro exemplo dessa postura é a revogação do crime de adultério, uma raridade legal que só se mantinha por uma tradição legislativa. Nunca tomei conhecimento de alguém que tenha sido condenado pelo crime de adultério, no Brasil. Conta-se, como arquivo curioso de museu, que lá pela década de quarenta, um advogado maranhense teria sido preso por crime de adultério.
[...]
Se o nosso Código Civil optou por desconhecer uma realidade que se apresenta reiteradamente, a justiça precisa ter sensibilidade suficiente para encontrar uma resposta satisfatória a quem clama por sua intervenção.
[...]
Apesar da polissemia do termo, para melhor objetividade deste estudo, trato aqui do concubinato segundo a terminologia do Código Civil (art. 1.727), isto é, a família paralela ao casamento, dispensando-se, portanto, o adjetivo adulterino, já contido na ideia de concubinato. Apesar da clareza da opção do Código Civil, não há uniformidade na doutrina e na jurisprudência sobre essa terminologia, o que torna mais difícil a sistematização do tema.
[...]
A realidade formal que desponta do nosso Código Civil é de que o concubinato é uma união marginal, sem proteção legal, fora do conceito de casamento e de união estável, para cuja formação requer-se a condição de pessoas desimpedidas.
[...]
Não é possível desconhecer a existência de um concubinato que se desenvolve ao lado do casamento, principalmente quando ambos são marcados pelo afeto e pela estabilidade duradoura, pela existência de filhos, pela publicidade, pela dependência econômica e, mais ainda, pela própria conivência da esposa do concubino. É preciso pesar as circunstâncias fáticas e as de direito, com base na equidade, como já recomendou, com precisão, a jurisprudência favorável.
[...]
A realidade do concubinato não pode ser desconsiderada pelo direito, nem tratada como mera relação comercial. Não se pode desconhecer a existência de afeto sustentando essas uniões, tanto que a maioria resulta na formação de prole."
Embora ainda de forma tímida, já estão se afirmando alguns precedentes que reconhecem a juridicidade das famílias paralelas, conforme abaixo selecionados:
APELAÇÃO. UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO. RECONHECIMENTO. PARTILHA. “TRIAÇÃO”. ALIMENTOS PARA EX-COMPANHEIRA E PARA O FILHO COMUM.
Viável reconhecer união estável paralela ao casamento. Precedentes jurisprudenciais. Caso em que restou cabalmente demonstrada a existência de união estável entre as partes, consubstanciada em contrato particular assinado pelos companheiros e por 3 testemunhas; e ratificada pela existência de filho em comum, por inúmeras fotografias do casal junto ao longo dos anos, por bilhetes e mensagens trocadas, por existência de patrimônio e conta-bancária conjunta, tudo a demonstrar relação pública, contínua e duradoura, com claro e inequívoco intento de constituir família e vida em comum. Reconhecimento de união dúplice que impõe partilha de bens na forma de “triação”, em sede de liquidação de sentença, com a participação obrigatória da esposa formal. Precedentes jurisprudenciais. Ex-companheira que está afastada há muitos anos do mercado de trabalho, e que tem evidente dependência econômica, inclusive com reconhecimento expresso disso no contrato particular de união estável firmado entre as partes. De rigor a fixação de alimentos em prol dela. Adequado o valor fixado a título de alimentos em prol do filho comum, porquanto não comprovada a alegada impossibilidade econômica do alimentante, que inclusive apresenta evidentes sinais exteriores de riqueza. Apelo do réu desprovido. Apela da autora provido. Em monocrática. (TJRS,, Apelação Cível nº 70039284542, Rel. Des. Rui Portanova, 8ª Câm. Civel, j, 23/12/2010) Boletim Ibdfam nº 68/2011, p.11)
DIREITO DAS FAMÍLIAS. UNIÃO ESTÁVEL CONTEMPORÂNEA A CASAMENTO. UNIÃO DÚPLICE. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO FACE ÀS PECULIARIDADES DO CASO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Ao longo de vinte e cinco anos, a apelante e o apelado mantiveram um relacionamento afetivo, que possibilitou o nascimento de três filhos. Nesse período de convivência afetiva – pública, contínua e duradoura – um cuidou do outro, amorosamente, emocionalmente, materialmente, fisicamente e sexualmente. Durante esses anos, amaram, sofreram, brigaram, reconciliaram, choraram, riram, cresceram, evoluíram, criaram os filhos e cuidaram dos netos. Tais fatos comprovam a concreta disposição do casal para construir um lar com um subjetivo ânimo de permanência que o tempo objetivamente confirma. Isso é família. O que no caso é polêmico é o fato de o apelado, à época dos fatos, estar casado civilmente. Há, ainda, dificuldade de o Poder Judiciário lidar com a existência de uniões dúplices. Há muito moralismo, conservadorismo e preconceito em matéria de Direito de Família. No caso dos autos, a apelada, além de compartilhar o leito com o apelado, também compartilhou a vida em todos os seus aspectos. Ela não é concubina – palavra preconceituosa – mas companheira. Por tal razão, possui direito a reclamar pelo fim da união estável. Entender o contrário é estabelecer um retrocesso em relação a lentas e sofridas conquistas da mulher para ser tratada como sujeito de igualdade jurídica e de igualdade social. Negar a existência de união estável, quando um dos companheiros é casado, é solução fácil. Mantém-se ao desamparo do Direito, na clandestinidade, o que parte da sociedade prefere esconder. Como se uma suposta invisibilidade fosse capaz de negar a existência de um fato social que sempre aconteceu, acontece e continuará acontecendo. A solução para tais uniões está em reconhecer que ela gera efeitos jurídicos, de forma a evitar irresponsabilidades e o enriquecimento ilícito de um companheiro em desfavor do outro. (MINAS GERAIS. TJMG. APELAÇÃO CÍVEL nº. 1.0017.05.016882-6/003 – RELATORA: DESª MARIA ELZA. Data do Julgamento: 20/11/08. Data da publicação: 10/12/08).
Nos autos, temos a história de Z. M. W. A. e M. J. P. C.. Ele, médico, na cidade de Rosário, por muitos anos, a ponto de ter sido eleito para o cargo de vereador naquele município. As testemunhas ouvidas apontam para a existência de união simultânea do falecido com sua mulher N. P. C.
O casal vivia em casa adquirida por ele, num conjunto distante do centro da cidade. A esposa do de cujus, quando ia a Rosário, ficava hospedada na casa de sua irmã, sabendo que o Dr. Manoel estava em outra casa, com a companheira.
Analisa-se e comprova-se, ainda, o tempo e a visibilidade da união por 17 (dezessete) anos, conforme depoimento das testemunhas. Além do que, a companheira trabalhava com ele em sua clínica, reformada durante a convivência.
E então, postas essas circunstâncias, como negar a existência dessa união que persistiu até a morte do companheiro? Como negar a essa companheira uma parte do espólio, como recompensa e como reconhecimento de sua posição na entidade familiar?
Vejamos o que dizem as testemunhas ouvidas.
A testemunha Raimundo Nonato Torres Gomes disse que:
[...] só tomou conhecimento que o de cujus com outra mulher e residiam em São Luís, na época em que exercia o cargo de vereador e pediu que o depoente, que exercia o cargo de Secretário de Administração e Recursos Humanos deste município, para que fornecesse uma cópia do Decreto nº. 201; QUE foi nessa época também que o depoente soube da existência da requerida Nelcy Paixão e dos filhos, no entanto, não sabe declinar o depoente se o de cujus mesmo morando em Rosário, mantinha algum vínculo com ela, ou seja, se eles tinham contato ou mesmo se mantinham relacionamento de marido e mulher; QUE nenhum dos filhos moravam em Rosário; QUE a convivência marital da autora com o de cujus era de conhecimento público, inclusive teve início porque ela trabalhava na clínica dele como auxiliar de enfermagem e secretária; QUE a autora tinha um relacionamento com o senhor Tenório, inclusive tiveram filhos, sendo que ao conhecer o de cujus a passar a se relacionar com ele, a autora terminou o primeiro relacionamento; QUE pelo fato de residir em cidade pequena, todo mundo conhecia a autora como companheira do de cujus; QUE não conhece nenhum filho da autora com o de cujus; QUE não sabe precisar com certeza se no início da construção da clínica a autora já convivia com o de cujus, porém no decorrer da construção, já era de conhecimento público a convivência entre a autora e o de cujus, inclusive, ressalta o depoente que na época da inauguração, eles já estavam juntos relacionamento; QUE não pode afirmar com certeza, no entanto, ressalta o depoente que os bens adquiridos pelo de cujus foi no decorrer da convivência com a autora; QUE o de cujus saía com a autora e as solenidades que ele comparecia, sempre estava acompanhado dela; QUE ele apresentava a autora como sua companheira; QUE não sabe precisar qual a frequência que o de cujus ia a São Luís; QUE não sabe dizer também se os filhos vinham visitar o pai aqui em Rosário; QUE não sabia da existência da Kamila como filha do de cujus; QUE ele era muito reservado e não comentava nada a respeito de sua família; QUE na época em que o de cujus faleceu ainda convivia com a autora na casa da Cohab II e no decorrer do relacionamento, esse imóvel foi todo reformado, ampliado, sofrendo valorização; QUE após o falecimento a autora não está mais residindo na casa, visto que a mesma está fechada, não sabendo explicar o motivos" (fls. 182-183)
Por sua vez, as testemunhas Francisco de Assis Alves de Paula e Vicência Marques Cantanhede, ao serem indagadas sobre os fatos, responderam que:
[...] QUE a autora residia na mesma casa que o de cujus, sendo de conhecimento público o relacionamento deles, inclusive afirma que por diversas vezes os encontrou em festas, em Serestas que antigamente eram realizadas nas ruas; QUE o depoente nessas festas estava acompanhado de sua esposa e o de cujus, da autora; QUE na verdade quando o conheceu ele já convivia com a autora; QUE na época em que o de cujus era Vereador comentou com o depoente da existência de filhos que moravam em São Luís e que alguns deles viriam durante uma sessão da Câmara Legislativa, para ajudá-lo; QUE em nenhum momento o de cujus fez referência da existência da requerida Nelcy Paixão; [...] QUE conhecia a autora como esposa do de cujus e não como amante, até porque não tinha conhecimento da existência da requerida; QUE nunca presenciou os filhos do de cujus com a requerida ajudando o pai administrar a clínica, sendo que a única vez que ele fez referências aos mesmos foi quando disse que iria chamá-los para ajudá-lo na Câmara. [...] QUE não sabia, nem por ouvir falar, que o de cujus tinha uma outra família morando em São Luís. (fl. 185)
* * *
[...] QUE Zelinda durante a convivência com o de cujus morou na casa da Cohab II, o qual se prolongou até o falecimento dele; QUE as pessoas não reconheciam a autora como esposa do de cujus, mas como convivente, apesar de saberem que ele tinha família em São Luís, QUE inicialmente o relacionamento com a autora e o de cujus visto que ela trabalhava como enfermeira ou atendente, depois passou a se envolver amorosamente com ele; QUE é do conhecimento da depoente que quando a autora passou a se relacionar amorosamente com o de cujus, este já possuía vários bens, como a clínica, a casa da Cohab II, onde moraram, outros imóveis em Itamirim, S. João do Rosário, Itaipu, etc.; QUE durante a convivência dele com a autora, se recorda que a clínica foi reformada e a casa da Rua Frei Caetano também, mas este já existia antes do relacionamento; QUE não se recorda bem se a autora mesmo depois de passar a conviver com o de cujus continuou trabalhando na clínica dele, quer como auxiliar de enfermagem ou atendente; QUE afirma, contudo, que a autora trabalhava no PSF, no Hospital SESP; QUE nunca ouviu falar que o de cujus tinha se separado da requerida, quer judicialmente ou de fato; QUE mesmo trabalhando em Rosário e convivendo com a autora, mantinha um vínculo com a família. [...] QUE no período entre 1989 a 1990, a requerida com os filhos vinham com mais frequência para Rosário durante as férias; QUE a requerida Nelcy Paixão quando vinha para Rosário passou a ir para a casa do irmão porque sabia que seu marido, o de cujus estava morando com a autora." (fl. 190)
Finalmente, João Moreira Correia, também testemunha da apelante, afirmou que:
[...] não sabe informar se ele ia com freqüência nessa casa em São Luís e qual o vínculo que ele mantinha com a requerida Nelcy Paixão, até porque não os conhecia, passando a conhecer somente quando compareceu ao Fórum para audiência; QUE antes pegar essa carona com o de cujus e ele lhe dizer que tinha uma família morando em São Luís, não era do seu conhecimento, nem as pessoas comentavam aqui em Rosário que existia uma mulher e filhos residindo em São Luís; [...]
Os depoimentos acima transcritos formam o arco de provas suficientes para confirmar o status de companheiros entre Z. e M.. O casal vivia na cidade de Rosário ostensivamente como se casados fossem. Moravam e trabalhavam juntos. Unia-os, além dessas circunstâncias, o afeto que dedicavam um ao outro. Por que, então, não reconhecer uma união estável que vicejou sadia em substituição a um casamento moribundo?
Pela sua pertinência ao tema e ao instante final deste voto, invoco mais uma vez a doutrina especializada, nas palavras de Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk:
"Enfatize-se, por derradeiro, que a possibilidade de se refletir a respeito da eficácia da simultaneidade familiar é sintomática da consolidação de um novo olhar do direito sobre o fenômeno familiar, e, mesmo, de uma gradual superação dialética das concepções enclausuradas no dogmatismo positivista(4)."
À luz das considerações acima expostas, contra o parecer ministerial, DOU PROVIMENTO ao recurso, reformando a sentença impugnada, para o fim de julgar procedente o pedido formulado na petição inicial de fls. 2-7, declarando a existência de união estável entre ZELINDA MARIA WAQUIN ANCELES e MANOEL DE JESUS PONTES DE CARVALHO, falecido, com todas as repercussões de direito.
É como voto.
Sala das Sessões da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 3 de julho de 2014.
DESEMBARGADOR LOURIVAL SEREJO
RELATOR
(1) DERRIDA, Jacques. Força de lei: o fundamento místico da autoridade. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007, p. 21.
(2) HIRONAKA, Giselda. Famílias paralelas. In: Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões. Belo Horizonte: Ibdfam, 2014, p. 64.
(3) SEREJO, Lourival. Análise do concubinato e suas consequências patrimoniais. In: Direito das Famílias. DIAS, Maria Berenice (Org.). São Paulo: RT, 2009.
(4) RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famílias Simultâneas: da unidade codificada à pluralidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 238.
Disponível em: (http://ibdfam.org.br/jurisprudencia/2587/A%C3%A7%C3%A3o%20declarat%C3%B3ria%20de%20uni%C3%A3o%20est%C3%A1vel). Acesso em: 15/jul/2014.
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