5 de agosto de 2013 9:41 - Atualizado em 5 de agosto de
2013 9:42
O mito (?) da morosidade e o julgamento por
ordem cronológica (Série: breves reflexões sobre o Projeto do NCPC-2)
Artigo escrito por Luiz R. Wambier.
Neste segundo breve comentário a respeito do Projeto do
Novo Código de Processo Civil, faço propositada provocação aos meus leitores.
Proponho-me analisar o art. 12 do Projeto, que prevê que
os órgãos da jurisdição deverão obedecer à ordem cronológica de conclusão, para
proferir sentença ou acórdão.
Para tratar desse tema passo por outro, que, sei, é
polêmico, e muito: falo do mito da morosidade do processo civil brasileiro.
Estamos acostumados com esse discurso, dito de várias
formas: o processo civil é lento; a prestação jurisdicional é ineficaz, porque
demora para acontecer; justiça tardia equivale à injustiça. Há, enfim, vários
modos pelos quais se pode criticar o serviço judiciário brasileiro, tendo como
pressuposto a ideia de que se trata de um serviço público que não corresponde à
expectativa social do tempo de sua prestação.
O CNJ
tem feito histórico esforço para compreender o que há de verdadeiro ou de falso
nesse conjunto de afirmações. A técnica consistente no estabelecimento de metas
a serem cumpridas pelos tribunais tem mostrado sensível evolução. É de se
conferir o relatório de metas do CNJ no período 2009/2012, em que se pode
constatar que: “Com relação à razoável duração do processo,
vale destacar que praticamente todos os ramos da justiça alcançaram a chamada
meta 2 de 2012, que determinou o julgamento dos processos mais antigos. Em
2012, o tempo médio nos Juizados Especiais e na Justiça Eleitoral e Militar não
passou de 3 anos em cada instância; na Justiça do Trabalho, 4 anos; nos demais
segmentos, 5 anos”.
Já há pesquisas sobre o tempo de tramitação dos recursos
nos tribunais que nos mostram haver números próximos a 100 dias, em média,
entre a chegada do recurso de apelação e seu efetivo julgamento.
Para alguns esses dados são desanimadores, porque
mostrariam que a situação está muito longe do ideal, isto é, sem dar
cumprimento à regra constitucional que preconiza que o processo deve ter
duração razoável.
De minha parte, procuro enxergar a situação sob outro
vértice, que resumo na seguinte frase: o processo brasileiro longe está de ser
moroso; ele ostenta, por um lado, a demora natural do procedimento que tem
fases que devem ser cumpridas umas após as outras; por outro, ele indica, por
outro lado, que apesar do grande crescimento da demanda do serviços
judiciários, havida nas últimas décadas, o sistema funciona e responde
favoravelmente à expectativa da média da sociedade.
Para que se possa entender o que afirmo, penso que seja
necessária breve reflexão sobre o que houve de mudanças, no Brasil, nas últimas
4 décadas. Permito-me buscar em outro artigo, mais antigo, escrito nos idos de
2006, parte dessas observações:
“ 1 – o aumento descontrolado da população brasileira,
que nos últimos 35 anos pulou de 90 para 190 milhões de habitantes; 2 – a
consolidação da democracia, com todos os seus benéficos efeitos, inclusive o da
liberdade de expressão e reivindicação; 3 – o reconhecimento, pela via
legislativa, de novos direitos, como aqueles previstos no Estatuto da Criança e
do Adolescente, no Código de Defesa do Consumidor, no Estatuto do Idoso e,
fundamentalmente, no Código Civil de 2002; 4 – o aumento expressivo e crescente
da informação sobre os direitos, accessível a todos, independentemente de
condição sociocultural ou econômica; 5 – a efetivação de reformas legislativas,
no âmbito do CPC, que fizeram crescer exponencialmente o número de liminares
(e, via de consequência, de recursos). Exemplo disso é o art. 273. 6 – a
difusão da informação em sentido amplo, por meio da internet, com seu
impressionante volume de dados, transmissíveis em tempo real”.
Nas últimas duas décadas, o movimento de inclusão social
foi extraordinário. Programas governamentais de transferência de renda têm sido
responsáveis pela diminuição da miséria e pelo surgimento de novas classes de
beneficiados pelos avanços da civilização.
Isso, todavia, gerou novos tipos de demandas sociais,
dirigidas aos diversos segmentos prestadores de serviços públicos. Quer-se mais
eficiência nos serviços de saúde, educação, transporte e, também, justiça.
É possível sustentar, então, que o serviço judiciário
brasileiro funciona satisfatoriamente, apesar desse explosivo crescimento da
demanda por serviços judiciários e das graves questões culturais de que
padecemos, como, por exemplo: 1ª) a mentalidade burocrática, com suas
consequências tanto no plano da prestação do serviço público; 2ª) o serviço
público cartorial e agigantado; 3ª) a excessiva judicialização dos conflitos;
4ª) a inexorabilidade do inconformismo com as decisões contrárias,
inequivocamente expressa no expressivo manejo de recursos.
Há, todavia, casos em que ocorre demora excessiva, fora
da média aferida pelo CNJ e, portanto, com grande potencial para desacreditar o
serviço judiciário. Casos pontuais, em que o processo tramita por mais de
década (ou de décadas) ainda existem, resistindo aos planos de metas do
Conselho Nacional de Justiça, destinados a “zerar” o passivo de processos
antigos.
O regra proposta no art. 12 do NCPC pode potencialmente
contribuir para diminuir o tempo de duração do processo ou, quando pouco, para
evitar que determinados processos tramitem por tempo superior à média
aceitável. Por outras palavras, essa regra contribui para dar eficácia à norma
constante do inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal.
Prevê o art. 12, repito, que “Os órgãos jurisdicionais
deverão obedecer à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou
acórdão”.
Os primeiros críticos dessa proposta diziam que sua
aprovação acarretaria maior demora no tempo do processo, de forma que seria
norma perniciosa aos objetivos do sistema.
Isso porque, segundo tais críticos,
ao dar cumprimento à ordem cronológica, poderia o juiz deixar de julgar
processos a respeito dos quais sua convicção já estivesse razoavelmente
formada, ou por se trata de matéria com que tivesse maior familiaridade, ou por
se tratar de tema já “batido” na jurisprudência.
Embora sejam sustentáveis, esses argumentos não param em
pé diante da garantia constitucional da paridade de tratamento (art. 5º, caput,
da CF). Assim, ao juiz (ou ao tribunal) não mais será possível julgar os
processos que lhe convenha, em prejuízo do julgamento de outros, talvez mais
complexos, ou que veiculem temas com os quais não tenha afinidade. Há, também
outro fundamento constitucional: trata-se da regra da impessoalidade do serviço
público, prevista no art. 37 da Constituição Federal.
Os incisos I a VII contêm as exceções à regra prevista
no caput do art. 12. Segundo esses dispositivos, poderá o juiz (ou o tribunal)
desrespeitar a ordem cronológica de conclusão se se tratar de sentenças
proferidas em audiência, sentenças homologatórias de acordo ou sentenças de improcedência
liminar do pedido; de processos julgados em bloco para aplicação de tese
jurídica firmada em incidente de resolução de demandas e recursos repetitivos;
julgamentos monocráticos de competência do relator, nos tribunais (art. 945);
embargos de declaração, agravo interno, assim como sentenças ou acórdãos em
processos em que haja preferência legal para julgamento (idosos, por exemplo).
Quanto a estes últimos, dispõe o §3º do art. 12 que deverá haver listas de
ordem cronológica de conclusão “entre as preferências legais”.
O
parágrafo 1º do art. 12 dispõe que a lista de processos “aptos a julgamento”,
isto é, conclusos para tanto, deverá ficar disponível para partes e demais
interessados (o dispositivo se refere a consulta pública) tanto em cartório quanto
na internet.
Haverá, portanto, grande publicidade a respeito da lista
dos processos maduros para sentença ou acórdão, o que certamente será uma
vacina contra eventuais desvios de rota.
Apesar da polêmica que em torno desse dispositivo se
estabeleceu tão logo foi incluído no Projeto, no meu modo de ver trata-se de
inovação interessantíssima e que pode, ao menos potencialmente, contribuir para
que o processo civil brasileiro encontre a sua própria média de tempo, de forma
que se possa considerar cumprida a regra da razoável duração.
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