Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 06.dez.2020...
Opinião
Nova interpretação conferida à Súmula 182 do STJ é absolutamente legítima
12 de junho de 2018, 6h21
“Fui aposentado em meados de 2014, pela CF”, no limite etário anterior à EC 88/2015. No período a que se refere o seu artigo 95, parágrafo único, V, que instituiu a apelidada “quarentena” de três anos, exerci a minha incipiente advocacia, honrosamente, perante outros órgãos do Poder Judiciário, exceto, naturalmente, o STJ, perante o qual ocorreu tal impedimento. Procurei, no entanto, acompanhar a sua importante jurisprudência, como não poderia deixar de ser. Cumprido tal interstício, o meu trabalho autônomo começou a estender-se à corte da cidadania, com igual honra, o que animou-me a fazer alguns comentários sobre o referido verbete sumular, cuja aplicação é comum em inúmeros recursos que ascendem à referida corte.
Ao examinar os julgados mais recentes, percebi relevante mudança quanto à aplicação da referida súmula, que dispõe: “É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada”[1].
Anteriormente, seu enunciado apresentava-se adstrito, em regra, às hipóteses em que o recorrente deixava de impugnar a decisão agravada, pois apenas repetia as razões expostas no recurso especial. Ou seja, não atacava os fundamentos da decisão proferida no recurso de trânsito, que deixou de admitir o apelo nobre, ou aqueles constantes da decisão do relator, que havia negado seguimento ao recurso.
No entanto, um estudo da mais recente jurisprudência daquela corte superior indica que outros elementos passaram a integrar o âmbito da “ausência de impugnação específica” e devem ser considerados pelo recorrente para não incorrer no obstáculo sumular.
Em primeiro lugar, é recomendável que, na peça recursal, abra-se um tópico, que se poderia denominar “Da impugnação específica”, circunstanciando as respectivas razões, de molde a deixar evidente para o relator que se está a proceder ao cumprimento dos requisitos recursais.
Em segundo lugar, permanece inalterada a compreensão de que o agravante não pode se limitar a repetir as razões apresentadas no âmbito do anterior recurso. Deve, portanto, sempre, direcionar sua irresignação contra a decisão que inviabilizou o recurso, refutando seus fundamentos (por exemplo, AgRg nos EDcl nos EAREsp 5.227/MG, rel. ministro Antônio Saldanha Palheiro, 3ª Seção, DJe 27/3/2017).
Em terceiro lugar, e a rigor, todos os fundamentos da decisão devem ser impugnados, alvos de menção expressa nas razões recursais, ainda que se opte por não recorrer de determinado capítulo (houve resignação), se for o caso. Tal conduta deve ser adotada, no mínimo, até que a Corte Especial do STJ conclua o julgamento conjunto dos EAREsp’s 701.404/SC e 831.326/SP, rel. min. João Otávio de Noronha, em que se discute a possibilidade de impugnação de capítulos autônomos da decisão agravada, ou seja, o conhecimento parcial do recurso.
Em quarto lugar, se o decisum encontrar-se fundado em julgados do STJ, como normalmente ocorre por força dos dispositivos processuais, ou fizer menção às suas súmulas 83 e 568, em suas razões recursais, deve o recorrente demonstrar que aqueles julgados mostram-se inaplicáveis ao caso versado nos autos, ou que há julgados mais recentes, em sentido contrário, favoráveis à sua tese, de modo que aqueles citados apresentam-se superados (por exemplo, AgInt no AREsp 830.527/SC, rel. ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe 15/5/2017).
Em quinto lugar, não se admite, em qualquer hipótese, que a impugnação seja genérica, superficial, quer dizer, aquela que se amoldaria a qualquer caso. Impõe-se a adoção de argumentação sólida, exauriente e particularizada (por exemplo, AgInt no AgInt no AREsp 1.036.117/SP, rel. ministro Sérgio Kukina, 1ª Turma, DJe 14/5/2018). O que, de resto, sintoniza-se com o vigente CPC, que, a par de prever, tal como, de resto, consta da CF, artigo 93, IX, a imprescindibilidade da fundamentação de todas as decisões judiciais, a exige, mais até do que o anterior, congruente, objetiva, enfim, sintonizada com a situação sub judice, conforme seu artigo 489 e seguintes. De igual modo, também a postulação recursal deverá obedecer, mutatis mutandis, critérios similares, conforme, por exemplo, artigo 1.021, parágrafo 1º.
Registre-se que se apresenta absolutamente legítima a nova interpretação conferida à Súmula 182/STJ. De fato, a congruência e o diálogo entre o recurso e a decisão impugnada contribuem para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, dever de todos os partícipes da relação jurídico-processual. Nesse contexto, os postulantes, por seus advogados, devem atentar para a evolução jurisprudencial no tocante ao alcance do aludido verbete.
Por fim, diante desse novo formato ou alcance atribuído à Súmula 182, para prevenir eventual não conhecimento do recurso, é importante que a argumentação trazida nas razões recursais observe, em suma, os pontos antes mencionados, a saber: (i) deve ser aberto um tópico específico para trazer os argumentos que refutem a decisão impugnada; (ii) a petição do recurso não deve se limitar a reprisar as razões do anterior recurso; (iii) todos os capítulos da decisão devem ser refutados expressamente (inclusive aqueles sobre os quais houve, em tese, resignação); (iv) se a inadmissão se basear em julgados do STJ, cumpre ao recorrente demonstrar o distinguishing ou a existência de julgados supervenientes que amparam a sua tese; (V) a impugnação deve particularizar a situação dos autos, ou seja, não pode ser genérica.
[1] Atualmente, o conteúdo do enunciado sumular consta, expressamente, no CPC/2015, em seu artigo 932, III: “Incumbe ao relator: [...] III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida”.
Precedentes mencionados:
PROCESSUAL
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE
DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO
ESPECÍFICA DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA QUE INADMITIU OS EMBARGOS
DE DIVERGÊNCIA.
1. A decisão agravada indeferiu liminarmente os embargos de divergência
em razão de terem sido interpostos contra decisão monocrática, e, nos
termos dos arts. 546, I, do CPC/73 e 266 do Regimento Interno do STJ, os
embargos de divergência são cabíveis contra decisão colegiada que
divirja do julgamento atual de qualquer outro órgão jurisdicional do
STJ. A ora agravante, contudo, deixou de infirmar
especificamente esses fundamentos, tendo se limitado a repetir as
alegações relativas ao cabimento do recurso especial.
2. Nos termos do art. 1.021, § 1º, do CPC/2015, é inviável o agravo que
deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada.
Incidência, por analogia, da Súmula 182 deste Tribunal Superior, segundo
a qual "é inviável o Agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar
especificamente os fundamentos da decisão agravada".
3. Agravo regimental não conhecido.
(AgRg nos EDcl nos EAREsp 5.227/MG, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA
PALHEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/03/2017, DJe 27/03/2017)
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA.
SÚMULA 182/STJ. SÚMULA 83/STJ.
1. O agravo em recurso especial, interposto contra decisão denegatória
de processamento de recurso especial, que não impugna, especificamente,
os fundamentos por ela utilizados não deve ser conhecido.
2. Inadmitido o apelo especial pelo Tribunal a quo com
fundamento na Súmula 83/STJ, incumbe à parte agravante apontar, nas
razões do respectivo agravo em recurso especial, precedentes
contemporâneos ou supervenientes aos indicados na decisão agravada,
procedendo ao cotejo analítico entre eles. Precedentes desta Corte.
3. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 830.527/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/05/2017, DJe 15/05/2017)
PROCESSUAL
CIVIL. ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVO INTERNO NO
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO QUE NÃO ATACADA,
ESPECIFICAMENTE, OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. INCIDÊNCIA DA
SÚMULA 182/STJ.
1. Registre-se, de logo, que o acórdão recorrido foi publicado na
vigência do CPC/73; por isso, no exame dos pressupostos de
admissibilidade do recurso, será observada a diretriz contida no
Enunciado Administrativo n. 2/STJ, aprovado pelo Plenário do STJ na
Sessão de 9 de março de 2016.
2. Na forma da jurisprudência desta Corte, "a impugnação
genérica ou a falta de impugnação cerrada (completa, objetiva e
pormenorizada) dos fundamentos contidos na decisão de admissibilidade do
recurso especial atrai o óbice contido no enunciado da Súmula 182 do
STJ 'É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar
especificamente os fundamentos da decisão agravada'." (AgRg no AREsp
112.745/MG, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF
1ª REGIÃO), PRIMEIRA TURMA, DJe 07/04/2016).
3. Caso concreto em que, em suas razões recursais, limitou-se a parte
agravante a deduzir argumentação genérica acerca da presença dos
pressupostos de admissibilidade do apelo nobre, porém incapazes de
atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada, a saber: (a)
inviabilidade de se arguir dissídio jurisprudencial acerca de
dispositivo constitucional; (b) impossibilidade de se examinar eventual
ofensa reflexa aos arts. 884 e 927 do Código Civil; (c) ausência de
prequestionamento do art. 20 do CPC/1973; outrossim, nesse ponto, os
argumentos expendidos no apelo nobre estariam dissociados dos
fundamentos do acórdão recorrido; (d) deficiência de fundamentação
quanto às demais teses suscitadas no apelo nobre, em virtude da não
indicação dos dispositivos de lei federal supostamente contrariados.
4. Agravo interno não conhecido.
(AgInt no AgInt no AREsp 1036117/SP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/05/2018, DJe 14/05/2018).
Arnaldo Esteves Lima é advogado e ministro aposentado do STJ.
Revista Consultor Jurídico, 12 de junho de 2018, 6h21
Original disponível em: (https://www.conjur.com.br/2018-jun-12/arnaldo-lima-interpretacao-sumula-182-stj-legitima). Acesso em 06/dez/2020.
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