Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 29/dez/2019...
O complô dos USA para derrubar o Papa Francisco, por Leonardo Boff
28 de dezembro de 2019, 19h36
Há
uma razão manifesta para esta campanha (que supomos ter representantes
também no Brasil) porque, pela primeira vez, um Papa se opõe
diretamente ao sistema econômico que, no afã de acumular de forma
ilimitada, explora nações, manipula mercados, cria milhões de pobres e
agride gravemente os ecossistemas, pondo em risco o futuro da vida na
Terra

Papa Francisco e Fidel Castro (Reprodução)
O complô dos USA para derrubar o Papa Francisco
Jornalista
francês denuncia o círculo de interessados em uma conspiração no
Vaticano, composto pelo setor de mega milionários ultraconservadores,
que usa sua influência e poder econômico para assediar o sumo pontífice
Por Eduardo Febbro
“Para
mim, é uma honra que os norte-americanos me ataquem”, disse o Papa
Francisco quando o jornalista francês Nicolas Senèze, correspondente do
diário católico La Croix em Roma, mostrou a ele o
livro-reportagem sobre o complô estadunidense contra o seu papado,
durante a viagem de avião que os levou a Moçambique. O título da obra é
“Como a América atua para substituir o Papa” (o título original é
“Comment l’Amérique veut changer de Pape”).
Os
detalhes desse complô e os nomes dos protagonistas e dos grupos
envolvidos estão claramente expostos nas páginas do livro, que
descrevem, desde o seu início, a mecânica da hostilidade contra o papado
atual. O operativo tem até o nome de “Relatório Chapéu Vermelho”
(“The Red Hat Report”). Um círculo preciso que move dinheiro e
influência e é organizado pelos setores ultraconservadores e de mega
milionários dos Estados Unidos. As peças deste jogo de calúnias e poder
se encaixam em um complexo quebra-cabeças, que os adversários do
pontífice vêm armando nos últimos anos. O golpe começou a ser fomentado
em Washington, no ano de 2018. O grupo de ultraconservadores se reuniu
na capital norte-americana para fixar duas metas: atingir a figura de
Francisco da forma mais destrutiva possível e adiantar sua sucessão,
para escolher, entre os atuais cardeais, o mais adequado aos interesses
conservadores.
O “Relatório Chapéu Vermelho”
foi organizado por um grupo de ex-policiais, ex-membros do FBI
(Departamento Federal de Investigações dos Estados Unidos), advogados,
operadores políticos, jornalistas e acadêmicos que trabalharam no estudo
da vida e das ideias de cada um dos cardeais, com o fim de destruir as
carreiras dos que não interessam, ou beneficiar as daqueles que
pretendem impor como substituto de Francisco, quando chegue o momento
oportuno. E enquanto esse momento não chega, o grupo busca preparar o
terreno para o que Senèze chama de “um golpe de Estado contra o Papa Francisco”.
Em
uma manhã de 2017, Roma amanheceu coberta com cartazes contra o Papa.
Foi o primeiro ato da ofensiva: o segundo, e certamente o mais
espetacular, aconteceu em agosto de 2018, quando, pela primeira vez na
história do Vaticano, um cardeal tornou pública uma carta exigindo a
renúncia de Francisco. O autor foi o monsenhor Carlo Maria Vigamo,
ex-núncio do Vaticano nos Estados Unidos. O correspondente do La Croix no
Vaticano detalha a odisseia maligna deste grupo de poder em sua missão
por tirar do caminho um Papa cujas posições contra o neoliberalismo,
contra a pena de morte, a favor dos imigrantes e sua inédita defesa do
meio ambiente através da encíclica Laudato Sí promove uma
corrente contrária à desses empresários. Os conspiradores não têm nada
de santos: são adeptos da teologia da prosperidade, possuem empresas
ligadas mercado financeiro e de seguros, e estão envolvidos até com a
exploração da Amazônia. Francisco é uma pedra em seus sapatos, uma cruz
sobre suas ambições.
Segundo
Senèze, organizações de caridade como “Os Cavaleiros de Colombo” (que
possuem cerca de 100 bilhões de dólares, graças às companhias de seguros
que administram), o banqueiro Frank Hanna, a rede de meios de
comunicação Eternal World Television Network (EWTN), cujo
promotor (o advogado Timothy Busch) também é criador do Instituto Napa,
que tem a missão de difundir “uma visão conservadora e favorável à
liberdade econômica”, estão entre os membros mais ativos do complô. Mas
também há outros, como George Weigel e seu famoso think tank, o Centro de Ética e Política Pública. No diálogo com o jornal argentino Página/12, Senèze fala sobre a trama que, apesar do poder de suas, ainda não foi capaz de derrubar o Papa.
Pergunta: Parece
uma história de novela, mas é uma história real. O Papa Francisco foi e
é objeto de uma das campanhas mais densas já vistas contra um sumo
pontífice.
Nicolas Senèze: O
Papa Francisco não serve aos interesses desse grupo de empresários
ultraconservadores, e por isso decidiram atacá-lo. Atuam como se fosse o
conselho de administração de uma empresa, quando se despede o diretor
porque ele não alcançou os objetivos desejados. Essa gente conta com
enormes recursos financeiros, e mesmo assim, durante o mandato de
Francisco, não conseguiram influenciar sua linha de pensamento. Por
isso, começaram a se aproximar de pessoas de dentro da Igreja que também
estão contra Francisco. Algumas delas, como o monsenhor Vigamo,
chegaram a exigir publicamente sua renúncia. Creio que esse grupo de
ultraconservadores superestimaram suas forças. O monsenhor Carlo Maria
Vigamo, por exemplo, não calculou a lealdade das pessoas dentro do
Vaticano, que não estavam dispostas a trair o Papa, mesmo as que são
críticas de Francisco.
Pergunta: A operação que organiza o “Relatório Chapéu Vermelho” tinha dois objetivos, um para agora e outro para o futuro.
Senèze: Efetivamente.
Como não puderam derrubar o Papa, tentam agora uma nova estratégia.
Francisco tem 84 anos, e podemos pensar que estamos cerca do fim do seu
pontificado. O que estão fazendo é preparar o próximo conclave. Para
isso, estão investindo muito dinheiro, contratado ex-membros do FBI para
preparar dossiê sobre os cardeais que participarão da eleição. O
primeiro objetivo é destruir aqueles que têm a intenção de continuar as
reformas aplicadas pelo Papa Francisco. Depois, buscar um substituto
adequado aos seus interesses. O problema desta meta é que, ao menos até
agora, não eles não contam com nenhum candidato verosímil. Não será
fácil para eles. Entretanto, podem ir bem no trabalho de arranhar a
credibilidade dos candidatos reformistas, e dessa forma, podem levar à
eleição de um reformista fraco e manipulável, que ceda a pressão em
favor de desmontar as reformas de Francisco. Para isso, contam com muito
poder econômico e influência. Creio profundamente que a maioria dos
católicos norte-americanos respaldam o Papa Francisco. Mas nos Estados
Unidos, a quantidade não basta. O que fala mais alto é o fator dinheiro.
Pergunta: Esses grupos já existiam antes, mas nunca atuaram com tanta força.
Senèze: São
empresários com enormes meios à sua disposição. Cada um deles foi
criando seu grupo de reflexão dentro da Igreja, sua escola de teologia,
sua universidade católica, sua equipe de advogados para defender a
liberdade religiosa. É uma nebulosa operação, que funciona mediante uma
rede de instituições privadas, e que chegou para dominar o catolicismo
norte-americano. São, por exemplo, aqueles que doaram muito dinheiro
para ajudar as dioceses estadunidenses que tiveram que pagar enormes
indenizações após a revelação dos casos de abuso sexual. Por isso, podem
impor uma direção ideológica a essas dioceses. Por exemplo, Tim Busch
está presente em todas as etapas dessa montagem. Para proteger poderosos
interesses econômicos na Amazônia, esses grupos usam toda a sua força
para desviar a atenção e evitar, assim, a promoção de ideias em defesa
da ecologia. Trabalham sempre para distrair a atenção dos debates
fundamentais. Por exemplo, nos sínodos, buscam impor seus pontos de
vista, ou seja, seus interesses.
Pergunta: E como um grupo tão poderoso pode deixar que Francisco fosse eleito Papa?
Senèze: Não
perceberam que isso ocorreria, porque a eleição de Francisco foi
resultado de uma dinâmica que envolveu outras necessidades: este Papa
foi eleito devido à crise no seio da instituição, graças à vontade dos
bispos do mundo inteiro de recuperar a após anos de problemas gerados
por erros do passado, que levaram, por exemplo, à omissão diante dos
casos de abuso sexual. Bergoglio se impôs porque era o mais disposto a
reformar essa Igreja. Mas sua ideologia choca com a visão que os
católicos ultraconservadores dos Estados Unidos têm sobre qual é o papel
da Igreja. Além disso, outro ingrediente próprio do catolicismo
estadunidense é o desprezo dos católicos brancos pelos latinos. O setor
conhecido pela sigla WASC (“white anglo saxon catholics”, ou “católicos
brancos anglo-saxões”) odeia os latinos, os considera pobres
fracassados. Os WASC são muito influenciados pela teologia da
prosperidade difundida pelos evangélicos.
Pergunta: Donald Trump atua nesse jogo?
Senèze: Não
creio que Trump tenha muitas convicções próprias. Ele certamente os
escuta, mas quem tem mais proximidade com esse setor é o vice-presidente
Mike Pence. As diferenças entre Washington e o Vaticano são muitas: o
tema da pena de morte, a postura de Francisco contrária a um liberalismo
fora de controle, entre outras. O Papa, é hoje um dos principais
opositores aos fundamentos do poder econômico dos Estados Unidos.
*Publicado originalmente no Página/12 | Tradução de Victor Farinelli veja também em Carta Maior de 17/9/2019.
Original disponível em: (https://revistaforum.com.br/global/o-complo-dos-usa-para-derrubar-o-papa-francisco-por-leonardo-boff/). Acesso em 29/dez/2019.
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