Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 30/mai/2019...
Ação de prestação de contas não pode ser utilizada por alimentante para fiscalizar uso da pensão
DECISÃO
03/04/2019
08:05
As verbas pagas a título de pensão alimentícia passam a integrar
definitivamente o patrimônio do alimentando e possuem caráter
irrepetível, ou seja, não estão sujeitas à devolução. Por isso, o
alimentante não pode utilizar a ação de prestação de contas como meio
para fiscalizar os recursos transmitidos, já que não há possibilidade de
apuração de crédito em seu favor.
Esse entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) ao manter acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal (TJDF) que considerou inviável uma ação de prestação de contas
destinada a averiguar eventual má gestão da verba alimentícia paga a
menor, sob a guarda de sua genitora. Para o colegiado, deficiências na
administração da pensão devem ser objeto de análise global na via
judicial adequada, com ampla instrução probatória, procedimento
incompatível com o rito do processo de contas.
“A beligerância e a falta de comunicação entre genitores não se
solucionam por meio de prestações de contas, especialmente porque os
alimentos prestados para garantir o bem-estar da criança ou do
adolescente não se caracterizam como relação meramente mercantil ou de
gestão de coisa alheia”, apontou o relator do recurso especial, ministro
Villas Bôas Cueva.
Na ação que deu origem ao recurso, o autor buscou a prestação de
contas de sua ex-mulher pela administração da verba alimentar devida à
filha. Além de defender seu direito de exigir prestação de contas, o pai
alegava que havia dúvidas sobre a aplicação da pensão alimentícia por
parte da mãe.
Pequenas despesas
A decisão da primeira instância, mantida pelo tribunal local,
entendeu que não seria razoável pretender que a mãe comparecesse em
juízo para prestar contas, de forma contábil, de todas as inúmeras
pequenas despesas relacionadas com o sustento e o cotidiano da filha
menor.
O ministro Villas Bôas Cueva, no julgamento do recurso especial,
destacou que o artigo 1.583 do Código Civil de 2002 garante ao genitor
que não detém a guarda do filho o direito de fiscalizar o cumprimento,
pelo outro genitor, dos aspectos pessoais e econômicos da guarda, o que
escapa ao verdadeiro objeto da ação de prestação de contas.
“A possibilidade de se buscarem informações a respeito do bem-estar
do filho e da boa aplicação dos recursos devidos a título de alimentos
em nada se comunica com o dever de entregar uma planilha aritmética de
gastos ao alimentante, que não é credor de nada”, afirmou o relator.
Rito específico
Segundo o ministro, o processo de contas faculta àquele que detiver o
direito de exigi-las de terceiro – ou a obrigação de prestá-las – a
utilização do rito específico para averiguação de eventual crédito ou
débito.
Com lógica distinta, na ação de alimentos, a verba alimentar ingressa
definitivamente no patrimônio do alimentado. Assim, ainda que o
alimentante discorde da aplicação dos recursos, não há a possibilidade
da devolução da verba alimentícia em virtude do princípio da
irrepetibilidade dos alimentos.
“Na verdade, há presunção de que as verbas recebidas tenham sido
utilizadas para a manutenção da comunidade familiar, abrangendo o
custeio de alimentação, saúde, vestuário, educação, lazer, entre outros.
Excepcionalmente, admite-se o ajuizamento de ação própria quando
presente a suspeita de abuso de direito no exercício desse poder”,
afirmou o relator.
Ao manter o acórdão do TJDF, Villas Bôas Cueva lembrou que a via
adequada para questionar o valor da verba alimentar é a ação revisional
ou a ação própria para a modificação da guarda ou suspensão do poder
familiar.
Além disso, o ministro apontou que demandas desse tipo não devem ser
incentivadas “sob pena de se patrimonializar excessivamente as relações
familiares, sensíveis por natureza – especialmente em virtude da
irrepetibilidade da verba alimentar e, consequentemente, inexistência de
crédito na forma mercantil”.
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