Postagem no
AberturaMundoJuridico 07/jan/2017...
O estranho caso do “Roda Viva” gravado em agosto e que só foi ao ar neste mês
Postado em 07 Jan 2017
Enviado por um amigo do DCM:
Com um pequeno atraso de cerca de cinco meses, foi ao ar, na primeira
edição de 2017 do programa Roda Viva, da TV Cultura, uma das mais
interessantes entrevistas realizadas pelo programa da estatal tucana, no
ano passado. O convidado foi o jornalista Cid de Queiroz Benjamin, que
estava lançando à época da gravação, no dia 11 de agosto de 2016, o
livro “Reflexões Rebeldes”, pela editora José Olympio, que já publicara
seu livro de memórias intitulado “Gracias a la Vida”, de 2013.
Trata-se, de acordo com o próprio autor, um dos mais lúcidos
sobreviventes da esquerda armada que combateu a ditadura militar, de uma
coletânea de textos, com “críticas duras à direita e a certas posições
da esquerda” sobre a política brasileira. Ex-dirigente do MR-8, preso em
1970, Benjamin foi um dos 40 presos políticos libertados no sequestro
do embaixador alemão Ehrefried Von Holleben e banidos para a Argélia.
De volta ao Brasil, com a anistia de 1979, depois de passar pelo
Chile, Cuba, México e Suécia, Benjamin rapidamente reintegrou-se à
política nacional, participando da fundação do Partido dos
Trabalhadores, do qual se desligou em 2005, para fundar o PSOL. “O PT
ficou excessivamente parecido com o PSDB na política e o PMDB nos
métodos”, afirmou certa vez.
O verdadeiro motivo do convite feito a Benjamin vai muito além do
“gancho” representado pelo lançamento do seu livro. Em agosto, quando
Benjamin enfrentou a bancada de entrevistadores do programa,
desenrolava-se a última etapa, no Senado, do processo de impeachment da
presidente Dilma Rousseff, concluído no último dia daquele mês de
agosto, com a cassação do seu mandato por 61 votos a 20.
Num momento em que a tentativa de destituição da presidente eleita
por 54,5 milhões de votos era rotulada como uma manobra claramente
golpista pelos partidos políticos progressistas e movimentos populares,
contar com um eventual aval pela esquerda era tudo o que a turma do Roda
Viva, comandado pelo jornalista Augusto Nunes, notoriamente engajado na
mobilização anti-Dilma, sonhava.
Infelizmente para Nunes e para os espectadores do programa, que
tiveram de esperar pelo fim do inverno, a passagem da primavera e o
início do verão para ter acesso à entrevista, o sonho da legitimação da
farsa se esvaiu logo nos primeiros minutos do programa.
De cara, Cid Benjamin, rotulou o processo de impeachment em curso de
“golpe paraguaio”, para desgosto de Nunes, que invocara a suposta
legitimidade assegurada pela Constituição, que prevê esse mecanismo,
combinada com o estabelecimento do rito pelo Senado e a com aprovação do
afastamento da presidente já concedida pela Câmara dos Deputados.
Afirmou que golpes armados como o de 1964 deram lugar na América Latina a
deposições sem sangue, como já ocorrera no Paraguai e em Honduras, via a
intervenção do Legislativo.
“É preciso respeitar a legitimidade de quem foi eleito e teve mais de
54 milhões de votos”, afirmou. “Quem perdeu que vá disputar em 2018. O
fato de um governo estar ruim, com uma aprovação baixa no não é motivo
para derrubá-lo, no presidencialismo”.
Benjamin lembro que a falta de base material para o impeachment, foi
reconhecida pelo próprio Michel Temer, então presidente interino. Ao seu
ver, as pedaladas, “que não têm nada de corrupção”, como enfatizou,
foram praticadas, pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula,
e por um grande número de governadores, nos Estados.
Dali em diante, todos os principais argumentos levantados por alguns
dos entrevistadores foram rebatidos com firmeza, embora não faltassem
críticas de Benjamin à condução da economia no governo Dilma, em
especial ao ajuste tentado pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy, na
contramão das propostas de campanha, e condenação à parceria do PT com o
que definiu de “turminha brava” do PMDB.
Nesse sentido, desmontou com bom humor a tentativa do mediador do
Roda Viva de apresentar Temer como sucessor legítimo de Dilma, a
despeito da ilegitimidade do processo. “Eleição presidencial é um voto
no presidente, ninguém votou no Temer, embora seja claro que a máquina
do PMDB ajudou”, disse. “Você não escolhe sua esposa pela sogra, escolhe
por ela. Quem votou na Dilma, votou na Dilma, Michel Temer veio de
contrabando. Não vi um panfleto do Temer”.
No embalo, ridicularizou a tentativa de Temer e de seu partido de
tentarem se desvincular de Dilma, no processo em curso no Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) sobre os gastos de campanha, aberto pelo PSDB,
partido que rotulou como de direita, escandindo todas as sílabas. “Não
podem dizer que estavam juntos quando se quer invocar a legitimidade de
Temer, como vice, e que estavam separados na hora em que as contas de
campanha são questionadas”.
Sempre com um viés de esquerda, Benjamin, que se considera atualmente
um simples militante do PSOL, criticou o financiamento empresarial
das campanhas eleitorais, preconizando o recurso às doações de
militantes e simpatizantes dos partidos ao mesmo tempo em que defendeu
uma profunda reforma tributária no país, que gravasse mais o capital, em
especial financeiro, e os altos salários.
Ao tratar da Lava Jato, Benjamin, certamente, mais do que decepcionou
seus anfitriões, reforçando os motivos para o engavetamento por 144
dias da entrevista. Em principio, ele diz avaliar positivamente a
operação, pelo papel no combate à corrupção. No entanto, não poupa a
atuação da mídia e do Judiciário em geral, que dão tratamento
diferenciado ao PT e às outras forças políticas envolvidas nas denúncias
de corrupção. “A imprensa repercute muito mais o que o PT faz de ruim”,
disse. “O escândalo do Metro se arrasta há oito anos, ninguém foi
condenado”.
É fácil de entender, portanto, porque a Roda Viva, emperrou nos
últimos cinco meses, só liberando a entrevista de Cid Benjamin neste
início de 2017 –reeditada já com o novo fundo musical, que passou a
substituir a música de Chico Buarque depois que o compositor, desgostoso
com a direitização do programa, proibiu sua utilização.
Composta pelos jornalistas Pedro Venceslau, do Estadão, Eleonora de
Lucena, da Folha de S. Paulo, Guilherme Evelin, da revista Época, Alipio
Freire, ex-Folha e artista plástico, e Marcelo Bairão, da subsecretaria
de Comunicação do governo Alckmin, a bancada de entrevistadores foi uma
das menos rançosas e antipetistas dos últimos tempos do Roda Viva. Em
praticamente todo o programa, o nível do debate foi elevado e
respeitoso. A exceção ficou por conta de Bairão, um tipo geralmente
afável e ponderado, em quem parece ter baixado um Marco Antônio Villa
rápido, como se pode ver a partir dos 40 minutos do programa.
A certa altura, após ter levantado a participação de Benjamin como
repórter na cobertura da morte do prefeito de Santo André, Celso Daniel,
Bairão introduziu, intempestivamente, a discussão sobre as infiltrações
dos agentes da repressão nas organizações de esquerda, durante a
ditadura militar. Entre tantos episódios possíveis de serem
mencionados, não por acaso, o funcionário tucano, se referiu à
dizimação do grupo Molipo ( Movimento de Libertação Popular ), uma
dissidência da ALN ( Ação Libertadora Nacional), de Carlos Marighella –
cuja maioria dos integrantes foi morta ao regressar ao Brasil, após um
período de treinamento militar em Cuba.
Como quem não queria nada, mas querendo, Bairão, que demonstrou à
exaustão sua ignorância no tema, ao vincular o ex-Cabo Anselmo ao
Molipo, disse estranhar a forma como ocorreram as quedas dos
militantes do Molipo, e o fato de que todos os elementos do grupo, à
exceção do ex-ministro José Dirceu, tenham sido mortos. Visivelmente
incomodado, Benjamin respondeu à questão envolvendo uma eventual traição
de Dirceu. Primeiramente, desmentiu a informação de que o Cabo Anselmo,
que pertencia a outro grupo, a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária)
estivesse participação no episódio.
Em segundo lugar, disse achar ruim o tipo de insinuação feita pelo jornalista, principalmente num momento em que Dirceu está fragilizado, preso em Curitiba.
“Essa é uma coisa gravíssima”, afirmou. “Ou se tem provas e se faz
uma acusação direta ou então não e trata desse assunto.” Depois de
revelar que não se dá bem com o ex-ministro, com quem tem muitas
divergências políticas, Benjamin arrematou. “Nesse caso, eu o defendo,
não sei de nenhum elemento que comprometa o Zé Dirceu nessa história do
Molipo.”
Na sequência, coube a Alípio Freire dar o golpe de misericórdia na
tentativa de intriga. Depois de reafirmar, a exemplo de Benjamin, suas
“1001 divergências”, com Dirceu, Freire retificou a informação dada por
Bairão: “o Zé Dirceu não foi o único do Molipo que sobrou.”
Em tempo: no dia 11 de agosto, em plena efervescência do processo de
impeachment, a atração do Roda Viva foi o cônsul geral da França, em São
Paulo, Damien Lores, que no mês anterior, havia deixado o posto e se
licenciado da carreira diplomática para abrir uma consultoria em
sociedade com sua esposa Alexandra, ativista da igualdade racial e do
empoderamento da mulher negra, em São Paulo.
Original disponível em: (http://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-estranho-caso-do-roda-viva-gravado-em-agosto-e-que-so-foi-ao-ar-neste-mes/). Acesso em 07/jan/2017.
Nenhum comentário:
Postar um comentário