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terça-feira, 2 de junho de 2015

Saída pela esquerda no PT (Helena Chagas)

Postagem 02/jun/2015...

Saída pela esquerda no PT

Patrus: "Não foi o dinheiro que nos constituiu; (..) foi a força das nossas idéias”
Publicado segunda, 25 de maio (06:00) - Atualizado quarta, 27 de maio (15:28)

Virou moda, nos corredores e cafezinhos de Brasília, vaticinar o fim do PT. Por enquanto, trata-se mais de wishful thinking por parte daqueles que assim o desejam do que perspectiva concreta.

Mas é fato que, com seu tesoureiro na cadeia por conta da Operação Lava-Jato, perda de simpatizantes, perspectivas eleitorais pouco animadoras para 2016/18 e a dissidência de figuras-chave, o Partido dos Trabalhadores vive sua pior crise.

O PT tem salvação? É o que pergunto a um de seus mais antigos e corretos militantes, o atual ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias. Ele acha que sim, mas que, para isso, é preciso haver um reencontro do partido consigo mesmo. Autor de um documento que vem circulando nas reuniões preparatórias para o congresso de junho, Patrus prega a retomada dos princípios éticos que fizeram do PT um partido diferente dos outros em sua fundação.

Seja qual for o desfecho da reforma política em debate no Congresso e a decisão sobre o financiamento privado das campanhas, o petista mineiro defende, por exemplo, que daqui em diante o partido recuse toda e qualquer contribuição financeira de empresas, inclusive na eleição do ano que vem. “Não foi o dinheiro que nos constituiu, não foram os recursos de empresas nas campanhas eleitorais; o que nos constituiu foi a força das nossas ideias, a determinação em fazermos do Brasil um país mais justo e solidário, a dedicação da nossa militância”, afirma Patrus.

O documento do ministro da Reforma Agrária, que tem circulado entre interlocutores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e petistas de outras correntes, defende ainda o fim do PED, processo interno de eleições diretas, que criou uma espécie de “voto de cabresto” no PT. Desde que foi instituído, o PED gerou filiações massivas de pessoas que pouco ou nada têm a ver com o ideário petista. Patrus defende o retorno do sistema de ampla discussão nas bases em pré-convenções que elegem seus delegados, além da instituição do orçamento participativo dentro do PT.

Hoje isso significa cortar na carne petista e fazer profundas alterações de rumo no partido do poder. Mas pode ser questão de sobrevivência. Além de Patrus Ananias, outros fundadores e formuladores vêm trabalhando no resgate dos valores do antigo PT. Todos concordam em relação à única direção possível: a esquerda.

O ex-governador Tarso Genro, por exemplo, aquele que na época do mensalão pregou, sem sucesso, a “refundação” do partido, voltou à cena. Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se dedica a trabalhar para desfazer a aliança que considera conservadora entre o PT e o PMDB do governo estadual. Tarso não tem poupado o ajuste fiscal de Joaquim Levy e reclama publicamente da falta de influência petista na política econômica. Não por acaso, o maior dissidente do partido na votação das medidas do ajuste no Senado tem sido o senador pelo Rio Lindbergh Farias.

Outro intelectual petista, o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, expressou neste fim de semana, no congresso estadual de São Paulo, a opinião de que o partido perdeu a batalha política ao não conseguir manter o apoio das classes beneficiadas com a inclusão social dos governos petistas. Num encontro em que a militância pregava “fora Levy”, o professor defendeu a discussão de um novo modelo político-econômico que atenda a essas novas demandas, afirmando que o ajuste fiscal deve durar pouco e abrir espaço a novas transformações.

Os petistas do governo não criticam abertamente o ajuste fiscal, como fazem os do Congresso. Mas estão todos desconfortáveis. Rezam, dia sim, outro também, para que essa página seja virada o quanto antes.

E aí está o problema, a principal encruzilhada: a obrigação de sustentar um governo com problemas de popularidade que recorre ao receituário neoliberal para salvar a economia. Ainda que, racionalmente, os petistas saibam que o ajuste é necessário, não há como se falar em salvação do PT e reencontro do partido consigo mesmo enquanto esse nó não for desatado.

Num ambiente político altamente conturbado, a um ano e meio das eleições municipais, a realidade é que estão diante de uma escolha de Sofia. Acham que não têm nada a ganhar – e não têm mesmo – defendendo as duras medidas do ajuste neoliberal de Levy, que os indispõe com suas bases sindicais e populares. Ao mesmo tempo, sabem que, se não houver ajuste e a economia marchar para o colapso, o que pode não haver é governo do PT para contar a história lá em 2018.    

P.S.: Saio para uns dias de férias. Volto em 4 de junho ou a qualquer momento, em edição extraordinária...

Original disponível em: (http://fatoonline.com.br/conteudo/3185/saida-pela-esquerda-no-pt). Acesso em: 02/jun/2015.

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