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segunda-feira, 18 de maio de 2015

Danos morais. R$ 15 mil. Transporte aéreo. Prática de overbooking. Impedimento para embarque. TJSC.

Postagem 18/mai/2015...

Ementa:

RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE AÉREO DE PASSAGEIROS. PRÁTICA DE OVERBOOKING PELA COMPANHIA AÉREA. DANO MORAL CARACTERIZADO. REDUÇÃO DA INDENIZAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.   
O overbooking é uma prática tão antiga quanto abusiva que viola direitos básicos do consumidor do serviço de transporte aéreo de passageiros e, portanto, deve ser penalizada em proporção adequada aos transtornos e humilhações causados ao passageiro. 
(TJSC, Apelação Cível n. 2011.002901-1, de São José, rel. Des. Newton Janke, j. 12-09-2011).

Original disponível em: (http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/avancada.jsp#resultado_ancora). Acesso em: 18/mai/2015.

Acórdão na integra:

Apelação Cível n. 2011.002901-1, de São José
Relator: Des. Newton Janke
RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE AÉREO DE PASSAGEIROS. PRÁTICA DE OVERBOOKING PELA COMPANHIA AÉREA. DANO MORAL CARACTERIZADO. REDUÇÃO DA INDENIZAÇÃO.  RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
O overbooking  é uma prática tão antiga quanto abusiva que viola direitos básicos do consumidor do serviço de transporte aéreo de passageiros e, portanto, deve ser penalizada em proporção adequada aos transtornos e humilhações causados ao passageiro.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2011.002901-1, da Comarca de São José (2ª Vara Cível), em que é apelante TAM Linhas Aéreas S/A e apeladas Sandra Gaspar da Silva Paese e outro:
A Segunda Câmara de Direito Público decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso, vencido parcialmente o Exmo. Des. Carlos Adilson Silva, que fixa o termo inicial dos juros de mora na data da sentença. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Des. Ricardo Roesler e Carlos Adilson Silva.
Florianópolis, 12 de setembro de 2011.
Newton Janke
PRESIDENTE E RELATOR

1. RELATÓRIO
Trata-se de apelação (fls. 191/204) interposta por TAM Linhas Aéreas S.A. contra sentença (fls. 181/188) que julgou procedente o pedido formulado na ação indenizatória proposta por Sandra Gaspar da Silva Paese e Roberto Paese para condenar a ré-apelante ao pagamento da quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a título de danos morais, para cada autor, corrigidos da data da sentença e acrescidos de honorários de sucumbência, arbitrados em 20% (vinte por cento) do valor da condenação, além das custas processuais.
Em suas razões de insurgência, a ré sustenta a inexistência de ato ilícito, ao argumento de estar caracterizada a culpa exclusiva dos autores decorrente de atraso no momento do embarque. Na hipótese de manutenção da sentença, requer a minoração do quantum indenizatório.
Contra-arrazoado o recurso (fls. 214/219), os autos alçaram a esta instância.
2. VOTO
Como ponto de partida, cumpre demarcar que, embora o transporte aéreo encontre regulamentação no Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/86), a compra de passagem origina e aperfeiçoa uma relação de consumo entre o passageiro (consumidor) e a companhia aérea (fornecedora). A propósito, oportuna a reprodução de fragmento doutrinário de Antônio Herman Benjamin:

"Ainda sem entrar na discussão da aplicação ou não do Código de Defesa do Consumidor à responsabilidade civil aeronáutica, é inquestionável ser o transportador, terrestre ou aéreo, doméstico ou internacional, 'fornecedor', nos moldes do art. 3º, caput, do Código de Defesa do Consumidor (CDC): 'Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços'. Indubitavelmente, o transportador 'presta serviços' e, por isso mesmo, tem a qualificação jurídica de 'fornecedor', provida pelo Código de Defesa do Consumidor.
Também não há que se duvidar que o transporte – terrestre ou aéreo, nacional ou internacional – é serviço, nos termos do art. 3º, do CDC: 'Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista' " (in O transporte aéreo e o Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, n. 26, abril/junho 1998, São Paulo: RT, p. 36).

Julgado do Superior Tribunal de Justiça segue a mesma linha de compreensão:

"As disposições do Código de Defesa do Consumidor incidem sobre a generalidade das relações de consumo, inclusive as integradas por empresas aéreas" (STJ, Resp nº 196.031/MG, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, Terceira Turma, j. em 24/04/2001, DJ 11/06/2001, p. 199).

A empresa aérea, portanto, enquadra-se na relação de consumo como fornecedora do serviço de transporte aéreo de passageiros, à vista do que dispõe o art. 3º, caput, do CDC e do seu § 2º.
Logo, incide na hipótese o art. 14 do Código de Defesa do Consumir, segundo quem "O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos".
Assentada esta premissa cumpre, doravante, ocupar-se do mérito recursal.
Os autores afirmam, em síntese, que foram impedidos de embarcar no vôo internacional, com destino a Milão, em razão da prática de "overbooking", diante do que foram submetidos a uma espera de aproximadamente seis horas quando, então, foram , embarcados para Paris e, lá chegando, foram novamente mal atendidos pela companhia aérea.
A apelante, por sua vez, sustenta a inocorrência de ato ilícito, ao argumento de que os autores se apresentaram com atraso para o embarque, fato que ensejou a perda do vôo programado.
Dos depoimentos colhidos nos autos, extrai-se:

"que no aeroporto em São Paulo, dez passageiros estavam fazendo essa conexão e foram informados que não poderiam embarcar porque o avião que ia para Milão já estava com as portas fechadas; que um filho da depoente estava dentro do avião que ia para Milão e se comunicou por telefone com a depoente, dizendo que o avião estava lotado, com as portas abertas e com os assentos que tinha adquirido ocupados; que a depoente, seu esposo, os autores e outros passageiros que estavam fazendo a conexão do vôo Florianópolis Milão, no total de dez pessoas foram encaminhadas ao balcão da TAM; que no balcão da TAM os atendentes foram grosseiros e ofereceram a possibilidade dos passageiros embarcarem vinte quatro hora após ou embarcarem no mesmo dia em vôo que passaria por Paris" (fl. 175).

"que no aeroporto em São Paulo foram informados que não poderiam embarcar para Milão porque o vôo em Florianópolis tinha atrasado; que o depoente, sua esposa, os autores e outros passageiros disseram que a conexão não tinha sido escolhida por eles e que a companhia deveria embarcá-los no vôo contratado; [...]que o filho do depoente Gustavo Klein, e sua nora Taíse Basso Giordini Klein estavam dentro do avião que ia para Milão e se comunicaram com o depoente por telefone, dizendo que o avião estava com as portas abertas mas que os assentos que tinham reservados estavam ocupados por outras pessoas; que no aeroporto os funcionários da TAM disseram que o avião já estava de portas fechadas; [...] que no balcão da TAM foi oferecida a possibilidade de embarque para Milão em outro vôo que partiria 24 horas após e a possibilidade de viajarem naquele mesmo dia para Milão passando por Paris; [...] que ao chegarem em Paris a TAM entregou um documento aos passageiros para que pudessem embarcar em um vôo da Air France e nesse documento constava os nomes dos sete passageiros e o motivo do embarque pela Air France: Overbooking, tendo os passageiros tirado cópia desse documento que comprovaa confissão da TAM da ocorrência do overbooking; que o depoente, sua esposa, os autores e os outros passageiros mencionados chegaram em Milão com um atraso de onze horas em relação ao vôo que deveriam ter pego em São Paulo" (fl. 176).

Os documentos mencionados no depoimento da testemunha foram carreados aos autos (fls. 38/41), com destaque para um deles, denominado "manifesto de transferência de passageiros",  preenchido com o nome de sete passageiros, dentre os quais constam os nomes dos apelados e dos depoentes, bem como a anotação da ocorrência de "overbooking".
A prática de vender bilhetes, além do número de assentos destinados aos passageiros, é uma prática tão antiga quanto abusiva, revelando-se extremamente desrespeitosa para o consumidor que, por conta de não poder embarcar no momento previamente agendado, experimenta toda a sorte de transtornos, como bem revela o caso dos autos, onde os autores foram submetidos a uma prolongada espera e direcionados para um destino diverso daquele que fora previsto e contrato.
Não é exagerado dizer que "overbooking" é uma expressão sofisticada para edulcorar uma verdadeira fraude que, há tempos, já deveria ter sido banida.  
O dever da companhia aérea de ser responsabilizada por danos morais nestes casos é absolutamente indiscutível, como, aliás, já proclamou o  Superior Tribunal de Justiça:

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. OVERBOOKING. CONTRATO. DESCUMPRIMENTO. RESPONSABILIDADE. VALOR DA INDENIZAÇÃO. RAZOABILIDADE. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. INEXISTÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO" (AgRg no AI n. 817.823/PR, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior).

Na mesma linha, também já decidiu esta Corte estadual:

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO. ATRASO DE VÔO. VERIFICADA PRÁTICA DE OVERBOOKING PELA COMPANHIA AÉREA. INAPLICABILIDADE DA CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. DANOS MORAIS PRESUMIDOS. DANOS MATERIAIS NÃO COMPROVADOS. MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
[...]
É inegável o dano moral daquele adquire passagem aérea e não realiza sua viagem em virtude da conduta ilícita da empresa que pratica "overbooking" ao vender passagens além de sua capacidade de operação" (AC n. 2003.012695-3, Rel. Des. Henry Petry Junior).

Todavia, no tocante ao quantum indenizatório,  a insurgência merece guarida.
É certo que, nas hipóteses de indenização por dano imaterial, a quantia a ser arbitrada deve estar harmonizada com a idéia de que "o valor da indenização do dano moral deve ser arbitrado pelo juiz de maneira a servir, por um lado, de lenitivo para a dor psíquica sofrida pelo lesado, sem importar a ele enriquecimento sem causa ou estímulo ao abalo suportado; e, por outro, deve desempenhar uma função pedagógica e uma séria reprimenda ao ofensor, a fim de evitar a recidiva" (ACV n. 2000.013684-0, de Lages, rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben,j. 10/10/02).
Ainda que não se possa minimizar a gravidade do transtorno experimentado pelos autores, que, exaustos e compreensivelmente irritados, somente chegaram ao destino pretendido (Milão) muitos horas após o horário originalmente previsto, é imperioso convir a verba fixada na sentença (R$ 30.000,00 para cada autor) revela-se exacerbada e desproporcional às consequências do evento, não se harmonizando, portanto, com a diretriz do art. 944, do Código Civil.
Sob este juízo de ponderação, cumpre reduzi-la à metade, ou seja, para  R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a cada um dos autores.
A redefinição do quantum indenizatório implica também na necessidade de redefinir o termo inicial dos juros de mora.
Em tema de indenização por danos extrapatrimoniais, tanto a correção monetária quanto os juros de mora devem incidir a partir da data da decisão judicial que, em caráter definitivo, fixa o valor da reparação, pois que, somente nesse momento temporal, a obrigação torna-se líquida e certa, possibilitando ao réu a purgação da mora.
Cabe, a propósito, registrar, que, tal como esta Câmara desde muito vinha decidindo, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp nº 903.258-RS, ocorrido no dia 29 de março, modificou sua jurisprudência para, afastada a aplicação da Súmula 54, dizer que, no caso de indenização por dano moral, os juros de mora terão como termo inicial a data do arbitramento do valor definitivo da reparação, conforme a previsão do art. 407, do Código Civil.
Não é ocioso esclarecer que "a taxa dos juros moratórios a que se refere o art. 406 do CC/2002 é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, por ser ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais, nos termos dos artigos 13 da Lei 9.065/95, 84 da Lei 8.981/95, 39, § 4º, da Lei 9.250/95, 61, § 3º, da Lei 9.430/96 e 30 da Lei 10.522/02" (STJ, Resp nº 1.183.686, Rel. Min. Castro Meira, j. em 29.04.2010).
À base das considerações expendidas, voto pelo parcial provimento do recurso para o fim de reduzir o valor da indenização pelos danos morais, arbitrando o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), para cada um dos autores.

Declaração de voto vencido do Exmo. Sr. Des. Carlos Adilson Silva

Dispõe o art. 151, § 2º, do Regimento Interno deste Tribunal que "os desembargadores vencidos, no todo ou em parte, declararão que o foram, e deverão justificar os seus votos, nos julgamentos que possam ensejar embargos infringentes".
Assim, não sendo esse o caso dos presentes autos, abstenho-me de lavrar declaração de voto vencido.

Florianópolis, 14 de setembro de 2011.

Des. Carlos Adilson Silva

         

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