Postagem 04/mar/2015... Atualização 05/mar/2015...
Acórdão integral:
Ementa:
SUCESSÃO. UNIÃO ESTÁVEL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. DIREITO DE MEAÇÃO E CONCORRÊNCIA COM OS FILHOS DO COMPANHEIRO MORTO.
1. Decisão agravada que afastou o direito real de habitação da companheira
supérstite e acolheu plano de partilha.
2. Sucede que a agravante tem direito
real de habitação já declarado na demanda de união estável, por sentença
transitada em julgado, não havendo motivo para afastá-lo.
3. A companheira
supérstite tem direito real de habitação sobre o imóvel residencial do casal,
conferido pela Lei nº 9.278/96, combinado por analogia e interpretação
extensiva com o art. 1.831 do Código Civil e art. 226, § 3º da Constituição
Federal. O silêncio do Código Civil não pode ser interpretado desfavoravelmente
ao companheiro no regime da união estável.
4. A companheira supérstite tem
direito à meação e a concorrer na herança dos bens adquiridos onerosamente pelo
casal na vigência da união estável, de forma que lhe cabe, por direito à
meação, 50% do patrimônio comum do casal e, por herança, metade do que couber a
cada um dos herdeiros filhos em relação à meação do autor da herança (art.
1.790, II, do CC).
5. Recurso provido para determinar a manutenção do direito
real de habitação à companheira sobrevivente, já atribuído à agravante por
decisão transitada em julgado, bem como para modificar o plano de partilha.
(TJSP - AI nº 2166207-67.2014.8.26.000, Relator Carlos Alberto Garbi, 10ª
Câmara de Direito Privado, J. 28/10/2014).
Acórdão integral:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2014.0000693055
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2166207-67.2014.8.26.0000, da Comarca de Lorena, em que é agravante NEUSA CAETANO DE MATOS DE OLIVEIRA, são agravados LUCIO NATANIEL DE OLIVEIRA (INVENTARIANTE) e ANTONIO DE OLIVEIRA (ESPÓLIO).
ACORDAM, em 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V. U." , de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores JOÃO CARLOS SALETTI (Presidente) e ARALDO TELLES.
São Paulo, 28 de outubro de 2014.
Desembargador CARLOS ALBERTO GARBI
– RELATOR –
VOTO Nº 17.648 – DIGITAL
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2166207-67.2014.8.26.0000
COMARCA : LORENA (1ª VARA CÍVEL)
AGRAVANTE : NEUSA CAETANO DE MATOS DE OLIVERIA
AGRAVADO : LÚCIO NATANIEL DE OLIVEIRA (INVENTARIANTE)
INTERESSADOS : MARIANE MATOS DE OLIVEIRA, SUELI DE FÁTIMA DE OLIVEIRA, WALDIR DONISETE DE OLIVEIRA E ROSELI DE OLIVEIRA PEREIRA
EMENTA
SUCESSÃO. UNIÃO ESTÁVEL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. DIREITO DE MEAÇÃO E CONCORRÊNCIA COM OS FILHOS DO COMPANHEIRO MORTO.
1. Decisão agravada que afastou o direito real de habitação da companheira supérstite e acolheu plano de partilha.
2. Sucede que a agravante tem direito real de habitação já declarado na demanda de união estável, por sentença transitada em julgado, não havendo motivo para afastá-lo.
3. A companheira supérstite tem direito real de habitação sobre o imóvel residencial do casal, conferido pela Lei nº 9.278/96, combinado por analogia e interpretação extensiva com o art. 1.831 do Código Civil e art. 226, § 3º da Constituição Federal. O silêncio do Código Civil não pode ser interpretado desfavoravelmente ao companheiro no regime da união estável.
4. A companheira supérstite tem direito à meação e a concorrer na herança dos bens adquiridos onerosamente pelo casal na vigência da união estável, de forma que lhe cabe, por direito à meação, 50% do patrimônio comum do casal e, por herança, metade do que couber a cada um dos herdeiros filhos em relação à meação do autor da herança (art. 1.790, II, do CC).
5. Recurso provido para determinar a manutenção do direito real de habitação à companheira sobrevivente, já atribuído à agravante por decisão transitada em julgado, bem como para modificar o plano de partilha.
1. A agravante insurgiu-se contra a decisão proferida pela Doutora GISELE VALLE MONTEIRO DA ROCHA que, no inventário dos bens deixados por ANTÔNIO DE OLIVEIRA, afastou o direito real de habitação, bem como acolheu o plano de partilha de fls. 199, copiado a fls. 434. Sustentou, no recurso, que o direito real de habitação já lhe foi reconhecido na ação de reconhecimento de união estável, por sentença transitada em julgado. Alegou que tem direito real de habitação, consoante declarado na lei e admitido amplamente na jurisprudência. Alegou que há evidente erro na partilha, porquanto tem direito de meação sobre 50% dos dois imóveis, de forma que não há como ser atribuído 20% de cada imóvel a cada um dos cinco filhos do autor da herança. Pediu a antecipação da tutela recursal e o provimento do recurso para que seja respeitado o seu direito real de habitação, bem como para afastar o plano de partilha copiado a fls. 434.
Concedido o efeito suspensivo e dispensadas as informações, os agravados não responderam ao recurso.
É o relatório.
2. Para adequado entendimento da impugnação, reproduzo a decisão agravada:
“Vistos.
Considerando que na sentença de fls. 123/124 proferida nos autos do Processo n. 1062/09 acostada às fls. 123/124 destes autos, a qual reconheceu o início da união estável entre esta e o de cujus em outubro de 1988, incide no caso o disposto no artigo 1.725, do Código Civil, que prevê a aplicação, às relações patrimoniais dos companheiros, o regime da comunhão parcial de bens.
Na hipótese em tela, nota-se que o de cujus deixou dois terrenos, sendo uma casa na Rua Amélia Pereira, 950, e outra casa na Rua Jovem Agostinho de Aquino, 09 (conforme primeiras declarações à fls. 33/39), todos estes adquiridos na constância da união estável .
Destarte, de se reconhecer o direito à meação da companheira de todos os bens colacionados nestes autos em nome do falecido. Nesse sentido, leciona Euclides de Oliveira [...]
Passo a apreciar o pedido de fls. 158/161, no que tange à manutenção do direito de habitação do imóvel sito à Rua Amélia Pereira, n. 1460.
Com efeito, tal pleito não comporta acolhimento, como restará exposto pelos argumentos abaixo.
O Código Civil traz na redação de seu art. 1831 que o direito real de habitação será concedido ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens e sem prejuízo da partição que lhe caiba da herança, relativamente a imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar . Como se sabe, o artigo expressamente dispõe sobre cônjuges, não havendo que se falar em equiparação constitucional entre o estado de cônjuge e a do convivente em união estável, não se estendendo o direito real de habitação à figura deste último, quando presentes os demais requisitos legais. [...] Portanto, não se vislumbra a alardeada violação ao Texto Constitucional e aos seus princípios.
Dessa forma, mostra-se acertado o plano de partilha apresentado às fls. 198/199, referente aos bens deixados em virtude do falecimento de Antonio de Oliveira.
Porém, antes que se proceda à homologação do referido plano de fls. 198/199, proceda o inventariante o recolhimento de ITCM .
Forme-se novo volume.
Intime-se.”
A decisão impugnada citou Acórdãos que apenas reconheceram a constitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil que dispõe sobre o direito de sucessão do companheiro na união estável, bem como citou doutrina que apenas faz referência à controvérsia surgida com o tratamento diferenciado atribuído ao regime de união estável na sucessão.
A decisão impugnada considerou que ante a constitucionalidade do art. 1.790 do CC, a companheira não tem direito real de habitação, considerando que deve ser interpretado de modo restritivo o art. 1.831 do CC que faz referência apenas ao direito de habitação atribuído ao cônjuge.
É certo que o art. 1.790 do Código Civil conferiu direito sucessório diferenciado ao companheiro e não estabeleceu direito real de habitação na união estável. Todavia, respeitado o entendimento do Douto Magistrado, o direito real de habitação não se confunde com direito sucessório do companheiro no regime do art. 1.790 do CC. O direito real de habitação do companheiro na união estável já havia sido reconhecido pela Lei. nº 7.278/96, e o Código Civil de 2002 não o excluiu, de forma que o silêncio do Código Civil não pode ser interpretado desfavoravelmente ao companheiro no regime da união estável.
Esse é o entendimento que tem prevalecido. Sobre o tema vale lembrar a doutrina de Maria Berenice Dias: “O Código Civil garante ao cônjuge sobrevivente direito real de habitação independente do regime de bens do casamento (CC 1.831). Porém, olvidou-se de reconhecer o mesmo benefício ao companheiro sobrevivente. O cochilo da lei, no entanto, não permite que se afaste o direito do companheiro de continuar na posse do bem que servia de residência à família. Dois fundamentos autorizam sua concessão. O primeiro é de ordem constitucional. Reconhecidos o casamento e a união estável como entidades familiares merecedoras da especial proteção do Estado, não se justifica tratamento diferenciado em sede infraconstitucional (CF 226 § 3º). Descabe distinguir ou limitar direito quando a Constituição não o faz. Fora isso, a lei que regulou a união estável expressamente assegurou o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente (L 9.278/1996 7º). A omissão do Código Civil não significa que foi revogado o dispositivo que estendeu ao companheiro o mesmo direito concedido ao cônjuge. São dispositivos que não se incompatibilizam. Esta é orientação que tem prevalecido nos tribunais.” [Manual das Sucessões, Ed. Revista dos Tribunais, 2008, p. 72].
Ademais, o direito real de habitação da agravante já foi declarado na demanda de união estável, por sentença transitada em julgado (fls. 276/282) e não há qualquer motivo para afastá-lo.
Portanto, deve ser mantido o direito real de habitação da agravante, conferido ao companheiro supérstite pela Lei nº 9.278/96, combinado por analogia e interpretação extensiva com o art. 1.831 do Código Civil e art. 226, § 3º da Constituição Federal, consoante já declarado por sentença transitada em julgado.
Quanto ao plano de partilha copiado a fls. 434, há evidente erro, porquanto se for atribuído 20% de cada imóvel para cada um dos cinco filhos herdeiros, nada restará para a companheira.
A agravante tem direito à meação dos bens, ou seja, 50% dos bens comuns do casal por direito de meação. Além do direito próprio de meação, a agravante tem direito sucessório sobre a meação do companheiro morto, consoante disposto no art. 1.790, inc. II, do Código Civil, in verbis, “a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles”.
Nesse sentido, a própria decisão impugnada transcreveu a doutrina de EUCLIDES DE OLIVEIRA: “Muda substancialmente a posição do companheiro no direito sucessório, em face do NOVO CÓDIGO CIVIL. Seu art. 1.790 dispõe que o companheiro sobrevivente participará da sucessão do outro, mas apenas quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Importa dizer que não terá qualquer participação na herança relativa a outros bens, adquiridos antes ou havidos graciosamente (herança ou doação) pelo autor da herança. Sobre os bens comuns, porque adquiridos na vigência da união estável e a título oneroso, o companheiro já tem direito à meação, pelo regime legal da comunhão parcial de bens, salvo contrato escrito (art. 1.725 do NCC). Terá também direito à herança em concorrência com os demais herdeiros sucessíveis, recebendo um quinhão nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, receberá uma cota equivalente à de cada filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, receberá metade do que couber a cada um; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - se não houver parentes sucessíveis, receberá a totalidade da herança. Favorável ao companheiro, sem dúvida, o concurso na herança com descendentes e ascendentes do falecido, tal como se reconhece também ao cônjuge sobrevivente. Mas não se compreende que o companheiro se sujeite à concorrência dos demais parentes sucessíveis, quais sejam os colaterais até o quarto grau. Trata-se de evidente retrocesso no critério do sistema protetivo da união estável, pois no regime da Lei 8.971/94 o companheiro recebia toda a herança na falta de descendentes ou ascendentes. Demais disso, considere-se a hipótese de o falecido ter deixado apenas bens adquiridos antes da união estável, ou havidos por doação ou herança. Então, o companheiro nada herdará, mesmo que não haja parentes sucessíveis, ficando a herança vacante para o ente público beneficiário (Município ou Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou União, quando situada em território federal (art. 1.844 do NCC).” [in União estável - do concubinato ao casamento - antes e depois do novo Código Civil, Editora Método, 6ª ed., 2003, p. 210-211]
Nesse sentido, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já decidiu:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DAS SUCESSÕES. ARTS. 1.659, VI, E 1.790, II, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL. DISTINÇÃO ENTRE HERANÇA E PARTICIPAÇÃO NA SOCIEDADE CONJUGAL. PROPORÇÃO DO DIREITO SUCESSÓRIO DA COMPANHEIRA EM RELAÇÃO AO DO DESCENDENTE EXCLUSIVO DO AUTOR DA HERANÇA.
1. Os arts. 1.659, VI, e o art. 1.790, II, ambos do Código Civil, referem-se a institutos diversos: o primeiro dirige-se ao regime de comunhão parcial de bens no casamento, enquanto o segundo direciona-se à regulação dos direitos sucessórios, ressoando inequívoca a distinção entre os institutos da herança e da participação na sociedade conjugal. 2. Tratando-se de direito sucessório, incide o mandamento insculpido no art. 1.790, II, do Código Civil, razão pela qual a companheira concorre com o descendente exclusivo do autor da herança, que deve ser calculada sobre todo o patrimônio adquirido pelo falecido durante a convivência, excetuando-se o recebido mediante doação ou herança. Por isso que lhe cabe a proporção de 1/3 do patrimônio (a metade da quota-parte destinada ao herdeiro). 3. Recurso especial parcialmente provido, acompanhando o voto do Relator. (STJ, REsp. n. 887.990/PE, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, Rel. p/ Acórdão Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, j. 24-05-2011)
Destarte, à agravante, na qualidade de companheira supérstite, cabe, por direito à meação, 50% (meação) do patrimônio comum do casal, sendo que a herança, consistente em 50% do patrimônio comum do casal [meação do companheiro morto] deve ser atribuída aos filhos e à companheira supérstite de forma que a companheira receba metade do que couber a cada um dos filhos do autor da herança.
Logo, cada um dos cinco filhos receberá 2/11da herança [ meação do companheiro morto] . A companheira receberá sua meação [50% da totalidade dos bens do casal] e mais 1/11 da herança [ meação do companheiro morto] .
3. Pelo exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso para determinar a manutenção do direito real de habitação à companheira sobrevivente, já atribuído à agravante por decisão transitada em julgado, bem como para modificar o plano de partilha copiado a fls. 434 na forma explicitada.
Desembargador CARLOS ALBERTO GARBI
RELATOR
Original disponível em: (http://ibdfam.org.br/jurisprudencia/3074/Uni%C3%A3o%20est%C3%A1vel.%20Direito%20real%20de%20habita%C3%A7%C3%A3o).
Acesso em: 04/mar/2015.
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