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sábado, 21 de fevereiro de 2015

Nome. Alteração. Criança sob guarda. Acréscimo do sobrenome do guardião. Possibilidade. TJSP.

Publicação 21/fev/2015...

EMENTA: 

ALTERAÇÃO DE ASSENTO DE NASCIMENTO - Menor que pretende, sem supressão do patronímico dos genitores, o acréscimo do sobrenome de seu guardião – Reflexos psicológicos que recomendam o deferimento -Formação da família moderna não-consanguínea que tem sua base na afetividade - As relações familiares deitam raízes na Constituição da República, que tem como um dos princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) -Recurso provido. 
(TJSP - Apelação nº 0008447-16.2009.8.26.0081, Relator Alcides Leopoldo e Silva Júnior, 1ª Câmara de Direito Privado , J. 09/09/2014).

Acórdão:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
Registro: 2014.0000556088
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0008447-16.2009.8.26.0081, da Comarca de Adamantina, em que são apelantes FELIPE ALMIRANTE AZEVEDO (MENOR (ES) REPRESENTADO (S)) e MAURI BUZINARO (ASSISTINDO MENOR (ES)), é apelado O JUÍZO.
ACORDAM , em 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CHRISTINE SANTINI (Presidente sem voto), PAULO EDUARDO RAZUK E RUI CASCALDI.
São Paulo, 9 de setembro de 2014
ALCIDES LEOPOLDO E SILVA JÚNIOR
RELATOR
Assinatura Eletrônica
APELAÇÃO CÍVEL
Processo n.: 0008447-16.2009.8.26.0081
Comarca: Adamantina ( 3ª Vara Judicial)
Apelante: F. A. A.
Apelado: O Juízo
Juíza: Ruth Duarte
Voto n. 2.526
EMENTA: ALTERAÇÃO DE ASSENTO DE NASCIMENTO - Menor que pretende, sem supressão do patronímico dos genitores, o acréscimo do sobrenome de seu guardião – Reflexos psicológicos que recomendam o deferimento -Formação da família moderna não-consanguínea que tem sua base na afetividade - As relações familiares deitam raízes na Constituição da República, que tem como um dos princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) -Recurso provido.

Trata-se de pedido de Alteração de Assento de Nascimento formulado por menor impúbere, com sete anos de idade, que pretende a inclusão do sobrenome do tio, que o cria desde o nascimento e a quem chama carinhosamente de "Pai", enfrentando problemas de referência pela ausência do nome de família de seu guardião.
A r. sentença, cujo relatório se adota, julgou  improcedente a ação (fls. 34/35).
O autor apelou afirmando que conta com a anuência de seus pais biológicos, e que o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto, pois em casos excepcionais como o seu, desde que justificado, a lei e a jurisprudência permitem a retificação ou alteração, pretendendo a
reforma (fls. 38/44).
A d. Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do apelo (fls. 48/50).
É o Relatório.
Os direitos da personalidade são inatos ao ser humano, existindo do nascimento com vida (art. 2º, Código Civil), sendo protegidos até mesmo após a morte (direito ao corpo, à imagem, direito moral do autor).
Para Carlos Alberto Bittar consideram-se como da personalidade os direitos: “reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de valores inatos no homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos”, do que não destoa Limongi França no sentido de que são: “as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim da sua projeção essencial no mundo exterior”.
Não há uniformidade entre os doutrinadores quanto a  relação dos bens e direitos de personalidade, porém Walter Moraes afirma haver consenso para incluir no rol “a vida, o corpo, a psique, a liberdade, a honra, a intimidade, o segredo, a figura pessoal, o nome e a autoria”.
Cada pessoa é única, sendo dotada pela natureza de sinais capazes de distingui-la de outros da sua espécie (impressões digitais, arcadas dentárias, íris, aura, odor, sangue), permitindo sua perfeita distinção e identificação.
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 4ª ed. São Paulo: Editora Forense Universitária, 2000, p.1.
FRANÇA, R. Limongi. Instituições de Direito Civil. 3ª ed. Atualizada. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p. 1.033.
MORAES, Walter. Enciclopédia Saraiva de Direito. Direito da personalidade. Tomo 26. São Paulo: Edição Saraiva, 1977, p.30.
Escreveu Rabindranath V. A. Capelo de Sousa que:  Nas relações consigo mesmo, com os outros homens, com a Natureza e com Deus, ou pelo menos com a idéia d'Ele, cada homem é um ser em si mesmo e só igual a si mesmo. Com efeito, apesar de todas as modificações do seu ciclo vital e da autonomia na assunção das suas finalidades, ele é portador de uma unidade diferenciada, original e irrepetível, oponível externamente, na qual se aglutinam, se complementam e se projectam, identificando-se, todos os seus múltiplos elementos e expressões.
Importante atributo de identificação da pessoa natural é o nome, “sinal verbal que identifica imediatamente, e com clareza, a pessoa a quem se refere” , não só aquele que se recebe pelo registro, mas também o que utilizado licitamente no cotidiano, na vida privada ou pública e em suas manifestações artísticas e literárias, individualiza o indivíduo na sociedade, indica sua origem e integra a sua personalidade.
Tamanha a importância do nome que o art. 16 do Código Civil dispõe que toda pessoa tem direito a um nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome, que constarão do assento de nascimento (art. 54, 4º, Lei 6.015/73).
O sobrenome, também chamado de patronímico, cognome, nome ou apelido de família, designa a família do detentor, e pode ter por origem o nascimento, casamento, a união estável (art. 57, § 2º, Lei 6.015/73), a adoção ou por incorporação do nome abreviado, usado como firma comercial registrada ou em qualquer atividade profissional .SOUSA, Rabindranath V. A. Capelo. O direito geral da personalidade. Coimbra: Coimbra Editora, 1995, p.244. CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. Campinas: Romana, 2004, p.179.
 A regra da imutabilidade do patronímico tem razões de ordem pública e de política social.
Todavia, modernamente o direito vem dando ao nome uma nova feição, como bem destacado pelo Des. Francisco Loureiro (Apelação n. 9166340-68.2006.8.26.000, 4ª Câmara de Direito Privado, j.15/09/2011), “não apenas para designar a pessoa humana e tornar possível
o dever de identificação pessoal, mas sobretudo como um elemento da personalidade individual. É por isso que o nome hoje, 'integra-se de tal maneira à pessoa e à sua personalidade que com ela chega a confundir-se, vindo a significar uma espécie de sustentáculo dos demais elementos, o anteparo da identidade da pessoa, a sede de seu amor próprio' (Maria Celina Bodin de Moraes, A tutela do nome da pessoa humana, p. 219)”.
No mesmo sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, corroborando o entendimento de que a alteração deve ser deferida quando além de não proibida por lei, pode melhorar a situação social do interessado, sem acarretar prejuízo a ninguém, nestes termos:
CIVIL. REGISTRO PÚBLICO. NOME CIVIL. PRENOME. RETIFICAÇÃO. POSSIBILIDADE. MOTIVAÇÃO SUFICIENTE. PERMISSÃO LEGAL. LEI 6015/73, ART. 57. HERMENEUTICA. EVOLUÇÃO DA DOUTRINA E DA JURISPRUDÊNCIA. RECURSO PROVIDO.
I O NOME PODE SER MODIFICADO DESDE QUE MOTIVADAMENTE JUSTIFICADO. NO CASO, ALÉM DO ABANDONO PELO PAI, O AUTOR SEMPRE FOI CONHECIDO POR OUTRO PATRONÍMICO.
II A JURISPRUDÊNCIA, COMO REGISTROU BENEDITO SILVÉRIO RIBEIRO, AO BUSCAR A CORRETA INTELIGÊNCIA DA LEI, AFINADA COM A “LÓGICA DO RAZOÁVEL”, TEM SIDO SENSÍVEL AO ENTENDIMENTO DE QUE O QUE SE PRETENDE COM O NOME CIVIL É A REAL  INDIVIDUALIZAÇÃO DA PESSOA PERANTE A FAMÍLIA E A SOCIEDADE” (REsp n. 66643/SP, 4ª Turma, rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, j. 21.10.1997).
Importante inovação foi a introdução do § 8º do art. 57 da Lei n. 6.015/17 no sentido de que: "o enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2º e 7º deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família". (Incluído pela Lei nº 11.924, de 2009).
O caso presente é de modificação do assento civil, para, sem supressão do patronímico de família, se acrescer o sobrenome do guardião (fls. 10), que o cria desde tenra idade.
Consoante relatório do Setor de Psicologia: "para Felipe é de suma importância que ele possa ter o sobrenome daquele que ele escolheu como pai", aduzindo que: "são evidentes as dificuldades sociais e de identidade que ele enfrenta por não poder usar o sobrenome deste. Foram detectadas dificuldades intrapsíquicas decorrentes desta situação, através dos relatos e da produção gráfica da criança" , e conclui com o posicionamento favorável ao pedido: "para que ele possa ficar livre dos incômodos e constrangimentos a que tem sido exposto e ter garantida a integridade de sua identidade" (fls. 44).
É certo que a filiação não decorre unicamente do parentesco consanguíneo.
O art. 1.593 do Código Civil é expresso no sentido de que “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”.
De “outra origem”, sem dúvida alguma, pode ser a filiação socioafetiva, que decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes.
A formação da família moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade, haja vista o reconhecimento da união estável como entidade familiar (art. 226, § 3º, CF), e a proibição de designações discriminatórias relativas à filiação (art. 227, § 6º, CF).
As relações familiares deitam raízes na Constituição da República, que tem como um dos princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), ou seja, como preleciona Jorge Miranda , “na concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado”, além da formação de uma sociedade solidária (art. 3º).
Por isso o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a possibilidade de adoção por duas mulheres, diante da existência de “fortes vínculos afetivos” (REsp 889852/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 27/04/2010, DJe 10/08/2010), e, assim, da mesma forma, no caso específico, não se pode negar a pretensão, de reconhecimento da maternidade socioafetiva, preservando-se a maternidade biológica.
O mesmo Tribunal Superior tem entendido que: “a filiação socioafetiva encontra amparo na cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade e definição da personalidade da criança” (REsp 450.566/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/05/2011, DJe 11/05/2011), e que “não se pode olvidar que a construção de uma relação socioafetiva, na qual se encontre caracterizada, de maneira indelével, a posse do estado de filho, dá a esse o direito subjetivo de pleitear, em juízo, o reconhecimento desse vínculo, mesmo por meio de ação de investigação de paternidade, a priori, restrita ao reconhecimento forçado de vínculo biológico” (REsp 1189663/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/09/2011, DJe 15/09/2011).
Não se evidencia qualquer tipo de reprovação social, ao contrário, pelo caminho da legalidade, vem-se consolidar estado de fato, satisfazendo anseio legítimo do requerente e dos guardiões, com assentimento dos genitores, sem risco à ordem jurídica e superação de problemas psicológicos do menor frente sua realidade social, pela adequação do sobrenome a sua situação familiar atual.
Em caso similar decidiu o STJ:
DIREITO CIVIL. ALTERAÇÃO DO ASSENTAMENTO DE NASCIMENTO NO REGISTRO CIVIL APÓS A CRIAÇÃO. ARTIGO 56 DA LEI Nº 6.015/73. ADMISSIBILIDADE.
I - Não é absoluto o princípio da imutabilidade do nome de família, admitindo-se, excepcionalmente, a alteração do patronímico, desde que presentes a justa motivação e a prévia intervenção do Ministério Público. No caso dos autos, presentes os requisitos autorizadores, já que pretende a recorrente, tãosomente, prestar uma homenagem àqueles que a criaram, acrescendo ao seu assento de nascimento o nome de família daqueles que considera seus pais verdadeiros, nada obsta que se autorize a alteração.
Recurso conhecido e provido, com as ressalvas do relator.
(REsp 605.708/RJ, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/08/2007, DJe 05/08/2008).
Pelo exposto, DÁ-SE PROVIMENTO ao recurso,
para, sem supressão do patronímico dos genitores, acrescer-se, como
requerido, o sobrenome "Buzinaro".
ALCIDES LEOPOLDO E SILVA JÚNIOR
RELATOR
Assinatura Eletrônica

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