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domingo, 28 de setembro de 2014

Aos 91 anos, Ivo Pitanguy lança livro de memórias (Melina Dalboni)

28/set/2014...

Aos 91 anos, Ivo Pitanguy lança livro de memórias

Médico relembra amigos que vão de Madame Satã a Salvador Dalí


Melina Dalboni
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Pitanguy no jardim de sua clínica, em Botafogo: “Procuro dar continuidade ao meu trabalho enquanto eu tiver força e alegria de fazer. Pode soar muito simples, mas devemos cultivar o presente e dar a ele qualidade. Lembre-se de viver” Foto: Daniela Dacorso




Pitanguy no jardim de sua clínica, em Botafogo: “Procuro dar continuidade ao meu trabalho enquanto eu tiver força e alegria de fazer. Pode soar muito simples, mas devemos cultivar o presente e dar a ele qualidade. Lembre-se de viver” Daniela Dacorso


RIO - Uma noite com Sartre em Paris. Drinques no Régine’s com Alain Delon. Uma dança com Romy Schneider no Maxim’s. Jantares com Gina Lollobrigida em Roma. Temporadas de esqui com Roman Polanski, na Suíça. Quadro autografado “avec amitié” por Salvador Dalí. Aos 91 anos, Ivo Pitanguy revisita a memória e relembra estes e outros personagens com quem conviveu para contar sua história no livro “Viver vale a pena”, que chega às livrarias esta semana.


— O mundo há alguns anos era menor. Naquela época, as mesmas pessoas circulavam em Paris e Nova York — observa o cirurgião sobre o fato de ter ficado amigo das principais personalidades da cultura do século XX. — Nunca quis restringir minhas amizades ao meu metiê. Tive uma vida dura, com jornadas de 10 a 12 horas de trabalho. Mas foi o valor que dei aos espaços vazios e aos momentos de folga que fez com que estes parecessem enormes.
Não bastasse uma vida social tão intensa, Pitanguy criou técnicas de cirurgia plástica que hoje são consideradas clássicas, transformou-se na maior referência na área e formou quase 600 médicos na especialidade.

— Dentro das minhas limitações da idade, tenho o mesmo entusiasmo para a vida. Se antes eu mergulhava vinte metros no mar, hoje mergulho dois e está ótimo. Se antes andava 100 metros, hoje ando 10 e parece uma maratona — brinca. — Não quero cultuar o sentido de envelhecer. A minha alegria de viver agora é tão grande quanto a que senti em todos os momentos que vivi.

Chico Xavier, o ex-caseiro

Não pense que Ivo Pitanguy conviveu apenas com o grand monde. Sim, ficou amigo de Tom Cruise, Mick Jagger, Michael Caine e Jimmy Carter. Mas também esteve ao lado de figuras simples — não menos importantes — como Chico Xavier e Madame Satã. O primeiro trabalhou como caseiro da família do médico, em Belo Horizonte. Nem Pitanguy se lembrava disso até que, em 2002, foi chamado à casa do líder religioso, em Uberaba. Chico queria lhe contar da gratidão que tinha pelo seu pai. Apertou com firmeza a mão de Pitanguy e disse: “Seu pai está conosco. E quero lhe dizer que foi a primeira pessoa que me deu crédito. Trabalhei para ele na chácara da Mangabeira, onde comecei a receber pessoas para ajudar”.

De Madame Satã ficou amigo por acaso. No fim dos anos 40, durante um plantão, Pitanguy cuidou de seis policiais que apanharam do travesti, que levou o grupo até o hospital e avisou: “Doutorzinho, eu os trouxe para você”. Na década de 70, os dois se cruzaram na Ilha Grande quando o médico foi até a região fazer caça submarina. A partir de então, sempre que ia à ilha, Madame Satã o levava em sua canoa para mergulhar.

— Sempre tive muita curiosidade sobre as pessoas mais simples.

Mágico. Esta é uma palavra que aparece recorrentemente no vocabulário de Pitanguy e que pode traduzir a sua história. Em seu livro, “Viver vale a pena” (Casa da Palavra), que tem prefácio assinado por Nélida Piñon, ele cita o adjetivo 11 vezes. O momento é mágico. O dom é mágico. Os recantos são mágicos.

Sêneca e Epicuro

O sobrenome Pitanguy, que se transformou numa espécie de grife na Medicina, é de origem indígena e significa “rio das crianças”. Foi incorporado ao nome de sua família por seus antepassados, numa homenagem aos índios que viveram em Minas Gerais.

O professor — como todos o chamam — nasceu em Belo Horizonte, em 1926 (ele afirma). Mas seu pai o teria registrado no ano de 1923. Pitanguy considera sua data oficial de nascimento a que o deixa mais velho, com os atuais 91 anos.

— Prefiro acrescentar idade, as pessoas acham que você está muito melhor.

Em BH, ele teve uma infância cercada de animais e livros. Seu mais exótico bicho de estimação foi uma jiboia.

— Adorava andar com a cobra enrolada no pescoço e pegar o bonde, que vivia lotado. Todo mundo descia e eu ficava com o bonde só para mim — lembra.

Gisela, sua filha e braço direito na clínica, lembra de ver o pai diversas vezes chegando da mata nas casas da Gávea e de Itaipava com cobras enroladas em cabos de vassouras.

— Ele não tinha medo. Mas a mamãe gritava, tinha pânico — conta a médica.

Ivo foi criado numa família que cultuava a leitura. Baudelaire, Cervantes e Machado de Assis fizeram parte de sua infância a ponto de ele saber de cor poemas que eram recitados repetidamente por sua mãe. Até hoje os três autores estão entre os seus prediletos. Todas as noites o médico lê por duas horas antes de dormir e, durante a madrugada, quando acorda, lê por mais uma hora. Atualmente, dedica-se a autores que valorizam o presente, como Pierre Hadot, Sêneca e Epicuro.

“Até hoje guardo minha curiosidade intacta”

A rotina de Pitanguy segue agitada. Três vezes por semana, ele deixa sua casa na Gávea, projetada por Sergio Bernardes e onde vive há mais de 50 anos com sua mulher, dona Marilu, e segue para a clínica, em Botafogo. Lá prepara conferências, conversa com alunos e médicos-visitantes e atende alguns pacientes. Pitanguy não opera há pouco mais de um ano. Mas, aos que fazem questão de serem atendidos por ele, prepara o plano cirúrgico.

— Procuro dar continuidade ao meu trabalho enquanto eu tiver força e alegria de fazer. Pode soar muito simples, mas devemos cultivar o presente e dar a ele qualidade. Lembre-se de viver.

Sua agenda é tão intensa que esta entrevista foi feita em três etapas. A primeira, por telefone, foi durante uma semana de descanso nos Alpes Suíços ao lado de dois de seus quatro filhos, Gisela e Helcius. A segunda, ao vivo, foi em sua clínica, em Botafogo. Ele havia chegado há três dias da Suíça, onde participou de um jantar íntimo na casa de Paulo Coelho em sua homenagem, emendando no vernissage da exposição no antigo Hospital Matarazzo, em São Paulo, que foi seguida de um fim de semana em sua ilha de Angra, onde recebeu 15 convidados (artistas plásticos estrangeiros). A terceira parte foi também por telefone, quando ele estava a caminho do chá da Academia Brasileira de Letras.

— Sinto que faz falta sair da rotina e procurar sentir com leveza aquilo que o mundo apresenta. O importante é a permanência do interesse pelas coisas. Enquanto eu e você tivermos o mesmo interesse pelo que vai acontecer daqui a pouco, temos todos a mesma idade. Até hoje guardo minha curiosidade intacta.

Pitanguy abre a porta para as mulheres. Ao cumprimentar alguém, aperta-lhe a mão com firmeza. Concentra-se no interlocutor como se só existissem os dois. Aos 91 anos, ele diz manter o mesmo interesse pelo outro. Ao ser clicado para esta capa, puxou assunto sobre fotografia e sacou seu iPhone do paletó para registrar com a câmera do celular Daniela Dacorso em ação:

— Hoje em dia tudo é mais simples. Antigamente eu usava uma Leica, com Kodachrome, que só podia ser revelado no Panamá, acredita?

Vestindo paletó cinza, ele se senta em um banco, no jardim da clínica, diante da câmera, ajeita a calça e cruza os braços. Sorri, esperando o clique. Ao ouvir o pedido para desabotoar o paletó, reclama um pouco. O homem que nunca fez plástica no rosto não quer parecer barrigudo na foto. Nem baixo. Ao posar com a repórter, estica-se para parecer mais alto.

Nariz de Pitanguy

Antes de nos encontrar para a entrevista e as fotos, o médico mineiro terminava a preparação para a conferência “My personal experience and the joy of learning and teaching in over five decades of plastic surgery”, que dará na abertura do congresso da International Society of Aesthetic and Plastic Surgery, que começa no dia 19, no Rio.

No livro, que terá noite de autógrafos dia 22 de outubro na Travessa do Leblon, ele mostra que as palestras e o curso de formação que criou, nos anos 60, em sua clínica e na enfermaria da Santa Casa são tão importantes quanto a atuação médica e a dedicação à família.

— Não sendo candidato à eternidade, quero preparar as coisas para que continuem sem mim.

Pioneiro na abordagem da cirurgia plástica reparadora como especialidade complementar — a disciplina não existia no Brasil quando se formou em 1946 —, ele se mantém discretíssimo quando o assunto são as celebridades que operou. Mas sabe-se que passaram por suas mãos nomes como Sophia Loren, Nikki Lauda, Marisa Berenson e Ursula Andress. Na entrevista, a única paciente que ele reconheceu ter operado foi a cantora Dóris Monteiro — a expressão “nariz de Pitanguy” (arrebitado) teria surgido depois dela.

— Fui dos primeiros a mostrar que todos têm o direito de corrigir algo que não agrade em sua imagem. E sempre fiz o nariz parecer normal, não um nariz operado — explica. — Na época, a cantora Dóris Monteiro ficou com um nariz que encantou Assis Chateaubriand. Ele ficou felicíssimo.

Gloria Maria, sua amiga, diz que ser discreto e não se vangloriar foi uma das muitas coisas que aprendeu com o professor — além de um creme mágico para a pele (uma mistura caseira de Bepantol, Hipoglós, Arovit e Vitamina E).

— Sou amiga de top models, e quando elas encontram o professor, só faltam se ajoelhar — conta Gloria. — O que me encanta é que a beleza ainda o surpreende. Ele não se acostuma com ela.

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