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Pesquisadora de Oxford especializada no estudo de crimes mostra que ocorrem mais homicídios nos países onde há menos legitimidade política
por Raul Montenegro

NA BASE
Ela analisou dados de 65 países, entre eles o Brasil.
O País está na metade de baixo na lista de legitimidade institucional

"Quando o Estado dá sinais de ilegitimidade, as pessoas
vão reagir protestando ou confiando
na justiça com as próprias mãos"

"A polícia pode ser muito eficiente, mas, quando
suas ações não são confiáveis, mais problemas
são criados e mais violência é gerada"
Istoé -
Istoé -
As milícias também são reflexo disso?
Istoé -
Isso afeta mais os pobres do que os ricos?
Istoé -
Podemos dizer, então, que a violência é um problema mais político do que policial?
Istoé -
Como é possível demonstrar essa relação?
Istoé -
Como mensurar a legitimidade institucional?
Istoé -
Quais são eles?
Istoé -
Istoé -
Como a sra. avalia o caso brasileiro?
Istoé -
Como reverter esse quadro?
Istoé -
A falta de confiança na polícia também leva a baixos índices de legitimidade?
Istoé -
Regimes totalitários sempre têm maiores taxas criminalidade?
Istoé -
É possível que nações autocráticas possuam mais legitimidade do que democracias?
A Semana > Entrevista
| N° Edição: 2323
| 30.Mai.14 - 20:50
| Atualizado em 12.Ago.14 - 23:49

Amy Nivette
"Falta de confiança no Estado leva à violência"Pesquisadora de Oxford especializada no estudo de crimes mostra que ocorrem mais homicídios nos países onde há menos legitimidade política
por Raul Montenegro

NA BASE
Ela analisou dados de 65 países, entre eles o Brasil.
O País está na metade de baixo na lista de legitimidade institucional
A jovem criminóloga americana Amy Nivette
possui um currículo de fazer inveja a muitos veteranos da área. Formada
nos Estados Unidos, ela possui mestrado e doutorado pela Universidade de
Cambridge e é hoje, aos 28 anos, pesquisadora da Universidade de
Oxford, além de membro do Centro de Pesquisas sobre Violência do
Instituto de Criminologia da Universidade de Cambridge, ambas no Reino
Unido. Em seus estudos sobre a relação entre legitimidade governamental e
índices de criminalidade, Amy chegou à conclusão de que quando as
instituições funcionam mal o número de homicídios é maior.

"Quando o Estado dá sinais de ilegitimidade, as pessoas
vão reagir protestando ou confiando
na justiça com as próprias mãos"
Em sua pesquisa, ela analisou dados de 65
países e comparou o número de homicídios com o grau de legitimidade
institucional desses locais. Levantar os indicadores criminais é fácil,
mas para chegar ao nível de legitimidade dos lugares Amy precisou
recorrer a dados que indicam liberdades civis, liberdade de imprensa,
corrupção, alfabetização e mortalidade infantil, entre outros
indicadores. Sua teoria relaciona falta de legitimidade institucional
com casos de justiça com as próprias mãos, vingança, uso de violência
retaliatória e apoio a vigilantes.

"A polícia pode ser muito eficiente, mas, quando
suas ações não são confiáveis, mais problemas
são criados e mais violência é gerada"
Como os protestos que chacoalham o País
desde junho de 2013 também refletem insatisfação contra autoridades, a
pesquisadora considera que as manifestações contra a Copa do Mundo e o
recente linchamento da dona de casa Fabiane Maria de Jesus no litoral
paulista têm a mesma raiz: a falta de credibilidade da política
brasileira.
Istoé -
Em que medida a baixa legitimidade institucional influencia a taxa de criminalidade?
Em que medida a baixa legitimidade institucional influencia a taxa de criminalidade?
Amy Nivette -
Quando um Estado é injusto
ou não é digno de confiança, os cidadãos não vão recorrer a ele para
resolver seus problemas. Uma pessoa nessa situação que for vítima de um
crime ou tiver um desentendimento com alguém da comunidade não irá à
polícia. Ela vai resolver o problema por si mesma ou vai atrás de
gangues ou grupos extraoficiais que atuem na localidade. Quanto mais
indivíduos usarem esses métodos alternativos, mais aumenta o número de
crimes. E isso é um ciclo vicioso, já que a violência, por sua vez,
diminui ainda mais a legitimidade das instituições.
Istoé -
O Brasil passa por uma onda de protestos contra a falta de
legitimidade política e gastos com a Copa. Paralelamente, tem havido
linchamentos e casos de justiça com as próprias mãos. São fenômenos com a
mesma raiz?
Amy Nivette -
Sim, isso é uma ilustração
desse mecanismo. A falta de legitimidade contribui para as duas coisas.
No caso dos linchamentos, as pessoas percebem que as leis não estão
disponíveis para elas e procuram outras formas de justiça. E, pelo mesmo
motivo, os manifestantes vão às ruas. Quando o Estado dá sinais de
ilegitimidade, as pessoas vão reagir de alguma maneira, seja
protestando, seja confiando na justiça com as próprias mãos. Quando
falamos de falta de legitimidade, na verdade, há vários caminhos
possíveis. Podemos não fazer nada, podemos fazer manifestações pacíficas
ou violentas e podemos recorrer a opções ilegais para resolver nossos
problemas. Mas vale lembrar que protestos são uma ação legítima contra o
Estado, ao contrário dos linchamentos.
Istoé -
As milícias também são reflexo disso?
Amy Nivette -
Exatamente. Essas gangues
mostram os perigos de se recorrer a medidas fora da lei. Depois que as
pessoas preenchem o vácuo estatal na comunidade por meio desses grupos,
eles se estabelecem e ganham o monopólio do uso da força no local. Não
demora muito para que os bandos comecem a cobrar da população. No fim,
eles criam sua própria economia política. O Estado também funciona
recolhendo impostos e criando normas, certo? Nessas zonas surgem outras
formas de governança para exercer o papel do Estado – o que acaba em
violência.
Istoé -
Isso afeta mais os pobres do que os ricos?
Amy Nivette -
Sim, porque pessoas de
status socioeconômico mais alto têm mais alternativas. Elas podem pagar
advogados, contratar segurança privada ou mudar de bairro. Os
marginalizados não possuem essas opções, então é mais provável que eles
recorram a grupos fora da lei ou resolvam eles mesmos seus problemas, o
que leva a retaliações e mais violência.
Istoé -
Podemos dizer, então, que a violência é um problema mais político do que policial?
Amy Nivette -
A política, a polícia e
também o sistema judiciário estão relacionados. A criminalidade pode
aumentar por causa de todos esses problemas institucionais. A questão
não se resume às forças policiais não prenderem bandidos. A corporação
pode ser muito eficiente, mas quando ela não tem legitimidade ou quando
suas ações não são confiáveis mais problemas são criados e mais
violência é gerada.
Istoé -
Como é possível demonstrar essa relação?
Amy Nivette -
No nível nacional, mais
legitimidade política significa menor índice de homicídios. Isso foi
comprovado através da análise de um conjunto de 65 países, entre eles o
Brasil – que se encontra na metade de baixo da lista de legitimidade
institucional, com uma pontuação de 4,68 pontos. No topo da tabela estão
países como a Noruega, a Finlândia e a Suécia, que alcançaram valores
acima de 7. No fim, Moldávia, Etiópia e Irã, com resultados de 1 ou 2
pontos.
Istoé -
Como mensurar a legitimidade institucional?
Amy Nivette -
É bem difícil. Uma
abordagem multidimensional é necessária. Alguns pensam que a polícia,
por exemplo, é ilegítima se os cidadãos a veem assim. Mas as pessoas
podem mentir para uma pesquisa com medo de retaliações. Por causa disso,
uso uma combinação de fatores para definir legitimidade.
Istoé -
Quais são eles?
Amy Nivette -
Um deles é a legalidade,
ou seja, se o Estado cumpre suas próprias leis. Outro ponto é se as
regras são compartilhadas pelas autoridades e pela população. O terceiro
é o consentimento, se os indivíduos cumprem as normas estabelecidas.
Para contabilizar esses fatores, eu uso estudos comparativos entre
diversas nações que medem o grau de confiança nas pessoas, nas
instituições políticas e no sistemas judiciários. A alta legitimidade
está associada com os níveis de liberdade civil, liberdade de imprensa,
tradição democrática, abertura a governos militares, corrupção,
transparência, confiança no Congresso e nos partidos políticos, crença
na igualdade, PIB per capita, analfabetismo, mortalidade infantil e IDH.
Istoé -
A falta de confiança tem mais a ver com o histórico institucional de um país ou com quem o governa no momento?
Amy Nivette -
Eu penso que instituições
têm uma reserva de legitimidade. Então, mesmo que um regime aja de
maneira ilegítima, uma nação pode usar esse crédito para manter um certo
nível de legitimidade. Mas com o tempo essa reserva também pode ir se
degradando e acabar.
Istoé -
Como a sra. avalia o caso brasileiro?
Amy Nivette -
No Brasil, parece que há falta de legitimidade das instituições e que isso é uma tendência histórica.
Istoé -
Como reverter esse quadro?
Amy Nivette -
É preciso fortalecer os
mecanismos associados à legitimidade elevada e retroceder na política de
combate às altas taxas de criminalidade através do aumento da
agressividade das forças policiais. Essa atitude, na verdade, pode levar
à queda de confiança e à alta da violência. Mas é complicado: você tem
que lidar com os crimes tomando cuidado para não agravar o déficit de
legitimidade.
Istoé -
A falta de confiança na polícia também leva a baixos índices de legitimidade?
Amy Nivette -
Sim. Os policiais são
agentes do governo, independentemente de quem esteja no poder. E o
Estado precisa prover alguns bens, especialmente numa democracia. A
segurança é um desses bens. Então, quando a polícia é ineficaz, os
cidadãos deixam de acreditar que o Estado pode protegê-los. Por outro
lado, as pessoas ajudam mais a polícia quando a veem como uma
instituição justa. A população chama a corporação em caso de delitos,
participa e colabora com o controle dos crimes. Isso também é uma forma
de prevenir a violência.
Istoé -
Regimes totalitários sempre têm maiores taxas criminalidade?
Amy Nivette -
É difícil responder a essa
pergunta porque governos autoritários não mantêm boas estatísticas
criminais. Mas a baixa violência em alguns desses países pode ter a ver
com o medo do Estado e com a presença de uma vasta rede de vigilância.
Por outro lado, ditaduras da África subsaariana, por exemplo, possuem
altos números de violência.
Istoé -
É possível que nações autocráticas possuam mais legitimidade do que democracias?
Amy Nivette -
As instituições de lugares
autoritários podem, sim, possuir altos índices de confiança. Mas essa
confiança não é construída sobre valores compartilhados entre Estado e
população, e esses locais falham em entregar bens básicos aos seus
cidadãos, como direitos humanos básicos e liberdade econômica. Dessa
forma, eu diria que isso não é possível quando você olha a legitimidade
de maneira ampla.
Disponível em: (http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/365965_FALTA+DE+CONFIANCA+NO+ESTADO+LEVA+A+VIOLENCIA+). Acesso em: 13/ag/2014.
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