22/jul/2014...
Acórdão:
EMENTA:
ADMINISTRATIVO. APELAÇÕES. AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANOS AMBIENTAIS EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. SENTENÇA TERMINATIVA EM PARTE E PARCIAL PROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO DEDUZIDA. AGRAVO RETIDO - NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. DESENTRAMENTO DA DOCUMENTAÇÃO ACOSTADA AOS AUTOS COM A APELAÇÃO - INEXISTÊNCIA DA HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DO ARTIGO 462, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO - RECHAÇO DA PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. PREQUESTIONAMENTO.
1. Inicialmente, aponto ao não conhecimento do agravo retido interposto pelo MPF nos autos (evento 02 na origem - agrretid87). Sobre ser questionável o interesse de agir à interposição de agravo em tal modalidade neste momento processual - notadamente porque, já ultrapassado o prazo ao oferecimento de apelo e contrarrazões, não se verifica oportunidade processual à dedução de pedido à sua apreciação -, o fato é que inexiste pedido expresso nos autos à apreciação do recurso.
2. Considerando que a documentação que acompanha a apelação (evento 02 na origem - apelação078) não realiza a hipótese de incidência do artigo 462, do Código de Processo Civil, ex officio determino o seu desentranhamento do caderno processual.
3. Quanto à preliminar de ilegitimidade passiva do Município réu, aponto ao rechaço da arguição. Faço-o com supedâneo na fundamentação adotada pelo MM. Juízo a quo em sede de despacho saneador, que consigna - "(...) 2. Passo a apreciar as preliminares argüidas pelos réus: 2.2. Ilegitimidade passiva do Município de Florianópolis/ Litisconsórcio passivo necessário com a União, o Estado de Santa Catarina, a FLORAM, a FATMA e o IBAMA Alega o Município de Florianópolis que não é legitimado para responder pelo pedido contido na inicial, mas sim a FLORAM, órgão municipal responsável pela proteção ao meio ambiente. Assevera, por outro lado, que devem compor a lide, na qualidade de litisconsortes passivos necessários, também os órgãos estadual (FATMA) e federal (IBAMA) de proteção ambiental, assim como o Estado de Santa Catarina, por ser eventual dano também de responsabilidade da Polícia Militar Ambiental, e ainda a União, haja vista constituir o imóvel sobre o qual ocorreu a edificação reputada de ilegal terreno de marinha. Não há falar em litisconsórcio necessário, uma vez que os órgãos ambientais desempenham atividade meramente fiscalizatória, não estando juridicamente habilitados a participar da ação de indenização. Além do mais, ainda que se reconheça que todos têm o dever de fiscalizar para evitar o dano, daí decorrendo a obrigação de indenizar/reparar, tratar-se-ia de responsabilidade solidária, o que não imporia o ajuizamento da ação contra todos. Neste caso, o autor pode acionar quaisquer dos responsáveis, tratando-se, na verdade, de litisconsórcio facultativo, em que a escolha contra quem quer litigar cabe ao autor. Este fundamento serve também para afastar a alegação de litisconsórcio passivo necessário com o Estado de Santa Catarina. Além disso, no caso em apreço, a Polícia Militar Ambiental, no exercício de seu poder fiscalizatório, atuou elaborando laudo de constatação, o qual serviu de fundamento para o ajuizamento da presente demanda (fl. 13). Por outro lado, o IBAMA, como órgão responsável pela fiscalização em matéria ambiental em âmbito federal, requereu seu ingresso no feito na condição de assistente do autor, em consonância com suas atribuições. Do mesmo modo, a União figura na lide como assistente litisconsorcial do MPF, haja vista o imóvel localizar-se, ao menos em tese, em terras de marinha. Por fim, não há falar em ilegitimidade passiva do Município de Florianópolis, porquanto o autor lhe dirige pedido certo e determinado, e a sua efetiva responsabilidade pelo dano ambiental só será apurada ao final, por ocasião da sentença. Rejeito, assim, as preliminares. (...)" Por esses mesmos fundamentos, aponto ao rechaço da preliminar arguida pelo Município réu. 2. A v. sentença recorrida literaliza - "(...) 2. Fundamentação Preliminares - Falta de interesse de agir - pedidos do item "d", formulados contra o Município de Florianópolis Os pedidos contidos no item "d", dirigidos ao Município de Florianópolis, embora apresentem algum liame com a presente lide, não são fundamentados em quaisquer fatos, exceto o apontado na inicial. Com efeito, o autor não discorre sobre outros danos, invasões de APP's ou terras de marinha por outras pessoas e que estejam sendo avalizadas pelo Município de Florianópolis, por meio de expedição de alvarás ilegais ou por qualquer outra forma, tampouco aponta fatos específicos relacionados ao Poder Público municipal que estejam contribuindo para a degradação do meio ambiente naquele local. A teor do art. 282, III, do Código de Processo Civil, a petição inicial indicará os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido (causa de pedir). No caso, o autor não aponta as irregularidades que possam justificar as medidas requeridas. Não há, assim, substrato fático que justifique o pedido de condenação do Município "a efetuar amplo programa de fiscalização na Costa da lagoa, incluindo áreas de alta declividade, em especial orientação para desocupação e recuperação de margens e de elementos hídricos". Embora a lei processual (e também a tutela coletiva) permita a cumulação de pedidos (ou de ações), mediante o ajuizamento de várias pretensões (e contra vários réus) em um só processo, cada pedido representando uma lide distinta a ser apreciada pelo juiz, isto não dispensa o autor de indicar o fundamento (a causa de pedir) para cada um deles. "Segundo esmerada doutrina, 'causa petendi' é o fato ou o conjunto de fatos suscetível de produzir, por si, o efeito jurídico pretendido pelo autor (STJ - 4ª T., REsp 2.403-RS, Min. Sálvio de Figueiredo)" ( nota ao art. 282. 8a, Theotônio Negrão, Código de Processo Civil). A par do consagrado papel fundamental da ação civil pública como instrumento processual destinado à efetiva tutela do meio ambiente e inobstante a própria natureza de generalidade desta ação, importa ter em mente que sua função instrumental exige conformação com as regras processuais. "Cabe ressaltar que, tanto na parte processual do CDC (arts. 81 a 104) como no bojo da Lei 7.347/85, não foram indicados os requisitos formais a serem observados nas petições iniciais. Compreende-se que assim seja, visto que em face de ambos esses textos o Código de Processo Civil opera como fonte subsidiária (Lei 8.0078/90, art. 90; Lei 7.347/85, art. 19) - logo, a regularidade procedimental da peça vestibular, tanto nas ações de cunho cominatório/ressarcitório como nas de índole cautelar, é parametrizada pelo texto processual padrão, ou seja, o CPC, arts. 282, 286, 801" ("Ação Civil Pública", Rodolfo de Camargo Mancuso, Ed. RT, 11ª ed., p.99). Como já dito, no presente caso, o Ministério Público Federal cinge-se a relatar as ilegalidades praticadas pelo particular, sem indicar as falhas na atuação do Poder Público em coibir outros danos ambientais, os quais também não são descritos. Com base apenas no fato de reputar ilegal a construção erigida pelo particular, postula medidas de fiscalização em face também do Município envolvendo toda a localidade, sem indicar qualquer outra situação concreta ou violação de preceito que justifique seu pedido. Evidentemente, é imprescindível que se demonstre o nexo de causalidade entre eventuais autorizações (ou omissões) estatais e demais danos, na abrangência que se postula, bem assim a causa petendi, sem o que a ação não pode ser analisada pelo Poder Judiciário na extensão da responsabilidade do Município que possa justificar, em tese, sua condenação para tais medidas. - Preliminares arguidas nas contestações As preliminares alegadas nas contestações já foram apreciadas por ocasião do despacho saneador. Desnecessária, portanto, nova análise. Mérito Em resumo, os fatos descritos na inicial dizem respeito [a] ao uso indevido de terras de marinha, com a construção de uma casa, um trapiche, bem assim a instalação de fossa séptica; [b] danos à área de preservação permanente - APP da Lagoa da Conceição; e [c] omissão do Município quanto ao seu dever de fiscalizar. - Construção em área de preservação permanente e terreno de marinha Trata-se de construção verificada em 2004, cuja ação civil pública para recuperação da área de preservação permanente foi proposta em 2007. Em seu art. 1º, §2º, II, o Código Florestal então vigente (Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965) conceituava área de preservação permanente da seguinte forma: área protegida nos termos dos arts. 2o e 3o desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. O art. 2º, do mesmo diploma normativo, no que importa para a solução da controvérsia dos autos, dispunha: Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: (...) b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais; O Código Florestal/67 restringiu-se a estabelecer que se considerariam de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação natural situadas "ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais e artificiais" (art. 2º, b), sem, no entanto, indicar os limites das áreas de proteção. No âmbito do Estado de Santa Catarina, a Lei Estadual nº 5.793/80, regulamentada pelo Decreto n. 14.250/81, declarou como área de preservação permanente 100 metros ao redor das lagoas; todavia, foram revogados pela Lei Estadual 14.675, de 13 de abril de 2009. Esta, a seu turno, nada dispôs sobre APP's em entorno de lagoas. Por sua vez, a Lei Municipal nº. 2.193/85 (Plano Diretor dos Balneários) garante a manutenção de uma faixa de 15 (quinze) metros de largura nos terrenos de marinha para a circulação de pedestres. E também estabelece, no art. 123, que, nas margens das lagoas e lagos, numa faixa de 100 (cem) metros, é vedada a supressão da cobertura vegetal. Excepciona, no § 1º, que, nos casos em que for admitida edificação, o licenciamento dependerá de que a área de preservação seja gravada com cláusula de preservação permanente. Não obstante, o Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, no exercício de suas atribuições, editou a Resolução CONAMA n. 303, de 20 de março de 2002, com o fim de regulamentar algumas das disposições do Código Florestal (Lei n. 4.771/65) e da Lei n. 9.433/97 (Política Nacional dos Recursos Hídricos). Entre outras disposições, estabeleceu que: "Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área situada: (...) III - ao redor de lagos e lagoas naturais, em faixa com metragem mínima de: a) trinta metros, para os que estejam situados em áreas urbanas consolidadas;" Essa, então, a área mínima de preservação permanente no entorno da Lagoa da Conceição, em consonância com a legislação ambiental federal, para o período verificado nos autos. De todo modo, o atual Código Florestal (Lei 12. 651, de 25 de maio de 2012), já em vigor, encerra qualquer discussão, pois estabeleceu taxativamente: "Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei (...) II - as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de: (...) b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas". Diante disso, a discussão acerca dos limites dos terrenos de marinha, levantada pelo réu em sua contestação, neste contexto, torna-se completamente estéril, posto que independentemente de o local se caracterizar também como bem da União (terreno de marinha), isso não muda o fato de ser área de preservação permanente (APP), por estar situado a menos de trinta metros da Lagoa. De qualquer forma, em seu laudo complementar, o perito esclareceu que, de acordo com os estudos elaborados pela União a respeito da delimitação da Linha de Preamar Médio de 1831, o imóvel "está DENTRO dos 'terrenos de marinha'" (fl. 243). Ainda que se trate de uma demarcação feita de forma presumida, ela goza de presunção de veracidade, pois cabe à União, por meio da sua Secretaria de Patrimônio, a tarefa de delimitar os terrenos de marinha (Decreto-Lei n. 9.760/46). Por outro lado, de acordo com informação produzida pela Fundação Municipal do Meio Ambiente - FLORAM (fl. 14), constata-se que o local está situado em zoneamento municipal como APL (área de preservação de uso limitado) e, então, sustenta o autor, não haveria impedimento à construção. Porém, segundo o perito, nem mesmo as regras de ocupação do zoneamento como APL foram observadas, visto que, neste caso, a taxa de ocupação seria de 10% do total do imóvel, mas a área construída excede significativamente este limite (fl. 203), representando 35,72% da área total do imóvel (fl. 245); além disso, não foi precedida de autorização pelo município. Mesmo que assim não fosse, há, como se vê, uma dissonância da legislação municipal com a lei federal (tanto com a Lei n. 4.771/65, como com o novo Código Florestal/2012). Ocorre que o Município, no exercício de suas atribuições constitucionais, não pode restringir proteção jurídica já prevista em norma produzida pela União ou pelo Estado, ainda mais no que se refere a questões ambientais. No caso concreto, a perícia realizada nos autos conclui se tratar de área de preservação permanente, posto que as construções estão situadas a um distanciamento entre 0 (zero) e 4,3 m da lagoa (fl. 200). Isto, por si só, já é suficiente para que nela não se possa edificar. Por fim, a referência de haver existido no passado outra edificação no local, não afasta a ilegalidade do ato (STJ, REsp n. 1107219/SP), agravado pelo fato de a obra ter sido erigida de forma clandestina (o réu não demonstrou que tenha obtido sequer o alvará da Prefeitura). Além disso, essa suposta construção anterior não ficou provada (que por sinal teria sido bem menor que a atual); a referência do perito baseou-se em depoimento de vizinho. O réu particular, a este respeito, nenhuma prova juntou aos autos, apesar de ter afirmado na contestação que ali havia uma construção desde 1969. A jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a respeito da impossibilidade de construção em área de preservação permanente e da conseqüente obrigação de reparar os danos causados, é pacífica: CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EDIFICAÇÃO DE OBRA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. LEI Nº 4.771/65. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. POSSIBILIDADE. DEMOLIÇÃO. PLANO DE RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA (PRAD). 1. É irregular a construção de obra em área de preservação permanente, constituindo manguezal e mata ciliar, nos termos da Lei nº 4.771/65, art. 2º, 'f', e da Resolução do CONAMA n° 303, de 20.03.2002, e, conseqüentemente, área non aedificandi, razão pela qual a demolição integral é medida que se impõe, bem como os reparos aos danos ambientais correspondentes a toda extensão lesada. 2. A Lei nº 7.347/85 (art. 3º) não impede a cumulação de pedidos de obrigação de fazer, na medida em que se deve considerar a situação ofensiva ao interesse difuso ou coletivo que o autor pretenda coibir. (Precedente do STJ). (TRF4, AC 2002.72.08.005357-1, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Márcio Antônio Rocha, D.E. 09/02/2009) ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PEDIDO DE DEMOLIÇÃO DE CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E A SUA RECUPERAÇÃO, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. - A área em questão é definida como de preservação permanente, tendo sido demonstrado nestes autos que houve degradação de recursos naturais. O laudo pericial constatou que o réu edificou sobre restinga fixadora de dunas uma casa de alvenaria, de modo que foi retirada a vegetação nativa para a construção da casa. Assim, ficou claramente evidenciada a degradação ao meio ambiente. - De outro lado, o direito de propriedade não possui caráter absoluto. Prestigiar, em casos como o presente, o direito de propriedade é comprometer à preservação do meio ambiente. - Ademais, a área em questão constitui-se em terreno de marinha, consoante esclareceu o laudo pericial, sendo necessária autorização para sua utilização, autorização que, na hipótese, seria inviável em face da caracterização da área como de preservação permanente. (TRF4, AC 2002.04.01.025208-0, Terceira Turma, Relator Vânia Hack de Almeida, publicado em 13/09/2006). - Responsabilidade civil e dever de reparar A responsabilidade civil por danos ao meio ambiente tem fundamento no art. 225, §3º, da Constituição da República, e no art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81, exigindo a presença dos seguintes elementos: conduta (ação ou omissão), dano ao meio ambiente e nexo causal entre ambos: Constatada a infração à norma ambiental e os danos decorrentes, o poluidor está obrigado à reparação, mediante a recomposição da área. Neste ponto, colho da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: DANO AMBIENTAL. CORTE DE ÁRVORES NATIVAS EM ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. 1. Controvérsia adstrita à legalidade da imposição de multa, por danos causados ao meio ambiente, com respaldo na responsabilidade objetiva, consubstanciada no corte de árvores nativas. 2. A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) adotou a sistemática da responsabilidade civil objetiva (art.14, parágrafo 1º.) e foi integralmente recepcionada pela ordem jurídica atual, de sorte que é irrelevante e impertinente a discussão da conduta do agente (culpa ou dolo) para atribuição do dever de indenizar. 3. A adoção pela lei da responsabilidade civil objetiva, significou apreciável avanço no combate a devastação do meio ambiente, uma vez que, sob esse sistema, não se leva em conta, subjetivamente, a conduta do causador do dano, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e ao ambiente. Assim sendo, para que se observe a obrigatoriedade da reparação do dano é suficiente, apenas, que se demonstre o nexo causal entre a lesão infligida ao meio ambiente e a ação ou omissão do responsável pelo dano. 4. O art. 4º, VII, da Lei nº 6.938/81 prevê expressamente o dever do poluidor ou predador de recuperar e/ou indenizar os danos causados, além de possibilitar o reconhecimento da responsabilidade, repise-se, objetiva, do poluidor em indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente ou aos terceiros afetados por sua atividade, como dito, independentemente da existência de culpa, consoante se infere do art. 14, § 1º, da citada lei. (...) (REsp 578.797/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/08/2004, DJ 20/09/2004 p. 196) Também em se tratando de dano decorrente da omissão do Poder Público, a responsabilidade continua a ser objetiva, de acordo com grande parte da doutrina (Machado, Mancuso e Milaré), e o ente é considerado poluidor, em face do que dispõe o artigo 3º, inciso IV, da Lei 6.938/81 ["a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental"]. Leciona Annelise Monteiro Steigleder ("in" Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Livraria do Advogado, p. 196): "Comungamos do entendimento no sentido de que a responsabilidade do Estado é objetiva tanto na ação como na omissão lesiva ao meio ambiente. Diante do art. 225, § 3º, da Constituição Federal, combinado com o art. 3º, IV, da Lei 6.938/81, não se justifica o estabelecimento de um regime diferenciado para o dano ambiental quando o causador do dano, ainda que indireto, é o Poder Público". No caso dos autos, quanto ao Município de Florianópolis, sua responsabilidade decorre de dois fatores: primeiro, por ter atribuído ao local zoneamento incompatível com a proteção ambiental decorrente da legislação federal; e, em segundo lugar, por não ter agido para evitar o dano, omitindo-se em seu dever de fiscalizar, mesmo quanto à obediência da lei municipal. Com efeito, apesar de cobrar IPTU, não exige o alvará para construção. "Daí que o Poder Público, que não coíbe a ação do particular mediante ações fiscalizatórias, e que concede uma licença ambiental precária e ilegal, está concorrendo indiretamente para a produção do dano, aplicando-se-lhe a regra da responsabilidade civil objetiva e o princípio da solidariedade entre os copoluidores. (ob. cit, p. 195) Importa ressaltar, ainda, que esta responsabilização não implica interferência nas políticas públicas, como alega o Município. A imputação decorre de omissão causadora de dano, pelo qual o ente estatal responde objetivamente. A diferença de tratamento, entre os particulares e o Estado, para efeito de responsabilização, será sentida somente na fase da execução da sentença, pois, a partir daí, a responsabilização será subsidiária, visto que em primeiro lugar serão acionados os diretamente responsáveis pelos danos, geralmente os particulares. Essa foi a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP 107.1741-8, em voto do Ministro do Herman Benjamin: Tratamento diferenciado receberá o Estado (..), somente pela via da preservação de um benefício peculiar, na execução, na qual a ele se reserva uma posição de 'posterius' em relação a do 'prius', que é o agente causador primário ou direto do dano ambiental. Em suma, a responsabilidade, em relação ao Estado, será solidária, dado o caráter de indivisibilidade do dano ambiental, e subsidiária na execução (após o particular). A razão de se adotar a forma subsidiária na execução é evitar que a própria coletividade acabe sempre arcando com os ônus dos danos provocados por particulares. - Reparação do dano - demolição das construções Como dito, constatada a infração à norma ambiental e os danos decorrentes, o poluidor está obrigado à reparação, mediante a recomposição da área. Sobre a matéria, veja-se o que dispõe o art. 84, caput e §1º, da Lei 8.078/90, que compõe o microssistema das ações coletivas e, portanto, serve de fundamento para o caso presente: Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. § 1° A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. A restauração natural deve ser sempre priorizada. Somente quando esta não for possível, deve-se voltar para indenização pecuniária ou a substituição do bem por outro equivalente, como forma de compensação ambiental. A jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais, a este respeito, é iterativa, consoante se vê das ementas abaixo transcritas: AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO IRREGULAR. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO. DANO AMBIENTAL. APP. PARQUE NACIONAL DE ITATIAIA. CONSTRUÇÃO EM FAIXA NON AEDIFICANDI. 1. Ação Civil Pública em que se determinou, dentre outras providências, a demolição de construção irregular no entorno do Parque Nacional de Itatiaia, em Resende - RJ. 2. São inquestionáveis danos ambientais oriundos da construção e supressão vegetal ciliar a menos de trinta metros das margens de curso d'água, em área de preservação permanente. Inexistência de licença ou autorização dos órgãos ambientais para a realização da obra em faixa non aedificandi. Afronta aos artigos 2º e 4º da Lei nº 4.771/1965. 3. A proteção ao meio ambiente não é matéria de preponderante interesse dos municípios, daí que não se aplica a regra de competência do art. 29 da Lei Maior. Aplicação do Código Florestal em áreas urbanas. O parágrafo único do artigo 2º da Lei nº 4.771/1965, apesar de ressalvar os planos diretores e as leis de uso do solo locais, assinala que os princípios e limites estabelecidos pelo Código Florestal devem ser observados. 4. A demolição da estrutura edificada não se mostra desproporcional. A invocação de ideia vaga de razoabilidade não pode albergar condutas ilícitas. O réu já fora autuado, descumprido as medidas impostas pelo IBAMA e concluindo indevidamente a obra. 5. Apelo desprovido ( TRF-2ª R., AC 200751090004016, Rel. Des. Fed. Guilherme Couto, 2ª T. Esp., E-DJF2R de 23/8/2010). AGRAVO LEGAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO AMBIENTAL. EXPLORAÇÃO INDEVIDA DE TERRENO DE MARINHA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO DA MORADIA E BENFEITORIAS ERIGIDAS. NECESSIDADE. GARANTIA DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. OBRIGAÇÃO DE REPARAR A ÁREA VIOLADA. Constatada a abusividade na exploração do terreno de marinha, mediante a construção de casa de veraneio e benfeitorias à beira do mar, em área de preservação permanente, ao arrepio da lei, e da Constituição Federal, em prejuízo ao meio ambiente e, por consequência, ao direito da coletividade, cumpre aos titulares da posse promover a demolição da moradia, às suas expensas, bem como recuperar a área de preservação permanente violada, sob a supervisão dos órgãos ambientais competentes. (TRF4, AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001715-20.2004.404.7201, 3ª Turma, Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, POR UNANIMIDADE, D.E. 18/04/2011) AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESTINGA FIXADORA DE DUNAS. DEMOLIÇÃO. PRAD. 1. A demolição e a desocupação da área são medidas adequadas a estancar a agressão ao meio ambiente, mais precisamente à Área de Preservação Permanente (APP), espaço ecologicamente protegido e que não pode ser habitado. 2. Presentes os elementos caracterizadores da responsabilidade civil por dano ambiental, impõe-se a condenação do réu à reparação do dano por meio de apresentação de PRAD ao IBAMA em prazo de 30 dias, a contar do julgamento. 3. Apelação provida. (TRF4, AC 5002427-03.2010.404.7204, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando Quadros da Silva, D.E. 19/03/2012) A reparação do dano deve ser feita mediante a recomposição, com a retirada das edificações ilegais (inclusive rampa e trapiche erigido sobre a praia e terreno de marinha) e entulhos, e recuperação da área degradada, de acordo com Projeto de Recuperação Ambiental a ser apresentado perante o IBAMA. (...)" Aos mesmos fundamentos acima transcritos faço remissão, tomando-os por integrados neste voto, certo que as razões recursais não logram infirmar a fundamentação adotada pela v. sentença recorrida. Releva anotar que a situação pessoal do autor - portador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) -, ainda que desperte solidariedade, de rigor, não altera em nada a equação fática/jurídica sub exdamine e, tampouco, alija a sua responsabilidade civil à espécie, responsabilidade essa reconhecida em primeira instância e ratificada pelo presente julgamento.
4. Solucionada a lide com espeque no direito bastante, tem-se por afastada a incidência concreta da legislação em confronto, senão pela total abstração, com as adequações de mister, sem que isso importe na sua violação. É o que se dá com os dispositivos legais invocados nas razões recursais, os quais tenho por prequestionados.
5. Agravo retido não conhecido (evento 02 na origem - agrretid87).
6. Ordem de desentranhamento da documentação juntada com a apelação da parte ré no evento 02 na origem (apelação078).
7. Preliminar rejeitada.
8. Apelações improvidas.
(TRF4, AC 5011899-35.2013.404.7200, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, juntado aos autos em 22/05/2014).
Disponível em: (http://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/citacao.php?doc=TRF406059712). Acesso em: 22/jul/2014.
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