02/jun/2014...
CC: O senhor enxerga alguma relação entra a Copa do Mundo e a eleição? Se enxerga, por que e de que maneira?

Lula em entrevista à Carta Capital: “mídia lambia as botas da ditadura”
Publicado junho 1, 2014 r
“O jovem hoje com 18 anos tinha 6 anos quando ganhei a primeira eleição, 14 anos quando deixei de ser presidente da República. Se ele tentar se informar pela televisão, ele é analfabeto político. Se tentar se informar pela imprensa escrita, com raríssimas exceções, ele também será um analfabeto político. A tentativa midiática é mostrar tudo pelo negativo.
Agora, se nós tivermos a capacidade de dizer que certamente o pai dele viveu num mundo pior do que o dele, e se começarmos a mostrar como a mudança se deu, tenho certeza de que ele vai compreender que ainda falta muito, mas que em 12 anos, passos adiante foram dados.” (Lula, na entrevista reproduzida abaixo)
Antes de mais nada, impressiona a paixão. Aos 68 anos, Luiz Inácio Lula da Silva não perdeu o vigor com que arengava à multidão reunida no gramado da Vila Euclides no fim dos anos 70. E nos momentos em que sustenta algo capaz de empolgá-lo, ocorrência frequente, aperta com força metalúrgica o pulso do entrevistador mais próximo, como se pretendesse transmitir-lhe fisicamente sua emoção.
Assim se deu nesta longa entrevista que o ex-presidente Lula deu a CartaCapital. No caso de Mino, esta foi mais uma das inúmeras, a começar pela primeira, em janeiro de 1978.
CC: O senhor enxerga alguma relação entra a Copa do Mundo e a eleição? Se enxerga, por que e de que maneira?
Lula: Eu acho difícil imaginar que a Copa do Mundo possa ter qualquer
efeito sobre a preferência por este ou aquele candidato. Por outro
lado, se o Brasil perder, acho que teremos um desastre similar àquele de
1950. Temo uma frustração tremenda, e a gente não sabe com que
resultado psicológico para o povo. Em 50 jogaram o fracasso nas costas
do goleiro Barbosa.
CC: Em primeiro lugar o Barbosa.
Lula: O Barbosa carregou por 50 anos a responsabilidade, e morreu
muito pobre, com a fama de ter sido quem derrotou o Brasil. É uma
vergonha jogar a culpa num jogador. Se o Brasil ganha, a campanha passa a
debater o futuro do País e o futebol vai ficar para especialistas como
eu.
CC: E as chamadas manifestações?
Lula: Ainda há pouco tempo a gente não esperava que pudessem
acontecer manifestações. E elas aconteceram sem qualquer radicalização
inicial, porque as pessoas reivindicavam saúde padrão Fifa, educação
padrão Fifa; poderiam ter reivindicado saúde padrão Interlagos, quando
há corrida, ou padrão de tênis, Wimbledon, na hora do tênis. Eu acho que
isso é até saudável, o povo elevou seu padrão reivindicatório. E é
plenamente aceitável dentro do processo de consolidação democrático que
vive o Brasil. Eu acho que, ao realizar a Copa, o governo assumiu o
compromisso de garantir o bem-estar e a segurança dos brasileiros e dos
torcedores estrangeiros. Quem quiser fazer passeata que faça, quem
quiser levantar faixa, que levante, mas é importante saber que, assim
como alguém tem o direito de protestar, o cidadão que comprou o ingresso
e quer ir ver a Copa tenha a garantia de assistir aos jogos em perfeita
paz.
CC: O povo brasileiro amadureceu e nós entendemos que o resultado da
Copa será bem menos importante do que foi em 1950. Mesmo que a seleção
perca, não haverá tragédia. Deste ponto de vista. Efeitos sobre as
eleições podem ocorrer em função das chamadas manifestações.
Lula: Eu tenho certeza de que a presidenta Dilma e os governos
estaduais estão tomando toda a responsabilidade para garantir a ordem.
Com isso podemos ficar tranquilos, é questão de honra para o governo
brasileiro. O que está em jogo é também a imagem do Brasil no exterior.
De qualquer maneira, acho que não vai ter violência, e, se houver será
tão marginal a ponto de ser punida pela própria sociedade. Agora se um
sindicato quer fazer uma faixa “abaixo não sei o quê, 10% de aumento”, é
seu direito.
Eu me lembro que disse ao ministro José Eduardo Cardozo, quando
começou a se aventar a possibilidade de uma lei contra os mascarados:
“Olha, gente, nem brincar com lei contra mascarados porque a primeira
coisa que iremos prejudicar vai ser o Carnaval, não os mascarados”.
A Constituição e o Código Penal definem claramente o que é ordem e o
que é desordem e, portanto, o governo tem mecanismos para evitar
qualquer abuso. Recomenda-se senso comum. Nesses dias tentaram até
confundir uma frase minha sobre uma linha de metrô até os estádios. Em
1950, no Maracanã cabiam 200 mil pessoas, mais de duas vezes as
assistências atuais. É verdade, havia menos carros nas ruas,
infinitamente menos carros, mas também não havia metrô.
CC: De todo modo, vale a pena realizar uma Copa?
Lula: Discordo daqueles que defendem a Copa no Brasil dizendo que vão
entrar 30 bilhões, ou que geraremos novos empregos. O problema não é
econômico. A Copa do Mundo vai nos permitir, no maior evento de futebol
do mundo, mostrar a cara do Brasil do jeito que ele é. O encontro de
civilizações, o resultado dessa miscigenação extraordinária entre
europeus, negros e índios que criou o povo brasileiro. Qual é o maior
patrimônio que temos para mostrar? A nossa gente.
CC: Em que medida essas manifestações nascem do fato de que houve uma
ascensão econômica? Aqueles que melhoraram de vida reivindicam mais
saúde, mais educação.
Lula: Eu acho que não há apenas uma explicação para o que está
acontecendo. Precisamos aprender a falar com o povo, para que entenda o
momento histórico.
O jovem hoje com 18 anos tinha 6 anos quando ganhei a primeira
eleição, 14 anos quando deixei de ser presidente da República. Se ele
tentar se informar pela televisão, ele é analfabeto político. Se tentar
se informar pela imprensa escrita, com raríssimas exceções, ele também
será um analfabeto político. A tentativa midiática é mostrar tudo pelo
negativo.
Agora, se nós tivermos a capacidade de dizer que certamente o pai
dele viveu num mundo pior do que o dele, e se começarmos a mostrar como a
mudança se deu, tenho certeza de que ele vai compreender que ainda
falta muito, mas que em 12 anos, passos adiante foram dados.
CC: O governo não soube se comunicar?
Lula: Eu acho. Eu de vez em quando gosto de falar de problema
histórico, para a gente entender o que de fato aconteceu neste país. Já
disse e repito: Cristóvão Colombo chegou em Santo Domingo, em 1492, e em
1507 ali surgia a primeira faculdade. No Peru, em 1550, na Bolívia, em
1624. O Brasil ganhou a primeira faculdade com dom João VI, mas a
primeira universidade somente em 1930. Então você compreende o nosso
atraso.
Qual é o nosso orgulho? Primeiro, em 100 anos, o Brasil conseguiu
chegar a 3 milhões de estudantes em universidades. Nós, em 12 anos,
vamos chegar a 7,5 milhões de estudantes, ou seja, em 12 anos, nós
colocamos mais jovens na universidade do que foi conseguido em um
século. Escolas técnicas. De 1909 até 2002, foram inauguradas 140. Em 12
anos, nós inauguramos 365. Ou seja, duas vezes e meia o número
alcançado em um século.
E daí você consegue imaginar o que significa o Reuni ao elevar o
número de alunos por sala de aula, de 12 para 18. Ou o que significa o
Ciências Sem fronteiras, o Fies: 18 universidades federais novas.
Pergunta o que o Fernando Henrique Cardoso fez? Se você pensar em 146
campi novos, chegará à conclusão de que foi preciso um sem diploma na
Presidência da República para colocar a educação como prioridade neste
País.
Nós triplicamos o Orçamento da União para a educação. É pouco? É tão
pouco que a presidenta Dilma já aprovou a lei permitindo 75% dos
royalties para a educação. É tão pouco que a Dilma criou o Ciência Sem
Fronteiras para levar 65 mil jovens a estudar no exterior. É tão pouco
que ela criou o Pronatec, que já tem 6 milhões de jovens se preparando
para exercer uma profissão. Isso tudo estimula essa juventude a querer
mais.
Tem de querer mais. Quanto mais ela reivindicar, mais a gente se
sente na obrigação de fazer. Quem comia acém passou a comer contrafilé e
agora quer filé. E é bom que seja assim, é bom que as pessoas não se
nivelem por baixo. Eu sempre fui contra a teoria de que é melhor pingar
do que secar. Quanto mais o povo for exigente e reivindicar, forçará o
governo a fazer mais. O que é ruim? A hipocrisia.
Nós temos um setor médio da sociedade, que ficou esmagado entre as
conquistas sociais da parte mais pobre da população e os ricos, que
ganharam dinheiro também. A classe média, em vários setores,
proporcionalmente ganhou menos. Toda vez que um pobre ascende um degrau,
quem está dez degraus acima acha que perdeu algumas coisas. A Marilena
Chauí tem uma tese que eu acho correta: um setor da classe média
brasileira que às vezes também é progressista, do ponto de vista social,
mas não aprendeu a socializar os espaços públicos e então fica
incomodado.
CC: Nós entendemos que o problema é representado pela elite brasileira. Quem se empenha contra a igualdade?
Lula: Eu sou o mais crítico do comportamento da elite brasileira ao
longo da história. Este país foi o último a acabar com a escravidão, foi
o último a ser independente. Só foi ter voto da mulher na Constituição
de 34. Tudo por aqui resulta de um acordo, inclusive um acordo contra a
ascensão social. Na Guerra dos Guararapes, quando pretos e índios
quiseram participar, a elite disse “não, não vai entrar, porque depois
que terminar essa guerra vão querer se voltar contra nós”.
Esta é a história política do Brasil. Ocorre, porém, que a ascensão
dos pobres levou empresas brasileiras a ganhar como nunca. Não sou eu
quem lembra – em 1912, Ford dizia: “Quero pagar um bom salário para meus
trabalhadores para que eles possam consumir”. Por exemplo, pobre em
shopping dá lucro. Muitas vezes os donos não aceitam num primeiro
momento, mas depois percebem que é bom. Tínhamos 36 milhões de
brasileiros viajando de avião, agora temos 112 milhões.
CC: Notáveis avanços são inegáveis. Mas como vai ser daqui para a frente?
Lula: Eu fazia debates mundo afora, com o Mantega, o Meirelles, às
vezes a Dilma. E eu dizia: esses ministros meus, eles falam de
macroeconomia, mas o que eles não dizem é que essa macroeconomia só deu
certo por causa da minha microeconomia. O que foi a microeconomia? Foi o
aumento de salário, foi a compra de alimentos, a agricultura familiar,
foi o financiamento, foi o crédito consignado, foi o Bolsa Família. Foi
essa microeconomia que deu sustentabilidade à macroeconomia.
Na Constituição de 46, quando o trabalho era o assunto, concluía-se:
“Não pode dar 30 dias de férias para o trabalhador, porque o ócio o
prejudica”. Chamavam férias de ócio. Agora, as pessoas dizem que o Bolsa
Família cria um exército de vagabundos. E o futuro? Numa escada de dez
degraus, os pobres só subiram dois, um e meio, ainda falta muito para
subir. Por isso eu tenho orgulho da presidenta Dilma, ela sabe que muita
gente vai se bater contra ela a sustentar que, para controlar a
inflação e fazer o País crescer, é preciso ter um pouco de desemprego,
arrocho no salário mínimo, ou seja, que é preciso fazer o que sempre foi
feito neste País e que não deu certo.
Então, o que o governo tem de garantir é o aumento da poupança
interna, mais investimento do Estado, mais junção entre empresa privada e
pública, mais capital externo para investir no setor produtivo. Para
tanto, é indispensável dar continuidade à ascensão dos mais pobres.
Porque é isso que também vai garantir a ascensão do Brasil no mundo
desenvolvido, com alto padrão de qualidade de vida, renda per capita de
20 mil, 30 mil dólares, e até mais. O Brasil não pode parar agora. Está
tudo mais difícil, mas temos agora o que a gente não tinha há cinco
anos, vamos contar com o pré-sal daqui a pouco.
CC: Temos um agronegócio muito exuberante, muito produtivo e
competitivo: é possível mobilizar essa capacidade para estimular a
indústria de equipamentos agrícolas?
Lula: Nós já temos uma indústria de equipamentos agrícolas muito boa.
Quando na Presidência, cansei de discutir com empresários que feiras de
agronegócio nós precisamos é fazer na Argentina, no México, Nigéria,
Angola, Índia. Temos de mostrar nossa capacidade nos outros mercados.
Esta é uma área na qual o Brasil está pronto, não só porque tem
conhecimento tecnológico, mas também porque tem capacidade de área
agricultável, terra, sol e água. Sem a vergonha de dizer que exportamos
commodities. Hoje, a commodity tem preço. O que nós precisamos é
produzir não só o alimento, mas a indústria de alimentos, não só a soja,
mas o óleo de soja.
CC: Permita-nos insistir: como vencer as resistências da elite, atiçada pela mídia?
Lula: No movimento sindical, em 1969, comecei a negociar com a Fiesp,
certamente a elite era muito mais retrógrada do que hoje. Eu lembro
quando nós constituímos a primeira grande comissão de fábrica na
Volkswagen nos anos 80, nós fomos pedir a Antônio Ermírio de Moraes a
criação de uma comissão de fábricas na sua indústria química de São
Miguel Paulista, e significava trabalhador querendo mandar na empresa
dele.
Hoje tem uma classe empresarial, mais jovem, que já compreende a
importância da negociação coletiva. Mesmo assim, permanecem setores
retrógrados. Ainda temos coronel que mata gente por este Brasil afora
por briga de terra. Nesses dias a Nissan americana não queria deixar seu
pessoal sindicalizar-se por lá mesmo e eu tive de mandar uma carta para
o presidente da empresa. Mas voltemos à mídia.
CC: A mídia nutre essa elite.
Lula: Eu certamente não sou especialista nesta questão da mídia e
nunca tive muita simpatia dos seus donos. Toda vez que tentei conversar
com eles, cuidei de explicar que ao governo não interessa uma mídia
chapa-branca, como foram no governo Fernando Henrique Cardoso. Eu não
quero isso, não quero que tratem o PT como trataram a turma do Collor
nos dois primeiros anos do seu mandato.
Agora, também é inaceitável a falta de respeito com Dilma. Se querem
falar mal, façam-no no editorial do jornal. Na hora da cobertura do
fato, publiquem o fato como ele é. Nunca liguei para o dono de mídia
pedindo para fazer essa ou aquela matéria, mas o respeito há de ter,
tanto mais por parte da comunicação, que é concessão do Estado. Respeito
à instituição, e acho que eles saíram de um momento em que lambiam as
botas da ditadura e evoluíram para o pensamento único a favor de FHC, e
contra o meu governo e contra o da Dilma, e contra a presidenta com
agressividade ainda maior.
CC: E em termos de informação?
Lula: Quando eu cito os números da educação, por exemplo, é porque
nunca foram divulgados por esta mídia. É como se houvesse a obrigação de
omitir, sem perceber que com isso se desrespeita o próprio público, que
lê, ouve ou assiste. Nem o recente Ibope eles divulgaram. Nem
comentaram a inauguração da Rodovia Norte-Sul, que passaram três anos
criticando. Há uma predisposição ao negativismo, e isso contribui para
uma desinformação da sociedade brasileira. E uma questão é ideológica,
se fosse econômica, eles deveriam ir todo dia à igreja acender uma vela
para mim, porque muitos estão quebrados e se salvaram no meu governo. Eu
estou com a alma tão leve, eu até acho normal o que eles fazem. Vem
esse metalúrgico, que a gente supunha destinado a um fracasso total, e é
um sucesso. Vem essa mulher aí, que a gente achava um poste, e ela não é
um poste. E essa mulher vai se eleger outra vez.
CC: Na verdade, o que está esmaecendo no Brasil e no mundo é o espírito crítico.
Lula: Porque interessa a uma parte da elite brasileira a negação da
política. O que vem depois é sempre pior, quando você nega a política. A
ditadura brasileira foi a negação da política. O que é muito grave,
porque, se você atravessa um momento sem nenhuma referência, sem ninguém
em condições de controlar a situação, o próprio Estado vai à deriva.
CC: Insistimos novamente: o governo não se comunica?
Lula: Vocês estão certos, não se comunica, eu tenho falado para o
Guido Mantega, para a Dilma: vendo como está o mundo hoje, a cada dois
meses o governo tem de fazer igual uma empresa com seus acionistas, que
têm fundos de pensão. Ou seja, você tem de fazer viagens e convencer o
fundo de que a sua empresa é rentável e vale a pena investir. Então, a
cada dois meses o governo brasileiro tem de ir a Nova York, não para
falar com aposentados brasileiros, mas com o investidor.
Já falei co m o Itamaraty, com Bradesco, Santander, todos se dispõem a
articular os maiores debates brasileiros para mostrar ao mundo
realizações e potencialidades. A Petrobras tem de viajar a cada 30 dias
para onde tem investidor. Não podemos ficar por conta de um jornalista
inglês que copiou matéria de um jornalista que vive no Rio de Janeiro e
fica procurando matéria em jornal para se inspirar.
O Brasil precisa reconhecer enquanto vira a sétima economia mundial
com viés de ser a quinta, que lá fora já não se fala bem da gente. José
Luis Fiori escreveu um artigo comparando Brasil e México para acabar com
o complexo de vira-lata de quem fala que o Brasil está pior que o
México. O que o México tem melhor que o Brasil? Eu quero que o México
fique cada dia mais rico, mas a comparação com o Brasil é inadequada,
porque o Brasil é maior que o México em tudo.
Dias atrás, estava aqui com meu amigo Gerdau e perguntei: como está o
setor siderúrgico? E ele: não está muito bem. Perguntei: quanto é que
você está ganhando no Brasil? Somente aqui, respondeu. Perguntem para o
Josué Gomes da Silva, da Coteminas, onde ganha dinheiro? No Brasil. O
mercado interno brasileiro é uma bênção de Deus que a elite não sabia
existir, eles nunca imaginaram que podíamos ultrapassar os 35 milhões de
consumidores.
CC: Que chances há de mudar essa falha do governo?
Lula: Não é fácil, eu sei o que foram meu primeiro e segundo
mandatos. Tenho dito com a Dilma que não tem de dar ouvidos a quem fala
que gastamos muito com publicidade. Eu acho que, se foi anunciado um
programa hoje, e no segundo dia não houve repercussão, vai em rede
nacional. O governo tem de dizer o que a mídia não divulgou, porque se
não disser, o silêncio se fecha sobre o fato. Dois dias de tolerância, e
coloca um ministro em rede nacional, não precisa ir a presidenta todo
dia. Mas não fiquemos nisso.
O Marco Regulatório tem de ser compreendido. Não é censura, queremos é
fazer valer a Constituição de 88, tanto mais quando entram em cena
Facebook e companhia, eu nem sei o nome de tudo. Existe Marco
Regulatório de 1962. O Franklin Martins foi feliz ao observar: “Em 62, a
gente tinha mais televizinhos do que televisores”.
Eu lembro que menino ia à casa do vizinho ver televisão, a gente só
podia sentar no chão, o sofá era do dono da casa e ele ainda pisava no
dedo da gente. Para assistir luta livre, tinha de gastar dinheiro no
bar, o dono cobrava. Hoje acontece essa revolução tecnológica e você não
quer discutir sua regulamentação? Então, o Marco Regulatório e a
reforma política são dois temas de ponta que o PT tem de assumir. Temos
de convocar uma Constituinte própria para fazer uma reforma política.
CC: O que seria esta Constituinte própria?
Lula: Não se destinaria a elaborar uma nova Constituição, e sim
discutir a reforma política, exclusivamente. O Congresso tem de aprovar a
ideia do plebiscito, e na convocação você diz o que é. E aí, não faltam
recursos jurídicos para adotar a nomenclatura adequada. É insuportável
governar com o Congresso tomado por tantos partidos. É preciso ter
critério para organizar um partido, tem de haver cláusula de barreira.
CC: Este problema não resulta do fato de que os partidos brasileiros
nunca foram o intermediário necessário entre a nação e o governo?
Lula: o Brasil não tem tradição de partido nacional, a tradição são
tribos locais, com caciques regionais. Depois do PCB, o PT tornou-se o
único partido nacional, cuja atuação partidária a direção decidia. Mas o
PT erra quando começa a entrar na mesmice dos outros partidos. Erra
quando usa a mesma prática dos outros partidos. Eu não quero voltar às
origens, briguei a vida inteira para ser classe média e agora vou voltar
a brigar. O PT, tem que saber, criar esse partido não foi fácil. Lembro
de alguém que vendeu uma cabrita, que dava leite para amamentar o
filho, para legalizar o PT. E até hoje há gente que anda três, quatro
dais de canoa para participar de uma convenção. A gente não pode
permitir que meia dúzia de pessoas deformem esse partido, ele é muito
grande. É um partido que o próprio povo dirige. Não é uma coisa simples,
nós temos de valorizar isso. Já disse na convenção do PT: quero ajudar o
PT a voltar ao seu leito natural. Se tem uma coisa que o PT tem de se
notabilizar é voltar à sua tradição política. É isso que dá autoridade
moral e força para a gente.
CC: Não é fácil manter a coerência na hora da coalisão…
Lula: Não é vergonha você repartir administração com outros partidos,
sempre que pastas sejam definidas na base da afinidade. A reforma
política é a briga que nós temos de ter hoje. Não acho que tenha de ser
da Dilma. Ela é candidata, acho que a briga tem de ser de todo o
partido. O Rui Falcão tem sido de grande valia nessa luta. Agora vou
fazer campanha pelo Nordeste, essa é a contribuição que me cabe no
momento. E, se eu fosse o governo, ficaria ouvindo todo programa de
rádio, de televisão, e o que não for verdade, pedir direito de resposta.
Utilizar a internet e não ficar chorando “a Globo não me dá espaço”. A
gente tem outros instrumentos para dizer o que quer. Estou muito
disposto, física e psicologicamente, para rodar o Brasil.
CC: A campanha, assumir os palanques…
Lula: Assumir os palanques. Estarei com Dilma onde ela achar
conveniente estar. Preciso tomar muito cuidado, porque haverá na base
aliada interesses de que eu não vá, porque a Dilma não pode ir, ela é
candidata e da base aliada, mas eu tenho compromisso com o meu partido.
Eu sei que isso vai ser um problema, a gente vai ter de conversar e
negociar muito.
Estou feliz, sabe por quê? Eu sempre achei que quem deixa a
presidência fica pensando: como eu estarei daqui a algum tempo? Porque
as pessoas vão esquecendo, você vai perdendo importância. Eu lembro que
em 2002, 2006, ninguém queria o FHC no palanque. Nem Serra colocou. Em
2010, Serra me apresentou como amigo dele e não colocou o FHC. Então, eu
me sinto feliz, eu estou bem, eu ainda tenho consciência de que sou uma
pessoa importante na política brasileira, e como tal direi que Dilma é a
pessoa mais talhada para cuidar do Brasil.
CC: E essa história que a imprensa criou do “Volta Lula”?
Lula: O “Volta Lula” começou já na época que eu era presidente,
quando pediam o terceiro mandato. Eu, graças a Deus, aprendi a ter
responsabilidade muito cedo. E aprendi que, ao aceitar o terceiro
mandato, por me achar insubstituível, poderia permitir que outros também
achassem, com a possibilidade de alguém, algum dia, tentar o quarto.
Não é prudente brincar com a democracia. Cumpri meus dois mandatos, saí
cercado pelo carinho do povo. Se, em algum momento, tiver de voltar,
posso daqui a 4 anos. Mas não é a minha prioridade. Estarei então com 72
e acho que tem de ser gente mais jovem, com mais vigor físico e
capacidade de administração. Mas em política a gente não pode dizer que
não, nem sim. Nunca me passou pela cabeça voltar.
Em todo caso, minha relação com a Dilma é muito forte, e de muito
respeito e admiração pelo caráter dela. Bem formada ideologicamente e
muito leal. Nunca iria disputar sua candidatura. Não faltou quem
quisesse minha volta, mas quando o Rui Falcão botou em votação, deixei
claro: “Quero que saibam, sou candidato a cabo eleitoral da companheira
Dilma Rousseff para o segundo mandato à Presidência da República”.
CC: E quanto aos adversários?
Lula: Conheço o Eduardo Campos, é meu amigo, gosto dele
profundamente. Conheço o Aécio, ele não tem a mesma firmeza ideológica
do Eduardo, tem outro compromisso, é um representante mais afinado com a
elite. Mas a Dilma é a mais preparada. Fico triste que não conseguimos
construir algo capaz de manter o Eduardo Campos junto da gente. Mas era
destino.
CC: E a Marina?
Lula: Eu gosto muito da Marina, como figura humana. Foi minha
companheira no PT por 30 anos, tenho por ela um carinho muito grande,
mas acho que, de vez em quando, comete equívocos na análise política
dela, meio messiânica. Imaginei-a candidata e agora entra de vice. Nisso
não consigo entender a Marina. Mas não confundo relação de amizade com a
minha decisão política. Tenho amizade com o Aécio mais formal do que
com o Eduardo e sua família.
CC: Dilma ganha no primeiro turno?
Lula: A ganhar no primeiro turno por 51% a 49% prefiro ganhar no
segundo turno, com 65% a 35%. Reeleição é sempre muito difícil, mas no
segundo turno você pode consolidar um processo de alianças com a
coalisão e você é eleito com mais desenvoltura, e também permite fazer
um debate mais profundo. No primeiro turno todo mundo fala a mesma
coisa, promete tudo para o povo. Eu acho que a Dilma está tranquila. Se
em 2002 a esperança venceu o medo, acho que agora a esperança e a
certeza do que pode ser feito pode vencer o ódio.
CC: A campanha será sangrenta?
Lula: Pelas características dos candidatos, acho que não. De resto, o
resultado de uma campanha não define apenas vencedor e derrotados, é o
grau de politização da sociedade, é o gosto pela política, é perceber
que durante a campanha os candidatos aprenderam alguma coisa e deram um
salto de qualidade. Quando disputei com o Serra, nós tivemos uma
campanha mais civilizada do que com o Alckmin. Ele se apresenta como
cidadão refinado, mas foi de extrema agressividade.
CC: Qual seria o adversário mais provável para o segundo turno?
Lula: Eu acho que, em um segundo turno, será tucano. O PSDB tem base
partidária mais organizada, governam São Paulo, Paraná, alguns estados
importantes no Nordeste, e tem mais tradição de palanque. Já o PSB tem
pouco palanque estadual, a campanha do Eduardo vai ser mais difícil do
que em 1989.
CC: E o Padilha, candidato petista em São Paulo?
Lula: O Padilha é um daqueles fenômenos. Eu disse outro dia em
Sorocaba ao Padilha: “Depois de quem o precedeu, Arruda Sampaio,
Suplicy, Dirceu, Marta, Genoino, Mercadante, você é o melhor candidato
de todos nós, o mais alegre, o mais simpático, sua capacidade de
comunicação com o povo é fantástica, unificou o partido”.
Mas é uma campanha difícil. Primeiro, porque os tucanos têm uma base
sólida em São Paulo, e há conservadorismo no estado e isso dá quase uma
garantia. Não sei se Paulo Skaff vai ser candidato, há dois anos que faz
campanha não como candidato, mas como presidente da Fiesp. Agora o
desafio para o PT é ter os votos que o partido tem habitualmente na
cidade, todas as eleições.
CC: Fale da central de boatos a respeito do seu filho Fábio.
Lula: Ao mesmo tempo que sou defensor intransigente da liberdade que
temos na internet, acho que somos vítimas dessa liberdade, porque o
cidadão entra no seu quarto, seu escritório, e fala a besteira que
quiser. Há muito tempo vêm denúncias, outro dia mostraram a sede da
Esalq e disseram que era a casa do meu filho, outro dia ele era dono da
Friboi, um dia desses ele estava fazendo negócios, inventaram que ele
tem um jato.
Conseguimos detectar o paradeiro de dez pessoas, uma era do Instituto
Fernando Henrique Cardoso, filho do ex-ministro Graziano. Os envolvidos
foram acionados, um veio prestar depoimento, disse: “Mas eu sou eleitor
do Lula, eu só citei, não sabia se era verdade, mas coloquei”. Muitos
pedem desculpas. O Graziano veio aqui também.
Quando, muito tempo atrás, eu fui contra a invasão do Afeganistão
pela então URSS, diziam que eu era da CIA, depois eu era visto pela
direita como o cara do Partidão. Isso me permitiu continuar percorrendo o
caminho do meio. Mas vale acentuar que nós chegamos à excrescência da
excrescência do comportamento humano. Um dia desses eu vejo O Que Sei de
Lula, um livro. O autor não conviveu comigo um único segundo para
escrever a orelha do livro. Fico pensando: o que faço com um cidadão
desse? Acabo percebendo que o melhor é a desmoralização pela mentira. O
Romeu Tuma Jr. não merece o comportamento do pai dele. O pai dele foi um
cidadão digno. Quando a minha mãe estava para morrer, ele, meu
carcereiro, me deixava sair da cadeia às 2 da manhã para visitá-la.
Então, quando um cidadão conta uma mentira dessa, o que fazer?
Processar? Acho que falta um pouco de senso de responsabilidade no
comportamento das pessoas. De verdade, falta reconstruir a estrutura
social da família. Quando eu era pequeno, tinha vontade de comer uma
maçã embrulhada em papel azul, e ficava diante da barraca olhando e
olhando, e sabe por que eu não pegava e não saía correndo? Para não
envergonhar a minha mãe. Ela era a minha referência de comportamento.
CC: Mas uma política social que conseguisse alcançar certo grau de
igualdade, isso não recriaria automaticamente valores perdidos?
Lula: Há todo um conjunto de fatores viáveis, não concordo com
diminuir a idade penal e colocar mais polícia na rua para coibir a
violência. Isso não vai funcionar. Eu acho que, se houver mais gente na
escola e mais gente trabalhando, vamos caminhar no rumo certo.
CC: Seria correto dizer que há uma concepção errada da polícia num
Estado democrático. Trata-se de instituição absolutamente necessária,
mas muito maltratada, porque ela não é para reprimir, é para prevenir.
Será que não vivemos uma crise institucional dos poderes que haveriam de
constituir um Estado moderno?
Lula: Quando a gente fala em reforma, precisamos reformar também o
Poder Judiciário. É tudo muito lento. Mas a Justiça pede por uma
reforma, porque é justo exigir mais competência, é preciso ter mais
estrutura para chegar a um cargo na Justiça. Quanto à polícia, tenho uma
observação.
A nossa polícia sabe que em muitos casos o crime organizado está mais
preparado do que ela. Todo ser humano tem medo. Há casos em que o
policial tira a farda para ninguém saber que ele é policial. Ele vai
trabalhar com um pouco de medo, e o medo faz você mais violento. Se você
aborda o suspeito, já de revólver em punho, caso este reaja, você puxa o
gatilho.
Como é que você resolve isso? Nós cometemos um erro na Constituição,
que foi dar muita autonomia aos estados para que sua polícia se
desvincule com muita autonomia da PM. Dá a impressão de que os estados
saberiam lidar com a criminalidade, mas na prática muitos estados ficam
reféns da própria polícia. Primeiro, seria preciso que os policiais se
formassem por cursos de inteligência, assim como se formam em tiro ao
alvo e arte marcial. Segundo, é preciso pagar melhor. Acho que, no caso
da organização da polícia, o problema está na Constituição de 1988. Nas
Forças Armadas, nós liberamos 7 mil, 8 mil fardados por ano, que
poderiam ser chamados diretamente para a polícia. Mas não, têm de
prestar concurso. É preciso rediscutir a respeito. Sem deixar de partir
do pressuposto de que nenhum governador quer abrir mão do controle da
polícia. Decisivo seria definir o papel de cada um. Porque, quando um
governador prende um bandido, ele gosta de aparecer na televisão, mas,
quanod ele não prende, o governo federal é o culpado. Essa ponderação
explica-se a outros campos. A educação. Quem é que cuida? O governo
federal, estadual ou prefeitura? E no ensino técnico? Saúde? Nós
precisamos definir tudo isso.
Temos de repactuar os entes federados. Construir um pacto federativo,
não só a partir da discussão financeira, mas também de acordo com a
responsabilidade de cada um. Penso que no segundo mandato a Dilma terá
de fazer coisas novas, é importante promover debates que ainda não foram
feitos. Só se fala em política tributária. Eu tentei implementar duas
vezes, ninguém quis. Dilma tem de fazer um esforço muito grande para
destravar este país.
CC: Até que ponto o senhor pode influenciar Dilma na escolha dos futuros ministros?
Lula: Eu não quero influenciar a Dilma. Faço política por uma
transferência de confiança. Eu confio na Dilma. Se for eleita, vai fazer
suas escolhas, vou torcer para dar certo. Se achar que ela está errada,
vou dar uns palpites. Se em algum momento ela resolver discutir comigo
alguns nomes, eu também não terei dúvidas em ajudá-la.
CC: Digamos que a presidente não queira ouvir ninguém, quem quer que seja.
Lula: Não existe isso.
CC: Admitamos uma sugestão não solicitada: “Este cara é muito bom”.
Lula: Vamos supor que a Dilma seja eleita e eu resolva indicar o
Belluzzo. E ela falasse “não”. O que iria acontecer? Ia ficar um
arranhãozinho na nossa relação de amizade. Daí eu preferir não indicar. É
mais saudável, nem eu nem ela teremos decepções. Agora, se o partido
vier discutir comigo quais nomes vai indicar, eu direi o que acho a
respeito. Com ela, não. A não ser que a escolha me pareça absurda e
então não hesitarei: “Este é problema”.
CC: Como analisar o avanço na relação dos BRICS?
Lula: Neste mundo globalizado a gente tem de procurar parceiros.
Acabou o tempo em que o mundo pobre esperava tudo da Europa e dos
Estados Unidos. Então, eu penso que o Brasil tem de fortalecer as suas
relações. Eu sou da tese de que a gente tem de criar um colchão de
proteção do Brasil em suas relações externas, do ponto de vista
estratégico, do ponto de vista da segurança, econômico, do ponto de
vista estratégico do desenvolvimento científico-tecnológico. Porque quem
já tem não quer repartir com a gente.
Por isso o Brasil há de fortalecer cada vez mais sua participação,
sobretudo na América do Sul. E ter aqui, na América do Sul, algo muito
forte na área do comércio e da interação das nossas empresas. Ter
empresas fortes e bancos de desenvolvimento fortes. O BNDES tem de arcar
com um papel mais importante e a gente tem de construir o Banco Sul.
Acho que temos de fazer o mesmo com a África, porque agora, no século
XXI, a África dará um salto de qualidade. E com os BRICS, precisamos
tomar decisões políticas.
Nós somos uma espécie de pêndulo do planeta, então não podemos ficar
dependendo do dólar para fazer negócio. Temos de construir, e não
esperar que o mundo construído no século XIX, no começo do século XX,
venha nos salvar. Nós podemos fazer a diferença. Eu acho que esse acordo
da Rússia com a China, esse negócio do gás, foi um tapa de pelica na
cara da Aliança do Atlântico.
Acho que os BRICS devem funcionar como uma espécie de segurrança na
relação de cinco economias importantes. Por que eu falo isso? O
Mercosul, quando cheguei à Presidência, não valia nada. A Alca é que
estava na moda. Nós não implantamos a Alca e o Mercosul passou de 10
bilhões para 49 bilhões de fluxo de comércio exterior. A América do Sul
não valia nada, o Brasil não conversava com ninguém, ninguém conversava
com o Brasil.
CC: Não é de interesse da elite que esses dados apareçam.
Lula: O Brasil é o primeiro produtor, e primeiro exportador, de carne
processada, suco de laranja, tabaco, o segundo de soja. Tudo que você
imaginar, o Brasil está entre os cinco do mundo. Vamos gostar deste
País!

Pescado do Blog O Cafézinho
Disponível em: (http://luizmullerpt.wordpress.com/2014/06/01/lula-em-entrevista-a-carta-capital-midia-lambia-as-botas-da-ditadura/). Acesso em: 02/jun/2014.
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