03/mai/2014...
Cristovam Buarque
Adoção federal
Quando um município não tem condições de oferecer boa escola, União fecha os olhos
Quando um banco entra em crise, o Banco Central intervém para evitar a
falência; quando a segurança de uma cidade entra em crise, o governo
federal aciona a Guarda Nacional; quando a saúde fica catastrófica,
importam-se médicos; quando uma estrada é destruída por chuva, o governo
federal auxilia o estado; mas quando um município não tem condições de
oferecer boa escola a suas crianças, o governo federal fecha os olhos,
porque isso não é responsabilidade da União. Limita-se a distribuir, por
meio do Fundeb, R$ 10,3 bilhões por ano, equivalente a R$ 205 por
criança ou R$ 2 a cada dia letivo.
A boa educação de uma criança,
assumindo um bom salário para atrair os melhores alunos das
universidades para o magistério, em boas e bem equipadas novas escolas,
todas em horário integral, custaria R$ 9.500 por ano, por aluno. Das
5.564 cidades brasileiras, a receita orçamentária total não chega a R$
9.500 por criança em idade escolar. Se considerarmos os gastos fixos e
custeios da administração municipal, nenhuma de nossas cidades teria
condições de oferecer educação de qualidade a suas crianças.
Para
mudar tal panorama, o país tem dois caminhos: deixar que o futuro de
nossas crianças dependa de alta renda de sua família ou responsabilizar a
União pela educação dos filhos do Brasil.
As cidades que não têm
condições de oferecer uma boa educação para seus filhos apelariam ao
governo federal e este adotaria as escolas dessas cidades, respeitando
todos os acordos federativos, todos os direitos dos municípios, mas
também os direitos de todas as crianças do Brasil, independentemente da
cidade onde moram.
Antes mesmo de uma Lei de Adoção Federal ser
aprovada, quem sabe um ou outro prefeito não toma a iniciativa de ir ao
governo federal e dizer: “Presidente, não tenho condições de oferecer a
educação que minhas crianças merecem como qualquer criança brasileira.
Por isso, peço que o governo federal adote as escolas da minha cidade”.
Para
isso, o caminho é uma carreira nacional com elevados salários e
elevadas responsabilidades, com estabilidade submetida a avaliações
periódicas, em edificações bonitas e confortáveis com os mais modernos
equipamentos, em horário integral.
Lamentavelmente nem todos os
prefeitos teriam este gesto de responsabilidade para com suas crianças.
Muitos vão preferir continuar sem condições de pagar bons salários,
enfrentando greves periódicas que terminam com mínimos aumentos de
salários e imensas perdas pedagógicas. Mas, se de repente, muitos
despertassem e colocassem os interesses de suas crianças acima de tudo, o
governo federal poderia definir critérios para selecionar aos poucos as
cidades que seriam adotadas.
Na medida em que este caminho fosse
dando certo, em 20 ou 30 anos veríamos todas as crianças brasileiras
serem tratadas como brasileiras, em vez de municipais, como hoje. O país
teria um sistema de qualidade e com qualidade igual na educação de suas
crianças, quebrando o muro do atraso e o muro da desigualdade que nos
caracterizam.
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