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A judicialização da politica é um risco para a democracia
A entrevista abaixo foi publicada no site da OAB.
Março/2014
A judicialização da politica é um risco para a democracia
Postado em 11 mai 2014
A entrevista abaixo foi publicada no site da OAB.
Março/2014
‘A despolitização da democracia dá lugar à juristocracia’
Em sua tese de doutorado pela Universidade de São Paulo, a filósofa
Maria Luiza Quaresma Tonelli analisa a judicialização da política e a
soberania popular e expõe sua preocupação com a redução da democracia ao
Estado de Direito. Para ela, isso significa que a soberania popular
passa a ser tutelada pelo Poder Judiciário, cristalizando a ideia de que
a legitimidade da democracia está sujeita às decisões dos tribunais
constitucionais. Os cidadãos são desresponsabilizados de uma
participação maior na vida política do país; nesse contexto,
estabelece-se o desequilíbrio entre os poderes e generaliza-se uma
percepção negativa da política e até a sua criminalização, alerta.
PATRÍCIA NOLASCO
PATRÍCIA NOLASCO
O Brasil vive uma situação de judicialização da política?
Maria Luiza Tonelli – Sim. É um processo que vem desde a promulgação
da Constituição de 1988. A Constituição é uma carta política da nação,
mas a nossa foi transformada numa carta exclusivamente jurídica. Isso
significa que a soberania popular passa a ser tutelada pelo Poder
Judiciário, cristalizando a ideia de que a legitimidade de qualquer
democracia decorre dos tribunais constitucionais. Ora, decisões
judiciais e decisões políticas são formas distintas de solução de
conflitos. Por isso o tema da judicialização da política remete à tensão
entre a democracia e o Estado de Direito. A judicialização da política
reduz a democracia ao Estado de Direito, e estamos percebendo que
alcançou patamares inimagináveis. Nesse contexto, em que vigora a ideia
conservadora de que a democracia emana do Direito e não da soberania
popular, a criminalização da política é consequência da judicialização.
Isso é extremamente preocupante, pois generaliza-se uma ideia negativa
da política.
A senhora diz que as condições sociais na democracia brasileira
favorecem a judicialização. Como isso se dá e como afeta a soberania
popular e o equilíbrio dos poderes?
Maria Luiza – A judicialização da politica não é um problema
jurídico, é político. Tem várias causas, mas é no âmbito social que tal
fenômeno encontra as condições favoráveis para a sua ocorrência. Vivemos
em uma sociedade hierarquizada e, em muitos aspectos, autoritária.
Nossa cultura política ainda tem resquícios de conservadorismo. O Brasil
foi o último país do continente americano a abolir a escravidão.
Trezentos e oitenta e oito anos de trabalho escravo. Passamos pela mais
longa das ditaduras da América Latina. Vinte e um anos de um Estado de
exceção no qual a tortura era uma política de Estado. Não é por acaso
que a sociedade brasileira se esconde por trás do mito da democracia
racial e nem se escandaliza com as torturas ainda hoje praticadas nas
delegacias e nas prisões. Em uma sociedade pouco familiarizada com a
ideia de respeito aos direitos humanos fica fácil convencer as pessoas
de que a solução para os problemas sociais e políticos está muito mais
nos tribunais do que na política. Isso afeta a soberania popular, pois
desresponsabiliza os cidadãos de uma participação maior na vida política
do país. A judicialização favorece o afastamento da política nas
democracias afetando o equilíbrio dos poderes na medida em que propicia a
invasão do Direito na política. É a soberania popular desapossada de
seu papel de protagonista na democracia, dando lugar à hegemonia
judicial. A despolitização da democracia dá lugar à juristocracia.
A defesa da ética na política utilizada como arma por setores
conservadores e da mídia para paralisar a política, já mencionada pela
senhora, estaria obscurecendo a própria noção de democracia?
Maria Luiza – O problema não é a defesa da ética na política, mas
esta última avaliada com critérios exclusivamente morais. Há uma
diferença entre a moral e a ética. Agir de forma estritamente moral
exige apenas certo grau de obediência; agir eticamente exige pensamento
crítico e responsabilidade. Obviamente que a política deve ser avaliada
pelo critério moral; ela não é independente da moral dos homens e da
ética pública, mas há critérios que são puramente políticos. Valores
políticos mobilizam para um fim; valores morais impedem em nome de uma
proibição. A política visa ao bem comum, ao interesse público. Daí que o
critério da moral não pode ser o único, pois a moral nos diz o que não
fazer, não o que fazer. Por isso, a moral pode ser utilizada por setores
conservadores e pela mídia para paralisar a política, tanto para
impedir o debate de temas polêmicos no Parlamento, como para satanizar o
adversário, transformando-o em inimigo a ser eliminado. O debate sobre a
política, reduzida ao problema da corrupção como questão exclusivamente
moral, e não política, dá margem aos discursos demagógicos e à
hipocrisia. Isso tem mais a ver com o moralismo do que com a moral ou
com a ética. Quando tudo é moral, julga-se mais a virtude dos homens
individualmente do que o valor de um projeto político ou a importância
de algumas políticas públicas, o que afeta de maneira substancial a
noção de democracia.
Dentro do processo político, como analisa as causas e os efeitos dos protestos nas ruas?
Maria Luiza – Protestos têm como causa a insatisfação. Nas sociedades
democráticas, protestar é um direito. Quem protesta quer ser ouvido e
atendido. Em um país como o nosso, que, apesar dos avanços, ainda padece
da carência de serviços públicos de qualidade, as manifestações nas
ruas podem ter como efeito uma nova cultura política de fortalecimento
da democracia. O que não podemos concordar, todavia, é que o uso da
violência numa democracia sirva de justificativa para a conquista de
mudanças sociais e políticas. O efeito pode ser o contrário. Política e
democracia não combinam com violência.
Leia mais em: (http://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-judicializacao-da-politica-e-um-risco-para-a-democracia/). Acesso em: 11/mai/2014.
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