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sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Sonegação de informações requisitadas. Questionável constitucionalidade (Cezar Roberto Bitencourt)

21 de novembro de 2013 11:09 - Atualizado em 21 de novembro de 2013 14:27
Sonegação de informações requisitadas. Questionável constitucionalidade
Uma análise a partir do art. 21 da Lei 12.850/13 (organização criminosa), que criminaliza a conduta de "Recusar ou omitir dados cadastrais, registros, documentos e informações requisitadas pelo juiz, Ministério Público ou delegado de polícia, no curso de investigação ou do processo".

Doutor em Direito Penal (Universidade de Sevilha, Espanha). Advogado e Professor Universitário.


SUMÁRIO: 1. Considerações preliminares. 2. Bem jurídico tutelado. 3. Sujeitos do crime. 4. Tipo objetivo: adequação típica. 4.1. Figuras equiparadas: apossar-se, propalar, divulgar ou fazer uso dos dados cadastrais. 4.2.  Sonegação de informações requisitadas e os crimes de prevaricação e desobediência. 4.3. Questionável constitucionalidade do afastamento do controle judicial.  5. Tipo subjetivo: adequação típica. 6. Consumação e tentativa. 7.      Classificação doutrinária. 8.  Pena e ação penal.

Lei 12.850, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal.
Art. 21. Recusar ou omitir dados cadastrais, registros, documentos e informações requisitadas pelo juiz, Ministério Público ou delegado de polícia, no curso de investigação ou do processo:
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem, de forma indevida, se apossa, propala, divulga ou faz uso dos dados cadastrais de que trata esta Lei.

1. Considerações preliminares

       Os artigos 15 a 17 da Lei 12.850/13 disciplinam os limites, os meios e a forma que as autoridades repressoras (delegado de polícia, juiz e membros do Ministério Público) podem ter acesso “a Registros, Dados Cadastrais, Documentos e Informações” de todos os cidadãos, inclusive, na nossa ótica, violando o direito constitucional do sigilo das comunicações, conforme demonstramos adiante. Pois a tipificação do crime constante deste dispositivo legal objetiva reforçar a importância do atendimento das diligências encetadas pelas referidas autoridades, com a finalidade de instruir investigação ou processo criminal.

2. Bem jurídico tutelado

  Bem jurídico é, igualmente, a boa e regular Administração da Justiça, que, necessariamente, é atingida pelo descumprimento ou desatendimento de diligências determinadas pelas autoridades que a representam, especialmente no curso de investigações criminais, mormente naquelas relativas a crimes graves, como os eventualmente praticados por uma organização criminosa.

3. Sujeitos do crime

Sujeito ativo das condutas descritas no caput deste art 21 pode ser, em tese, qualquer pessoa, contudo, de um modo geral, será, com mais freqüência, um funcionário público que descumpre a requisição efetuada por qualquer das autoridades. Com efeito, daqueles que não são funcionários públicos as autoridades referidas usam, frequentemente, outros meios processuais, mais violentos e mais agressivos, para conseguirem o que desejam. Raramente há requisição desse tipo de objeto contra os particulares.
  As condutas descritas no parágrafo único, por sua vez, configuram crimes próprios, isto é, só podem ser praticados pelas autoridades requisitantes e seus assessores que tomam conhecimento dos resultados das diligências realizadas. As demais pessoas, digamos comuns, isto é, não envolvidas oficialmente com a matéria não têm esse dever legal de fidelidade funcional.
 Sujeito passivo é o Estado, via Administração da Justiça que é, necessariamente, atingida por eventuais descumprimento ou desatendimento de diligências determinadas pelas autoridades mencionadas no tipo penal. O funcionário público (delegado, juiz ou membro do Ministério Público), ao contrário do que afirmam alguns autores, não é sujeito passivo desta infração penal, pois o funcionário age de forma impessoal em nome do Estado e, por isso, este é considerado como sujeito passivo.
     A autoridade (delegado de polícia, juiz ou Ministério Público) que eventualmente tenha desatendida sua requisição não é vítima desse crime, pois ela representa o Estado-Administração, não sofre nenhum dano ou lesão nem mesmo à sua autoridade que continua intocada e invulnerável. Na verdade, toda autoridade representa somente uma partícula operacional do Estado, que é, em última instância, o sujeito passivo dessa desobediência, que não é personalizada.

4. Tipo objetivo: adequação típica

      Este tipo penal compõe-se de dois verbos nucleares – recusar e omitir -, os quais, de forma distinta, implicam, de certa forma, em negativa ou não atendimento da exigência das autoridades mencionadas. Mas, na nossa ótica, ambos têm naturezas distintas, ou seja, no primeiro – recusar – há uma ação negativa de repulsa à requisição; no segundo – omitir – há somente uma inação, isto é, um omissão pura e simples. Vejamos nossa concepção de cada conduta:
       1) Recusar – significa não aceitar a requisição recebida, repeli-la, desatendê-la, há uma repulsa do agente à requisição, enfim, há uma ação positiva ignorando-a. Embora a conduta “recusar” implique no não atendimento da requisição recebida, não me parece que caracterize simplesmente o crime omissivo próprio, que é o simples não agir. Dito de outra forma, o crime omissivo próprio é a pura inação, isto é, a ausência de ação. A rigor, vemos na conduta de recusar uma ação negativa-positiva, qual seja, não há a pura omissão, mas uma reação negativa à requisição recebida. Nesse sentido, discordamos, venia concessa, de autores que sustentam que ambas as condutas sãoomissivas[1].
       2) omitir – significa deixar de fazer, isto é, deixar de atender a requisição recebida, configurando o autêntico crime omissivo próprio, o qual se configura quando do agente não faz o que pode e deve fazer, que lhe é juridicamente ordenado. Portanto, o sujeito ativo deixou de atender a ação requisitada pela autoridade competente, a qual tinha o dever de atendê-la e que podia fazê-lo sem risco pessoal. O sujeito ativo estaria dispensado de atender a  requisição recebida somente se, para cumpri-la, corresse risco pessoal; esse risco, se existir, não constitui mera causa justificanteou excludente de ilicitude, mas afasta direta e imediatamente a própria tipicidade.
        Trata-se de crime de ação múltipla, que tipifica condutas alternativas, assim, ainda que o sujeito ativo pratique ambas as condutas o crime será único. Contudo, o atendimento de requisição de diligências pelas autoridades competentes poderão deixar de ser atendidas por justa causa, a despeito da ausência de previsão no tipo. Assim, havendo obstáculo irremovível ou se, por ventura, houver risco pessoal para o seu atendimento, tais requisições poderão ser, justamente desatendidas, afastando sua adequação típica.
   O poder requisitório atribuído ao Ministério Público e ao Delegado de Polícia, constante do art. 15 desta Lei 12.850/13, é limitado e restrito “aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço” do investigado. Nesse aspecto é absolutamente correto. No entanto, seu âmbito de aplicação estende-se à fase investigatória preliminar e à fase processual propriamente, segundo consta deste art. 21, in fine: “no curso de investigação ou do processo”. Por outro lado, deve-se destacar que a atribuição do delegado de polícia está restrita à fase investigatória, que é o seu âmbito de atuação, ou seja, após iniciada a ação penal essa atribuição será do Ministério Público.
       Destaque-se, ademais, a diferença desta previsão daquela contida lá no § 1º do art. 2º deste mesmo diploma legal, no qual consta simplesmente: “embaraça a investigação de infração penalque envolva organização criminosa” (grifamos). Portanto, como lá afirmamos, quando o legislador quer dar maior abrangência ao âmbito de incidência do tipo penal, o faz expressamente, sendo vedado ao intérprete ampliá-lo para criminalizar conduta não contida no texto legal.
       Podem ser objeto da requisição: “dados cadastrais, registros, documentos e informações”. a)dados cadastrais – são as informações ou os dados relativos a nome, filiação, idade, formação, antecedentes, atividades desenvolvidas, trabalhos realizados, enfim, todas as informações pregressas relativos a pessoas, instituições, entidades públicas ou privadas em geral; b) registros – são anotações, apontamentos, feitos ou realizações, atividades desenvolvidas ou acontecimentos promovidos ou dos quais participou, enfim, tudo a respeito do objeto da investigação; c)documentos – que podem ser públicos (confeccionado por servidor público no exercício de sua função) ou particulares (por exclusão, que não seja confeccionado por servidor público) e que tenham idoneidade para servir de prova legitima; enfim, documento é todo instrumento que sirva de base material para registrar manifestação de vontade, incluindo-se o que passamos a denominar “documentos eletrônicos”, tais como, discos, CDs, DVDs; d) informações – são todos e quaisquer outros dados, elementos, motivos, circunstâncias, peculiaridades relativos aos objetos da investigação que possam interessar à autoridade requisitante. 
4.1. Figuras equiparadas: apossar-se, propalar, divulgar ou fazer uso dos dados cadastrais
       O parágrafo único determina que incorre na mesma pena quem, de forma indevida, “se apossa, propala, divulga ou faz uso dos dados cadastrais de que trata esta Lei”. Trata-se de mais uma previsão de crime de ação múltipla ou de conteúdo variado.
       Apossar-se significa tomar para si, apropriar-se, apoderar-se dos documentos, informações ou registros requisitados. Dito de outra forma, a previsão legal está determinando que as autoridades requisitantes não podem apropriar-se dos resultados de suas ações, dos quais são uma espécie de fiéis depositários, isto é, responsáveis pelo bom uso e proteção desse material. Aliás, esse dever de policiar esse material, de forma neutra e profissional, é complementado pelos outros verbos nucleares que os proíbe de “propalar” e “divulgar” tais resultados.
       As condutas propalar ou divulgar têm significados semelhantes e consistem em levar ao conhecimento de outrem, por qualquer meio e, no caso, indevidamente. Essa incriminação deixa claro que as autoridades requisitantes e seus subordinados têm o dever de manter em sigilo o resultado das requisições que fizerem. Embora tenham significados semelhantes, a abrangência das duas expressões é distinta: propalar limita-se, em tese, ao relato verbal, à comunicação oral, circunscreve-se a uma esfera menor, enquanto divulgar tem uma concepção mais ampla, que seria tornar público por qualquer meio, inclusive através da fala.
 Em nenhuma das hipóteses se faz necessário que um número indeterminado de pessoas tome conhecimento da divulgação ou da propalação; é suficiente que se comunique a outrem, mesmo em caráter confidencial. É desnecessário que haja um grande número de pessoas a quem sepropale, sendo suficiente apenas um ouvinte ou confidente que não seja o ofendido. Essa forma de conduta pode, afinal, acabar criando uma cadeia através da qual se amplia a divulgação ou propalação, com profunda repercussão negativa, indevida, ao ofendido, que, no caso, é o investigado.
        Embora o parágrafo único refira-se somente a dados cadastrais, consideramos que abrange também registros, documentos e informações, apenas o texto legal pretendeu não ser repetitivo.
        Andou bem o legislador, após determinar uma extraordinária invasão na privacidade individual, destaca a responsabilidade de quem fizer mau uso de todas as informações que autorizou os agentes públicos requisitarem. Embora o texto legal refira-se a “quem”, indevidamente, pratique as condutas mencionadas, destina-se, inegavelmente, as autoridades que as requisitaram, pois serão suas detentoras, e não podem e não devem delas fazer uso indevido. 
4.2.  Sonegação de informações requisitadas e os crimes de prevaricação e desobediência
  É um grande equívoco técnico-dogmático afirmar-se que o servidor público não pode figurar como sujeito ativo, pois, referindo-se a ordem recebida a funções suas poderá configurar o delito de prevaricação. Na verdade, isso não ocorre para varais razões, inclusive por que o crime de prevaricação tem suas próprias peculiaridades, além de exigir o fim especial, qual seja, “para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”, enquanto este crime não exige elemento subjetivo algum. Aliás, comentando sobre o crime de prevaricação, em determinada passagem fizemos a seguinte afirmação, verbis: “É indispensável, por fim, que a ação ou omissão do funcionário público seja praticada para satisfazer interesse ou sentimento pessoal, constituindo uma característica fundamental que distingue a prevaricação de outros crimes da mesma natureza.
 Com efeito, essa particularidade diferenciadora dos demais crimes similares foi uma introdução do grande Código Criminal do Império, reconhecido mundialmente como um dos melhores diplomas legais codificados do século XX, distanciando-se, no particular, do não menos extraordinário Código Penal francês de 1810. Com efeito, passou-se a exigir que a infidelidade funcional com descumprimento ou violação de dever funcional tivesse uma causa psicológica, que o atual Código Penal de 1940 sintetizou no especial fim de satisfazer interesse ou sentimento pessoal. No entanto, como essa satisfação de interesse ou sentimento pessoal constitui elementar subjetiva especial do injusto, vamos examiná-la mais detidamente no tópico seguinte”[2].
  Por outro lado, ainda que houvesse grande semelhança com o crime de prevaricação, este seria afastado pelo princípio da especialidade, destinando-se à situação específica, inclusive com sanções mais graves.
  Por outro lado, tampouco confunde-se com o crime de desobediência (art. 330), qual seja, “desobedecer a ordem legal de funcionário público”,            que, visivelmente, constitui crime subsidiário, cujas sanções penais são quinze dias a seis meses de detenção e multa. O crime de desobediência é tipo penal aberto, simples, objetivo e singelo. Examinando essa infração penal tivemos oportunidade de afirmar: “A conduta incriminada consiste em desobedecer ordem legal de funcionário público, que significa descumprir, desobedecer, desatender dita ordem. É necessário que se trate de ordem, e não de mero pedido ou solicitação, e que essa ordem dirija-se expressamente a quem tenha o dever jurídico de obedecê-la; deve, outrossim, a ordem revestir-se de legalidade formal e substancial. Ademais, ‘o expedidor ou executor da ordem há de ser funcionário público, mas este, na espécie, entende-se aquele que o é no sentido estrito do direito administrativo’”[3].
       Com efeito, a infração penal descrita no art. 21 deste diploma legal, é mais abrangente, mais específica e enriquecida por várias elementares normativas inexistentes no crime de desobediência, consequentemente, esta infração penal é afastada pelo princípio da especialidade.
4.3. Questionável constitucionalidade do afastamento do controle judicial
     No art. 15 está estabelecido, corretamente, que “O delegado de polícia e o Ministério Público terão acesso, independentemente de autorização judicial, apenas aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito”.
  Convém destacar que, segundo esse dispositivo legal, delegado de polícia e Ministério Público “terão acesso… apenas aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço”. Com efeito, referidas autoridades podem ter acesso,sem autorização judicial, somente aos dados cadastrais relativos “a qualificação pessoal, a filiação e o endereço”. E não mais que isso; portanto, não poderão aproveitar-se de tais dados para quebrarem sigilo telefônico, bancário ou fiscal, sem autorização judicial. Aliás, é indispensável que se criminalize condutas como essas, sendo insuficiente apenas considerar como prova ilícita, exigindo, assim, maior responsabilidade da autoridades repressoras (polícia e Ministério Público) nessas atividades investigativas.
 Quanto a esses dados não há problema, é desnecessária autorização judicial, independentemente onde tais dados se encontrem, na “Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito”. Com a disposição desses dados é suficiente para referidas autoridades localizarem e identificarem qualquer cidadão, suspeito ou não. E, para essa finalidade, é absolutamente legítimo que não necessitem de autorização judicial.
   Contudo, lendo-se os artigos seguintes, quais sejam, 16 e 17, fica-se com a impressão que a previsão do artigo 15 tem um sentido um tanto dúbio, ou seja, trazem em seu bojo uma certadissimulação objetivando desarmar os espíritos, iludindo o intérprete, para, afinal, autorizar polícia e Ministério Público a violarem as garantias fundamentais asseguradas nos incisos  X e XII do artigo 5º da Constituição Federal. Com uma leitura menos atenta, despercebe-se a existência de uma certa armadilha que referidos dispositivos encerram.
   Quanto ao disposto no art. 16, relativamente “aos bancos de dados de reservas e registro de viagens”, por cinco anos, não há, em tese, maiores problemas, desde que haja fundada suspeita para se investigar alguém, por que não deixa de ser uma violação à vida privada e a intimidade do cidadão (inciso X).
   No entanto, o art. 17 é – usando expressão do Ministro Marco Aurélio -, desenganadamenteinconstitucional, infringindo o disposto no inciso XII do art. 5º da Constituição Federal, violando o sigilo das comunicações telefônicas. Ao determinar que as concessionárias de telefonia mantenham, por cinco anos, os “registros de identificação dos números dos terminais de origem e de destino das ligações telefônicas internacionais, interurbanas e locais”. Ora, com esses dados polícia e Ministério Público violam o sigilo das comunicações telefônicas, sem autorização judicial. Só faltou dizer para fornecer os nomes dos interlocutores e o conteúdo dos diálogos, aliás, nem precisa, pois com todos esses dados identifica-se com absoluta facilidade os interlocutores.
   Enfim, para não nos alongarmos em algo tão claro, trata-se de dispositivo legal flagrantemente inconstitucional. Mais: sutilmente o texto legal evitou mencionar expressamente “delegado de polícia e Ministério Público”, e, para não chamar a atenção, substituiu essa locução por “autoridades mencionadas no art. 15”. Essas autoridades mencionadas no art. 15 receberam lá, nesse dispositivo, o direito para acessar somente “aos dados cadastrais do investigado que informemexclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço”. Só! No entanto, a previsão do art. 17 autoriza que referidas autoridades repressoras quebrem o sigilo telefônico, sem autorização judicial, em flagrante inconstitucionalidade.

5. Tipo subjetivo: adequação típica

  Elemento subjetivo é o dolo, representado pela vontade livre e consciente de recusar ou omitir requisição efetuada pelas autoridades mencionadas, total ou parcialmente. É necessário, inclusive, que o agente tenha consciência do seu dever funcional de atender a requisição recebida, ou seja, com conhecimento de todos os elementos constitutivos da descrição típica.
 Não há exigência de nenhum elemento subjetivo especial do injusto, nem mesmo a finalidade de obter qualquer vantagem com a recusa ou omissão de atender a requisição recebida, que, se existir, poderá caracterizar outro crime, como, por exemplo, corrupção passiva ou concussão. Tampouco há previsão de modalidade culposa, por mais clara que seja eventual culpa (consciente) do sujeito ativo.

6.   Consumação e tentativa

       Consuma-se o crime de recusar ou omitir o atendimento de requisição das diligências mencionadas no caput, formulada por autoridade competente. Consuma-se o crime no momento em que o sujeito ativo recusa ou omite o atendimento de requisição formulada por qualquer das autoridades mencionadas, (delegado de polícia, juiz ou Ministério Público). Consuma-se, enfim, com o simples ato de recusar ou omitir o atendimento da requisição mencionada, independentemente da ocorrência efetiva de dano a investigação ou processo em curso, que, se ocorrer, constituirá somente o exaurimento do crime.
        Consuma-se, igualmente, nas hipóteses previstas no parágrafo único, quando, qualquer das autoridades mencionadas no caput (ou mesmo sua assessoria direta), se apossa, propala, divulga ou faz uso dos dados cadastrais referidos neste dispositivo legal.
  A tentativa, na modalidade de recusar, é de difícil configuração, mas teoricamente possível, embora seja de difícil comprovação, pois se trata de ato fracionável. Na modalidade omissiva, por sua própria natureza, a tentativa é absolutamente impossível, como demonstramos quando examinamos o crime de omissão de socorro, no segundo volume de nosso Tratado de Direito Penal.
   Nas hipóteses previstas no parágrafo – se apossa, propala, divulga ou faz uso dos dados cadastrais – é praticamente impossível comprovar-se a ocorrência da figura tentada, por sua própria natureza.

7.   Classificação doutrinária

Trata-se de crime comum (que pode ser praticado por qualquer pessoa, independentemente de qualidade ou condição especial, embora seja mais comum referir-se à autoridade, que são naturalmente os destinatários de requisições das autoridades mencionadas, sendo mais raro destinarem-se aos outros cidadãos ante a existência de outras medidas processuais mais rigorosas); crimes próprios (nas hipóteses descritas no parágrafo único, na medida em que só podem ser praticadas pelas autoridades requisitantes e seus assessores que tomam conhecimento dos resultados das diligências realizadas. As demais pessoas, digamos comuns, isto é, não envolvidas oficialmente com a matéria não tem esse dever legal de fidelidade funcional); formal (que não exige resultado naturalístico, pois se consuma com a simples realização das condutas descritas no tipo penal; comissivo-omissivo (na modalidade de recusar (ação seguida de omissão); omissivo (na modalidade de omitir que representa simples inação, isto é, ausência de ação no sentido de atender a requisição recebida); instantâneo (consuma-se no momento em que o agente descumpre ou omite a requisição recebida, esgotando-se aí a lesão jurídica, sem demora entre ação e resultado); doloso (não havendo previsão da modalidade culposa) unissubjetivo (que pode ser praticado por um agente apenas); plurissubsistente (crime que, em regra, pode ser praticado com mais de um ato, admitindo, em conseqüência, fracionamento em sua execução).

8.  Pena e ação penal

 As penas cominadas, cumulativamente, são reclusão de seis meses a dois anos, e multa. Trata-se de infração de menor potencial subjetivo, da competência dos Juizados Especiais Criminais, com aplicação prioritária de penas alternativas. Além da possibilidade de adotar-se a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95). A natureza da ação penal é pública incondicionada.

[1] Guilherme de Souza Nucci. Organização criminosa… p. 96; Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto.  Crime organizado … p. 136.
[2] Cezar Roberto Bitencourt. Tratado de Direito Penal, 7ª ed., São Paulo, Saraiva, 2013, vol. 5, p.
[3] Cezar Roberto Bitencourt. Tratado de Direito Penal, 7ª ed., São Paulo, Saraiva, 2013, vol. 5, p.


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