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quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Penhora de salário e os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade (Ney Maranhão)

Publicado em . Elaborado em .

Penhora de salário e os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade

breve análise da jurisprudência brasileira à luz de aportes críticos pós-positivistas



Surge uma tendência para flexibilizar a absoluta impenhorabilidade de créditos de natureza salarial, sobretudo quando há confronto entre duas verbas salariais e a ameaça à dignidade humana está mais avivada junto ao exequente, o credor.


1. Introito


O propósito desse estudo é descortinar alguns exemplos da aplicação dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade perante a jurisprudência pátria (civil e trabalhista), mais precisamente no que diz com a flexibilização da regra do art. 649, IV, do CPC.
Busca-se analisar a questão à luz de alguns aportes críticos de fundo pós-positivista.


2. O fenômeno pós-positivista: anotações básicas


O direito está em crise. Como acentua Luís Roberto Barroso, o direito positivista vive uma grave crise existencial, na medida em que não consegue entregar com eficiência os dois produtos que fizeram sua reputação ao longo dos séculos, mencionando o renomado autor que “a injustiça passeia pelas ruas com passos firmes e a insegurança é a característica da nossa era”1. O pós-positivismo, nesse compasso, representa exatamente o anseio por um novo fôlego, a busca por uma nova perspectiva...
Rememore-se que a ascensão do jusnaturalismo está associada à necessidade de ruptura com o Estado absolutista, enquanto que sua decadência está vinculada ao movimento de codificação do direito, ocorrida lá pelos idos do século XVIII. Por outro lado, a ascensão do juspositivismo está jungida à crença exacerbada no poder do conhecimento científico (frio e calculista), ao passo que sua decadência está ligada à derrota do nazi-fascismo, no século XX. É exatamente nesse colapso de pensamentos, nessa crise de paradigmas, que o pós-positivismo, em um valioso ímpeto de superação científica, exsurgiu. Realmente, em já clássica construção textual, acentua, com propriedade, BARROSO:

“O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica e a teoria dos direitos fundamentais. (...) O Direito, a partir da segunda metade do século XX, já não cabia mais no positivismo jurídico. A aproximação quase absoluta entre Direito e norma e sua rígida separação da ética não correspondiam ao estágio do processo civilizatório e às ambições dos que patrocinavam a causa da humanidade. Por outro lado, o discurso científico impregnara o Direito. Seus operadores não desejavam o retorno puro e simples ao jusnaturalismo, aos fundamentos vagos, abstratos ou metafísicos de uma razão subjetiva. Nesse contexto, o pós-positivismo não surge com o ímpeto da desconstrução, mas como uma superação do conhecimento convencional. Ele inicia sua trajetória guardando deferência relativa ao ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as ideias de justiça e legitimidade. O constitucionalismo moderno promove, assim, uma volta aos valores, uma reaproximação entre ética e Direito”2.

Como se pode perceber, a teoria normativa dos princípios é assunto estreitamente ligado ao pós-positivismo, que os guindou ao relevante status de normas jurídicas e os colocou no privilegiado patamar constitucional3. Com isso, os princípios enfim se libertaram daquela velha ideia de que detinham apenas valia ética, passando a ostentar mesmo plena vinculatividade jurídica.
A visão pós-positivista também acarreta mudanças na área da interpretação constitucional. Nesse particular, leciona BARROSO:

“A interpretação jurídica tradicional desenvolveu-se sobre duas grandes premissas: (i) quanto ao papel da norma, cabe a ela oferecer, no seu relato abstrato, a solução para os problemas jurídicos; (ii) quanto ao papel do juiz, cabe a ele identificar, no ordenamento jurídico, a norma aplicável ao problema a ser resolvido, revelando a solução nela contida. Vale dizer: a resposta para os problemas está integralmente no sistema jurídico e o intérprete desempenha uma função técnica de conhecimento, de formulação de juízos de fato. No modelo convencional, as normas são percebidas como regras, enunciados descritivos de condutas a serem seguidas, aplicáveis mediante subsunção. Com o avanço do direito constitucional, as premissas ideológicas sobre as quais se erigiu o sistema de interpretação tradicional deixaram de ser integralmente satisfatórias. Assim: (i) quanto ao papel da norma, verificou-se que a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato abstrato do texto normativo. Muitas vezes só é possível produzir a resposta constitucionalmente adequada à luz do problema, dos fatos relevantes, analisados topicamente; (ii) quanto ao papel do juiz, já não lhe caberá apenas uma função de conhecimento, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. O intérprete torna-se co-participante do processo de criação do direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis”4.

Eis o cabedal teórico que servirá de pano de fundo para as singelas reflexões que se pretende realizar neste estudo.



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