29/jul/2013... Atualização 06/dez/2014...
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16julho2013
Novo CPC deve mudar cultura de litigância excessiva
Tramita
atualmente na Câmara dos Deputados o Projeto do Novo Código de Processo, o qual
está em fase final de discussão.
Para
além de uma discussão marcada pelo jargão jurídico tradicional, este texto
pretende analisar como o novo CPC pode facilitar o fluxo de trocas comerciais e
melhorar a vida das pessoas.
Isso
tudo colocado, podemos iniciar essa discussão focando-nos na principal matriz
que norteou a elaboração da nova legislação: a valorização dos precedentes
judiciais.
Embora
essa discussão não seja nova, e tenha sido aperfeiçoada pela chamada de
“técnica de julgamento por amostragem” do artigo 543-C do CPC atual (onde, numa
casca de noz, o Superior Tribunal de Justiça decide um caso concreto numa
demanda repetitiva ficando um entendimento a ser adotado nos casos análogos),
parece-nos que ela ficou incompleta. Afinal de contas, no Brasil continuamos a
litigar excessivamente e a nossa formação jurídica, voltada para uma cultura da
litigância, parece ainda ignorar que, com pequenas mudanças institucionais,
podemos trazer melhorias sociais significativas.
Com
efeito, o Poder Judiciário brasileiro continua assoberbado de processos dos
quais não consegue dar conta. Além disso, diante do cenário de baixo
crescimento econômico que vem sendo realizado nos últimos anos, aliado à
perspectiva de crescimento igualmente baixo para os próximos, isso certamente
refletirá na arrecadação tributária do Estado, por conseguinte, na quantidade
de repasses orçamentários para os diversos tribunais do país.
Assim,
a não ser por inovações técnicas que aumentem a eficiência da prestação
jurisdicional sem implicar aumento de despesa (como ocorre no processo
eletrônico, que certamente poupará espaço físico dos fóruns, diminuindo a
quantidade de despesas correntes com o acervo imobiliário do Judiciário) ou por
diminuição da “demanda indesejada de litigância”, dificilmente conseguiremos
manter um Poder Judiciário confiável no sentido de conferir ao país a segurança
jurídica necessária para que volte a ser um local atrativo para investimentos
consistentes. Isto é, ou melhoremos a qualidade da oferta de decisões judiciais
ou diminuamos a quantidade demandada. Para termos uma ideia da dimensão do
problema, no ano de 2011, cada ministro do STJ recebeu, em média, um processo a
cada dez minutos, enquanto julgou um a cada dezessete (nisto compreendido o
tempo necessário para a análise, para a compreensão de controvérsias e de
pretensões das partes, para a redação de decisão/voto e, eventualmente, para a
submissão do caso aos órgãos colegiados, e isto sem falar em eventuais recursos
— agravos regimentais, embargos de declaração e de divergência eventualmente
manejados pelas partes no âmbito interna corporis da própria
Corte Superior). Fica bem claro que, no atual arcabouço institucional, a oferta
do serviço jurisdicional não consegue atender a contento a sua demanda.
Diante
desse panorama, é imperioso que o Poder Judiciário não só consiga nortear as
decisões dos juízes inferiores e a vida social, mas também, que recupere o seu
crédito perante a sociedade como um todo otimizando o seu desempenho. Todavia,
não podemos esquecer que a melhoria do desempenho do Poder Judiciário não é a
salvação da lavoura, mas sim, uma das várias reformas institucionais
necessárias no Brasil para melhorias marginais no ambiente de mercado.
Pois
bem, a valorização dos precedentes constitui-se em síntese, num forma de
pensamento que procure justamente evitar que o Poder Judiciário seja
atravancado por uma série de demandas inúteis, como ocorre atualmente no
cotidiano processual.
Mas,
aqui, precisamos esclarecer o que se entende pela utilidade do precedente.
Um
precedente é necessário quanto estamos diante de um ambiente de incerteza
jurídica sobre qual deve ser a regra aplicável para uma situação de fato e as
pessoas não conseguem se entender, seja porque temos mais de uma norma jurídica
que possa ser aplicável (ao que se denomina de antinomia jurídica), seja porque
temos uma omissão sobre o caso em questão (ao denominamos de lacuna).
Além
disso, essas decisões não podem levar muito tempo para serem proferidas. É
muito comum atualmente que vários processos que discutam a mesma questão
jurídica de fundo levem aproximadamente uma década (ou mais que isso) para que
o Poder Judiciário adote uma posição a respeito. Essa demora, na prática,
inviabiliza a própria compreensão de que um precedente deve ser, assim como as
leis formais, algo a ser incorporado no cotidiano da vida das pessoas. Afinal
de contas, você, tendo que cuidar de sua vida e de seus afazeres, esperaria dez
anos para saber que decisão tomar num ambiente de incerteza jurídica?
E,
nesse cenário, o projeto do CPC inova bastante ao instituir o chamado incidente
de resolução de demandas repetitivas, onde um tribunal, tão logo seja
verificada a presença de uma “litigância em massa” para uma determinada questão
jurídica, pode desde logo (e sem que haja decisão prévia em primeira instância)
estabelecer o entendimento aplicável ao caso, vinculando os demais juízes das
instâncias inferiores para os casos futuros. Essa possibilidade de o tribunal
“chamar para si” esse julgamento — seja diretamente, seja por provação de
alguma parte, do Ministério Público etc., — certamente reduzirá bastante o
tempo mediante o qual serão estabelecidos os precedentes. E isso não está no
CPC atual.
Assim,
os precedentes judiciais devem ser estáveis e devem ser emitidos sem demora
para que possam ser compreendidos de maneira clara e precisa dentre os vários
atores sociais. Isso, por sua vez, permite uma maior eliminação das dúvidas
sobre quem deve ser o titular de um direito numa situação de conflito tende a
diminuir o problema de subinvestimento, pois as pessoas poderão trabalhar com
uma maior margem de segurança no seu processo de tomada de decisões, uma vez
que já saberão como os juízes decidirão sobre um dado ponto. Isso é, uma
alocação mais clara de direitos por meio precedentes é algo socialmente mais
eficiente que o cenário de indefinição jurisprudencial (seja pela ausência de
precedentes, seja pela presença de precedentes antinômicos), pois cria um
ambiente mais propício para trocas e para uma cultura de mercado, que
historicamente (e apesar de todas as suas falhas) revelou-se como o arranjo
mais notável de desenvolvimento do bem-estar humano e da qualidade de vida das
pessoas.
Enfim,
o ordenamento jurídico, para que possa servir como instrumento de
desenvolvimento e para a melhoria das pessoas, deve assegurar que o cidadão
comum não tenha sua liberdade e seus bens confiscados arbitrariamente. Isso é
condição essencial de existência de qualquer sociedade que pretenda se inserir
num círculo virtuoso de desenvolvimento. E isso não é assegurado apenas pela
lei em sentido formal, mas também pelos precedentes judiciais que eliminam
dúvidas que possam ocorrer sobre a aplicação das próprias leis e proteger o
cidadão contra investidas oportunistas de grupos extratores de renda. É a
segurança ofertada pelas instituições e a confiança por elas inspirada que, ao
fim a ao cabo, criam um ambiente mais favorável para a efetivação de contratos
e proteção de direitos de propriedade e são o fator determinante para se
entender a discrepância entre os níveis de desenvolvimento da África subsaariana
e os países do Atlântico Norte.
Para
se ter uma ideia do risco que a indefinição pode acarretar, vejamos a seguinte
situação: um determinado produtor de soja vendeu, em 2003, a sua produção para
a safra de 2004 a um determinado intermediário, fixando o preço para o mercado
futuro no valor de US$ 100 a saca. Em 2004, percebeu-se que, na bolsa de
Chicago, onde tal commodity é negociada, o seu valor chegou a US$ 120,00 a
saca. O produtor agora requer judicialmente o desfazimento do negócio sob o fundamento
de que essa valorização seria algo “extraordinária” e “imprevisível”.
Enfrentando a questão, alguns tribunais brasileiros entenderam para procedência
dos pedidos de resolução contratual. Como consequência de tais precedentes, o
mercado de compra antecipada de soja ficou comprometido durante algum tempo,
pois vários dos potenciais adquirentes ficaram hesitantes em realizar tais
pactos em virtude do risco adicional criado pelo cenário de insegurança
jurídica de tais precedentes. Felizmente, o STJ, após alguns precedentes em
sentido contrário, entendeu que a variação do preço da saca da soja ocorrida
posteriormente à celebração do contrato não se consubstancia acontecimento
extraordinário e imprevisível, inapto, portanto, à revisão da obrigação com fundamento
em alteração das bases contratuais.
Assim,
um processo judicial será útil quando servir para contribuir para a formação de
um precedente judicial que elimine (ou pelo menos, diminua) o ambiente de
incerteza normativa acima descrito. Por outro lado, ele será socialmente inútil
quando não servir para a formação de um precedente, uma vez que, nesse caso,
consistirá apenas num custo perdido para a sociedade sem qualquer
contrapartida, especialmente tendo em vista que, nesse último caso, as partes
certamente tinham informações simétricas em relação ao padrão de decisão do
Poder Judiciário e poderiam, assim, celebrar um acordo para prevenção de
litígios.
E é
justamente dentro desse contexto que esperamos que o novo CPC traga as suas
inovações socialmente mais benéficas e que o Brasil, com o tempo, mude a sua
matriz cultural de uma litigância excessiva para um padrão de litigância mais
“selecionada”, onde a formação do operador se volte muito mais para
identificação de possibilidades de composição do que para a apresentação de uma
petição perante o Poder Judiciário como solução prioritária para uma situação
de conflito.
Alexandre Freire é
doutorando em Direito Processual Civil pela PUC-SP, mestre em Direito
Constitucional pela UFPR, pesquisador do Núcleo de Processo Civil da PUC-SP,
professor da pós-graduação em Direito Processual Civil da PUC-RJ, professor da
Pós-graduação em Direito Processual Civil da USP (FDRP), professor da Escola
Paulista de Direito-EPD, professor convidado da Associação dos Advogados do
Estado de São Paulo-AASP, professor da Escola Superior de Advocacia da OAB-SP,
membro do IBDP.
Bruno Dantas é
conselheiro e presidente da Comissão Permanente de Articulação Federativa e
Parlamentar do Conselho Nacional de Justiça. Consultor do Senado Federal,
doutorando em Direito Processual pela PUC-SP, mestre em Direito Processual
Civil pela PUC-SP, professor do IDP-DF e membro das comissões de juristas
encarregadas de elaborar o anteprojeto do Código de Direito Processual Civil e
do Código de Direito Empresarial. Secretário-geral e fundador da Academia
Brasileira de Direito Processual Constitucional.
Leonardo Albuquerque Marques é advogado da União, mestre em
Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) –
2010; doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;
membro associado da Associação Brasileira de Direito e Economia; e Diretor de
Comunicação da Associação Nacional dos Advogados da União.
Revista Consultor Jurídico, 16 de julho de 2013
Disponível em: (http://www.conjur.com.br/2013-jul-16/codigo-processo-civil-mudar-cultura-litigancia-excessiva). Acesso em: 29/jul/2014.
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