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sexta-feira, 26 de julho de 2013

A Sucessão dos Bens Particulares na Comunhão Parcial (José Carlos Teixeira Georgis)

25/julho/2013

A Sucessão dos Bens Particulares na Comunhão Parcial


Autor:
GIORGIS, José Carlos Teixeira
1. O Código Civil adotou os seguintes regimes de bens para o casamento: a) comunhão universal, na qual se comunicam todos os bens havidos antes ou depois do matrimônio, salvo exceções (bens doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade, gravados com fideicomisso, dívidas anteriores, doações antenupciais e as demais hipóteses do art. 1.668); b) separação de bens (legal), na qual não se comunicam nem os bens anteriores, nem os posteriores ao matrimônio, pertencendo sempre ao seu titular no registro (art. 1.641); c) comunhão parcial, na qual se comunicam os aquestos, ou seja, bens havidos durante o casamento, salvo, entre outras hipóteses, os bens que lhe sobrevierem, na constância do casamento,por doação ou sucessão, e os que forem sub-rogados em seu lugar (art. 1.659, I); d) separação de bens (convencional), na qual os cônjuges estipulam por escritura o destino dos bens (pacto antenupcial); e o novel regime da participação final nos aquestos, na qual há um regime de separação durante o casamento e outro de comunhão parcial em caso de separação ou divórcio, regime complexo, pouco adotado.
2. Também estabeleceu, mas agora no livro das sucessões, uma ordem de vocação hereditária, ou seja, uma ordem para a herança (lembre-se: num espólio há de distinguir-se a meação - direito patrimonial resultante da comunhão pelo casamento - e a herança, ou seja, direito sucessório, a que têm acesso os herdeiros, na seguinte ordem: 1º, os filhos; 2º, os pais; 3º, o cônjuge sobrevivente, caso faltem algum dos dois primeiros; 4º, os colaterais - irmãos, sobrinhos, tios, etc. -, caso faltem os três primeiros; e, não havendo herdeiros, os bens tocam ao Estado ou Município, como herança jacente.
3. Todavia, ainda no direito sucessório, o Código criou uma polêmica doutrinária, por má redação, quanto ao direito hereditário do cônjuge (não se trata da meação) ao bem particular havido por doação ou sucessão.
Assim, nos regimes da comunhão universal e da separação legal, nas quais o cônjuge já tem sua meação ou bens em seu nomenão tem direito à herança, salvo se não existirem descendentes ou ascendentes, concentrando-se o direito inteiramente nele, pois é o 3º vocacionado na ordem hereditária.
Mas a questão controvertida convergiu para o regime da comunhão parcial (e também na separação convencional e participação nos aquestos), ante a afirmação da lei de que não haveria concorrência entre cônjuge e herdeiros, no regime da comunhão parcial, se o autor da herança não houvesse deixado bens particulares, art. 1.829, I.
Esclareça-se: antes do Código, quando nada sobrasse ao cônjuge (não houvesse meação), tinha direito ao chamado usufruto vidual, ou seja, gozo da quarta parte dos bens enquanto vivesse, para compensá-lo. O novo Código extinguiu o usufruto e deu ao cônjuge (disse o relator que fora para proteger a viúva) o direito de concorrênciacom os herdeiros, ou seja, receber uma parcela dos quinhões que tocariam aos mesmos solitariamente, mas apenas nos regimes da comunhão parcial, separação e convencional e participação nos aquestos, desde que existissem bens particulares (como já se disse antes: doados ou herdados).
Segundo a doutrina, podem-se arrolar quatro posições a esse respeito:
a) a concorrência apenas se dá quando houver bens particulares e o cônjuge terá direito à concorrência com o herdeiro (descendente ou ascendente) somente nos bens particulares e não nos comuns (aquestos, havidos durante a união).
Esse entendimento é sustentado pelo Enunciado nº 270 das Jornadas de Direito Civil do STJ, editados pelo Centro de Estudos Jurídicos da Justiça Federal, colegiado nacional (magistrados, juristas, professores) que expede orientação aos tribunais (espécie de súmula atípica).
Aqui no Estado encontrou ressonância na Oitava Câmara (Agravo 70038747325, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, por maioria, em 09.12.2010).
b) a concorrência se dá na comunhão parcial, mas incide em toda a herança (bens comuns e particulares). É mais uma posição doutrinária, logo após a edição do Código, mas que não achou maior relevo na jurisprudência.
c) a concorrência se dá na comunhão parcial somente se o autor da herança não tivesse bens particulares, ou seja, não tem bens particulares, há concorrência, o que parece contradição interna.
d) a concorrência se dá na comunhão parcial quando houver bens particulares, mas a sucessão (concorrência) incide somente nos bens comuns, pois os bens particulares são partilhados apenas entre os descendentes (em sua falta, por óbvio, os ascendentes, colocados em 2º lugar na vocação hereditária).
É entendimento recente do STJ (Recurso Especial 1.117.563/SP, Relª Minª Nancy Andrighi, julgado em 17.12.09, por unanimidade, pela Terceira Turma).
Em resumo: o cônjuge, além de sua meação nos bens comuns, neles também concorre (se houver um herdeiro, quinhão igual), mas nada recebe nos bens particulares, integralmente destinados ao herdeiro.
Tem apoio da Oitava Câmara Cível do TJRS, consoante o Agravo 70035286681, Rel. Des. Claudir Fidelis Faccenda, julgado em 20.05.2010.
É a posição que modestamente adoto.
Os argumentos estão solidamente postos pela Ministra Nancy Andrighi, a que acrescentaria algo que escrevi em acórdão de 2005 (APC 70011565496).
A interpretação das regras do Código deve ser sistemática, ou seja, não pode haver contradição interna entre as diversas normas, tanto de direito de família como de direito sucessório, elas têm de harmonizar-se, ter coerência interna.
Ora, se a vontade do doador do bem, no instante da escritura, foi a de reservar o bem, tornando-o particular (livro do direito de família), tanto que ali fica excluída de qualquer comunhão (art. 1.659, I), a que se associa a autonomia do beneficiário em havê-lo com tal natureza, essa especificidade deve ter o mesmo tratamento na herança (direito sucessório), assim a natureza incomunicável deve ser mantida, para que haja simetria lógica entre as normas materiais.
Em conclusão: quando o autor da herança (falecido), além de deixar bens comuns (aquestos) possui bens particulares, os últimos apenas tocam a seu herdeiro (descendente ou ascendente), em vista da peculiar natureza de sua instituição.
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(*) O autor é membro do Conselho Editorial da Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal.
(http://www.editoramagister.com/doutrina_24644222_A_SUCESSAO_DOS_BENS_PARTICULARES_NA_COMUNHAO_PARCIAL.aspx). 

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