Entrevista: Renúncia de alimentos
31/12/1969
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O
Superior Tribunal de Justiça divulgou na última terça-feira (26) acórdão
negando provimento ao recurso especial interposto por uma mulher com o objetivo
de receber alimentos do ex-companheiro, mesmo tendo renunciado a pensão quando
da dissolução da união estável.
Segundo o texto
do acórdão a mulher renunciou, expressamente e em caráter irrevogável, aos
alimentos. No entanto, mesmo com a renúncia da ex, o ex-companheiro começou a
pagar alimentos mensalmente e em janeiro de 2004 o ex-companheiro deixou de
prestar-lhe esse valor mensal. A mulher ingressou com a ação de alimentos
provisórios que vieram a ser fixados no valor de R$ 17.000,00 mensais e
posteriormente reconsiderados. A renúncia a alimentos gera divergências
jurisprudenciais e doutrinárias, o advogado Luiz Edson Fachin, diretor nacional
do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), comentou a decisão.
NA OPINIÃO DO SENHOR, A RENÚNCIA A ALIMENTOS É VÁLIDA?
R.: A validade
não é o cerne da questão. Para responder a pergunta, é possível dizer que sim,
a renúncia, em tese, pode ser compreendida como válida. O cerne da questão não
está no plano da validade e sim no campo da eficácia. Em determinados casos,
objetivamente considerados à luz das circunstâncias concretas (por exemplo,
necessidade vital posterior à renúncia), é possível estabelecer, com base no
ordenamento jurídico brasileiro, limites à projeção eficacial de uma renúncia
válida. A renúncia, então, pode ser válida, mas deixar de produzir seus
efeitos, no todo ou em parte, diante de fatos objetivamente comprováveis, daí
porque incide em equívoco a decisão que impede o processamento de ação de
alimentos, pois somente na instrução probatória é que tais fatos serão (ou não)
comprovados.
POR QUE EXISTEM DIVERGÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS E ATÉ DOUTRINÁRIA
QUANTO A RENÚNCIA A ALIMENTOS?
R.: Duas são as
razões fundamentais, em meu ver. Em primeiro lugar, porque as percepções
teóricas e práticas sobre validade e eficácia da renúncia são deficientes. Tais
conceitos aparecem confundidos no entremeio de falta de nitidez e de precisão.
Em segundo lugar, porque as mutações plurais na ambiência do Direito das
famílias tem sido captadas apenas parcialmente até o momento pelo Poder
Judiciário brasileiro; neste sentido, como a igualdade não afasta o
reconhecimento das diferenças, impende ainda construir, nomeadamente nas
questões de gênero, sentidos próprios de alimentos, renúncia, liberdade e
responsabilidade. Em outras palavras: a hermenêutica voluntarista que chancela
a plena validade e eficácia da renúncia a alimentos como se fosse um valor por si
só, sem se atentar para o caso concreto, não raro vai de encontro à situação
fática da mulher.
NESSE CASO ESPECÍFICO, MESMO COM A RENÚNCIA A ALIMENTOS, O
EX-COMPANHEIRO CONTINUOU PAGANDO ALIMENTOS. COMO FICA O VENIRE CONTRA FACTUM
PROPRIUM (VEDADO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO)?
R.: O
comportamento concludente tem valor constitutivo de situações jurídicas. No
choque entre a previsão em abstrato de um dever jurídico ou de um direito
subjetivo e o comportamento concreto das partes, será este (o comportamento)
juridicamente valorado para se sobrepor àquele. Portanto, há certa forma
desupressio diante do comportamento em pauta. Logo, o ex-companheiro que paga
alimentos, após a renúncia, assume objetivamente a posição de devedor, ao
contrário do que foi acolhida pelo voto majoritário no acórdão em pauta.
A MINISTRA RELATORA, EM VOTO VENCIDO, CONSIDEROU QUE SERIA
POSSÍVEL, AO MENOS EM PRINCÍPIO, PONDERAR QUE ESSE DEVER, ORIGINARIAMENTE NÃO
PREVISTO NO ACORDO DE DISSOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL, TENHA SIDO GERADO NUM
AMBIENTE DE BOA-FÉ OBJETIVA PÓS-CONTRATUAL. O SENHOR CONCORDA QUE NESTE CASO
PODERIA SER INVOCADO O PRINCÍPIO DA BOA -FÉ?
R.: Sim, sem
dúvida. Com inteira razão a Ministra relatora, ainda que vencida no julgamento
colegiado em pauta. Há, inequivocamente, uma projeção eficacial pós-pacto da
relação jurídica, e nessa ambiência de pós-contratualidade incide a boa-fé
objetiva que emerge de cumprimento de pensionamento alimentar. É uma erronia
cogitar-se de mera liberalidade em tal hipótese, pois se trata de um
comportamento que gera dever jurídico e infirma o sentido da renúncia anterior.
ENTENDENDO QUE OS ALIMENTOS PROVISÓRIOS/ COMPENSATÓRIOS DEVEM
LEVAR EM CONTA O BINÔMIO “NECESSIDADE E POSSIBILIDADE”, NESTE CASO, NÃO GERA
OBRIGAÇÃO ALIMENTAR, COMO AFIRMOU O MINISTRO MASSAMI UYEDA (APOSENTADO), EM SEU
VOTO?
R.: Com o devido
respeito, o posicionamento majoritário não encontra abrigo no ordenamento
jurídico brasileiro, tanto à luz do Código Civil (quer do vigente, quer do
anterior, de 1916), quanto sob os princípios constitucionais normativos. A
renúncia, por si só, não é prova de ausência de necessidade. Este elemento
somente pode ser inferido à luz do caso concreto, e na hipótese, dever-se-ia
possibilitar o prosseguimento da demanda para o fim de apurar tal circunstância
na instrução probatória.
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