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Lei 12.736/12 e a nova detração penal
Rejane
Zenir Jungbluth Teixeira[i]
- 29/12/2012
No último dia 3 de dezembro, foi publicada a Lei
12.736/12, que dispõe sobre a detração penal a ser realizada pelo juiz de
conhecimento no momento em que é prolatada a sentença condenatória.
Apesar de o enunciado da Súmula 716 do STF já admitir a
“progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime
menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado na sentença
condenatória”, o tema é novo na medida em que dota o juiz de conhecimento de
competência para realizar a detração, antes conferida apenas ao juiz da
execução, a fim de que sejam evitadas situações em que o apenado “tenha que
aguardar a decisão do juiz da execução penal, permanecendo nessa espera em
regime mais gravoso ao que pela lei faz jus”, conforme consta da exposição de
motivos.
O enunciado da referida súmula decorreu da necessidade de
assegurar os benefícios da execução da pena aos sentenciados que se encontravam
acautelados no período anterior ao trânsito em julgado da sentença
condenatória. Como meio de assegurar a ampla utilização da via recursal sem
prejuízos ao apenado que se encontrava preso, foi permitido ao juiz da execução
proceder à progressão de regime enquanto não ocorria o trânsito em julgado em
definitivo.
A novel legislação vem, de modo semelhante, permitir
progressão de regime com a detração na sentença do período em que o réu
permaneceu preso a título de prisão preventiva ou internação, uma vez que os
arts. 42 do Código Penal e 111 da Lei de Execução Penal preveem o instituto
apenas por ocasião da pena privativa de liberdade e para a medida de segurança.
O § 2º acrescentado ao art. 387 do Código de Processo
Penal é claro ao dispor que: “O tempo de prisão provisória, de prisão
administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado
para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade”.
Todavia, alguns pontos merecem análise mais detida. O
primeiro deles é que a norma não revogou o art. 110 da Lei de Execução Penal, o
qual reza: “O juiz, na sentença, estabelecerá o regime no qual o condenado
iniciará o cumprimento da pena privativa de liberdade, observado o disposto no
artigo 33 e seus parágrafos do Código Penal”.
O § 2º do art. 387 do Código de Processo Penal deve ser
interpretado como exigência de um novo capítulo da sentença condenatória, a
posteriori da fase da dosimetria da pena. O sistema trifásico previsto
no art. 68 do Código Penal, assim como o exame do regime imposto para a pena -
art. 33, § 3º do Código Penal - e eventual unificação em caso de concurso de
penas continuam inalterados. Somente após essa análise, é que se apreciará, se
o caso, a incidência do § 2º do art. 387 do Código de Processo Penal.
Portanto, o juiz dedicará, na sentença, um capítulo
próprio para a dosimetria da pena - como já fazia – no qual fixará o regime
inicial de cumprimento com base na pena final aplicada na sentença, não
considerando, nessa oportunidade, a “nova detração penal” oriunda da lei em
comento.
Em seguida, em novo capítulo da sentença, o magistrado
reconhecerá ou não o direito do réu à progressão de regime, caso este tenha
tempo de prisão processual suficiente para tanto.
Desse modo, a pena definitiva e o verdadeiro regime
inicial de cumprimento da pena, inclusive o que será indicado na carta de guia
a ser enviada à Vara de Execução Penal, são aqueles determinados pelo art. 110
da LEP, ou seja, os encontrados no capítulo da pena definitiva (e não naquela
detraída da prisão preventiva já cumprida). É preciso rememorar que a pena
definitiva não tem somente a função de fixação do regime inicial do cumprimento
da pena, mas é também referência para o cômputo do prazo prescricional da
pretensão punitiva ou executória, unificação de penas, indultos e comutações,
benefícios para trabalho externo e saídas temporárias.
Um segundo ponto que merece atenção é o referente ao objetivo
da novel legislação: somente ocorrerá a detração penal pelo juiz do processo de
conhecimento para finsde progressão de regime de pena.
Isso significa que, nas hipóteses em que a detração não é
hábil a modificar o regime, não haverá cômputo inferior de pena a ser
realizado, sob pena de o juízo de conhecimento invadir a competência do juízo
da execução, pois o art. 66, III, ”c”, da LEP, não restou alterado pela Lei
12.736/12 nesse particular.
A detração a ser realizada pelo juiz de conhecimento,
conforme determinado pela nova lei, é apenas para fins de regime de pena, em
relação tão-somente ao início de cumprimento da reprimenda. Se este não for
alterado, não pode haver cálculos para diminuir a reprimenda. Nesse caso, o
juiz disporá que deixa de aplicar a detração prevista no § 2º, do art. 387 do
Código de Processo Penal, vez que o regime não será modificado, não obstante o
período de prisão preventiva do sentenciado.
Pensar de modo diverso significa invadir seara de
competência do juízo da execução, incidindo à espécie nulidade indicada no art.
564, inciso I, do Código de Processo Penal. Além disso, essa consideração
equivocada do tempo de detração, como se desconto fosse, ensejaria
perplexidades, como a de que o tempo de custódia cautelar tivesse cômputo
diverso do tempo de recolhimento próprio da execução penal em sentido estrito.
O terceiro ponto de cuidado refere-se à atenção a ser dada
à incidência da nova lei, a fim de que não sejam conduzidas situações que se
desviem do seu objetivo, qual seja, o acesso dos sentenciados ao direito à
primeira progressão de regime. Não se podem criar situações benéficas indevidas
que possam culminar em excessivo volume de revisão de execuções em curso,
tornando ainda mais crítica a execução penal.
Exemplo disso refere-se à consideração de que nem toda
prisão provisória pode ser usada para fins de detração, sob pena de se criar
uma "conta corrente de pena" em favor do criminoso, o que lhe
permitiria praticar crimes futuros sem receber qualquer reprimenda. As penas
admitem a detração quando diversos os fatos, desde que os delitos tenham sido
perpetrados em data anterior à prisão indevida. Esse cálculo somente pode ser
realizado pelo juiz da execução.
Somente ao juiz da execução penal compete avaliar se, na
espécie, estão presentes os requisitos objetivos e subjetivos para a concessão
de qualquer benefício com a observância do acompanhamento disciplinar até o
final do cumprimento da pena. Não se pode vincular à progressão de regime um
mero procedimento de cálculo aritmético de cumprimento de pena, ignorando o
mérito do sentenciado e, verdadeiramente, negando vigência ao que estabelece o
art. 112 da Lei de Execução Penal.
O juiz de conhecimento que se deparar com situações em que
seja necessária a avaliação mais detida do apenado por meio de laudos
criminológicos deverá se negar a proceder a progressão, sob pena de violar a
correta individualização da pena, pois um exame mais detido do mérito do
acusado é incompatível com a fase da prolação da sentença condenatória.
Por fim, se observa
que a Lei 12.736/12 é mais uma lei que vem suprir a falta de políticas públicas
ao sistema de execução penal. Tornou-se rotineiro procurar resolver problemas
sociais, principalmente do sistema carcerário, por meio de leis penais
despenalizadoras. Todavia, os operadores do direito não podem, de modo açodado
e sem uma análise crítica da nova lei, transformar o processo de conhecimento
em processo de execução com uma única penada, sob pena de transformar a
execução penal em uma grande falácia e consagrar, em definitivo,
[i] Juíza de Direito da Vara de Execuções das Penas e Medidas
Alternativas do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
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