Doutrina
Ação Pendente contra Pessoa Jurídica - Cisão Parcial Durante o Processo - Julgamento de Mérito sem Citação das Sociedades Sucessoras - Cabimento de Ação Rescisória
Autor:
JÚNIOR, Humberto Theodoro
Consulta
Dos ilustres doutores P E A M, F N S e A M T R, recebi, para efeito de parecer, a consulta que se segue.
Em abril de 2005 o Senhor emitiu magnífico parecer acerca do cabimento de ação rescisória para obter o reconhecimento da nulidade do processo de conhecimento movido por XXX contra YYY e outros, por falta de citação das empresas que surgiram em razão da cisão parcial da referida YYY, ocorrida no curso daquele processo, com ampla divulgação.
Citando seus ensinamentos, ZZZ, uma das empresas que resultaram da cisão parcial da YYY e que não foi citada para integrar a lide acima referida, ajuizou ação rescisória junto ao STJ que aguarda julgamento.
Em razão do que alegado no curso desse processo, indagamos sua abalizada opinião sobre se quando a ação rescisória se apoia no art. 485, V, do CPC, é necessário, ou não, que a decisão rescindenda tenha se pronunciado sobre o dispositivo apontado como violado, bem como se no caso de a rescisória apontar violação de norma constitucional, tal matéria teria que ter sido discutida em recurso extraordinário.
Além disso e considerando que a ausência de citação de litisconsorte passivo necessário autoriza a querela nullitatis insanabilis, solicitamos que teça suas sempre respeitadas considerações sobre a utilização da ação rescisória para tal fim.
Por fim e tendo em vista o que deduzido nas manifestações dos réus, indagamos se deseja acrescentar algo mais ao excelente parecer já referido.
Formularam-se os seguintes quesitos:
1º Quesito: Em ação rescisória com apoio no art. 485, V, do CPC, é necessário que a ação rescindenda tenha se pronunciado sobre o dispositivo apontado como violado?
2º Quesito: Se a ação rescisória apontar violação de norma constitucional, tal matéria teria que ter sido discutida em recurso extraordinário?
3º Quesito: A ausência de citação de litisconsorte passivo necessário no processo originário autoriza apenas a "querela nullitatis insanabilis", ou essa matéria pode ser posta também em ação rescisória? Poderia a ação rescisória ser recebida como "querela nullitatis", em atenção ao princípio da fungibilidade?
4º Quesito: A regra de que o credor tem a faculdade de escolher qual o devedor solidário de quem pretende demandar o cumprimento integral da obrigação torna facultativo o litisconsórcio nas ações de conhecimento contra a sociedade cindida parcialmente e suas sucessoras?
Parecer
1 Introdução
A Ação Rescisória nº..., em curso no STJ, perante a sua Segunda Seção, teve sua inicial instruída por parecer, de nossa autoria, no qual restaram expostas e defendidas as seguintes teses:
a) a cisão de sociedade anônima, no direito brasileiro, tem a natureza de sucessão universal, entre a pessoa jurídica cindida e aquelas que dela recebem o quinhão societário parcialmente transmitido;
b) a obrigatoriedade da inclusão da sucessora universal, como litisconsorte necessária, nas ações pendentes contra a cindida, pela impossibilidade de se constituir dívida pela futura sentença, cuja eficácia viria a recair também sobre o quinhão recebido pela sucessora;
c) a cisão não pode ser tratada como simples cessão de bens (sucessão singular), pois o que efetivamente ocorre, por seu intermédio, é uma sucessão universal, ainda que a cisão seja apenas parcial, do que decorre a ineficácia da condenação que acaso se dê apenas sobre a cindida, sem que a beneficiária da cisão tivesse sido inserida, como litisconsorte necessária, no processo de conhecimento;
d) nas sucessões universais, o prosseguimento do feito, para ser regular, tem de observar o regime dos art.s 43 e 265, I, além do art. 47, parágrafo único, todos do CPC, isto é, a obrigatoriedade da suspensão do processo, a fim de complementar-se a relação processual no polo passivo. Assim, só será válido o julgamento de mérito da causa, se pronunciado depois de regularmente habilitados os sucessores sobre os quais a força da condenação haverá de recair, no todo ou em parte;
e) inobservado esse procedimento, a sentença de mérito contra apenas a cindida terá sido proferida sem a presença de parte necessária, e, assim, terá violado as regras legais disciplinadoras da formação válida da relação processual. E, como tal, justifica-se o cabimento da ação rescisória, nos moldes do art. 485, V, do CPC.
Em sua defesa, a empresa ré (vitoriosa na ação condenatória), suscita a preliminar de descabimento da ação rescisória, quando se trata de invalidar a sentença por falta de citação de litisconsorte necessário, questão que se resolveria pela querella nullitatis insanabilis.
Respaldada em conspícuo parecer jurídico, foram, ainda, arguidas outras teses, como: a) impossibilidade de arguir-se como violado dispositivo de lei sobre o qual não se tenha pronunciado o decisório rescindendo; b) só seria possível arguir violação da Constituição, se a matéria tivesse sido levantada no processo primitivo, por meio de recurso extraordinário, já que no recurso especial não se admite reconhecer ofensa à norma constitucional; c) a solidariedade obrigacional não provoca litisconsórcio necessário, mas apenas litisconsórcio facultativo, em face da regra de direito material que permite ao credor escolher, entre os coobrigados, aquele de quem deseja exigir o crédito.
É sobre esses pontos da defesa oposta à rescisória que os ilustres subscritores da consulta pretendem um complemento ao primitivo parecer que serviu de suporte ao ajuizamento da causa proposta perante o STJ.
Abordaremos, a seguir, as novas questões, na ordem em que foram enunciadas.
2 Inexistência de Incompatibilidade Absoluta entre os Objetos da Ação Rescisória e da Querela Nullitatis
Na construção legal e doutrinária da rescindibilidade das sentenças, houve, na origem, uma confusão entre sentença nula e sentença rescindível. Definia-se, ao tempo do CPC de 1939, como sentença rescindível a que incorre em alguma das causas graves de nulidades arroladas em lei, suficientes para afetar a coisa julgada. Nesse sentido, ensinava Batista Martins: "Quando a sentença é nula, por uma das razões qualificadas em lei, concede-se ao interessado ação para pleitear a declaração de nulidade"(1), qual seja, "a ação rescisória".
Aliás, era o próprio CPC de 1939 quem declarava textualmente que os casos de rescindibilidade, constantes de seu art. 798, correspondiam a hipóteses de sentenças nulas(2).
Coube a Pontes de Miranda superar a deficiência terminológica até então prevalente na conceituação da ação rescisória, alertando para o fato de que o que é nulo nenhum efeito produz e não reclama desconstituição judicial. Já a sentença rescindível, mesmo nula, como queria a doutrina velha, produz os efeitos da coisa julgada e apresenta-se exequível enquanto não revogada pelo remédio próprio da ação rescisória(3). Em outras palavras, enquanto não rescindido, o julgado prevalece(4).
Não cuida a rescisória, na verdade, de sentença nula, nem de sentença anulável, mas de sentença que, embora válida e plenamente eficaz, porque recoberta da coisa julgada, pode ser desconstituída. "Rescindir, em técnica jurídica, não pressupõe defeito invalidante. É simplesmente romper ou desconstituir ato jurídico, no exercício de faculdade assegurada pela lei ou pelo contrato (direito potestativo)"(5). Correta e atual, portanto, a definição de Barbosa Moreira: "Chama-se rescisória à ação por meio da qual se pede a desconstituição de sentença trânsita em julgado, com eventual rejulgamento, a seguir, da matéria nela julgada"(6).
Casos como o da falta de citação do réu revel ou da ausência de citação de litisconsorte necessário geram nulidade da sentença, cujo reconhecimento não exige a propositura obrigatória de ação rescisória. Como adverte Liebman, "todo e qualquer processo é adequado para constatar e declarar que um julgado meramente aparente é na realidade inexistente e de nenhum efeito"(7). Donde sua conclusão: "A nulidade [nascida de vício fundamental da citação não suprida] pode ser alegada em defesa contra quem pretende tirar da sentença um efeito qualquer; assim como pode ser pleiteada em processo principal, meramente declaratório"(8).
O fato, porém, de ser a ação rescisória programada, para desconstituir sentença válida, não quer dizer que, deparando-se, em seu bojo, com uma sentença absolutamente nula, o órgão judicial esteja impedido de reconhecer sua invalidade.
Se, como preleciona Liebman, qualquer processo é adequado para constatar e declarar a nulidade absoluta, ou a inexistência jurídica, da sentença proferida dentro de uma relação processual viciada desde a citação, nenhuma razão existe, de direito material ou processual, que impeça que tal reconhecimento ocorra, também, numa ação rescisória. Quem pode o mais - que é rescindir a sentença válida ¯, com maior razão, poderá fazer o menos, isto é, reconhecer a invalidade insanável da sentença contaminada por nulidade absoluta (equivalente a uma verdadeira inexistência jurídica).
Quando se reconhece que uma nulidade tão grave como essa dispensa a rescisória e permite sua declaração por via de simples querela nullitatis, o que se tem em mira é facilitar sua declaração judicial, e não restringir o alcance e a força da ação rescisória.
Se em simples embargos ou em mera impugnação ao cumprimento de sentença, possível é estabelecer-se um equivalente à querella nullitatis, para obstar a pretensão de atribuir eficácia a um julgado que absolutamente não a tem,a fortiori haverá de admitir-se que igual objetivo também há de ser alcançável pela via da ação rescisória. Afinal o reconhecimento da nulidade de pleno direito independe de ação ou de qualquer procedimento particular ou específico. É dever que a lei impõe a todo e qualquer juiz ou tribunal do qual terá de desincumbir-se, a requerimento ou ex officio, sempre que o vício insanável cair-lhe sob o conhecimento.
Esse entendimento é antigo e conta com o prestígio da doutrina de Pontes de Miranda e da jurisprudência espelhada em diversos acórdãos dos Tribunais Superiores, como a seguir demonstraremos.
3 Doutrina e Jurisprudência que Prestigiam a Fungibilidade entre a Ação Rescisória e a Querela Nullitatis, em Caso de Nulidade Ipso Iure da Sentença
Em sede de doutrina, já divulgamos o seguinte entendimento: "Embora não haja necessidade de se valer da ação rescisória para obter, a parte prejudicada, o reconhecimento da nulidade ou inexistência do julgado, no caso ora apreciado [vício da citação], não será correto omitir-se o tribunal de apreciar a questão, se a parte lançar mão da ação do art. 485 do CPC. É que as nulidades ipso iure devem ser conhecidas e declaradas independentemente de procedimento especial para esse fim, e podem sê-lo até mesmo incidentalmente em qualquer juízo ou grau de jurisdição, até mesmo de ofício, segundo o princípio contido no art. 146 e seu parágrafo do Código Civil de 1916 (CC de 2002, art. 168, parágrafo único)"(9).
Reportando à autoridade de Pontes de Miranda, concluímos: "Em semelhante conjuntura, o tribunal conhecerá da rescisória não para rescindir o julgado nulo (pois só se rescinde o que é válido), mas apenas para declarar-lhe ou decretar-lhe a nulidade absoluta e insanável, 'porque - no dizer de Pontes de Miranda - é o ensejo que se lhe oferece, segundo os princípios'"(10).
No aspecto jurisdicional, invocamos, na citada obra, dois acórdãos do STJ, um da 3ª Turma e outro da 4ª Turma:
"AÇÃO RESCISÓRIA - NULIDADE DA CITAÇÃO. Nula a citação, não se constitui a relação processual e a sentença não transita em julgado podendo, a qualquer tempo, ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à execução, se o caso (CPC, art. 741, I).
Intentada a rescisória, não será possível julgá-la procedente, por não ser o caso de rescisão. Deverá ser, não obstante, declarada a nulidade do processo, a partir do momento em que se verificou o vício"(11).
Seguindo a linha de pensamento de Cândido Dinamarco, noticiada na nota 8, retro, há um interessante acórdão da 2ª Seção do STJ. Nele, julgando procedente a demanda que invocava nulidade de sentença por inobservância de intimação pessoal do defensor público que atuava em nome da parte vencida, a rescisão foi decretada por "violação a literal disposição", justamente para que fosse declarada a nulidade do decisório. In verbis: "AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. DEFENSORIA PÚBLICA. INTIMAÇÃO PESSOAL. AUSÊNCIA. NULIDADE. PREJUÍZO. 1. Cabível a ação rescisória para a correção de vício de nulidade decorrente de ausência de intimação pessoal da Defensoria Pública de atos do processo, que acarreta prejuízo à parte. 2. Ação rescisória julgada procedente"(12).
O caso solucionado na AR 3.502, é verdade, não se referia a falta ou defeito de citação da parte ou de litisconsorte, mas a falta de intimação válida de seu representante processual. A nulidade, todavia, é da mesma natureza, e foi acolhida em ação rescisória, da mesma maneira com que o STJ vinha fazendo com relação às sentenças dadas com ofensa às regras legais das citações.
Mais recentemente, surgiram posições divergentes na 1ª e 2ª T., tendo a 1ª Seção decidido pela inaplicabilidade dos princípios da fungibilidade, da instrumentabilidade e do aproveitamento racional dos atos processuais, para que a rescisória seja convertida em ação declaratória de inexistência de citação "máxime quando inexiste competência originária do STJ para apreciar aquela ação cognominada querela nullitatis"(13).
Contra o argumento básico do aresto da 1ª Seção do STJ, é de lembrar que a cognominada querela nullitatis não corresponde a uma ação especial, instituída em lei para o fim específico de declarar a nulidade ipso iure da sentença não precedida de citação válida. Portanto, "por ação autônoma de impugnação (querela nullitatis insanabilis) deve-se entender qualquer ação declaratória hábil a levar a juízo a discussão em torno da validade da sentença"(14).
Ora, se qualquer ação capaz de levar a juízo a discussão em torno da validade da sentença, porque não admitir que funcione como querella nullitatis (ou equivalente) a ação rescisória, cujo objetivo é justamente suprimir eficácia de sentença viciada?
A alegação de que faltaria ao STJ competência para conhecer de ação declaratória comum como a querela nullitatis, não se sustenta,data venia, por dois argumentos principais:
a) primeiro, porque a declaração de nulidade ipso iure, independe de qualquer tipo de ação especial, podendo ser pronunciada incidentalmente, e de ofício, em qualquer juízo ou grau de jurisdição;
b) segundo, porque, a sentença que condena qualquer pessoa a cumprir uma obrigação é, sem dúvida sentença que enfrenta o mérito da causa; e se é proferida violando as leis processuais que condicionam a validade do processo à citação regular do demandado e seus litisconsortes necessários, é, sem dúvida, decisão violadora de literal disposição de lei. Se assim é, não se pode recusar, a rigor, o exame de sua validade em ação rescisória. Ainda que não fosse para rescindi-la (mas para declarar-lhe a invalidade), o certo é que se estaria impugnando em juízo a validade de um julgado de mérito que transitou em julgado (pelo menos formalmente), com inegável violação literal à disposição de lei. A competência do STJ para conhecer de semelhante rescisória encontraria, portanto, apoio no art. 485, V, do CPC.
Recusar competência ao STJ, em tal quadro, para uma declaração de nulidade, que é de ordem pública, e não se acha sujeita a nenhum tipo de ação ou procedimento especial, representa uma exacerbação de formalismo e um desprezo pelos modernos princípios da jurisdição no Estado Democrático de Direito. O que hoje prevalece é a repulsa a qualquer formalismo que dificulte ou impeça, sem razão plausível, o acesso à tutela jurisdicional, a pretexto de rótulos de ação ou de procedimentos cuja especificidade não corresponda a verdadeiras exigências ou imposições da lei.
A propósito da inexistência de contradição entre a rescisória e a querela nullitatis, merece ser invocada a correta posição que vem sendo observada na 3ª e 4ª Turmas do STJ:
"AÇÃO RESCISÓRIA. FALTA DE CITAÇÃO. Tem sido admitida a ação rescisória para reconhecimento da nulidade de pleno direito do processo por falta de citação inicial"(15).
"A citação, como ato essencial ao devido processo legal, a garantia e segurança do processo como instrumento da jurisdição, deve observar os requisitos legais, pena de nulidade pleno iure quando não suprido o vício. A rescisória, embora não seja o meio próprio, tem sido admitida, com apoio da doutrina e da jurisprudência, como via hábil para a correção da anomalia"(16).
Na 3ª Turma, a ausência de citação de litisconsorte necessário foi, com base na lição de Cândido Dinamarco, reconhecida não só como causa de nulidade da sentença, como de admissibilidade da ação rescisória, nos termos do art. 485, V, do CPC(17).
No mesmo acórdão (REsp 1.028.503/MG), consignou o voto da Relatora (Min. Nancy Andrighi) que o julgamento rescindendo teria não só violado o dispositivo legal ordinário que impunha o litisconsórcio necessário no caso dos autos, "como também impediu o exercício dos direitos constitucionais de ampla defesa e do contraditório do recorrente, previstos pelo art. 5º, LV, da CF/88".
A despeito da possibilidade do manejo de ação ordinária na espécie, o Judiciário, provocado por ação rescisória, "não pode - segundo o aresto da 3ª T., do STJ - furtar-se à apreciação da ineficácia da decisão atacada, por suposta falta de citação de quem deveria ser litisconsorte passivo necessário". Argumentou, em defesa da tese, em seguida, o voto da Min. Nancy Andrighi: "A exclusividade da ação anulatória prevista no art. 486 do CPC para a declaração de nulidade da sentença proferida sem a citação de litisconsorte necessário, apesar de defendida por alguns doutrinadores, representa solução extremamente marcada pelo formalismo processual, pois qualquer via é adequada para insurgência contra o vício verificado na presente hipótese. Com efeito, o princípio da fungibilidade dos meios processuais autoriza o ajuizamento da rescisória para a impugnação da sentença proferida em processo no qual não houve ou foi nula a citação do herdeiro em ação de investigação de paternidade ajuizada em face de seu falecido pai".
Aduziu, mais, a Relatora: "A ausência de citação do litisconsorte necessário, além do mais, configura hipótese de nulidade ipso iure, sendo certo que tais nulidades 'devem ser conhecidas e declaradas independentemente de procedimento especial para este fim, e podem sê-lo até mesmo incidentalmente em qualquer juízo ou grau de jurisdição, até mesmo de ofício (...)"(18). Assim, a desconstituição da sentença rescindenda pode ocorrer tanto nos autos de ação rescisória ajuizada com fundamento no art. 485, V, do CPC quanto nos autos de ação anulatória, declaratória ou de qualquer outro remédio processual".
Mesmo na 1ª Seção do STJ, onde se registram as opiniões contrárias ao cabimento da rescisória para reconhecimento da nulidade da sentença, a transformação desta em anulatória foi admitida como viável, depois de as partes terem discutido amplamente o mérito da causa, por se considerar medida plenamente justificável, dentro da moderna técnica processual.In verbis:
"3. Apesar de imprópria a ação rescisória intentada e da incompetência desta Corte para apreciar e julgar a matéria, verifica-se que foi instalado o litígio, com a citação da parte ex adversa para ofertar contestação, oportunidade na qual a ré, além de suscitar questões preliminares referentes ao cabimento da ação rescisória, apresentou defesa das questões de mérito, postulando a manutenção do acórdão que a autora intentou rescindir. Oportunizou-se, ainda, às partes a produção de prova, e, após o saneamento do feito, abriu-se prazo para apresentação de razões finais, seguindo-se a intervenção do Ministério Público Federal, que opinou pela procedência do pedido.
4. Com esse panorama de desenvolvimento do processo, tendo a finalidade dos referidos atos aqui praticados sido alcançada, o aproveitamento desses atos na eventual ação declaratória de inexistência de citação não apresenta prejuízo para qualquer das partes. Por tal razão, permite-se a aplicação do caso dos princípios da instrumentalidade das formas e do aproveitamento racional dos atos processuais, que norteiam o sistema das nulidades no direito brasileiro, incidindo as normas insertas nos arts. 244 e 249, §§ 1º e 2º, do CPC"(19).
Concluiu o acórdão da 1ª Seção (EDcl nos EDcl na AR 569/PE), com a advertência de que "a simples extinção do processo sem resolução do mérito fundada na inadmissão da ação rescisória, com o arquivamento dos presentes autos, configura (...) desrespeito aos princípios da celeridade e economias processuais, pois o não aproveitamento dos atos processuais validamente praticados na nova ação a ser iniciada no juízo competente demandará maior dispêndio de tempo e atividade jurisdicional, ainda mais em se tratando de ação rescisória iniciada em abril de 1997".
Sendo assim, o acórdão da 1ª Seção do STJ sub cogitatione determinou o envio dos autos ao Juízo Federal da Seção Judiciária em Recife, no Estado de Pernambuco, a fim de que a ação proposta originariamente como rescisória fosse reautuada como ação declaratória de inexistência de citação(20).
Em suma:
a) afina-se com a melhor doutrina (Pontes de Miranda, Cândido Dinamarco, entre outros) a tese de que a nulidade da sentença em processo com vício insanável na citação pode ser declarada em ação rescisória fundada em violação de literal disposição de lei (CPC, art. 485, V). Nesse sentido, aliás, foi o parecer da Procuradoria Geral da República, na ação rescisória objeto deste parecer(21).
b) Mesmo paras as Turmas que consideram ser a questão decidida apenas por meio de ação ordinária (querela nullitatis), a propositura da ação rescisória não deve desaguar em nulidade e arquivamento do processo, devendo o STJ aproveitar os atos praticados e ordenar sua remessa ao juiz de 1º grau competente, mediante conversão da rescisória em ação declaratória de nulidade por falta ou defeito da citação.
4 O Problema do Prequestionamento na Ação Rescisória Fundada no Art. 485, V, do CPC
A sentença que se apresenta como violadora de "literal disposição de lei", para os fins da rescisão prevista no art. 485, V, do CPC, é, nas palavras de Amaral Santos, "aquela que ofende flagrantemente a lei, tanto quando a decisão é repulsiva à lei (error in judicando), como quando proferida com absoluto menosprezo ao modo e forma estabelecidos em lei para a sua prolação (error in procedendo)"(22).
Pode-se fazer um paralelismo entre o conceito de "negar vigência" à lei, requisito de admissibilidade do recurso especial (CF, art. 105, III, a) e o de "violar literal disposição de lei", reclamado para o cabimento da ação rescisória (CPC, art. 485, V). Ambos correspondem à mesma ideia de "desprezo pelo julgador de uma lei que claramente regule a hipótese e cuja não aplicação no caso concreto implique atentado à ordem jurídica e ao interesse público"(23).
Mas, os requisitos formais de cabimento do recurso especial não são os mesmos da ação rescisória. A identidade que se reconhece está no mérito dos dois remédios processuais, isto é, na ofensa à ordem jurídica cometida pelo julgado impugnado. O recurso especial, nessa ordem de ideias, tem seu cabimento subordinado à preexistência de um acórdão de tribunal, ao esgotamento de todas as instâncias e de todos os recursos ordinários, além do prequestionamento no tribunal de origem da matéria a ser revista pelo STJ.
Esses requisitos formais não têm qualquer pertinência com o cabimento da rescisória, que, basicamente, se contenta com a preexistência de um julgamento de mérito transitado em julgado e com a arguição de algum dos vícios elencados no art. 485 do CPC(24).
Assim, "a prova do trânsito em julgado [da sentença rescindenda] é obrigatória"(25), mas a rescisória é admissível, "ainda que contra ela não se tenham esgotado todos os recursos"(26).
Saber, portanto, se houve, ou não, a violação da lei federal não é um requisito de admissibilidade da ação rescisória, é o próprio mérito a ser solucionado no final do processo. Não há que se cogitar de prequestionamento, pelo simples fato de que não há, na rescisória, o objetivo próprio dos recursos, que é o de reexame do que foi decidido no decisório recorrido. Na ação do art. 485 do CPC o que se apura e decide é a ocorrência, ou não, de uma grave ofensa à ordem jurídica, arguida comocausa petendi da parte que pretende desconstituir a sentença.
Portanto, o que se investiga não é exatamente o que decidiu o órgão sentenciante, mas a ilegalidade que seu julgamento possa ter acobertado.
Noerror in procedendo, tema cabível no âmbito da rescisória(27), a ilegalidade quase nunca se apresenta como objeto de prévia discussão no processo (pense-se nas sentençascitra petita,extra petita,ultra petita, nos cerceamentos de defesa cometidos nos julgamentos antecipados da lide sem atentar para a necessidade de provas, e em tantas outras ilegalidades que podem se configurar no próprio ato de sentenciar). Transitando em julgado o decisório, a ação rescisória será, sem dúvida, cabível, mesmo que nenhum recurso tenha sido manejado para prequestionar a ofensa à lei cometida no processo(28).
Em linha geral, a jurisprudência considera ser indiferente que a lei dada como violada, para os fins do art. 485, V, do CPC, tenha sido invocada ou não no processo originário, "porque nem por isso terá deixado de ser violada: o requisito do prequestionamento não se aplica à rescisória"(29).
Sobre a rescisória lastreada no art. 485, V do CPC, já fizemos, na linha exposta, a seguinte observação, em sede de doutrina(30): "...não é necessário que a sentença tenha cogitado da existência de uma regra legal e em seguida se recusado a aplicá-la. Nem se exige que a regra legal tenha sido discutida, de forma expressa, na sentença rescindenda. "A sentença que ofende literal disposição de lei é aquela que, implícita ou explicitamente, conceitua os fatos enquadrando-os a uma figura jurídica que não lhe é adequada"(31). De tal arte, doutrina e jurisprudência estão acordes em que "viola-se a lei não apenas quando se afirma que a mesma não está em vigor, mas também quando se decide em sentido diametralmente oposto ao que nela está posto, não só quando há afronta direita ao preceito mas também quando ocorre exegese induvidosamente errônea"(32).
Quando, às vezes, se afirma que na rescisória não é dado à parte invocar questões de fato e de direito estranhas às que foram postas em juízo no processo originário, o que se tem em mira, é a inalterabilidade do objeto processual, referindo-se ao mérito da causa, e nunca aos erros in procedendo que repercutiram sobre a sentença de mérito. É óbvio que não é correto, na ação rescisória, pretender renovar o objeto do processo já julgado, para intentar que, à luz do novo objeto litigioso, teria sido violada a lei. A sentença não poderia ter julgado a causa com base em fundamento diverso daquele que a parte deduziu em juízo (CPC, arts. 128 e 460). Logo, a violação que na rescisória se quer demonstrar tem de cingir-se ao julgamento do pedido e da causa de pedir configuradores do objeto litigioso.
Mas, ao decidir o objeto litigioso, o juiz pode ter deixado de observar regra de ordem pública que teria de ser aplicada à espéciesub judice, com ou sem pedido da parte. Nesses casos, não há que se negar o cabimento da rescisória por ofensa à lei, e isso se dará sem que se possa acusar o juízo rescisório de estar decidindo questão estranha ao processo primitivo.
Se a norma tinha de prevalecer no julgamento rescindendo, e não foi observada, violação de lei houve para justificar a ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC, mesmo que a parte não tenha invocado dita norma antes da sentença e o julgado a ela não tenha feito menção expressa.
É para tal situação processual que a jurisprudência ressalta: "O requisito do prequestionamento não se aplica à ação rescisória, que não é recurso, mas ação contra a sentença transitada em julgado, atacável, ainda que a lei invocada não tenha sido examinada na decisão rescindenda (ED-AR nº 732, Rel. Min. Soares Muñoz, DJ 09.05.80)"(33). "O prequestionamento não pode ser erigido a requisito de admissibilidade da ação rescisória fulcrada no art. 485, V, do CPC (violação à 'literal disposição de lei'), seja em face da ausência de previsão legal, como da própria natureza jurídica do instituto"(34).
5 O Recurso Especial e a Ação Rescisória que Alegue Ofensa a Norma Constitucional
O recurso especial, segundo sua previsão constitucional, tem cabimento para a hipótese de violação à lei federal comum (CF, art. 105, III, a), por isso não cabe ao STJ, no julgamento do referido recurso, examinar matéria de natureza constitucional. Para tal fim, a parte terá de se valer do recurso extraordinário, endereçando-o ao STF (CF, art. 102, III, a).
Isto, porém, não exclui a possibilidade de um acórdão do STJ, em sede de recurso especial, cometer ofensa à Constituição. Se isto ocorrer, não há de condicionar a posterior rescisória ao requisito de ter sido levado o processo ao Supremo Tribunal Federal, por meio de eventual recurso extraordinário. A ação do art. 485, V, do CPC, como já visto, não depende de exaustão da via recursal.
Por outro lado, a violação à literal disposição de lei, tanto pode consumar-se em face de lei ordinária como de norma constitucional, de sorte que a legitimação para a propositura da ação rescisória ocorre indistintamente, isto é, seja em relação à Lei Maior ou à lei infraconstitucional.
Nessa perspectiva, já decidiu o STJ, em ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC, que a inobservância de citação daquele que irá sofrer os efeitos da sentença não só violou as regras processuais como "impediu o exercício dos direitos constitucionais de ampla defesa e do contraditório do recorrente previstos pelo art. 5º, LV, da CF/88"(35).
Em suma, é certo que o cabimento da rescisória por ofensa à Constituição (CPC, art. 485, V) contida na lei aplicada pela sentença rescindenda, não depende, necessariamente, de prévia declaração da inconstitucionalidade pelo STF(36).
6 A Sucessão Universal no Caso de Cisão Parcial de Sociedade Anônima e a Obrigatoriedade da Citação das Sociedades Sucessoras
Em nosso primeiro parecer sobre a ação rescisória ora analisada, fizemos a demonstração de que a cisão, regulada pelo art. 229, § 1º, da Lei nº 6.404/76, provoca não uma cessão de bens e obrigações (sucessão singular) mas uma sucessão universal.
A grande diferença entre as duas modalidades de sucessão reside em que na singular ocorre a transferência ao sucessor de apenas uma ou algumas relações jurídicas, enquanto na sucessão universal ocorre "a transferência uno actu da totalidade do patrimônio (ou de uma cota-parte dele) para uma ou várias pessoas"(37).
Daí porque, para fins processuais, não se pode tratar a beneficiária da cisão (assim como a da incorporação, ou da fusão) como simples cessionária, enquadrando-se na hipótese do art. 42 do CPC (isto é, de terceiros adquirentes, por ato inter vivos, da coisa ou do direito litigioso).
A extinção e a fusão de empresas equiparam-se, não à cessão de bens e direitos, mas à morte da pessoa física e sua sucessão hereditária(38). A cisão parcial, por sua vez, equipara-se à situação da morte de um dos cônjuges, em que o patrimônio comum do casal é sucedido universalmente, na parte correspondente à meação do morto, por seus herdeiros.
Inaceitável, portanto, que uma ação pendente sobre bem ou direito do casal tenha curso, após a morte de um dos cônjuges, apenas contra o sobrevivente. Com a abertura da sucessão, instala-se uma comunhão universal entre todos os sucessores do de cujus e o cônjuge supérstite. Por isso, o processo em curso se suspenderá até que todos os sucessores sejam citados para a habilitação, por meio da qual substituirão o morto em sua posição processual (CPC, arts. 43 e 265, I, § 1º).
Ao contrário da sucessão singular, em que o ingresso, no processo pendente, do cessionário dos bens e direitos litigiosos é eventual e não necessário (CPC, art. 42), na sucessão universal, a inserção dos sucessores é obrigatória; e o processo ficará automaticamente suspenso enquanto tal substituição não se der (CPC, art. 265, § 1º).
Os sucessores universais, portanto, são partes necessárias do processo suspenso. Sua retomada de curso passa a depender do pressuposto processual de suas respectivas citações. Sem estas, ou algo que assupra, como a habilitação espontânea, o prosseguimento do feito incorrerá em nulidade cujo alcance repercutirá sobre a sentença e todas as decisões supervenientes.
Muito correto, portanto, o parecer da Procuradoria do Ministério Público no bojo da AR nº...,in verbis:
"Operada a cisão parcial, a suspensão da ação em curso contra a sociedade cindida é medida imperativa e compulsória sob pena de nulidade. Nenhum ato processual pode ser praticado até que se regularize o elemento subjetivo da relação jurídica com a intimação das sociedades beneficiárias para integrarem a relação juntamente com a empresa cindida".
Não há diferença alguma, in casu, entre a sucessão universal de empresas e a decorrente da morte da pessoa natural. Num e noutro caso de sucessão universal, suspende-se o processo "no exato momento em que se deu, ainda que o fato não seja comunicado ao juiz da causa, invalidando os atos judiciais acaso praticados depois disso"(39).
Em conclusão, o prosseguimento do feito, após a sucessão universal [seja por morte da pessoa física, ou por extinção total ou parcial da pessoa jurídica], acarretará, caso não se respeite a suspensão para habilitação dos sucessores, "violação de vários princípios fundamentais, dentre eles o do devido processo legal, na medida em que os respectivos atos praticados subsequentemente atingiriam os sucessores que ainda não são partes, e os terceiros que todavia não intervieram"(40).
Passível de rescisória, portanto, será o julgamento de mérito ocorrido após a sucessão universal e antes que se cumprissem a suspensão e as diligências de habilitação necessária dos sucessores universais, tanto no caso de pessoa física como jurídica.
7 Sucessão Universal e Solidariedade
A cisão parcial é fonte de solidariedade, como se vê do art. 233, parágrafo único da Lei das Sociedades Anônimas. A situação jurídica das empresas sucessoras, na espécie, frente às obrigações da empresa cindida, não se resume ao regime da solidariedade. O sucessor universal não é alguém que contrai obrigação solidária junto a um coobrigado nas relações negociais singulares. É alguém que recebe toda universalidade patrimonial (ou uma cota-parte dela), e se torna diretamente o titular de todas as relações jurídicas ativas e passivas da universalidade transferida. Não há propriamente uma cessão, mas uma sucessão plena.
Após a cisão, não será mais possível a constituição de obrigação em nome apenas da cindida que atinja, solidariamente, também as sucessoras universais. Ainda que se possa cogitar de solidariedade entre a cindida e as beneficiárias da cisão, os títulos obrigacionais constituídos após a sucessão, somente serão oponíveis aos sucessores universais se aperfeiçoados com sua participação.
Qualquer sentença que condene a empresa cindida a alguma prestação patrimonial, após a cisão, só será viável, se proferida apenas para reconhecer débito exclusivo da empresa originária, o qual, por isso mesmo, não terá integrado a sucessão universal operada entre as empresas beneficiárias da cisão. Se se tratar, porém, no título constitutivo (sentença) de obrigação destinada a onerar sucedida e sucessoras, o processo só será válido se envolver todas as empresas ligadas à sucessão universal.
É importante ressaltar que nem mesmo a cláusula da cisão parcial, que limite ou exclua a solidariedade das sucessoras pelas dívidas da sucedida, elimina a responsabilidade das sucessoras pelos créditos reconhecidos posteriormente à cisão.
A jurisprudência reiterada do STJ tem posição firme sobre o tema:
"3. No caso a cisão total, as sociedades assim originadas respondem, em solidariedade, pelas obrigações da companhia que se extingue (art. 233).
4. Tratando-se de cisão parcial, via de regra, também prevalece a solidariedade, a menos que no ato de reestruturação societária exista disposição em sentido contrário (...).
5. Em relação aos credores com títulos constituídos após a cisão, mas referentes a negócios jurídicos anteriores, não se aplica a estipulação que afasta a solidariedade, já que, à época da cisão, ainda não detinham a qualidade de credores, portanto, não podiam se opor à estipulação. Esta interpretação dos arts. 229, § 1º, c/c 233, parágrafo único, da Lei nº 6.404/76 garante o tratamento igualitário entre todos os credores da sociedade cindida"(41).
A partir do entendimento do STJ de que não subsiste, na cisão parcial, a cláusula de exclusão da solidariedade prevista no art. 233, § 1º, da Lei das S/A, "quanto aos credores cujo título não tiver sido constituído até o ato de cisão, independentemente de se referir a obrigações anteriores", a conclusão inevitável é a de que:
a) a sentença que venha a constituir título de crédito contra a cindida, após o desmembramento societário, se se referir a obrigação anterior à cisão, atingirá sempre a responsabilidade solidária das empresas sucessoras;
b) devendo operar o título judicial em face tanto da empresa cindida parcialmente como da beneficiária da cisão, "não se pode opor à inclusão da sucessora no polo passivo", nem mesmo em função do "princípio da estabilidade da demanda"(42).
Por conseguinte, nenhuma aplicação tem ao caso a regra de direito civil que franqueia ao credor de obrigação solidária demandar a dívida por inteiro de qualquer um dos devedores (Cód. Civil, art. 275). Essa disposição legal pressupõe crédito já constituído e titulado perante todos os coobrigados solidários. Não se aplica, obviamente, aos processos de constituição judicial do título da dívida. Se a certificação da existência e extensão da dívida depende de sentença, não só a solidariedade, mas a própria obrigação terá de ser constituída por meio de processo em que todos os coobrigados figurem no respectivo polo passivo. Afinal, a sentença só tem força e autoridade entre as partes perante as quais é dada, não podendo beneficiar nem prejudicar terceiros, isto é, quem não foi incluído na relação processual oportunamente (CPC, art. 472).
No casosub examine, portanto, não é apenas a solidariedade que determina o litisconsórcio passivo necessário; é sobretudo o objeto do processo pendente, voltado que estava, ao tempo do julgamento, para a formação de título obrigacional operável em face tanto da empresa cindida, como de suas sucessoras universais.
8 Conclusões
À vista de tudo quanto se expôs e argumentou, passamos a responder aos quesitos da consulta:
1º Quesito: Em ação rescisória com apoio no art. 485, V, do CPC, é necessário que a ação rescindenda tenha se pronunciado sobre o dispositivo apontado como violado?
Não. O que a lei impõe com requisito da ação rescisória, na espécie, é que exista uma sentença (ou acórdão) de mérito transitada em julgado e que nela se aponte uma violação, expressa ou implícita, a literal disposição de lei.
Ao contrário do que se passa com o recurso especial, para a rescisória, que não é recurso, mas ação desconstitutiva de sentença, não vigora a requisito do prequestionamento da matéria arguida como vício do julgado rescindendo. O que incumbe à parte é simplesmente enquadrar o defeito do ato judicial numa das hipóteses do art. 485 do CPC. Nada mais. A configuração efetiva da causa de rescisão será aferida no julgamento final da ação rescisória.
2º Quesito: Se a ação rescisória apontar violação de norma constitucional, tal matéria teria que ter sido discutida em recurso extraordinário?
Não. Para admissão da rescisória não se cogita de utilização prévia e obrigatória de recurso algum, muito menos de esgotamento das instâncias judiciárias. A violação de lei que justifica a rescisória prevista no art. 485, V, do CPC, tanto pode se referir à lei comum como à Constituição. E tal violação pode ser cometida em qualquer grau de jurisdição, nada havendo que, no plano concreto, impeça um juiz singular, um tribunal de segundo grau, ou o Superior Tribunal de Justiça de cometer em seus decisórios uma eventual ilegalidade no plano constitucional.
E se tal se der, cabível será o manejo da ação prevista no art. 485, V, do CPC, sem nenhuma indagação acerca de ter sido, ou não, manejado, oportunamente, o recurso extraordinário para o STF.
3º Quesito: A ausência de citação de litisconsorte passivo necessário no processo originário autoriza apenas a querela nullitatis insanabilis, ou essa matéria pode ser posta também em ação rescisória? Poderia a ação rescisória ser recebida como querela nullitatis, em atenção ao princípio da fungibilidade?
Há duas correntes no STJ, uma (a da 1ª Seção) que entende caber na espécie somente a ação comum declaratória de falta de citação (querela nullitatis), e outra (a da 2ª Seção) que admite seja a nulidade por falta de citação declarada, tanto em ação comum como em ação rescisória.
A tese da 2ª Seção é a mais tradicional na doutrina e a que, nós particularmente, sempre defendemos. Está prestigiada por autoridades incontestes, como Pontes de Miranda e Cândido Dinamarco, entre outros.
É que, se existe sentença de mérito transitada em julgado, e se esta foi pronunciada sem atender para a exigência legal de prévia e válida citação, claro é que houve error in procedendo suficiente para enquadrar a hipótese no permissivo do art. 485, V, do CPC.
Ademais, se qualquer meio processual (ação, incidente ou procedimento) é adequado ao reconhecimento da nulidade ipso iure da sentença dada sem o pressuposto da citação válida do réu ou dos litisconsortes passivos, parece intuitivo que também isso possa acontecer dentro da ação rescisória.
Por outro lado, mesmo os que, no STJ, rejeitam o cabimento da ação rescisória, reconhecem que não é o caso de simplesmente extinguir o processo por falta de interesse, por inadequação do procedimento escolhido, mas o de aproveitar-se o processo, remetendo-o para o juízo de primeiro grau, onde haverá de ser convertido em ação declaratória comum (querela nullitatis insanabilis)(43).
4º Quesito: A regra de que o credor tem a faculdade de escolher qual o devedor solidário de quem pretende demandar o cumprimento integral da obrigação torna facultativo o litisconsórcio nas ações de conhecimento contra a sociedade cindida parcialmente e suas sucessoras?
Não. A faculdade de livre escolha do devedor solidário que deva cumprir a prestação pressupõe crédito já definitivamente constituído perante todos os coobrigados. Quando a constituição do crédito pende de acertamento judicial, sua exigibilidade só se dará perante os sujeitos passivos do processo. Logo, se a pretensão é de sujeitar a empresa cindida a cumprir obrigação cuja responsabilidade deverá atingir também suas sucessoras, o litisconsórcio passivo entre todas elas não pode ser visto como facultativo, mas como necessário e, portanto, obrigatório, sob pena de invalidade da sentença que não o observar. Não é a condição de obrigação solidária que determina esse litisconsórcio necessário, é a obrigatoriedade de figurar na relação processual todos aqueles contra quem o acertamento judicial deverá produzir efeito.
Este é o meu parecer, s.m.j.
Belo Horizonte, 2 de julho de 2.012.
Notas
(1) MARTINS, Pedro Batista. Recurso e processos de competência originária dos tribunais. RJ: Forense, 1957, n. 54, p. 78. Também Bueno Vidigal e Amaral Santos conceituavam a rescisória como ação pela qual se pedia a nulidade da sentença (VIDIGAL, Luis Eulálio de Bueno. Comentários ao Código de Processo Civil. SP: Ed. RT, 1974, v. IV, p. 39; AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras linhas do direito processual civil. 4. ed., SP: Max Limonad, 1970, v. III, n. 954, p. 446.
(2) "Art. 798- Será nula a sentença: I- Quando proferida: a) por juiz peitado, impedido ou incompetente ratione materiae; b) com ofensa à coisa julgada; c) contra literal disposição de lei. II- Quando o seu principal fundamento for prova declarada falsa em juízo criminal, ou de falsidade inequivocamente apurada na própria ação rescisória."
(3) PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed., RJ: Forense, 1960, v. X, p. 149.
(4) VIDIGAL, Luis Eulálio de Bueno. Op. cit., p. 36. Para BARBOSA MOREIRA, se fosse o caso de adotar a classificação civilística das invalidades, a mais adequada colocação da rescindibilidade da sentença seria entre os atos anuláveis, já que sua ineficácia só operaria depois de judicialmente decretada (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 16. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2012, v. V, n. 68, p. 107).
(5) THEODORO Jr., Humberto. Curso de direito processual civil. 53. ed., RJ: Forense, 2012, v. I, n. 600, p. 743.
(6) BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Op. cit., n. 65, p. 99.
(7) LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. SP: Saraiva & Cia Livraria Acadêmica, 1947, p. 186.
(8) LIEBMAN, Enrico Tullio. Op. cit., loc. cit.
(9) THEODORO Jr., Humberto. Curso de direito processual civil cit. n. 623, p. 756. Defende, também, Cândido Dinamarco o cabimento,in casu, da ação rescisória com base no art. 485, V, do CPC, uma vez que a nulidade da sentença proferida sem o pressuposto da citação válida ofende sem dúvida a disposição literal de lei que declara "indispensável a citação inicial do réu" (CPC, art. 214, c/c art. 247), bem como, a dos litisconsortes necessários (CPC, art. 47, p. único). (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. SP: Ed. Malheiros, 2001, v. II, n. 576, p. 352/353).
(10) PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória, da sentença e de outras decisões. 5. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1976, § 17, p. 147-148.
(11) STJ, 3ª T., REsp 7.556/RO, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, ac. unânime de 13.08.91, RSTJ 25/439. No mesmo sentido: STJ, 4ª T., REsp. 74.937/PA, Rel. Min. Fontes de Alencar, ac. 25.02.97, RSTJ 96/318.
(12) STJ, 2ª Seção, AR 3.502/RS, Rel. Min. Vasco Della Giustina, ac. 24.06.09, DJe 03.08.09.
(13) STJ, 1ª Seção, EDcl na AR 569/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, ac. 22.06.2011, DJe 05.08.2011.
(14) STJ, 2ª T., REsp 445.664/AC, Rel. Min. Eliana Calmon, ac. 24.08.2010, DJe 03.09.2010.
(15) STJ, 4ª T., REsp 330.293/SC, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, ac. 07.03.02, DJU 06.05.02, p. 295.
(16) STJ, 4ª T., REsp 11.290/AM, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, ac. 04.05.93, DJU 07.06.93, p. 11.261.
(17) "Não implementado o litisconsórcio necessário, será nula a sentença assim proferida sem a presença de partes indispensáveis (...). Essa é uma nulidade absoluta (...) será conhecida pelo Tribunal ao qual a causa for endereçada em eventual recurso, mesmo que nenhuma das partes a invoque ou peça a anulação da sentença (arts. 245, par., e 267, § 3º). Se ocorrer o trânsito em julgado, será admissível (g.n.) a ação rescisória (art. 485,V) (...) Em caso de litisconsórcio necessário por força de lei, terá sido violada também a específica disposição que o exige (...)" (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. SP: Ed. Malheiros, 2001, v. II, p. 352/353). STJ, 3ª T., REsp 1.028.503/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, ac. 26.10.2012, DJe 09.11.2010.
(18) THEODORO Jr., Humberto. Curso de direito processual civil. Cit.,v.I, n.623, p. 777.
(19) STJ, 1ª Seção, EDcl nos EDcl na AR 569/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, ac. unânime de 24.08.2011, DJe 30.08.2011; RDDP, 106/155). "O princípio da instrumentalidade das formas impede que seja declarada nulidade quanto inexiste prova de prejuízo de quem a alega" (STJ, 6ª T., REsp 1.290.042/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, ac. 01.12.2011, DJe 29.02.2012).
(20) STJ, 1ª Seção, EDcl nos EDcl na AR 569/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, ac. Unânime de 24.08.2011, DJe 30.08.2011; Revista Dialética de Direito Processual - RDDP, v. 106, p. 155.
(21) "AÇÃO RESCISÓRIA. CISÃO PARCIAL DA EMPRESA RÉ NO CURSO DO PROCESSO EM FASE DE CONHECIMENTO. NECESSIDADE DE SUSPENSÃO DO PROCESSO. AUSÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INOBSERVÂNCIA. Operada a cisão parcial, a suspensão da ação em curso contra a sociedade cindida é medida imperativa e compulsória sob pena de nulidade. Nenhum ato processual pode ser praticado até que se regulariza o elemento subjetivo da relação jurídica com a intimação das sociedades beneficiárias para integrarem a relação juntamente com a empresa cindida. Parecer pela nulidade do processo originário, citação de litisconsórcio passivo necessário, nova sentença de mérito" (Parecer na AR 3234/STJ).
(22) AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras linhas de direito processual civil. 4. ed., Cit., v. III, n. 962, p. 455.
(23) FADEL, Sérgio Sahione. Código de Processo Civil comentado. 1. ed., Rio de Janeiro: Konfino, 1974, v. III, p. 79. STJ, 6ª T., REsp 9.086/SP, Rel. Min. Adhemar Maciel, ac. 29.04.96, RSTJ 93/416, STJ, 2ª Seção, AR 208/RJ, Rel. Min. Nilson Naves, ac. 11.03.92, RSTJ 40/17.
(24) "A admissibilidade da ação rescisória está condicionada à verificação de dois requisitos, quais sejam, a existência de decisum de mérito e a ocorrência do trânsito em julgado deste" (STJ, 1ª Seção, AR 3.047/SP, Rel. Min. Denise Arruda, ac. 22.10.08, DJe 17.11.08).
(25) STF, 1ª T., RE 91.225-8/MA, Rel. Min. Xavier Albuquerque, ac. 14.08.79, DJU 31.08.79, p. 6.471; STJ, 4ª T., REsp 32535-7/BA, Rel. Min. Antonio Torreão Braz, ac. 07.12.93, RSTJ 58/347.
(26) STF, Súmula nº 514.
(27) "Pode uma questão processual ser objeto de rescisão, quando consista em pressuposto de validade de sentença de mérito" (STF, Pleno, AR 1315/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, ac. 12.09.90, RTJ 133/131; STJ, 1ª Seção, AR 107, Rel. Min. Ilmar Galvão, ac. 04.12.90, DJU 04.03.91).
(28) É possível, por exemplo, rescisão da sentença por vício na intimação de uma das partes (STJ, 2ª Seção, AR 3.502/RS, Rel. Min. Vasco Della Giustina, ac. 24.06.09, DJe 03.08.09); No caso de sentençacitra petita, por violação dos arts. 128 e 460 do CPC (STJ, 3ª Seção, AR 687/SE, Rel. Min. Maria Thereza, ac. 28.03.08, DJe 29.05.08).
(29) NEGRÃO, Theotônio; et al. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 42. ed., SP: Saraiva, 2010, p. 571; nota 25 ao art. 485. "A jurisprudência do colendo Pretório Excelso e a doutrina encontram-se orientadas no entendimento de que a ação rescisória alicerçada no art. 485, V, do CPC não exige que a indigitada norma apontada como infringida tenha sido prequestionada no r. julgado rescindendo." (STJ, 5ª T., REsp 468.229, Rel. Min. Félix Fischer, ac. 08.06.04, DJU 28.06.04, p. 384). STF, Pleno, AR 1.126/SP, Rel. Min. Djaci Falcão, ac. 18.09.85, RTJ 116/451; STF, Pleno, AgRg 99.507, Rel. Min. Aldir Passarinho, ac. 23.04.85, RTJ 124/1.101; STJ, 1ª Seção, AR 4202/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, ac. 25.08.2010, DJe 29.09.2010; STJ, 4ª T., REsp 741.753/RS, Rel. Min. Jorge Scartezzini, ac. 09.05.06, DJU 07.08.06, p. 234; STJ, 3ª T., REsp 791.199/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, ac. 06.03.08, DJe 23.05.08; STJ, 2ª T., REsp 797.127/DF, Rel. Min. Castro Meira, ac. 25.11.08, DJe 18.12.08;
(30) THEODORO Jr., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Cit., I, n. 608, p. 751.
(31) TAMG, AR nº 243, Rel. Juiz Corrêa de Marins, ac. 20.11.85, RJTAMG, 24-25/83.
(32) STJ, 2ª Seção, AR 236/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, ac. 31.10.90, DJU 10.12.1900, p. 14.790.
(33) STF, 1ª T., RE-AgRg-ED nº 444.810/DF, Rel. Min. Eros Grau, ac. 03.04.07, DJU 04.05.07, p. 38.
(34) STJ, 4ª T., REsp 741.753/RS, Rel. Min. Jorge Scartezzini, ac. 09.05.06, DJU 07.08.06, p. 234.
(35) STJ, 3ª T., REsp 1.028.503/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, ac. 26.10.2010, DJe 09.11.2010. O trecho citado é do voto da Relatora.
(36) STJ, Corte Especial, EDREsp 687.903/RS, Rel. Min. Ari Pargendler, ac. 04.11.09, DJe 19.11.09 - voto do Relator.
(37) LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Aquisição de ativos e assunção de passivos empresariais. Revista de Direito Mercantil, v. 118, p. 238.
(38) "Se há fusão de empresas no decorrer do processo, inexistindo, portanto, alienação da coisa ou do direito litigioso, há sucessão de partes, o que possibilita ao sucessor pleitear, em nome próprio, direito próprio, como se o antecessor não houvesse existido, não se aplicando, na hipótese, o art. 42 do CPC" (1º TACiv/SP, 1ª C. AI 466.554-3, Rel. Juiz Guimarães e Souza, ac. 28.11.90, RT 671/125. No mesmo sentido, em relação aos sócios de pessoa jurídica extinta: TJSP, 15ª C.Civ., Apel. 125.790-2, Rel. Des. Pinto de Sampaio, ac. 23.03.88, RT 630/102.
(39) STJ, 3ª T., REsp 298.366/PA, Rel. Min. Ari Pargendler, ac. 04.10.01, DJU 12.11.01, p. 152. No mesmo sentido: STJ, 3ª T., AgRg no REsp 248.625/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, ac. 19.11.01, DJU 18.02.02, p. 411.
(40) GOMES, Fábio. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2000, v.III, p.190.
(41) STJ, 2ª T., REsp 478.824/RS, Rel. Min. Castro Meira, ac. 24.08.05, DJU 19.09.05, p. 250.
(42) STJ, 3ª T., REsp 1.294.960/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, ac. 17.04.2012, DJe 26.04.2012.
(43) STJ, 1ª Seção, EDcl nos EDcl na AR 569/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, ac. unânime de 24.08.2011, DJe 30.08.2011; Revista Dialética de Direito Processual - RDDP, v. 106, p. 155.
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