urício Dias
As duas faces de FHC
Pelas funções que ocupou, Fernando Henrique Cardoso é o mais conhecido e ilustre integrante da oposição aos governos do PT. Criticar é um direito natural do cidadão e no caso de FHC é, além de tudo, tarefa partidária.
No artigo que escreve semanalmente para o jornal O Globo ele atacou, no domingo 6, o problema da corrupção a partir da demissão de ministros do governo decididas por Dilma, a partir de denúncias veiculadas pela imprensa.
“Há (…) uma diferença essencial na comparação do que se vê hoje na esfera federal. Antes, o desvio de recursos roçava o poder, mas não era condição para o seu exercício. Agora os partidos exigem ministérios e postos administrativos para obter recursos que permitam sua expansão, atraindo militantes e apoios com as benesses que extraem do Estado.”
A tese do sociólogo, que se espatifa diante dos fatos, é a de que a corrupção a partir do governo Lula tornou-se sistêmica.
Dias antes, no mesmo jornal, o sociólogo tucano Bolívar Lamounier feriu a mesma corda. Desavisado, lamentou que a corrupção agora estivesse sem controle. Deixa -entrever que, sob controle, a corrupção seria tolerável. Eu não acho.
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Voltando um pouco mais de meio século atrás, é possível se deparar com os mesmos problemas na campanha de Juscelino Kubitschek.
O udenismo, cujo DNA pode ser identificado no tucanato, quase conseguiu criar uma chamada “CPI dos Vidros”. Por que esse nome?
Feche os olhos, quem está longe da capital. Imagine Brasília.
Coalhada de vidros, beneficiou o controle monopolista do mercado pelo empresário Sebastião Paes de Almeida. Ele foi o maior contribuinte da campanha milionária de JK, o primeiro a usar a televisão e a deslocar-se de avião pelo País. Como recompensa, Paes de Almeida presidiu o Banco do Brasil e, posteriormente, assumiu o Ministério da Fazenda.
FHC, evidentemente, mira o PT e aliados, quase todos citados nominalmente.
Emerge aí o FHC na oposição. Mas há o FHC no governo. Abrigou-se sob telhado de vidro.
Ele esquece, de propósito, os “arranjos” financeiros do PSDB para custear as eleições. Há muitos e muitos exemplos. Casos mais conhecidos: o chamado “mensalão mineiro”, do PSDB, que gira em torno do mesmo eixo: o publicitário Marcos Valério envolvido no “mensalão do PT”.
Convenientemente, o ex-presidente tucano passa a borracha na história.
Apaga do cenário de denúncias o ex-presidente do Banco do Brasil Ricardo Sérgio, eficiente operador financeiro. FHC usa o mata-borrão na memória de Sérgio Motta, que, em 1994, foi o tesoureiro da campanha de FHC e tinha Ricardo Sérgio como principal operador. Em 1998, Serjão articulou a peso de ouro a emenda da reeleição.
Não se pode ser complacente com os ilícitos. É preciso, no entanto, descortinar o significado político mais amplo da campanha anticorrupção para não exercer o papel de inocente útil.
A corrupção entrou em pauta, com toda a força da mídia, a partir do chamado “mensalão”. Como bandeira de eleição foi um fracasso. Lula foi reeleito, em 2006, derrotando o tucano Alckmin, e Dilma superou o tucano Serra, em 2010.
O eleitor virou as costas para a ética? Não. Talvez tenha apenas percebido que, por hipocrisia, a oposição levou a luta política para o campo da ética.
Andante mosso
Lula e o SUS (1)
O câncer em Lula incitou preconceitos e, também, desencavou velho ressentimento da direita contra a esquerda pelo fato de o ex-presidente, com seu plano de saúde, usar o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, e não o SUS, rede pública de hospitais.
Nos anos 1960, já com o País sob a tutela dos generais, foi bastante usada a expressão “esquerda on the rocks” para desqualificar quem se opunha pacificamente ao regime e defendia posições então chamadas de progressistas.
A ironia resulta de mágoa antiga entoada, igualmente, pela esquerda que se aventurou pela luta armada e por outra que, apaixonada pelo preto e branco, julgava que o colorido era opção da direita.
Lula e o SUS (2)
A todos eles, o colunista dedica a reflexão de Gilberto Freyre, em conferência de 1944, na Faculdade de Direito de Alagoas: “Nada mais cômico, na verdade, do que a ideia (…) de que qualquer homem de tendências socialistas, se tiver algum dinheiro e, principalmente, se possuir automóvel, deve cuidar de desfazer-se de tudo e vestir trapos, como se, reduzindo-se ao estado de pobretão, ele concorresse para a solução das injustiças sociais que denuncia ou critica”.
A reação de Freyre mostra que essa estupidez cruzou o século XX.
Secretaria hereditária
Mudança na Secretaria de Habitação do Estado do Rio: saiu Leonardo entrou Rafael, vindo da Assembleia Legislativa.
É o revezamento entre os filhos de Jorge Picciani, capitão-mor do PMDB fluminense.
Por trás da sucessão, nessa espécie de capitania, há uma punição imposta ao ex-jogador de futebol Deley (PSC), que volta à vida de suplente.
Ele ocupava, provisoriamente, o lugar de Leonardo na Câmara.
Levou cartão vermelho por se aproximar do ex-governador Garotinho.
Extrapolou
No Instituto Teotônio Vilela, em reunião com ares de refundação do PSDB, o ex-presidente Fernando Henrique produziu mais uma frase imortal: “Um partido precisa ser capaz de reinventar o futuro”.
Inventar o futuro já não é lá assim tão fácil. Saber como será o futuro e, ainda, reinventá-lo são tarefas para intelectuais megalomaníacos.
Mundo-cão
Jayme Asfora, da Comissão de Direitos Humanos da OAB, coordenará a faxina humanitária que a entidade fará no sistema penitenciário brasileiro.
É uma missão fundamental
Em 2010, o Brasil tinha quase 500 mil encarcerados. Desses, 44% eram presos provisórios. Cumpriam penas, além do tempo permitido, porque ainda não estavam legalmente condenados. Muitos deles são vítimas de erros judiciários.
A desorganização e a injustiça, pilares do sistema carcerário, fazem do falido modelo de regeneração social uma punição desumana.
Verba em vão
Trabalho do Ipea mostra a diminuição da desigualdade entre o conjunto dos municípios brasileiros, a partir do rendimento domiciliar médio.
Há uma queda maior na desigualdade, na década de 1990, resultante do maior repasse de verbas federais para as prefeituras, promovido pela Constituição de 1988.
O Índice de Gini baixou de 0,32 para 0,26 (gráfico).
Além de estimular a criação de municípios, essa melhoria também teve pouco impacto na diminuição da desigualdade dos munícipes.
Além da maior variação de renda entre as pessoas, é um indício forte de que não basta mais dinheiro. É preciso que ele seja mais bem aplicado.
Violência
Erro mortal
Os repórteres destacados para coberturas sobre violência às vezes extrapolam os limites do trabalho jornalístico e invadem a esfera policial.
Gelson Domingos, o cinegrafista atingido no peito por um tiro fatal de fuzil, durante operação
na Favela de Antares, no Rio, expõe essa e outras questões.
Gelson foi ferido por uma bala perdida, disparada contra PMs com os quais um traficante trocava tiros.
É discutível a tarefa jornalística de mostrar, de forma tão ousada, um tiroteio.
Que informação é levada ao telespectador?
Problema à margem, surge outra dúvida. Era uma zona de guerra? A resposta positiva força a observação: ninguém, então, estava adequadamente protegido.
O projétil poderia ter atingido a cabeça de Gelson ou a cabeça de um dos policiais. Nem o cinegrafista nem os policiais usavam capacete de proteção balística, que, com o colete, resguardam as partes vitais do corpo.
O colete do cinegrafista não o protegia. Ele usava o tipo III-A de uma escala até IV. Esse, sim, com proteção contra fuzis.
Mas há um problema.
A legislação do Exército (R-105, Regulamento para Fiscalização de Produtos Controlados)
veta o uso dele por civis.
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