Ophir Cavalcante: "Querem reduzir completamente os avanços do CNJ"
Vitória (ES), 19/10/2011 - A reforma política não vai sair, o Parlamento só funciona na base da pressão e, hoje, a tendência é mesmo de esvaziamento dos poderes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para investigar juízes. Para o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, o Judiciário brasileiro está cheio de privilégios e têm corregedorias locais feitas "para não investigar" juízes corruptos. Segundo o presidente, que dirige uma entidade historicamente engajada em lutas políticas e sociais, as marchas contra a corrupção são um "grito" contra o esgotamento do sistema político, mas precisam de foco para resultados.
Nesta entrevista para A Gazeta (ES), Ophir faz um balanço do governo Dilma Rousseff (PT) e considera que há medo de se legislar no país porque os congressistas "se valem da caneta do Executivo". Ele vê com preocupação a anulação de operações de relevo pelo Superior Tribunal de Justiça e faz uma forte defesa dos poderes do CNJ - o Conselho pode ter restringida sua ação fiscalizadora de magistrados caso o Supremo Tribunal Federal (STF) aceite um recurso da Associação dos Magistrados Brasileiros.
Segue a entrevista concedida pelo presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante ao repórter Rondinelli Tomazelli:
Vai ser um retrocesso se os poderes da corregedoria nacional do CNJ forem limitados para investigar juízes?
O CNJ surgiu como uma resposta aos reclames da sociedade em relação ao poder fechado que é o Judiciário. A parte ética em relação a magistrados sempre foi tratada sem compromisso maior com a apuração e conclusão efetiva sobre acusações. O Judiciário era um poder extremamente corporativo, com proteção grande aos erros internos. As corregedorias não venciam essa demanda porque eram desestruturadas ou culturalmente foram criadas para não fiscalizar. O CNJ nasceu por conta desse anseio de conferir transparência ao Judiciário, porque corrige os desvios de conduta dos demais poderes.
Todos os avanços alcançados estão em xeque com a ação da AMB que o Supremo vai julgar em breve?
Com o ex-corregedor Gilson Dipp, o CNJ passou a incomodar Tribunais de Justiça onde o corporativismo prevalece. Depois, veio a ministra Eliana Calmon dando sequência. Quando o CNJ passou a punir disciplinarmente membros de Tribunais, provocou reação da magistratura estadual. Isso fez com que o Conselho fosse bombardeado em suas decisões porque, segundo os Tribunais, estava invadindo sua autonomia. Isso foi levado ao Supremo, que passou a suspender decisões do CNJ em casos de desvio comprovado de conduta ética. Criou-se um sentimento equivocado no STF de que o CNJ estava exorbitando atribuições. A resolução do Conselho contestada pela AMB foi o estopim para se tentar reduzir completamente todo esse avanço que se teve na Justiça com o CNJ. Antes, não tínhamos sequer a chance de conhecer números da Justiça. O Conselho passou a estabelecer metas, evidenciou a morosidade e exigiu mais trabalho dos magistrados. Acabou com o costume de juiz trabalhar de terça a quinta e no horário que quisesse.
A tendência do Supremo, então, é de esvaziar a Corregedoria do CNJ?
A perspectiva ainda é de esvaziamento, mas é muito bom que a sociedade esteja reagindo. O CNJ ainda não avançou como deveria, ainda há resistências nos Tribunais superiores, mas isso precisa ser vencido pela força da sociedade para que o Judiciário tenha mecanismos de transparência. A correção dos desvios ético-disciplinares é fundamental para a credibilidade da Justiça brasileira.
Há muitas mordomias na Justiça?
Os juízes têm que ser bem remunerados para ter independência e liberdade, mas precisam reverter isso em favor da sociedade. Afinal, recebem 13 salários para trabalhar 10 meses. Têm dois meses de férias e ainda têm 13º salário. Nessa questão dos 60 dias de férias, a Ordem sempre foi crítica; até poderia admitir, se houvesse contrapartida em termos de trabalho justificando esse plus. A Ordem entende que isso é um privilégio que precisa ser debatido. São 60 dias, feriados regimentais e legais, e mais, em relação à Justiça Federal, o recesso de 19 dias. Se fosse 60 dias, que fosse só isso.
E a quem as distorções beneficiam?
Há um desvio de foco na Justiça brasileira. O juiz que está na ponta precisa de mais estrutura, condições de trabalho que hoje não tem. Você vai aos Tribunais e vê gabinetes lotados de assessores, suntuosidade, mordomias, seguranças para todo lado... É claro que efetivamente choca, enquanto o juiz das varas é o que mais sofre porque não tem estrutura para trabalhar. Veja também o processo eletrônico: é realidade dos Tribunais e um dia chegará às varas. Mas não se consegue fazer um processo eletrônico único para todos os Estados. Culturalmente, sempre se privilegiou a cúpula. O que sobrar, mandam para o juiz na base, onde 90% dos problemas se resolvem. Isso desacredita a Justiça.
O presidente do Colégio Nacional de Corregedores concordou com a ministra Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça, que disse que "há bandidos de toga". Concorda?
O que a ministra quis dizer, e assinamos embaixo, é que na magistratura há maus juízes, há juízes corruptos. É necessário haver uma correção disso. Só que, ao mesmo tempo em que o presidente do Colégio concorda que há bandidos de toga, diz que tem que privilegiar as corregedorias locais em detrimento dos poderes atuais do CNJ. Ora, 72% do que chega ao CNJ já vai para as corregedorias locais. O CNJ fica com um remanescente e tem mesmo que ficar. Se não se dar ao CNJ a liberdade de apurar certas situações, vamos negar eficácia à demanda da sociedade por um Poder Judiciário transparente.
O ministro do STF Luiz Fux tenta um acordo para dar um prazo para as corregedorias locais antes de o CNJ passar a investigar os juízes.
A solução para dar um prazo para as corregedorias já existe na resolução. O CNJ não pode ficar refém disso porque o prazo não é o principal, e sim o que se vai apurar. O compromisso dessas corregedorias e dos Tribunais com a apuração é mínimo por causa do corporativismo. Muitas vezes os Tribunais sufocam as corregedorias, que foram criadas para não apurar, só para fazer de conta. Quando apuram, dificilmente o Tribunal mantém a decisão. As corregedorias são mais rigorosos com juízes de 1º grau do que com membros de Tribunal. E ao atuar em relação a Tribunais superiores, o CNJ cria um sentimento corporativo no Supremo.
As marchas contra a corrupção agora querem aprovar o voto aberto no Congresso e forçar a validação da Ficha Limpa em 2012 e a manutenção dos poderes do CNJ. Vai conseguir?
Antes, os movimentos de rua eram promovidos por entidades sindicais e partidos, hoje, atrelados ao poder, caíram no descrédito para liderar movimentação popular. Vimos bons políticos serem quase expulsos da marcha porque são políticos. Mas a liderança desses movimentos não pode ter leitura tão radical; há políticos sérios. A ida para as ruas da classe média que abandonou o sofá no feriado demonstra o modelo político esgotado. A marcha é um grito de insatisfação e descrença, mas precisa avançar e não ficar só no protesto. A Ordem está ao lado desses movimentos para debater caminhos. Definimos bandeiras em reunião na Ordem pela validação da Ficha limpa, o fim do voto secreto no Congresso e a defesa do CNJ. Temos que ter bandeiras para não esvaziar o movimento. Vamos fazer audiências com os presidentes da Câmara e do Supremo, levando pleitos.
O Supremo vai reconhecer a constitucionalidade e a validade da Lei Ficha Limpa para o pleito de 2012?
Tenho esperança positiva de que o Supremo não frustrará essa ansiedade da nação, esse sonho de uma política séria. Se é uma exigência para servidor ingressar em concurso, por que não para políticos? Ninguém quer condenar por exceção, mas dentro do processo legal. A Ficha Limpa procura preservar esse direito de defesa, estabelece limite que, a nosso ver, não é pena, mas um pressuposto de elegibilidade. A lei não agride a presunção de inocência.
As comissões especiais de reforma política da Câmara e do Senado trabalharam separadas e aprovaram temas diversos. É sinal que nada sairá?
Infelizmente, os políticos frustraram a sociedade. A constituição de duas comissões com tema e tempo diferentes já foi feita para não evoluir na discussão, que ficará, de novo, relegada ao impasse. Isso é revoltante porque os presidentes da República, Dilma Rousseff; do Senado, José Sarney; e da Câmara, Marco Maia, assumiram com compromisso de fazer a reforma política. A reforma não vai sair. Está muito presente o interesse dos partidos e dos parlamentares em não vê-la prosperar. Cada um puxa para um lado para que nada saia. É paralisia total.
Há mais de 100 projetos de combate à corrupção prontos para entrar em pauta. Por que não votam?
Infelizmente, o Parlamento brasileiro só funciona sob pressão. Não sendo isso o Parlamento se perde, não tem objetividade nos debates. Claro que a dialética é necessária para discussões, mas hoje essa dialética é pobre de conceitos e passou a ser a motivação para que nada aconteça. No Parlamento mal se começa discussões, quanto mais se chega ao final. Isso é a grande frustração e a causa direta do descrédito. Não se pode conceber que o Parlamentar trabalhe de terça a quinta e consiga fazer funcionar o Legislativo. É um modelo esgotado.
Por que o Legislativo está assim?
O Parlamento finge que funciona nos planos federal, estadual e municipal. Tudo depende do Executivo. O Parlamento só funciona para apreciar projetos de interesse do Executivo. Há medo de se legislar neste país. Há medo de exercer o mandato com independência. Todos estão preocupados em agradar a caneta do Executivo e dela se valerem. Isso tem que mudar. A sociedade precisa reagir.
Há algo errado quando o STJ anula operações de impacto como Boi Barrica, Satiagraha, Castelo de Areia?
O papel da Polícia Federal e do Ministério Público deve ser louvado, mas no combate ao crime não se pode ultrapassar limites legais. Precisa haver mais cuidado para que a sociedade não fique frustrada, porque o fato existiu, houve apuração e envolvimento, mas se deixa de se julgar esse fato por conta da forma. O que precisa mudar é ter cuidado para que as operações sejam feitas dentro da lei para que não sejam anuladas e frustrem a sociedade, que não tolera mais ver esses crimes sem apuração e condenação. Isso só faz gerar mais corrupção por conta da impunidade. Lamento que isso aconteça.
Aprova o governo Dilma Rousseff? Ela deixou a faxina pelo caminho?
A contingência mundial é de poupança, e a política adotada é própria do momento. Vejo como positiva sua postura em relação a denúncias comprovadas de comprometimento ético de membros do governo. Ela teve coragem de estancar esses tumores. Esperamos que continue essa política e reduza as desigualdades. A União, ao invés de distribuir e redistribuir, tem concentrado muitos poderes e recursos. Desde a Coroa, a União é a grande provedora e faz política com isso - o que é ruim, sendo necessário reescrever o pacto federativo. Um exemplo é a Segurança, problema que a União não toma para si.
Do Portal OAB: (http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=22910). Acesso em: 20/out/2011.
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