Acessos

terça-feira, 13 de abril de 2010

Torturas. Lei da Anistia. Tortura não é Crime Político, é Crime contra os Direitos Humanos. Texto da Lei da Anistia foi imposta pela Ditadura como condição para flexibilizar o regime, porém, não "anistia" torturadores. Ação da OAB será julgada pelo STF nesta quarta-feira (14/4). O Presidente da OAB fará sustentação oral. Veja entrevista...

12 de Abril de 2010‏
Revisão da Lei de Anistia não é ato de revanchismo, diz presidente da OAB


A ação que questiona a aplicação da Lei de Anistia sobre os agentes do Estado que praticaram torturas, sequestros e assassinatos durante o regime militar não é um instrumento de revanchismo ou de vingança contra os militares, segundo o presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Ophir Cavalcante.


Responsável por defender no julgamento da próxima quarta-feira (14/4), perante o STF (Supremo Tribunal Federal), a tese de que a Lei 6.638/79 anistiou apenas os crimes políticos e não impede a punição dos torturadores, Cavalcante afirma que o Estado brasileiro é devedor de uma explicação sobre os crimes ocorridos na Ditadura Militar (1964-1985).


"Não se trata de revanchismo, não se trata de vingança em relação às pessoas que podem ser acusadas. Trata-se do resgate da história, da memória da sociedade brasileira, que é fundamental para o fortalecimento da Constituição e da democracia no país", afirma.


Nesta entrevista exclusiva a Última Instância , Cavalcante contesta a versão de que a Lei de Anistia foi um grande pacto de pacificação nacional, que perdoou os crimes dos dois lados da disputa.
"A Lei de Anistia foi debatida. Mas, muito mais do que debatida, ela foi imposta como uma condição para que se pudesse flexibilizar o regime".


Segundo o presidente da OAB, uma grande pressão política levou à aceitação da lei da forma como foi apresentada, o que permitiu a volta de milhares de exilados que haviam deixado o país entre o fim da década de 60 e meados da década de 70.
"Prevaleceu a força de quem já estava no poder", observa o advogado.


Ele também critica a falta de apoio do Governo Lula, que apesar de ser integrado por diversos opositores e perseguidos políticos na Ditadura, não demonstrou interesse na ação.


Com exceção dos ministros da Justiça, Tarso Genro (que deixou o cargo recentemente), e dos Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, o tema enfrenta grande resistência no governo.
Os Ministérios da Defesa, de Relações Exteriores e a AGU (Advocacia Geral da União) se posicionaram contra a revisão, assim como a PGR (Procuradoria Geral da República), cujo posicionamento surpreendeu analistas.


Leia a seguir a íntegra da entrevista:


Última Instância - Qual a expectativa da OAB sobre o julgamento da ação que questiona a Lei de Anistia? Que interpretação o STF deve dar a ela?


Ophir Cavalcante - A Ordem espera que o STF interprete que a Lei da Anistia somente é aplicável aos crimes ideológicos, aos crimes políticos. Para os crimes comuns, entre os quais está a tortura, ela não seria aplicada. Ao fazer isso, o Supremo permitirá que sejam instaurados processos contra os torturadores, para que eles possam responder a ações penais. Não se trata de revanchismo, não se trata de vingança em relação as pessoas que podem ser acusadas. Trata-se do resgate da história, da memória da sociedade brasileira, que é fundamental para o fortalecimento da Constituição e da democracia no país, sobretudo, para garantir um futuro diferente para nossos filhos e netos. As pessoas precisam saber o que aconteceu com seus parentes, suas pessoas queridas, e muitas pessoas até hoje não sabem. Isso é importante para que nós possamos passar a limpo a nossa história e olhar para o futuro de uma outra forma.


Última Instância - Por que ainda é necessário, depois de 30 anos, punir os responsáveis por esses crimes?


Ophir Cavalcante - Imagine você, se algum familiar seu tivesse sido morto em uma situação como essa. Você não iria querer que houvesse Justiça? Que o crime fosse apurado? Que a pessoa que matou fosse penalizada? Creio que esse é um sentimento que todo o ser humano tem, de justiça.


Última Instância - A Lei anistiou todos os crimes políticos e conexos cometidos entre 1961 e 1979. Os atos de repressão estatal (tortura, sequestros e assassinatos) podem ser considerados crimes conexos?


Ophir Cavalcante - A Ordem entende que se tratam de crimes comuns e não crimes conexos aos crimes políticos. E, uma vez declarados crimes comuns, eles seriam imprescritíveis, por causa dos tratados internacionais. Com isso, as pessoas que estivessem envolvidas poderiam ser objeto de um processo judicial, a fim de apurar essa responsabilidade.


Última Instância - Os pactos internacionais de direitos humanos assinados pelo Brasil afastam a prescrição mesmo passados mais de 30 anos dos crimes?


Ophir Cavalcante - Sim, essa é a grande interpretação legal e constitucional que a Ordem defende. A aplicação dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário é que tornariam esses crimes imprescritíveis. É a mesma coisa que aconteceu, por exemplo, em relação à matança que se fez contra o povo judeu pelos nazistas. São crimes de lesa-humanidade e que são imprescritíveis de acordo com os tratados internacionais.


Última Instância - O que o senhor pensa sobre o parecer da AGU que afirma que não há controvérsia jurídica sobre a interpretação da Lei de Anistia?


Ophir Cavalcante - O parecer da AGU reflete uma posição de Estado, e, portanto, deve ser respeitado. Entretanto, não significa que a Ordem concorda com esse tipo de interpretação. Entendemos que a Lei da Anistia não tem essa magnitude ampla, geral e irrestrita como se pretende, e entende que o Estado brasileiro é devedor de uma explicação para as pessoas que estiveram envolvidas e também para o mundo todo. Nós temos de convir que aqui mesmo na América do Sul, na Argentina e no Chile, as leis de anistia foram revogadas e nem por isso aconteceu qualquer tipo de situação que prejudicasse o funcionamento normal das instituições. Há muito terrorismo no que diz respeito a essa retratação. Nós precisamos ter coragem de passar a limpo a nossa história, para que o Brasil possa olha para trás reconhecendo seu passado.


Última Instância - Em comparação com os países vizinhos, por que o Brasil demorou tanto para rever essa questão?


Ophir Cavalcante - Eu acredito que tenha faltado uma visão ampla, muito mais aberta a respeito dessa questão na sociedade. A Ordem amadureceu sua posição sobre o tema durante esse tempo e agora trouxe à tona o debate. Isso faz parte também de um processo de crescimento da democracia, do amadurecimento das ideias, das discussões e isso não pode ser instantâneo. Isso tem que ser feito de uma forma responsável e com muito amadurecimento e propriedade.


Última Instância - E o parecer da PGR, contrário à ação, surpreendeu?


Ophir Cavalcante - A Ordem não esperava nem que fosse contrário, nem favorável. A Ordem espera que a Procuradoria Geral da República defenda a sociedade e, se a visão da PGR interpretando a sociedade é essa, nós temos que respeitar, embora não concordemos.


Última Instância - O procurador Roberto Gurgel afirmou que a Lei de Anistia foi resultado de um amplo debate nacional que possibilitou a redemocratização. O senhor concorda com essa argumentação?


Ophir Cavalcante - Concordo em termos. A questão foi debatida, mas, muito mais do que debatida, ela foi imposta como uma condição para que se pudesse flexibilizar o regime, para que o endurecimento deixasse de existir. Na verdade, a negociação não levou em consideração a opinião da sociedade, o processo de construção da anistia recebeu muito mais uma pressão política e jurídica, no sentido de "ou se aceita assim, ou não vai ter". Prevaleceu a força de quem já estava no poder.


Última Instância - O fato de o ministro Eros Grau ter sido preso e torturado durante a ditadura favorece ou prejudica a causa?


Ophir Cavalcante - Não vejo nem que prejudica, nem que favoreça. Ele vai fazer uma análise jurídica da questão, com base na Constituição Federal e na Lei da Anistia.


Última Instância - Existe a chance de adiamento ou pedido de vista?


Ophir Cavalcante - É possível, é uma matéria muito complexa. Embora esteja bastante debatida, a OAB vai, a partir de segunda-feira, entregar os memoriais, que são a síntese do seu pensamento, que está na ação, a fim de tentar convencer os ministros. Mas não tenho nenhum palpite. Só tenho esperança de que seja julgada [a ação] procedente.


Última Instância - O sr. vê interesse no atual governo, em grande parte formado por opositores da ditadura, para que a ação seja aceita, especialmente nesse período eleitoral?


Ophir Cavalcante - Não vejo. Até hoje o governo Lula não tem demonstrado esse interesse. Há muita divergência interna dentro do governo, embora se reconheça que determinados seguimentos gostariam que a ação fosse julgada procedente sim.


Última Instância - O sr. acredita que a punição aos torturadores pode provocar, como dizem os críticos, uma "caça às bruxas" e instabilidade política e social no país?


Ophir Cavalcante - Não, não vejo. Isso é realmente um argumento terrorista de pessoas que não querem que o direito prevaleça. Geralmente, quando não se tem razão ou quando essa razão é questionável, como no caso presente, as pessoas começam a encontrar argumentos para que a questão não seja nem debatida, para instaurar o terror, o medo. Não vai haver qualquer tipo de instabilidade. Há a experiência de Chile e Argentina. Nós conseguimos afastar um presidente da República, não será o fato de revermos a Lei da Anistia ou instaurar ações penais contra as pessoas que estão envolvidas que vai causar instabilidades neste país


Extraído de: Última Instância - 11 de Abril de 2010
Autor: Daniella Dolme

...Disponível no Portal Jus Brasil: (http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2148357/revisao-da-lei-de-anistia-nao-e-ato-de-revanchismo-diz-presidente-da-oab). Acesso em: 13.abr.2010.

Nenhum comentário: