...”Quando se prepara um plano para o país tem de levar em conta os vizinhos. Os laços econômicos e políticos que o Brasil mantém com países vizinhos são intensos. É do nosso interesse contribuir para o desenvolvimento regional e reduzir diferenças. Quanto mais prósperos, mais estáveis social e politicamente serão esses países.”
...“Se tivéssemos entrado na Alca, talvez hoje estaríamos como o México, cujo PIB retrocedeu em mais de 10%. A Alca não é um acordo de livre comércio, ela estabelece regras que eliminam a possibilidade de uma política econômica autônoma. Em um país subdesenvolvido como o Brasil, com enormes diferenças sociais, a ação do Estado é indispensável. Se tivéssemos aderido, o Banco do Brasil não seria mais público, nem existiriam o BNDES ou a Caixa Econômica Federal.”
...“A Venezuela é muito importante para nós, um país muito rico, não só em petróleo. A soberania é parte do povo. Aqui no Brasil houve uma prorrogação de mandato que não foi aprovada pelo povo. Foi um episódio nebuloso, em que pessoas confessaram ter vendido voto. Chávez concorreu a mais de 10 eleições, todas consideradas legítimas.”
...”Antes havia o hábito de se pedir licença, de ser pequeno. O Brasil agora é maior de idade, não pede licença para ter relações com qualquer país. Agora mesmo, veio ao Brasil o presidente de Israel, Shimon Peres. Também está aqui o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas. Eles não vêm para visitar as belezas naturais. É porque eles consideram importante a posição e a atuação do Brasil.”
Leia o teor da entrevista...
Fone: Diário Catarinense, 22 de novembro de 2009
ENTREVISTA
“O Brasil não pede licença”
Samuel Pinheiro Guimarães, ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos
Formulador da política externa na Era Lula, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães recebeu, há um mês, a incumbência de pensar o Brasil de 2022. O diplomata se diz à vontade na Secretaria de Assuntos Estratégicos.
Planeja desenvolver programas interministeriais e políticas para o desenvolvimento da Amazônia, mas foram as controversas relações diplomáticas do Brasil que dominaram a entrevista concedida, na sexta-feira.
Pinheiro é amigo de Hugo Chávez e tachado como representante do anti-imperialismo no Itamaraty.
Sobre o papel do Brasil na política latino-americana e os empréstimos concedidos pelo BNDES aos países vizinhos, é categórico:
– Sou favorável a um Plano Marshall para a América do Sul. Tão grave quanto uma guerra é o subdesenvolvimento.
Bacharel em Direito e mestre em Economia pela Universidade de Boston, em 2006 Samuel recebeu da União Brasileira de Escritores o título de Intelectual do Ano pela obra Desafios Brasileiros na Era dos Gigantes. Sobre o prêmio, revela uma mágoa:
– Não saiu uma linha na imprensa sobre isso.
Diário Catarinense – A diplomacia do governo Lula é estratégica para o governo. Da sua experiência no Itamaraty, o que o senhor pretende aplicar no ministério em relação ao Mercosul?
Samuel Pinheiro – Quando se prepara um plano para o país tem de levar em conta os vizinhos. Os laços econômicos e políticos que o Brasil mantém com países vizinhos são intensos. É do nosso interesse contribuir para o desenvolvimento regional e reduzir diferenças. Quanto mais prósperos, mais estáveis social e politicamente serão esses países.
DC – O Brasil se envolveu em vários conflitos nos últimos anos, com Argentina, Bolívia, Paraguai.
Pinheiro – Temos disputas comerciais com a Argentina, assim como os Estados Unidos têm com a Europa, com a China. Isso é normal, pois afeta o interesse de empresas que acabam pressionando os governos. São coisas pontuais, de circunstância. Nossa relação com a Bolívia é amistosa. No episódio das refinarias, a imprensa disse que haviam sido expropriadas. Elas foram compradas, por um preço avaliado como justo. O desenvolvimento do Paraguai também é do nosso interesse. Trata-se de um dos países mais ricos do mundo em recursos hídricos, mas tem dificuldade de investimento.
DC – O senhor se arrepende de ter sido contra o ingresso do Brasil na Alca?
Pinheiro – Nem por um décimo de segundo. Se tivéssemos entrado na Alca, talvez hoje estaríamos como o México, cujo PIB retrocedeu em mais de 10%. A Alca não é um acordo de livre comércio, ela estabelece regras que eliminam a possibilidade de uma política econômica autônoma. Em um país subdesenvolvido como o Brasil, com enormes diferenças sociais, a ação do Estado é indispensável. Se tivéssemos aderido, o Banco do Brasil não seria mais público, nem existiriam o BNDES ou a Caixa Econômica Federal.
DC – O senhor tem fama de ser doutrinador na época do Itamaraty, que incentiva leituras de esquerda. Isso é verdade?
Pinheiro – Considero que incentivar leituras é importante. Agora, de esquerda não é verdade. Um dos livros que indiquei é a biografia de Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira.
DC – Por que há tanta controvérsia na sua figura? Dizem que foi o senhor que incentivou a ida do Manuel Zelaya, o presidente deposto de Honduras, para a embaixada brasileira.
Pinheiro – Imagina. Quem disse isso foi o escritor Jorge Castañeda. Não o conheço.
DC – O senhor acha que o Brasil não deve reconhecer a eleição presidencial em Honduras?
Pinheiro – Claro que não. É uma eleição conduzida por um governo ilegal. É um grupo de indivíduos que tomou conta do poder.
DC – O senhor acha que a oposição trata de forma ideológica o ingresso da Venezuela no Mercosul?
Pinheiro – Certamente. Há muita desinformação. Nós temos com a Venezuela o maior superávit comercial.
DC – O senhor é realmente o guru do presidente Hugo Chávez?
Pinheiro – Tenho certeza que não. Alguém fez esse comentário porque ele mencionou uma vez que gostava do meu livro (500 Anos de Periferia).
DC – Há muita controvérsia em relação ao governo de Chávez.
Pinheiro – A Venezuela é muito importante para nós, um país muito rico, não só em petróleo. A soberania é parte do povo. Aqui no Brasil houve uma prorrogação de mandato que não foi aprovada pelo povo. Foi um episódio nebuloso, em que pessoas confessaram ter vendido voto. Chávez concorreu a mais de 10 eleições, todas consideradas legítimas.
DC – Política externa é um assunto árido para a maioria da população, mas no governo Lula conquistou interesse. A que o senhor atribui isso?
Pinheiro – É a dimensão brasileira que mudou. Na política internacional ninguém diz: vou ser líder. Isso é convicção que se forma nos outros. O presidente Lula é um grande líder porque ele interpreta os anseios das pessoas. Isso nos permite influir de forma mais eficaz nas negociações.
DC – O governo irá enfrentar polêmica com a visita do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad.
Pinheiro – Antes havia o hábito de se pedir licença, de ser pequeno. O Brasil agora é maior de idade, não pede licença para ter relações com qualquer país. Agora mesmo, veio ao Brasil o presidente de Israel, Shimon Peres. Também está aqui o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas. Eles não vêm para visitar as belezas naturais. É porque eles consideram importante a posição e a atuação do Brasil.
DC – O chanceler Celso Amorim se filiou ao PT, o senhor se tornou ministro. A diplomacia está indo às urnas?
Pinheiro – Nunca fui filiado a nenhum partido. Não sei quais os objetivos do ministro Celso Amorim, mas há outros diplomatas politicamente engajados. O ministro das Cidades, Márcio Fortes, é filiado ao PP. Há vários diplomatas vinculados à oposição, não sei se são filiados, que nos criticam. Eu prefiro a crítica ao elogio. O elogio me ilude, mas a crítica me aperfeiçoa.
fabio.schaffner@gruporbs.com.br
klecio.santos@gruporbs.com.br
FÁBIO SCHAFFNER E KLÉCIO SANTOS
BRASÍLIA
...Disponível no Portal da RBS / Diário Catarinense: (http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a2724831.xml&template=3898.dwt&edition=13571§ion=128). Acesso em: 22.nov.2009.
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